Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:353/07.0BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:02/18/2021
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO;
ÓNUS DE ALEGAÇÃO;
FACTOS ESSENCIAIS, CONCRETIZADORES E INSTRUMENTAIS;
SENTENÇA CONDICIONADA;
SENTENÇA DE CONDENAÇÃO CONDICIONADA;
NULIDADE DOS ACTOS ADMINISTRATIVOS;
DECLARAÇÃO DE NULIDADE SOB CONDIÇÃO;
ALVARÁ DE LOTEAMENTO;
LICENÇA DE CONSTRUÇÃO;
ACTOS CONSEQUENTES DO ACTO NULO;
PRECLUSÃO DA FORÇA INVALIDANTE DE UMA ILEGALIDADE POR DECURSO DO PRAZO DE IMPUGNAÇÃO CONTENCIOSA;
CADUCIDADE DO LICENCIAMENTO DE ALTERAÇÃO DE UM LOTEAMENTO;
NULIDADE DE UM ACTO URBANÍSTICO;
REGULARIZAÇÃO DA ILEGALIDADE URBANÍSTICA;
DISCRICIONARIEDADE URBANÍSTICA;
DECRETO-LEI N.º 445/91, DE 20/11;
DECRETO-LEI N.º 448/91, DE 20/11.
Sumário:I – Se os factos que se dizem em falta não foram alegados por nenhuma das partes, estes só poderiam ter sido incluídos na matéria fáctica apurada de forma oficiosa, por se entenderem serem factos concretizadores e instrumentais de outros alegados. Nessa mesma medida, tais factos não podem ser considerados essenciais para o conhecimento da causa;
II – No nosso ordenamento jurídico-processual são inadmissíveis sentenças condicionais, ainda que sejam permitidas as sentenças de condenação condicional;
III - A sentença condicional é uma decisão em que não se afirma sequer o direito, porque este mantém-se contingente e dependente da verificação de um evento futuro e incerto. A sentença condicional distingue-se da sentença de condenação condicional, em que um determinado direito é reconhecido judicialmente, mas fica condicionado a um evento, certo ou incerto. No primeiro caso, é o próprio direito que decorre da decisão judicial que se apresenta como eventual ou incerto, no segundo caso, o direito é reconhecido na sentença, ficando apenas a correspondente eficácia sujeita a uma condição futura (certa ou incerta);
IV – A declaração de nulidade de actos administrativos não é passível de ficar dependente da verificação de uma condição, cujo cumprimento fica na disponibilidade da Administração;
V - Ao abrigo do regime do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20/11, é nulo o acto licenciamento de uma obra de construção que viola o correspondente alvará de loteamento;
VI – São nulos os actos consequentes do acto nulo, quando dele dependam absolutamente;
VII – Se um acto administrativo anulável não é impugnado contenciosamente no correspondente prazo legal, tal acto firma-se na ordem jurídica. Ou seja, o decurso do prazo de impugnação da legalidade de um acto administrativo anulável fez precludir a força invalidante da correspondente ilegalidade;
VIII – A caducidade do licenciamento de alteração de um loteamento não opera ex lege, mas tem de ser declarada pela Administração e tem de ser sujeita a audiência prévia do interessado;
IX - Frente a uma nulidade de um acto urbanístico, é lícito à Administração adoptar uma solução inovatória que permita a regularização do correspondente procedimento urbanístico. Uma vez cumpridas as normas impositivas que enquadrem ou parametrizem a questão, é licito à Administração prolatar um novo acto que permitia a regularização da situação inválida e que assim considere todos os interesses envolvidos e a própria consequência do seu anterior comportamento inválido. Basicamente, nestas situações, a Administração exerce os seus poderes discricionários em matéria urbanística.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

O Ministério Público (MP) vem interpor recurso do Ac. do TAF de Sintra, que julgou condicionar a declaração de nulidade dos actos do Vereador da Câmara Municipal de Oeiras (CMO), de 16/04/1997 - que aprovou o licenciamento do lote 16 no alvará de loteamento n.º ....... - de 12/11/1999 - que revalidou o referido licenciamento de construção - de 21/02/2001 – que prorrogou a validade do alvará de licença de construção emitido com o n.º ....... e de 12/07/2012 - que aprovou as alterações ao projecto de construção da obra no lote 16 - “ao facto do Município de Oeiras promover a emissão do alvará n.º ....... corrigido, em conformidade com a deliberação da Câmara de 13 de Fevereiro de 2002, procedendo à emergente comunicação à Conservatória do Registo Predial, obtendo o respectivo averbamento”.

Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões: ”I- O Ministério Público recorre do aliás douto Acórdão proferido de fls. 397 a 414 (SITAF) e mediante o qual se decidiu:
a) Não declarar a nulidade do acto administrativo, de 16 de Abril de 1997, da autoria do Vereador da Câmara Municipal de Oeiras, T......., que aprovou o licenciamento de construção do lote 16, inserido no alvará de loteamento n° .......;
b) Não declarar a nulidade do acto administrativo, de 12 de Novembro de 1999, da autoria do Vereador da Câmara Municipal de Oeiras, T......., que revalidou o licenciamento de construção do referido lote 16;
c) Não declarar a nulidade do acto administrativo, de 21 de Fevereiro de 2001, da autoria do Vereador da Câmara Municipal de Oeiras, T......., que prorrogou a validade do alvará de licença de construção emitido com o n° .......;
d) Não declarar a nulidade do acto administrativo, de 12 de Julho de 2001, da autoria do Vereador da Câmara Municipal de Oeiras, T......., que aprovou alterações ao projecto de construção da obra do mencionado lote 16;
e) Condicionar a decisão de não declaração de nulidade dos actos identificados, ao facto do Município de Oeiras promover a emissão do alvará de loteamento n° ....... corrigido, e em conformidade com a deliberação da Câmara Municipal de Oeiras de 13 de Fevereiro de 2002, procedendo à emergente comunicação à Conservatória do Registo Predial e obtendo o correspondente averbamento.
II - Sucede que, e ao contrário do decidido, impunha-se o deferimento do pedido de declaração de nulidade dos actos impugnados porque em todos eles foi infringido o disposto no alvará de loteamento n° ......., que estabeleceu os parâmetros urbanísticos a observar na obra de construção a efectuar no lote 16, lote emergente daquele loteamento.
III - Com efeito, o alvará de loteamento estabelecia os seguintes parâmetros para o lote 16:
a) área do lote: 354,00m2.
b) ocupação de solo: 115,00m2.
c) área útil: 230,00m2.
d) tipologia: T4.
e) número de fogos: 1.
f) número de pisos: 2+C/V.
g) área total de construção: 246,00m2.
