Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02694/08
Secção:CT-2º JUIZO
Data do Acordão:06/30/2009
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
IRC.
MÉTODOS INDICIÁRIOS.
DIREITO AUDIÇÃO.
FUNDAMENTAÇÃO.
Sumário:1.Encontram-se preenchidos os pressupostos para o lucro tributável ser apurado por métodos indirectos quando através da contabilidade da contribuinte, mercê das suas omissões, deficiências e irregularidades, não é possível apurar os reais custos e nem os reais proveitos;
2. Em sede de impugnação judicial, actualmente, no âmbito da vigência do CPPT, cabe à Administração Fiscal assentar os pressupostos que levaram à tributação, em juízos de probabilidade, necessariamente elevada, sem exigir uma certeza do facto tributário, em que a maior parte das vezes, não é possível;
3. E ao contribuinte, que alegue e prove factos (através de prova concludente) que ponham em dúvida (fundada) os pressupostos em que assentou o juízo de probabilidade elevado feito pela Administração para prova da existência do facto tributário ou da sua quantificação;
4. Na decisão que fixa o lucro tributável do exercício através de métodos indirectos, não tem a AT que responder ao sujeito passivo, ponto por ponto, quanto aos seus argumentos ou razões aduzidas em sede do direito de audição, ainda que, nessa decisão, os tenha de ter em conta;
5. Em sede de comissão de revisão, na falta de acordo dos peritos, o órgão competente para a decisão resolverá, de acordo com o seu prudente juízo, tendo em conta a posição de ambos os peritos;
6. Esta decisão encontra-se fundamentada do ponto de vista formal, quando dá a conhecer ao administrado o iter cognoscitivo e valorativo seguido de molde a atingir o resultado expresso daquele montante de matéria tributável.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A Exma Representante da Fazenda Pública (RFP), dizendo-se inconformada com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa - 2.ª Unidade Orgânica - que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por O…………..– C…………………, SA, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


I. A douta sentença ora recorrida entendeu que:
"( . . . ) Da leitura do Relatório da Inspecção Tributária retira-se que a Inspecção Tributária não coloca, em nenhum momento, em causa a contabilidade da impugnante; (...)
( . . . ) Ou seja, do relatório da inspecção não consta qualquer explicação para a aplicação de métodos indirectos de tributação.
Assim, e sem necessidade de mais considerações, julgaremos totalmente procedente a presente impugnação por não ter a Administração Tributária alegado ou logrado provar a verificação dos pressupostos que justificam a aplicação de métodos indirectos de tributação e, consequentemente, a liquidação adicional efectuada e ora impugnada encontra-se ferida do vício de violação de lei."
II. É incorrecta, com o devido respeito, a afirmação de que do relatório da inspecção não consta qualquer explicação para a aplicação de métodos indirectos de tributação;
III. Do capítulo IV do Relatório da Inspecção (fls. 39 a 67 do PAT) - denominado "Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso aos métodos indirectos" constam os motivos que determinaram a A.T. à aplicação de métodos indirectos;
IV. Com base nos factos que encontram descritos no referido Relatório, os Serviços de Inspecção Tributária detectaram omissão dos valores reais das fracções vendidas, tendo concluído no sentido de que a contabilidade não reflectia de forma verdadeira os resultados declarados.
V. Como se pode ler no final daquele capítulo IV:
"Assim sendo, parece-nos que a contabilidade não reflecte de forma verdadeira e apropriada os resultados declarados, razão para procedermos à tributação por métodos indirectos, de acordo com o determinado nos arts. 87° a 90° da Lei Geral Tributária (L. G. T.) e artigos 52° e 54° do C.I.R.C. .”
VI. O art. 52 n° 1 do CIRC estabelece que a aplicação de métodos indirectos efectua-se nos casos e condições previstos nos artigos 87° a 89° da LGT;
VII. Ora, no caso dos autos, foi exactamente isso que aconteceu e que se encontra devidamente explicitado no Relatório da Inspecção: a contabilidade não reflectia de forma verdadeira os resultados declarados;
E este é precisamente um dos casos em que a lei permite que a administração fiscal possa recorrer a métodos indirectos para determinação da matéria tributável, como resulta da conjugação da alínea b) do art. 87° com o art. 88°, ambos da LGT;
VIII. No caso sub judice, os elementos recolhidos pelos Serviços de Inspecção são de molde a concluir pela omissão dos valores reais das fracções vendidas, traduzindo uma vantagem patrimonial indevida, já que os adquirentes não pagaram o imposto devido (Sisa), e um negócio jurídico simulado em que as partes contratantes não declararam o preço real dos imóveis;
IX. Sobre a temática da repartição do ónus da prova na aplicação de métodos indirectos, atente-­se no douto Acórdão de 2007/10/31, proferido pelo STA no âmbito do proc. n° 0338/07 (disponível em www.dgsi.pt):
" II - À Administração cumpre apenas o ónus da prova da verificação dos respectivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua actuação e ao contribuinte cabe provar a existência dos factos tributários que alega como fundamento do seu direito."