IV- O que aconteceu foi que pelo primeiro acto impugnado, datado de 16.04.1997, pelo qual foi aprovado o licenciamento de construção, foi aprovada uma área de construção de 274,85m2, portanto superior em 42m2 à área de 246,00m2, sendo que o acréscimo em excesso foi de 18,5% com relação ao que era permitido
V - A violação do alvará de loteamento toma aquele acto nulo, e de nenhum efeito, em função do disposto nos arts. 52", n» 2, alínea b), e 63», n» 1, alínea a), ambos do DL 445/91, de 20 de Novembro (alterado pelo DL 250/94, de 15 de Outubro), e ainda do disposto nos arts. 133°, n° 1 e 134°, ambos do CP A.
VI - Sucede que igual violação ao alvará, e com iguais fundamentos de facto e de direito, ocorreu nos demais actos impugnados e daí que sejam igualmente nulos nos termos das referidas disposições legais.
VII - Aliás, a nulidade do primeiro acto também importa na nulidade dos actos consequentes como é próprio do regime da nulidade.
VIII- A decisão recorrida não deu como provado o facto do requerimento para alteração do alvará de loteamento ter sido apresentado na data de 03.07.2001 e únicamente pelo Contra-interessado C......., faltando a autorização de qualquer dos outros proprietários dos lotes de terreno emergentes do loteamento.
IX - E não levou também ao probatório o facto das alterações (ao loteamento) pretendidas se reportarem à diminuição do número de logos, de 28 para 24, e nem ao aumento da área de construção no loteamento, em mais cerca de 17%, sendo que tal omissão traduz, num caso e noutro, erro de julgamento por errada apreciação da matéria de facto.
X - Por outro lado, a deliberação da Câmara Municipal de Oeiras de 13.02.2002 é inválida por violação do disposto no art. 36°, n° 3, com referência ao disposto no art. 29° n° 1 alínea e), ambos do DL 448/91, de 29 de Novembro (alterado pelo DL 334/95, de 28 de Dezembro), porquanto a circunstância das alterações do loteamento se reportarem as especificações mencionadas naquela alínea (número de lotes e respectivas áreas área de implantação e área de construção) obrigava à apresentação da autorização escrita de 2/3 dos proprietários dos lotes do loteamento.
XI - E essa autorização escrita nunca foi apresentada ou junta ao procedimento camarário de alteração, e, acresce ainda, o requerimento para alteração do alvara de loteamento foi únicamente apresentado pelo Contra-interessado C....... (4 Volume, do processo camarário n° 2480-PL/92).
XII- Acresce, e também, que o facto desse requerimento ter sido apresentado a 03 07 2001 implica que o regime jurídico aplicável à requerida alteração do loteamento é o que consta do DL 448/91, uma vez que o DL 555/99 (cfr., art. 128°, n° 1, deste diploma revisto pelo DL 177/2001, de 4 de Junho) só entrou em vigor passados 120 dias após a data de 04.06.2001.
XIII - Por outro lado, a alteração das especificações do alvará de loteamento dá origem á emissão de um novo alvará de loteamento (art. 36°, n° 2, do DL 448/91) e a não apresentação no prazo de um ano de um requerimento a pedir a emissão do competente alvará (de alteração) implica a caducidade da deliberação de licenciamento de alteração do loteamento (art. 27°, do DL 448/91), caducidade que ope legis.
XIV - Sendo que decorreu mais de um ano sobre a data de 13.02.2002 sem que tivesse sido requerida a emissão de alvará (de loteamento) alterado, o que significa que a deliberação da Câmara Municipal de Oeiras dessa data é não só ilegal mas também já caduca.
XV - Daqui decorre que o alvará de loteamento n° ....... não foi ainda validamente alterado e só a alteração do mesmo nos termos do disposto no art. 36°, n 1 e 2, do DL 448/91 (ou do art. 27°, do DL 555/99, se ainda vier a ser feita a opção por esse regime jurídico, isto de acordo como o disposto no art. 128°, n° 2, desse diploma) poderá abrir caminho para a reposição da legalidade, pela via administrativa.
XVI - Assim, a decisão recorrida fez errada interpretação e aplicação do disposto no art. 27° n° 7 do DL 555/99, por ser inaplicável ao caso, e violou as mencionadas normas dos arts. 128°, n° 1, daquele diploma, e dos arts. 27°, 29°, n° 1, alínea e), e 36 , n 1, 2 e 3, todos do DL 448/91, pelo que deverá ser substituída por forma a julgar procedente a acção proposta pelo Ministério Público.“

O Recorrido Município de Oeiras nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “1 .A luz do princípio da plena jurisdição dos tribunais administrativos, consagrado do artigo 3.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), nada impede o juiz de condicionar as decisões ao cumprimento de um dever por parte da Administração.
2. O douto acórdão sob recurso não incorre em erro na apreciação da matéria de facto, na medida em que os factos que o recorrido diz terem sido omitidos em nada relevam para a decisão da presente acção.
3. A Câmara Municipal de Oeiras, ao deliberar a pedido de C....... e de outros proprietários, a alteração e rectificação do alvará de loteamento n.° ......., determinou a substituição das prescrições do alvará original pelas prescrições do alvará alterado.
4. A validade dos actos impugnados deve ser aferida à luz do alvará alterado, em face do qual os actos em causa passaram a estar conformes com as prescrições do loteamento.
5. Mesmo que algumas formalidades previstas no DL 555/99 para a alteração à licença não tenham sido cumpridas, essa omissão não é sancionada com a nulidade.
6. A licença titulada pelo alvará de loteamento n° ....... foi devidamente alterada, para ajustar os parâmetros urbanísticos nele previstos aos parâmetros do projecto de construção efectivamente executado, sanando assim a ilegalidade que existia.
7. A peticionada declaração de nulidade dos despachos do Senhor Vereador não se reveste de nenhum efeito útil, pois a verificada alteração do alvará procedeu à transformação dos actos ilícitos em actos conformes com as prescrições do alvará de loteamento.
8. A ausência de aditamento ao alvará e da comunicação à Conservatória do Registo Predial, também não afectam a validade dos actos impugnados, porquanto consubstanciam meras irregularidades formais.”

Os Recorridos C....... e M....... nas contra-alegações formularam as seguintes conclusões: “I – A questão em apreço é saber se ao caso em apreço se aplica o regime constante do DL 555/99 de 16 de Dezembro com as alterações introduzidas pelo DL 177/2001 ou não;
II – O DL 555/99 entrou em vigor em 2 de Outubro de 2001;
III – A Deliberação da Câmara de Oeiras está datada de de 13 de Fevereiro de 2002, quando já estava em vigor o DL 555/99;
IV – Sendo que a alteração do Alvará dá-se no momento em que a deliberação é aprovada;
V – Pelo que a estes autos é aplicável o regime do DL 555/99;
VI – Andou bem o Tribunal a quo ao considerar que fruto da alteração ao alvará aprovada pela Deliberação camarária 244/02 o alvará ....... passou a estar conforme, nos termos do artigo 27º nº 7;
VII – A Decisão recorrida não padece de qualquer vício ou obscuridade, antes aplicou bem o direito aos factos.”

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Na 1.ª instância foram fixados os seguintes factos, que se mantém:
1) O Alvará de Loteamento nº ....... foi aprovado por despacho do Presidente da Câmara Municipal de Oeiras de 19 de Dezembro de 1995, o qual previa, designadamente para o lote 16, os seguintes parâmetros: Área: 354m2; O. Solo/m2 115; Área Util/Hab. 230m2; Tipologia T4; nº pisos 2+cave; área de construção 246m2 (Cfr. doc 3 PI Procº);
2) O Alvará de Loteamento nº 18 foi registado na 1ª Conservatória de Registo Predial de Oeiras em 16 de Janeiro de 1996. (Cfr. doc junto com req do MP de 17 de Abril de 2007)
3) C....... adquire o controvertido, em 6 de Maio de 1996, por partilha. (Cfr. doc 2 PI Procº)
4) Por Despacho do Vereador da Câmara Municipal de Oeiras, T......., de 16 de Abril de 1997 foi aprovada através do Procº nº 2347-PB/96 a construção de uma moradia inserida no lote 16 do Alvará de Loteamento nº ........(Cfr. doc. 4 PI Procº);
5) Do Relatório da Inspecção Ordinária Sectorial ao Funcionamento dos Órgãos e Serviços Municipais de Oeiras, da IGAT, de 6 de Janeiro de 1998, consta, designadamente: “Procº 2347-PB/96 (Lote 16) a) Não restam duvidas que o licenciamento do lote 16 da Quinta das Fontainhas violou o alvará de loteamento nº ......., pois foram aprovados 274,85 m2 de área de construção para habitação, contra os 232 m2 naquele título previstas, o que deu um excesso de 42 m2, que corresponde a cerca de 18,5%.
b) Assim, o despacho de 16.04.97 que licenciou a obra particular do lote 16 do alvará de loteamento nº ....... em desconformidade com o alvará de loteamento em vigor, está ferido de nulidade, nos termos da alínea b) do nº 2 do Artº 52º do DL nº 445/91, de 20 de Novembro, na sua redacção de DL nº 250/94, de 15 de Outubro.
c) Pelo que nos termos do nº 4 do Artº 53º do mesmo diploma, somos de opinião que se deve participar ao Ministério Público junto do Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, para efeitos da interposição do competente recurso contencioso e dos meios processuais acessórios. (Cfr. doc 5 PI Procº);
6) O Presidente da Câmara Municipal de Oeiras subscreve, em 16 de Abril de 1998 resposta, em sede de contraditório ao IGAT, no qual relativamente à questão aqui controvertida, se diz: “Analisado o processo, verifica-se que foi efectivamente excedida a área prevista no loteamento, em percentagem diminuta. O Despacho que aprovou o licenciamento fundamenta-se na informação dos serviços competentes que apontava para o deferimento, aceitando-se o excesso de área por razões que se entendem razoáveis e não lesivas do interesse geral.
Dado que a moradia está concluída e, por esse facto, se constituíram direitos, além de não terem existido prejuízos para terceiros ou para o Município, entende-se ser ineficaz o recurso contencioso destinado a discutir a legalidade do acto, e por consequência a proposta de comunicação ao Ministério Público face aos efeitos putativos, do acto nulo, nestes casos reconhecidos pelo CPA.” (Cfr. doc req. CMO 23 de Outubro de 2007)
7) O documento referido no precedente facto foi enviado pelo Município de Oeiras à IGAT pelo ofício nº 12993 de 17 de Abril de 1998. (Cfr. doc req. CMO 23 de Outubro de 20079
8) Por despacho, de 12 de Novembro de 1999, do Vereador da CM Oeiras, T....... foi revalidado o licenciamento de construção indicado no lote 16, no seguimento de requerimento apresentado pelo contra-interessado A........ (Cfr. doc 1 req. MP de 8 de Outubro de 2007)
9) Por despacho, de 21 de Fevereiro de 2001, do Vereador da CM Oeiras, T......., foi prorrogada a validade do alvará da licença nº ....... em nome de P....... e a seu requerimento. (Cfr. doc 2 req. MP de 8 de Outubro de 2007).
10) Por despacho de 12 de Julho de 2001, do Vereador da CM Oeiras, T......., foram aprovadas alterações ao projecto de construção de obra no lote de P....... e a seu pedido. (Cfr. doc 3 req. MP de 8 de Outubro de 2007).
11) Do relatório da IGAT face ao Município de Oeiras (ordem de serviço nº 38/2005) relativo ao período compreendido entre 13 de Fevereiro de 1993 e 13 de Fevereiro de 1997, consta, designadamente: “… verificamos que, não obstante já ter sido deliberado pela Câmara Municipal, em reunião datada de 02.02.13 a rectificação do Alvará de Loteamento nº ......., ainda não foi emitido o competente aditamento ao alvará de loteamento, condição de eficácia da alteração promovida.
12) A Divisão de Planeamento da Câmara Municipal de Oeiras elabora, em 22 de Janeiro de 2002, a informação nº 69/2002 DPGU DP, na qual se promove a alteração do Alvará de Loteamento nº ........ (Cfr. Doc Contestação CM Oeiras)
13) A Câmara Municipal de Oeiras delibera, em 13 de Fevereiro de 2002, aprovar a alteração ao alvará nº ....... referida no precedente facto que se consubstancia: Alteração do alvará de loteamento nº ......., nos termos expressos na informação técnica nº 69/2002 DPGU DP Emitir Rectificação/alteração do alvará de loteamento nº ........ (Cfr. Doc Contestação CM Oeiras);
14) A Câmara Municipal de Oeiras envia ao Ministério Público, junto do Tribunal Administrativo do Circulo de Lisboa os ofícios nº 29182, em 24 de Junho de 2002 e nº 32159, em 9 de Julho de 2002, nos quais se dá conta da aprovação da rectificação ao alvará nº ......., referida no precedente facto. (Cfr. Req CM Oeiras de 14 de Maio de 2007)
15) A presente Acção Administrativa Especial deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra em 21 de Março de 2007. (Cfr. fls. 2 e sg SITAF).