X. Como se refere no douto Acórdão proferido pelo TCAS, em 2007/05/03, no âmbito do proc. n° 00986/00 (disponível em www.dgsi.pt):
" 1. O acto está fundamentado se na respectiva fundamentação se explanam, de forma coerente e clara, os motivos aptos a suportarem a decisão final."
XI. Ora, no Relatório de Inspecção constam todos os factos e procedimentos levados a cabo pela Administração Fiscal que permitiram a conclusão no sentido da existência de omissão de valores declarados consubstanciada em negócio simulado em que as partes contratantes não declararam o preço real dos imóveis, encontrando-se aquele devidamente fundamentado;
Ou seja, a Administração Tributária cumpriu com o ónus que lhe incumbia, por força do n° 3 do art. 74° da LGT: logrou provar a verificação dos pressupostos que permitem a aplicação de métodos indirectos;
XII. Assim, só podemos concluir pela correcta utilização e fundamentação dos critérios e métodos utilizados pela AT, não tendo a impugnante demonstrado que tenha havido manifesto excesso na matéria tributável quantificada;
Pelo que, a liquidação adicional ora controvertida não se encontra ferida do vício de violação de lei;
XIII. A douta sentença proferida pela Mmª. Juiz a quo fez uma incorrecta interpretação da lei e violou os arts. 52° n° 1 do CIRC, 74° 3, 87° alínea h) e 88°, todos da LGT.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se a douta decisão em apreço, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


Também a recorrida veio a apresentar as suas alegações e nestas as respectivas conclusões, as quais igualmente se reproduzem:


50. A douta sentença do Tribunal a quo, faz acertado entendimento quando conclui que do relatório da inspecção tributária, não consta qualquer explicação para aplicação de métodos indirectos de tributação, julgando por isso totalmente procedente a presente impugnação por não ter a administração tributária alegado ou logrado provar a verificação dos pressupostos que justificam a aplicação de métodos indirectos de tributação.
51. Discordando da douta decisão, deduz a Exma. Representante da Fazenda Pública, recurso, alegando, que os motivos e exposição dos factos que implicam o recurso aos métodos indirectos, constam do Capítulo IV do relatório da inspecção e consequentemente cumpriu com o ónus que lhe incumbia, por força do n.º3 do artigo 74.º da LGT. Provou a verificação dos pressupostos que permitem a aplicação de métodos indirectos.
52. Conclui pela correcta utilização e fundamentação dos critérios e métodos utilizados pela AT, pelo que, a douta sentença fez uma incorrecta interpretação da lei.
53. Como se infere dos factos supra vertidos, não faz a inspecção tributária prova da verificação dos pressupostos para recurso à avaliação indirecta em sede de procedimento inspectivo, como não faz em sede de alegações de recurso da sentença proferida pelo Tribunal a quo.
54. A inspecção tributária utiliza uma divergência entre um preço de aquisição declarado e o valor dos empréstimos contraídos, por P………………………………………..
55. E conclui, que o preço real de aquisição do imóvel, em última análise foi o valor da contraprestação paga.
56. Fazendo constara folhas dezanove do relatório, "Assim sendo, parece-nos que a contabilidade não reflecte de forma verdadeira e apropriada os resultados declarados, razão para procedermos à tributação por métodos indirectos de acordo com o determinado nos artigos 87.º a 90.º da LGT (...)"
57. Contactados, todos os adquirentes das fracções alienadas em 2001, verifica-se, que das 29 fracções vendidas nesse ano de 2001, o adquirente da fracção AR, R…………………, cuja escritura se efectivou a 10 de Janeiro de 2002, confirma a aquisição da fracção pelo montante de 23 000 000$00, fazendo ainda a junção de quatro cheques.