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste recurso são:
- aferir do erro no julgamento da matéria de facto por não se terem dados por provados os seguintes factos:
a) Em 03/07/2001 foi apresentado requerimento para alteração do alvará que teve o seguinte teor:” “Exmo. Senhor Presidente da Câmara Municipal de Oeiras
C......., e OUTROS, com morada para o efeito em Rua……………., em Oeiras, Titulares do Alvará de Loteamento ......., Processo de Loteamento 2480-PL/92 melhor identificados no mesmo, vêm solicitar a V. Exa. se digne mandar rectificar o Alvará de Loteamento ........
1. Na sequência de Inspecção Ordinária ao Município de Oeiras promovida pela IGAT - Inspecção-Geral da Administração do Território, foi por essa digníssima Autarquia solicitada a rectificação do Alvará de Loteamento ......., pelo oficio 043967 de 26.09.2000 (o qual se junta cópia-Doc. 1).
2. Em reunião realizada em 25/09/2000, nessa autarquia foi-nos esclarecido o assunto, bem como acordada a isenção de taxa referentes a esta rectificação e seu registo na competente Conservatória do Registo Predial, e a resolução de todos os assuntos relacionados com este loteamento.
3. Razão pela qual apresentamos agora a V. Exas., memória descritiva e justificativa, e peças desenhadas numeradas de 0 a 4, para rectificação do Alvará de Loteamento ........
4.(...)
5. (...) (uma assinatura ilegível)”, facto provado pelo documento incluso no “4.º volume. do processo camarário 2480-PL/92);
b) Na memória descritiva anexa àquele requerimento “as alterações propostas consistiam essencialmente no seguinte:
a) na diminuição do número de fogos de 28 para 24.
b) no aumento da área de construção em cerca de 17%, e do seguinte modo: b.l) aumento em caves (7%).
b.2) aumento em fechos de estacionamento (9%). b.3) aumento em sótãos (1%).”;
- aferir do erro decisório por se ter emitido uma decisão de nulidade de actos administrativos sob condição;
- aferir do erro decisório e da violação dos art.ºs 52.º, n.º 2, al. b), 63.º, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20/11 (alterado pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15/10), 133.º, n.º 1 e 134.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), porque o acto do Vereador da Câmara Municipal de Oeiras (CMO), de 16/04/1997, que aprovou o licenciamento do lote 16 no alvará de loteamento n.º ......., para uma área de construção de 274,85 m2, superior em 42m2 à área de 246,00m2, o equivalente a 18,5% a mais face ao legalmente permitido, é nulo e tal nulidade implica a nulidade consequente dos demais actos que se identificam no petitório da PI e no requerimento de ampliação da instância;
- aferir do erro decisório e da violação dos art.ºs 36.º, n.º 3 e 29.º, n.º 1, al. e), do Decreto-Lei n.º 448/91, de 20/11, porque o regime jurídico constante do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16/12, na alteração dada pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, de 04/06, não é aplicável à data da apresentação do requerimento a pedir a alteração do alvará, o que ocorreu em 03/07/2001, e exigia-se a apresentação de uma autorização escrita de 2/3 dos proprietários dos restantes lotes para a alteração em questão, o que não ocorreu no caso, sendo por essa razão invalida a deliberação da CMO de 13/02/2002;
- aferir do erro decisório e da violação dos art.ºs 27.º e 36.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 448/91, de 20/11, porque a alteração das especificações do alvará de loteamento dá origem à emissão de um novo alvará, que tem de ser requerido no prazo de 1 ano sob pena de caducidade da deliberação de licenciamento de alteração do loteamento, o que significa que a deliberação da CMO de 13/02/2002, para além de ilegal, estaria caduca.

Os art.ºs. 684º-A, n.º 2 e 685º-B do antigo CPC (tal como os actuais art.sº 636º, n.º 2, 640º e 662º do novo CPC), impõem à parte recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, o ónus de especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
Por seu turno, os art.ºs 685.º-B e 712.º do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA (equivalentes aos art.ºs 640.º e 662.º do novo CPC), permitem a reapreciação e a modificabilidade da decisão de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância apenas nas situações em que o tribunal recorrido apresente um julgamento errado, porque fixou factos de forma contrária às regras da prova, ou os fixou de forma inexacta, ou porque os valorou erroneamente.
Aqui vale o princípio da livre apreciação da prova, remetendo-se para uma íntima convicção do julgador, formada no confronto dos vários meios de prova, que uma vez exteriorizada através de uma fundamentação coerente, razoável, plausível, que obedeça às regras da lógica, da ciência e da experiência comum, torna-se uma convicção inatacável, salvo para os casos em que a prova deva ser feita através de certos meios de prova, que apresentem uma determinada força probatória.
Nestes termos, a impugnação da matéria de facto e a modificabilidade da mesma pelo tribunal superior não visa alterar a decisão de facto fundada na prova documental ou testemunhal, apenas porque a mesma é susceptível de produzir convicções diferentes, podendo ser diversa a tomada no tribunal superior daquela que teve o tribunal da 1.ª instância. Diferentemente, este tribunal superior só pode alterar a matéria de facto porque as provas produzidas na 1.ª instância impunham, decisiva e forçosamente, outra decisão diversa da aí tomada (cf. art.º 662.º do CPC).
Portanto, para a modificação da matéria de facto é necessário que haja uma dada matéria de facto que foi identificada e apreciada pelo tribunal de 1.ª instância e que este tenha exteriorizado a sua convicção na fixação da matéria provada e não provada. Só depois, se face às provas produzidas e para as quais o Recorrente remete, se impuser forçosamente decisão diversa da tomada pela 1.ª instância, há que alterar aquela. Mas terá que se tratar de uma prova firme, indiscutível ou irrefutável, que necessariamente abala a convicção que o tribunal de 1.ª instância retirou da prova produzida.
Ora, apreciado o recurso, verifica-se que o Recorrente cumpre muito deficientemente os seus ónus, pois não indica com suficiente precisão os documentos para os quais remete – designadamente através da indicação dos correspondentes número de folhas do PA em que estarão insertos. O Recorrente também não indica em que peça processual foram alegados os factos que diz em falta, limitando-se a invocar, abstractamente, a referida alegação e a obrigação do juiz dar por provados os factos alegados.
Apreciados os articulados apresentados, verifica-se, no entanto, que os indicados factos não foram alegados pelas partes, pois não vêm referidos nem na PI apresentada, nem nas contestações, nem no requerimento de ampliação, ou nas alegações. Apenas no art.º 12 da contestação dos Contra-interessados, ora Recorridos, é aludido por estes que “ao que sabem os aqui RR. a solicitação dos titulares dos lotes integrantes do alvará de loteamento, foi deliberado pelo primeiro R. a alteração de alguns parâmetros urbanísticos”. Igualmente, no requerimento de ampliação é aduzido, no art.º 11.º, que ocorreu a prolação do despacho de 12/07/2001, do Vereador da CMO, de alteração ao projecto de construção, “a requerimento do Contra-interessado P.......”. Ora, estas alegações configuram algo diferente do que o Recorrente diz estar alegado e por provar, ou seja, estas alegações não podem corresponder ao que o Recorrente diz alegado na acção e em falta no julgamento da matéria de facto. Acrescente-se, que quanto àquela última alegação, também foi dada por provada no facto 12).
Ou seja, os factos que se dizem em falta não foram alegados por nenhuma das partes nos presentes autos. Assim, tratando-se de factos não alegados pelas partes, só poderiam ter sido incluídos na matéria fáctica apurada de forma oficiosa, por se entenderem serem factos concretizadores e instrumentais de outros alegados. Isto porque, se entendidos como factos essenciais ao litígio teriam de ter sido alegados pelas partes, sob pena de violação dos princípios do dispositivo e da disponibilidade das partes.
Visto de outra forma, os factos que se dizem em falta são factos novos, que só em fase de recurso vêm alegados. São também factos que já eram do conhecimento da parte antes da interposição do recurso. São, igualmente, factos cuja alegação não se mostra só agora necessária, atendendo à decisão tomada. Aliás, o Recorrente não suporta a invocação do erro na fixação da matéria de facto com a indicação da alegação superveniente destes factos, por se terem mostrado necessários face à decisão recorrida.
Bastam as supra-indicadas constatações para fazer claudicar o invocado erro de julgamento.
Sem embargo, acrescente-se, que os factos que se dizem em falta também não relevam para a decisão a tomar.

Quanto ao erro de direito por se ter emitido uma decisão de nulidade de actos administrativos sob condição, não podendo os actos administrativos serem inválidos e ilegais de forma condicionada, procede a alegação de recurso.
O segmento decisório constante da decisão recorrida está errado, assim como é errada a decisão que julga que os referidos actos administrativos não são declarados nulos sob a condição do facto do Município de Oeiras promover a emissão do alvará n.º ....... corrigido, em conformidade com a deliberação da Câmara de 13 de Fevereiro de 2002, procedendo à emergente comunicação à Conservatória do Registo Predial, obtendo o respectivo averbamento”.
Tal como vem formulado o dispositivo da decisão tomada pelo Tribunal ad quo, o julgamento relativo à declaração de nulidade dos actos administrativos fica condicionado à circunstância da CMO promover à emissão do alvará corrigido e de averbar a correspondente alteração da Conservatória do Registo Predial (CRPredial).
Ora, como invoca o DMMP, a invalidade dos actos administrativos não pode ficar dependente da vontade da CMO no cumprimento da indicada circunstância.
A nulidade é o desvalor mais grave do acto administrativo e é um desvalor insanável (designadamente ao abrigo do anterior CPC, aqui aplicável). Declarada a nulidade do acto administrativo nada resta que se possa aproveitar. Não pode o acto nulo ser convertido num acto válido (sem embargo de se poder reconhecer efeitos de facto a situações decorrentes do acto nulo). Essa nulidade é invocável a todo o tempo, por qualquer interessado e pode ser declarada a todo o tempo por qualquer órgão administrativo ou pelo Tribunal - cf. art.sº 133.º e 134.º do anterior Código de Procedimento Administrativo (CPA), aqui aplicável.
Nesta medida, a declaração de nulidade de um acto administrativo não pode entender-se passível de sanação por via de uma conduta da CMO, que se determina como condição para tal sanação. Cumprida ou não cumprida a condição imposta, o acto declarado nulo nunca poderia converter-se num acto válido.
Por conseguinte, a decisão recorrida é errada quando faz depender a (não) declaração da nulidade de actos administrativos de uma condição.
Sem prejuízo, refira-se, também, que a condição imposta na sentença é relativa a uma obrigação formal, que constituía um requisito de eficácia dos actos administrativos. Consequentemente, correspondendo aquela condição à sanação de uma irregularidade formal, o cumprimento de tal condição não sanaria nunca a invalidade dos actos em questão. Ou seja, a decisão recorrida confundiu os requisitos de eficácia dos actos administrativos com os requisitos para a validade dos mesmos.
Por fim, o dispositivo da decisão recorrida é errado porque configura uma sentença totalmente condicional, o que é inadmissível ao abrigo do nosso ordenamento jurídico-processual.
Como decorre do teor de tal dispositivo, não se declarou a nulidade dos vários actos administrativos, mas fez-se uma declaração negativa, isto é, julgou-se “não declarar a nulidade…”, sob a condição da CMO cumprir um dado “facto”.
Mais se indique, que tal como decorre da literalidade do dispositivo decisório, nesse dispositivo não há, sequer, uma condenação da CMO a promover a emissão do alvará e a averbar o registo predial. O que se determina na sentença recorrida é algo diferente, é um julgamento negativo relativamente à requerida declaração da nulidade, associado a uma condição - que fica na disponibilidade da CMO - desta entidade promover à emissão do alvará e de o averbar no registo predial. Na verdade, no indicado dispositivo não se condena judicialmente a CMO a cumprir tal obrigação, pois a condição não vem determinada em termos impositivos.
Assim, tal como deriva do teor literal do decisório, a sentença recorrida é verdadeiramente uma sentença que nada decide e, nessa mesma medida, é uma sentença totalmente condicional. A eficácia da declaração – negativa - de nulidade ficou dependente de um evento incerto e futuro. Portanto, nada se declara ou condena verdadeiramente, fazendo-se recair a incerteza sobre o sentido da própria decisão. Se a CMO não cumprir a condição, nada está declarado, pois está sentenciado que não se declara a nulidade dos vários actos administrativos sob a condição da CMO cumprir uma condição. Não sendo esta cumprida, os actos administrativos não estão declarados nulos (ou válidos).
Em suma, a sentença recorrida é uma sentença condicional, que nada decide verdadeiramente e que é inadmissível ao abrigo do nosso ordenamento jurídico-processual.
Socorrendo-nos da doutrina, também esta refere a sentença condicional como sendo uma decisão em que não se afirma sequer o direito, porque este mantém-se contingente e dependente da verificação de um evento futuro e incerto. Igualmente, a doutrina distingue a sentença condicional da sentença de condenação condicional, em que um determinado direito é reconhecido judicialmente, mas fica condicionado a um evento certo ou incerto. No primeiro caso, é o próprio direito que decorre da decisão judicial que se apresenta como eventual ou incerto, no segundo caso, o direito é reconhecido na sentença, ficando apenas a correspondente eficácia sujeita a uma condição futura (certa ou incerta) - cf. neste sentido, VARELA, Antunes; BEZERRA, J. Miguel; NORA, Sampaio e - Manual de Processo Civil. 2.ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1985, pp. 682-683. FREITAS, José Lebre de; MACHADO, A. Montalvão; PINTO, Rui - Código de Processo Civil Anotado. Coimbra: Coimbra Editora, 2.º vol, 2001, 653-654; Alexandre, Isabel - Modificação do caso julgado material civil por alteração das circunstâncias. Tese de doutoramento, Ciências Jurídicas (Direito Processual Civil), Universidade de Lisboa, Faculdade de Direito, 2011, pp. 322-338.