58. Emitidos estes à ordem da Sociedade O…………….. – C……………………… Lda., com a assinatura completamente riscada, não constituindo prova de diferente preço, ou a que título, o mesmo foi efectuado, ou ainda do respectivo beneficiário, nem em que conta foram depositados.
59. Relativamente às restantes 27 fracções vendidas, a administração tributária, faz constar a folhas dezoito do relatório que não obteve de nenhum deles a confirmação de valores diferentes.
60. Sustentada nestas duas situações, remete a inspecção tributária para o artigo 87.º e 88.º da LGT.
61. Ora, cabia à Administração Tributária, a obrigação de prova da verificação dos pressupostos legais da sua actuação, nos termos do que estabelece o n.º3 do artigo 74.º da LGT.
62. Ao administrado cabe apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, sempre que se mostrem verificados esses pressupostos legais.
63. In casu, temos apenas uma situação, em que a inspecção tributária presume um preço de aquisição diferente do declarado.
64. E outra, em que o adquirente do imóvel declara que o preço foi de 23 000 000$00, veja-se a resposta ao ponto 1 do anexo XX, mas a inspecção tributária entende que foi 33000 000$00.
65. Das restantes vinte e sete aquisições, não obteve a inspecção tributária, de nenhum deles a confirmação de valores diferentes.
66. Conclui pela omissão de valores reais, (vide folhas dezoito do relatório), em doze das fracções vendidas, simplesmente porque apresentam dois empréstimos.
67. Em dezassete das fracções vendidas, (vide folhas 22 do relatório), não procede a qualquer correcção, porque apresentam um único empréstimo.
68. Na verdade, a Exma. Representante da Fazenda Pública, em sede de alegações não faz qualquer prova da verificação dos pressupostos, para recurso à avaliação indirecta, diferente da que havia já feito.
69. Não justifica porque não procede igualmente nesta sede a correcções meramente aritméticas uma vez que a contabilidade se encontra organizada de forma a possibilitar o conhecimento real da situação tributária.
70. Para além de frases feitas, que constituem transposições dos preceitos legais, nada mais é acrescentado, designadamente no que se refere à prova dos pressupostos para determinação da matéria tributável com recurso a avaliação indirecta.
71. Como acertadamente refere a douta decisão, o procedimento à avaliação indirecta constitui uma forma subsidiária de determinação do lucro tributário.
72. Persistindo a falta de prova dos pressupostos para recurso à avaliação indirecta e na medida em que em sede de alegações de recurso da Exma. Representante da Fazenda Pública nada de novo trás aos autos, não pode subsistir no ordenamento jurídico a liquidação impugnada, por se mostrar ferida do vício de violação de lei.

Termos em que nos melhores de direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Ex.ª devem as presentes alegações ser recebidas, porque em tempo, negando-se provimento ao recurso apresentado pela Exma. Representante da Fazenda Pública, mantendo na ordem jurídica a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo, na medida em que fez acertado entendimento sobre a ilegalidade praticada no procedimento levado a cabo pela inspecção tributária, que não logrou provar a verificação dos pressupostos para proceder à determinação do lucro tributável por avaliação indirecta.