Também a jurisprudência assim refere. Neste sentido, cite-se o Ac. do STJ n.º 2424/07.3TBVCD.P1.S1, de 24/04/2013, quando julga o seguinte: “Os tratadistas vêm propendendo para a susceptibilidade da subsistência da sentença de condenação condicional, ou seja, aquela em que “condicionado é o direito reconhecido na sentença” e negando as sentenças condicionais, isto é, aquelas em que “a incerteza recai sobre o sentido da própria decisão” (Antunes Varela; obra citada; pág. 683, nota 1.)[4]
Pode definir-se a sentença condicional como aquela que só impõe a sua eficácia ou procedência à posterior verificação de um evento futuro e incerto.
Os ideais da certeza, confiança e da segurança que o nosso sistema jurídico confirma e que, também, estão constitucionalmente garantidos (art.º 2.º da C.R.Portuguesa), nunca poderiam consentir que a sentença, destinada a pôr fim ao processo, se pudesse envolver numa dubiedade que, inevitavelmente, transcorreria da reflexão a tomar sobre o conceito de condição.
O juiz há-de dizer o direito de uma forma real e manifesta, isto é, com exactidão e firmeza, de forma a trazer a quietude social preconizada por um Estado de Direito; e a permissividade de uma sentença condicional, tal e qual a entendemos, porque eivada de um estímulo a congeminar um buscado estado de incerteza, não pode obter refúgio numa legislação que se concebe deveras afastada desta desaconselhada peculiaridade.
Mas as considerações que acabámos de traçar acerca da denominada “sentença condicional” não se estendem, naturalmente, à sentença de condenação condicional, ou seja, à sentença em que nela se decide que ao demandante assiste certo e determinado direito mas cujo atinente exercício está sujeito a um evento futuro e incerto.
Não existindo norma a impedir a prolação de uma sentença com este conteúdo, poderemos nós aceitá-la como afloramento do princípio estatuído no art.º 662.º do C.P. Civil, mais precisamente que o nosso ordenamento jurídico admite a validade de uma sentença de condenação condicional.
Vale isto por dizer que, não sendo tolerado que o julgador reconheça o direito ao autor, mas só o consigne desde que surja determinado e hipotético circunstancialismo jurídico-factual a condicionar os efeitos da sentença que o legitima (uma sentença condicional), já é aceitável que o juiz sentenceie no sentido de que a parte tem o direito por ela rogado na acção, mas apenas desde que ocorra estabelecida conjuntura, que enumera, para que ele se concretize (sentença de condenação condicional), porquanto, neste caso, não estamos perante uma incerteza que regule a eficácia da própria sentença, mas que apenas ajusta o seu modo de exercitação.” - cf. também os Ac. do TRL n.º 1331/12. 2TVLSB.L1-8, de 22/05/2015, ou TCP n.º 843/13.5TJPRT.P1, de 01/06/2015, ou do TRC n.º 1684/08.7TBCBR.C1, de 01/03/2016.
Como já referimos, a decisão recorrida não reconhece um dado direito, ou uma dada situação jurídica, que afirme judicialmente, acrescentando que esse direito ou essa situação jurídica ocorrerá após a CMO promover a emissão do alvará e averbar o registo predial. Na decisão recorrida também não se obrigou a CMO à prática de tais condutas, a efectivar num dado prazo. O que se decide é algo diverso, é um julgamento de declaração de nulidade pela negativa, sujeito a uma condição que fica na disponibilidade da CMO, pois não se condena esta Câmara a nenhuma actuação. Assim sendo, a decisão recorrida é manifestamente ilegal, pois nada julga e constitui uma sentença totalmente condicional.
Em suma, procedem as alegações de recurso quando apontam um erro decisório por não se poder julgar a não declaração de nulidade, sujeita à condição da CMO promover a emissão do alvará e a averbar o registo predial.

Vem o Recorrente invocar um erro decisório e a violação dos art.ºs 52.º, n.º 2, al. b), 63.º, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20/11 (alterado pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15/10), 133.º, n.º 1 e 134.º do CPA, porque o acto do Vereador da CMO, de 16/04/1997, que aprovou o licenciamento do lote 16, no alvará de loteamento n.º ......., para uma área de construção de 274,85 m2, superior em 42m2 à área de 246,00m2, em 18,5% a mais face ao legalmente permitido, é nulo e tal nulidade implica a nulidade consequente dos demais actos.
Tal como resulta dos factos 1), 2) e 4) a 6), o acto do Vereador da CMO, de 16/04/1997, que aprovou o licenciamento do lote 16, no alvará de loteamento n.º ......., para uma área de construção de 274,85 m2, fê-lo de forma não coincidente com o alvará de loteamento n.º ......., e permitiu a construção por uma área superior em 42m2 à área de 246,00m2m, correspondente a um acréscimo de área de 18,5%. Portanto, o referido acto viola a área indicada no alvará de loteamento então em vigor e, por isso, é inválido e nulo, nos termos dos art.ºs 52.º, n.º 2, al. b), 63.º, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20/11 (alterado pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15/10).
Nessa mesma medida, o correspondente pedido de licenciamento deveria ter sido indeferido.
Por seu turno, a nulidade do acto do Vereador da CMO, de 16/04/1997, acarreta a nulidade dos actos consequentes que dele dependam absolutamente, o que ocorre, manifestamente, com os actos do Vereador da CMO, de 12/11/1999, que revalidou o referido licenciamento de construção e de 21/02/2001, que prorrogou a validade do alvará de licença de construção, emitido com o n.º ....... – cf. art.º 133.º, n.º 2, al. i), do CPA.
Porém, com relação ao acto do Vereador da CMO, de 12/07/2012, que aprovou as alterações ao projecto de construção da obra no lote 16, tal nulidade já não ocorre, pois este último acto não depende absolutamente do acto do Vereador da CMO, de 16/04/1997, que aprovou o licenciamento do lote 16 no alvará de loteamento n.º ........
Como referem Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco Amorim, os actos consequentes são “aqueles actos (ou contratos) cuja prática ou sentido foram determinados pelo acto agora anulado ou revogado, e cuja manutenção é incompatível com a execução da decisão anulatória ou revogatória.
Só quando se verificar a incompatibilidade com a execução da sentença anulatória é que os actos consequentes se podem considerar nulos, directa ou automaticamente: caso contrário, nem anuláveis são” – in OLIVEIRA, Mário Esteves; GONÇALVES, Pedro Costa; AMORIM, João Pacheco - Código do Procedimento Administrativo. Comentado. 2.ª ed. Coimbra: Almedina, 2007, pp. 650-651.
Assim, não ocorre a invalidade consequente do acto do Vereador da CMO, de 12/07/2012.

Vem o Recorrente aduzir que existiu um erro decisório e que se verifica a violação dos art.ºs 36.º, n.º 3 e 29.º, n.º 1, al. e), do Decreto-Lei n.º 448/91, de 20/11, porque o regime jurídico constante do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16/12, na alteração dada pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, de 04/06, não é aplicável à data da apresentação do requerimento a pedir a alteração do alvará, o que ocorreu em 03/07/2001 e exigia-se a apresentação de uma autorização escrita de 2/3 dos proprietários dos restantes lotes, o que não ocorreu no caso, sendo, por essa razão ,invalida a deliberação da CMO de 13/02/2002.
Na verdade, dos factos provados deriva que em 13/02/2002 foi deliberado pela CMO alterar o alvará n.º ......., por forma a corrigir a desconformidade existente entre o inscrito no primitivo alvará e o licenciamento concedido.
A alteração do alvará vem configurada pela CMO como uma modificação/rectificação ao anterior título.
Note-se, que não foi alterado ou rectificado o acto de licenciamento do lote 16, pois tal não era possível, porquanto, como dissemos, aquele licenciamento era nulo – cf. art.º 137.º, n.º 1, do anterior CPA. O que ocorreu na situação sub judice foi uma alteração/rectificação ao alvará em que aquele acto de licenciamento se fundava.
Por seu turno, apesar de na data da prolação desta alteração/rectificação do alvará de loteamento já estar em vigor o Decreto-Lei n.º 555/99, de 16/12, na alteração constante do Decreto-Lei n.º 177/2001, de 04/06, nos termos do art.º 128.º, n.º 1, deste diploma, às operações de loteamento cujo processo decorresse na respectiva câmara, como era o caso, mantinha-se aplicável o regime do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29/11.
Por conseguinte, por aplicação dos art.ºs 29.º, n.º 1, al. e) e 36.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 448/91, de 20/11, exigia-se, na realidade, a apresentação de uma autorização escrita de 2/3 dos proprietários dos restantes lotes para a alteração do alvará em questão, o que não ocorreu no caso.
Logo, nos termos do art.º 56.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29/11, a citada deliberação da CMO, de 13/02/2002, que alterou /rectificou o alvará n.º ......., seria inválida e anulável.
Acontece, que a citada deliberação da CMO, de 13/02/2002, que alterou/rectificou o alvará n.º ......., não vem impugnada nestes autos.
Da matéria factual apurada resulta, também, que essa mesma deliberação não terá sido impugnada pelo MP ou por qualquer outro interessado.
Assim, tal deliberação firmou-se na ordem jurídica após o prazo da sua impugnação contenciosa – de 1 ano para o MP – cf. art.ºs 136.º, n.º 2, do CPA e 28.º da Lei do Processo nos Tribunais Administrativo (LPTA), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 267/85, de 16/07, então aplicável.
Igualmente, por aplicação do art.º 38.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22/02, inexistindo lei substantiva que o permita, não é lícito ao MP requerer o conhecimento a título incidental da ilegalidade de um acto administrativo que não possa ser impugnado, assim alcançando os efeitos que obteria com a anulação desse acto, caso o tivesse feito em prazo.
Ou seja, no caso em apreço, o decurso do prazo de impugnação da legalidade da deliberação da CMO, de 13/02/2002, fez precludir a força invalidante da referida ilegalidade.
Por conseguinte, não há que concluir pela ilegalidade consequente do acto do Vereador da CMO, de 12/07/2012, que aprovou as alterações ao projecto de construção da obra no lote 16, por tal acto ter na sua base a referida deliberação da CMO, de 13/02/2002, que alterou/rectificou o alvará n.º ........
No que importa para o caso, está precludida a força invalidante que resultaria de uma ilegalidade intrínseca à indicada deliberação da CMO de 13/02/2002. Logo, o acto do Vereador da CMO, de 12/07/2012, não padece da invocada ilegalidade consequente.

Vem o Recorrente invocar, também, um erro decisório e a violação dos art.ºs 27.º, 36.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 448/91, de 20/11, porque a alteração das especificações do alvará de loteamento dá origem à emissão de um novo alvará, que tem de ser requerido no prazo de 1 ano sob pena de caducidade da deliberação de licenciamento de alteração do loteamento, pelo que a deliberação da CMO de 13/02/2002, para além de ilegal estaria caduca.
Ora, também esta alegação centra-se na ilegalidade ou na (in)eficácia da deliberação da CMO de 13/02/2002, que, como referimos, não é alvo desta acção e que por falta de impugnação atempada firmou-se na ordem jurídica.
Não obstante, sempre se diga, que a alegada caducidade nunca operaria ex lege, mas teria de ser declarada pela Administração e sujeita a audiência prévia do interessado – cf. art.ºs 27.º, 36.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 448/91, de 20/11, 23.º do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20/11 e 100.º do CPA. Logo, não estando provado nos autos nem a declaração administrativa, nem a ocorrência da audiência prévia, não poderia proceder esta invocação.
Em suma, o acto do Vereador da CMO de 12/07/2012, que aprovou as alterações ao projecto de construção da obra no lote 16 tendo por base a deliberação da CMO, de 13/02/2002, que alterou/rectificou o alvará n.º ......., não é inválido por ilegalidade consequente.
No mais, o DMMP não aponta invalidades ao indicado acto do Vereador da CMO, de 12/07/2012, que lhe sejam próprias ou intrínsecas.
Como decore do acima exposto, pela deliberação da CMO de 13/02/2002, que alterou/rectificou o alvará n.º ......., foi regularizada a situação do lote 16, cujas áreas passam a conformar-se com as áreas indicadas no alvará alterado/rectificado.
Portanto, o acto do Vereador da CMO, de 12/07/2012, que aprovou as alterações ao projecto de construção da obra no lote 16, passou a conformar-se com o respectivo alvará de loteamento, que foi alterado pela citada deliberação.
Por seu turno, a alteração ao alvará de loteamento n.º ......., que se operou pela deliberação da CMO, de 13/02/2002, tal como deriva do teor da Inf. n.º 69/2002 DPGU DP, pareceres e decisão aí apostas, visou regularizar a situação do lote 16, corrigindo a invalidade que padecia o anterior acto de licenciamento e que tinha sido apontado pela inspecção do IGAT - cf. art.ºs 138.º a 147.º do CPA.