O Exmo Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, por no relatório da inspecção tributária não se mostrar definido em termos inequívocos por que se procedeu ao apuramento do lucro tributável por métodos indirectos.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Juízes Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se no caso ocorrem os pressupostos para o lucro tributável ser apurado por métodos indirectos; E respondendo-se afirmativamente e revogando-se a sentença recorrida que em sentido contrário decidiu, conhecendo este Tribunal em substituição dos restantes dois fundamentos articulados, se na fixação do lucro tributável do exercício não foi tomado em conta a factualidade invocada pelo sujeito passivo em sede do direito de audição e se a decisão da entidade que decidiu o pedido de revisão, na falta de acordo dos vogais, padece do vício de falta de fundamentação.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade a qual igualmente na íntegra se reproduz:
1. Em 06/10/2005, foi iniciada a inspecção externa à ora impugnante (cfr. doc. junto a fls. 297 do processo instrutor junto aos autos);
2. Em 20/02/2006, foi concluído o Projecto de relatório da inspecção tributária no qual se propõe a correcção do lucro tributável apurado pela impugnante em sede de IRC relativamente ao exercício de 2001 (cfr. doc. junto a fls. 171 e segs. do processo instrutor);
3. Em 20/02/2006, foi remetido ofício à impugnante para esta se pronunciar sobre o projecto de decisão (cfr. doc. junto a fls. 170 do processo instrutor);
4. A impugnante exerceu o seu direito de audição por articulado de fls. 159 do processo instrutor, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
5. Em 20/03/2006, foi elaborado o Relatório Final da Inspecção Tributária, através do qual a Administração Tributária procedeu a correcções ao lucro tributável declarado em sede de IRC do exercício de 2001 no montante de € 389.999,16 (cfr. doc. junto a fls. 41 e segs. do processo instrutor junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
6. Do Relatório da Inspecção Tributária identificado no ponto anterior constam correcções meramente aritméticas e correcções por aplicação de métodos indirectos de tributação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. doc. junto a fls. 41 do processo instrutor junto aos autos);
7. No que toca às correcções meramente aritméticas as mesmas são efectuadas porque, tendo o sujeito passivo a sua contabilidade organizada por centros de custos, onde são imputados OS custos referentes a cada prédio, não foram aceites por não terem sido realizadas vendas neste exercício em certos lotes ou por as vendas realizadas não corresponderem à permilagem de custos considerada no exercício (cfr. doc. junto a fls. 41 do processo instrutor junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
8. Do Relatório de Inspecção identificado no ponto 5, e relativamente à fundamentação da aplicação de métodos indirectos consta o seguinte: "( . . . ) Em consequência da recolha de elementos (01200502760) no âmbito de um negócio de compra e venda de um imóvel cuja escritura pública ocorreu em 05/12/2001 em que o sujeito passivo interveio como vendedor, detectou-se pelos elementos enviados pelo ..º Cartório Notarial de L….., relativos ao contrato de "compra e venda/empréstimos concedidos" pelo Banco ……………….. ao sujeito passivo P………………………………….., pela aquisição de um imóvel, constatou-se uma divergência entre o preço de aquisição declarado ­"18.000.000$00/€ 89.783,62" e os valores dos empréstimos contraídos "28.000.000$00/€ 139.663,41", cuja única garantia é o imóvel objecto de aquisição (cfr. Anexo XVI). Como é do conhecimento geral os empréstimos efectuados têm de ter como garantia pelos menos algo de valor igualou superior, pelo que, neste caso concreto estamos perante uma contradição. A fracção foi vendida por um preço - "18.000.000$00/€ 89.783,62", que é suposto ser esse o seu valor, e sobre ela recaíram duas hipotecas de valor superior "28.000.000$00/€ 139.663,41". Contactado o adquirente e confrontado com estes factos, não apresentou quaisquer elementos de prova para justificar a aplicação da diferença de valores justificando-se que entregou 10.000.000$00/€ 49.879,79 ao construtor ao abrigo de alterações no imóvel adquirido, o qual não passou facturas/recibos (cfr. Anexo XVII). Em resultado da derrogação do dever de sigilo bancário, por autorização do sujeito passivo (cfr. Anexo XVIII), verificou-se que este, na data da escritura pública do imóvel, emitiu três cheques (cfr. Anexo XIX):
Cheque n.º ……………………… sobre o B…. no montante de 18.000.000$00/€ 89.783,62, cujo beneficiário foi O……………., SA.
Cheque n.º …………………….. sobre o B…… no montante de 7.900.000$00/€ 39.405,03, cujos beneficiários foram J…………., A………………………, J…………………………e M…………………………., sócios gerentes da O…………………….. SA
Cheque n.º ……………………. sobre o B….. no montante de 2.100.000$00/€ 10.474,75;
o que significa que o preço real de aquisição do imóvel, em última análise, foi o valor da contraprestação paga à alienante na data da escritura, como demonstram de forma inequívoca os títulos de crédito emitidos pelo adquirente e os respectivos movimentos bancários. Estes cheques confirmam as suspeitas que recaíam sobre a omissão de vendas e são uma prova irrefutável dessa omissão, não obstante beneficiários dos mesmos serem pessoas jurídicas diferentes é evidente que a relação beneficiário (sócios gerentes) versus sociedade vendedora fundamenta que os pagamentos realizados consubstanciam, em última análise, o preço do imóvel. O imóvel em causa é a fracção autónoma designada pela letra "O" do lote …, com o artigo matricial ….. da freguesia de V………... Face a esta constatação, foi efectuada uma inspecção ao sujeito passivo e contactados todos os adquirentes das fracções alienadas por esta, no exercício de 2001.