Logo, por via da indicada deliberação da CMO, de 13/02/2002, e do subsequente acto do Vereador da CMO, de 12/07/2012, ficou regularizada a situação urbanística do lote 16, que passou a conformar-se com o alvará alterado. Este novo licenciamento também acaba regular de uma forma inovatória o procedimento urbanístico que se tinha iniciado com os actos do Vereador da CMO de 16/04/1997, de 12/11/1999 e de 21/02/2001, que antes consideramos nulos.
Ou seja, por via da alteração ao alvará de loteamento n.º ....... e do deferimento da alteração ao licenciamento das obras de construção do lote 16, passou a irrelevar a decisão constante dos supra citados actos do Vereador da CMO de 16/04/1997, de 12/11/1999 e de 21/02/2001. Ainda que tais actos sejam nulos, a legalidade urbanística da construção do lote 16 verifica-se por decorrência do alvará alterado e do novo licenciamento das obras de construção do lote.
Como se indica no sumário do Ac. do STA n.º 031321, de 09/07/1996, “I - O pedido de alteração de Alvará de loteamento, pelo interessado, para passar de seis para quatro lotes, sendo quatro dos anteriores lotes agregados em dois, com alteração da implantação das construções, com aumento de um piso nos dois novos lotes, e com aumento da área total de construção em 907 m2, dá lugar a uma nova apreciação e reponderação de toda a solução urbanística de modo que a aprovação deste novo loteamento não é acto sobre acto, mas um acto sucessivo que veio tomar o lugar do primitivo.”
No mesmo sentido, no Ac. do STA n.º 01002/10, de 11/10/2012, refere-se que “a passagem do «novo alvará» não pode deixar de eliminar da ordem jurídica, e «ab origine», o alvará pretérito, bem como os seus efeitos. Não fora assim, teríamos de reconhecer que o alvará primitivo era apto à introdução de algumas soluções consolidadas; mas, então, ele constituiria um entrave inadmissível à emergência, através do novo alvará, de uma nova representação global da operação urbanística, a qual estaria limitada por pormenores parcelares do primitivo arranjo. Qualquer alteração ao alvará que pretendesse incidir sobre a localização das vias, v.g., seria virtualmente impossível; e, em todos os casos em que ainda permanecesse uma possibilidade de facto de reordenar o loteamento, haveria o sério risco de ficar quebrada a unidade e a harmonia da operação, que teria de se subordinar a exigências porventura estranhas aos critérios que haviam presidido a sua nova concepção.” Cf. também os Ac. do STA n.º 046206, de 24/11/2004, ou n.º 294/04, de 13/01/2005.
Como ensina Fernanda Paula Oliveira, a nulidade de um acto urbanístico não impede a Administração de adoptar uma solução que permitia a regularização daquela situação, considerando todos os interesses envolvidos e a própria consequência do seu anterior comportamento inválido. Neste sentido, referindo-se a situações em que ocorre uma declaração de nulidade ou uma anulação judicial em matéria de planeamento urbanístico, mas aqui inteiramente aplicáveis, refere Fernanda Paula Oliveira o seguinte: “O dever inicial de remover as consequências do acto anulado ou declarado nulo, é, assim, como que compensado com a substituição da definição jurídica por uma nova definição jurídica, que dispensa tal reconstituição. A Administração, que à partida se encontrava obrigada a remover a situação de factos ilegitimamente constituída ao abrigo de um acto inválido, vê-se exonerada desse dever a partir do momento em que a dita situação de facto seja (re)qualificada como legitima.
(…) Na sequência do reconhecimento judicial da ilegalidade do acto ao abrigo do qual a construção foi edificada, a Administração deve, na verdade, ponderar se a reintegração da legalidade e da esfera jurídica do interessado que obteve a anulação ou a declaração de nulidade pode ser alcançada através de soluções menos onerosas para o proprietário da operação concretizada e, porventura, para o próprio interesse público do que seria a pura e simples demolição. E nessa perspectiva, deve seguir, de entre as vias que permitam repor a legalidade, aquela que seja a menos onerosa, de acordo com os critérios de aptidão, necessidade e proibição de excesso, que decorrem do principio da proporcionalidade” – in OLIVEIRA, Fernanda Paula - A Discricionariedade de Planeamento Urbanístico Municipal na Dogmática Geral da Discricionariedade Administrativa. Coimbra: Almedina, 2011, pp. 594-595; cf. também pp. 592-599.
Em suma, frente à nulidade dos diversos actos urbanísticos, permitia-se à CMO adoptar uma solução inovatória que regularizasse o correspondente procedimento urbanístico. Assim, uma vez cumpridas as normas impositivas que enquadravam ou parametrizavam a questão, era lícito à CMO prolatar um novo acto que permitisse a regularização da situação inválida e, dessa forma, que considerasse todos os interesses envolvidos e a própria consequência do seu anterior comportamento inválido. Basicamente, na situação em apreço, a CMO exerceu plenamente os seus poderes discricionários em matéria urbanística.
Nesta mesma medida, ainda que na presente acção se deva declarar a nulidade dos actos do Vereador da CMO de 16/04/1997, de 12/11/1999 e de 21/02/2001, é também certo que tal declaração não implicará a ilegalidade da construção do lote 16, pois essa construção encontra suporte no acto do Vereador da CMO, de 12/07/2012, que aprovou as alterações ao projecto de construção da obra no referido lote 16, passando tal obra a conformar-se com o respectivo alvará de loteamento, que foi alterado pela deliberação da CMO de 13/02/2002.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em conceder provimento ao recurso interposto e revogar a decisão recorrida;
- em julgar parcialmente procedente a presente a presente acção, declarando-se a nulidade dos actos do Vereador da CMO de 16/04/1997, que aprovou o licenciamento do lote 16 no alvará de loteamento n.º ......., de 12/11/1999, que revalidou o referido licenciamento de construção e de 21/02/2001, que prorrogou a validade do alvará de licença de construção emitido com o n.º .......;
- em julgar improcedente a acção na parte em que se peticionava a declaração de nulidade do acto do Vereador da CMO, de 12/07/2012, que aprovou as alterações ao projecto de construção da obra no lote 16, passando a conformá-lo com o respectivo alvará de loteamento;
- custas da acção em 1.ª instância pelo A., MP, e pelo R. Município, na proporção de 50% para cada parte, estando o A. delas isento, por isenção subjectiva;
- custas do recurso pelos Recorridos, em partes iguais (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa, 18 de Fevereiro de 2021.
(Sofia David)

O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art.º 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Dora Lucas Neto e Pedro Nuno Figueiredo.