Da inspecção levada a efeito à contabilidade da empresa, nomeadamente às vendas, verificamos que os valores contabilizados correspondem aos constantes das escrituras. Neste exercício foram vendidas no total de 29 fracções: “AA”,
“AC”, "AE", “AF”, "AG", "AH", "AL ", "AM", "AO", "AP", "AQ", "AV", “B”, "BA", "BC", "D", “E”, “G”, “H”, “I”, “L”, “P”, “Q”, “T”, “U” e “V”.
Relativamente as adquirentes contactados, verificaram-se quatro situações:
1 - Confirmaram os valores das escrituras entregando-nos fotocópias das mesmas;
2 - Enviaram as escrituras e outros elementos confirmando o valor da escritura;
3 - Receberam as notificações mas não responderam;
4 - Confirmaram que entregaram ao construtor outros valores mas não possuem comprovativos dos mesmos, nomeadamente facturas ou outros documentos.
Em relação à escritura de compra e venda da fracção “AR", que ocorreu em 10/01/2002, e em que interveio como vendedor o sujeito passivo, e como comprador o senhor R…………………, veio o adquirente declarar que efectivamente adquiriu a referida fracção pelo preço de 33.000.000$00/€164.603,31 e não pelo preço de 23.000.000$00/€ 114.723,52, conforme declarado em Termo de Declarações em Anexo XX.
Verificou-se, assim, que o referido adquirente efectuou os seguintes pagamentos:
Em 21/08/2001, cheque n.º …………………. sobre a N………., no montante de 1.100.000$00/€ 5.486,78, à ordem de O………………, AS (cfr. Anexo XXI);
Em 31/10/2001, cheque n.º …………. sobre a N…………, no montante de 1.900.000$00/€ 9.477,16, à ordem de O………………, SA (cfr. Anexo XXII);
Em 10/01/2002, data da escritura pública, cheque n.º …………………. sobre o B………., no montante de 20.000.000$00/€ 99.759,58, à ordem de O…………………., SA (cfr. Anexo XXIII);
Em 10/01/2002, data da escritura pública, cheque n.º …………….. sobre a N……………., no montante de 10.000.000$00/€ 49879, 79, à ordem de O……………………., SA (cfr. Anexo XXIV);
o que significa que o preço de aquisição da fracção "AR" foi de 33.000.000$00/€ 164.603,31, como demonstram de forma inequívoca os títulos de crédito emitidos pelo adquirente. Estes cheques voltam a confirmar as suspeitas que recaíam sobre a omissão de vendas e são uma prova irrefutável sobre essas omissões.
Das restantes, não obtivemos de nenhum deles a confirmação de valores diferentes, embora as escrituras de "compra e venda e mútuo com hipoteca" versus "segundos empréstimos mútuos com hipoteca", e apenas isto, são suficientemente elucidativos relativamente à omissão dos valores reais das fracções vendidas. Ouvido em termo de declarações um dos sócios gerentes senhor A……………………………., que questionado sobre se confirmava os valores constantes das escrituras referentes às vendas dos imóveis, nomeadamente as fracções "O" e "AR" declarou que a sociedade por si representada vendeu as respectivas fracções pelos valores constantes das escrituras de venda (cfr. Anexo XXV).
Assim, os factos descritos anteriormente, traduzem por um lado, uma vantagem patrimonial indevida porque os adquirentes não pagaram o imposto devido (SISA) e por outro lado negócio simulado porque as partes contratantes não revelaram e não declararam o preço real dos imóveis.
Afigura-se-nos, assim, que se verificam os elementos constitutivos do crime tipificado na lei como fraude fiscal.
Assim sendo, parece-nos que a contabilidade não reflecte de forma verdadeira e apropriada os resultados declarados, razão para procedermos à tributação por métodos indirectos, de acordo com o determinado nos artigos 87° a 90 ° da Lei Geral Tributária (L.G.T.) e artigos 52°e 54°do C.I.R.C. (...)" (cfr. doc. junto a fls. 41 e segs. do processo instrutor junto aos autos);
9. Ao Relatório da inspecção encontram-se junto "Termo de Declarações" do comprador da fracção "AA" que afirma que o valor de aquisição foi o valor declarado na escritura e que a diferença dos valores mutuados têm a ver com a necessidade de efectuar melhoramentos nas fracções, adquirir mobiliário e equipamento e suportar as despesas com as escrituras (cfr. docs. juntos a fls. 90 a 91);
10. Sobre o Relatório da Inspecção Tributária recaiu o despacho do Chefe de Divisão, em substituição confirmando o teor do relatório e as correcções efectuadas (cfr. doc. junto a fls. 35 do processo instrutor junto aos autos);
11. Por ofício de 04/04/2006, foi a impugnante notificada do Relatório identificado no ponto 5 (cfr. doc. junto a fls. 201 do processo instrutor junto aos autos);
12. Em 04/05/2006, a Impugnante deduziu reclamação da fixação da matéria tributável por aplicação de métodos indirectos de tributação, por articulado junto a fls. 203 do processo instrutor, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
13. Por Acta n.º 29/06, da Direcção de Finanças de Lisboa, foi apreciado o pedido de revisão identificado no ponto anterior, não tendo havido acordo dos peritos do contribuinte e da Fazenda Pública (cfr. doc. junto a fls. 16 do processo instrutor junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
14. Por despacho, de 26/05/2006, do Director de Finanças de Lisboa, foi decidido manter o lucro tributável fixado no Relatório de Inspecção (cfr. doc. junto a fls. 25 a 34 do processo instrutor, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
***
A decisão da matéria de facto com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, todos objecto de análise concreta, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
***
Dos factos constantes da impugnação, todos objectos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.


4. Para julgar procedente a impugnação judicial deduzida considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que a AT não justificou as razões para a aplicação dos métodos indirectos na determinação do lucro tributável, fundamento que julgou procedente e anulou a liquidação em conformidade, e não conheceu dos outros fundamentos da impugnação judicial com os quais a ora recorrida igualmente pretendia obter a procedência da impugnação, certamente por os haver considerado prejudicados.

Para a recorrente de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, contra esta factualidade e respectiva subsunção se vem insurgir, por o relatório da inspecção tributária ter apurado em termos concretos e precisos, quanto às fracções vendidas e em que houve lugar a dois empréstimos de valor superior ao preço declarado nas escrituras públicas de compra e venda que tais preços não correspondiam aos seus valores reais, mas sim os correspondentes aos dois empréstimos pelos quais foi constituída como garantia cada uma dessas fracções, pelo que a contabilidade ao não reflectir essa realidade padecia de omissões que não a tornavam inapta para o efeito de apurar o lucro tributável do exercício.

Vejamos então.
Nos termos do disposto no art.º 16.º n.º1 do CIRC - Métodos de determinação da matéria colectável - a matéria colectável é, em regra, determinada com base em declaração do contribuinte, sem prejuízo do seu controlo pela administração fiscal.
2 -
3 - A determinação do lucro tributável por métodos indiciários só pode verificar-se nos termos e condições previstos na secção V.
Nos termos do disposto no art.º 17.º do CIRC - Determinação do lucro tributável - O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º1 do art.º 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas ou negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.
...
Nos termos do art.º 23.º do CIRC - Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:
...
Nos termos do disposto no art.º 51.º do CIRC - Aplicação de métodos indiciários:
1 - A determinação do lucro tributável por métodos indiciários verificar-se-á sempre que ocorra qualquer dos seguintes factos:
a)inexistência de contabilidade, falta ou atraso de escrituração dos seus livros e registos e, bem assim, irregularidades na sua organização ou execução;
b)...
c) Existências de diversas contabilidades com propósito de dissimular a realidade perante a administração fiscal;
d)Erros e inexactidões na contabilização das operações ou indícios fundados de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido.
2 - A aplicação de métodos indiciários em consequência de anomalias e incorrecções da contabilidade só poderá verificar-se quando não seja possível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável de harmonia com as disposições da secção II deste capítulo.
3 - ...
4 - ...
E a do art.º 98.º n.º3 a) do mesmo Código - Na execução da contabilidade deverá observar-se em especial o seguinte: Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário.
E a do art.º 29.º do Código Comercial - Todo o comerciante é obrigado a ter livros que dêem a conhecer, fácil, clara e precisamente, as suas operações comerciais e fortuna.

Como se pode ler do preâmbulo do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas...Em qualquer caso, procura-se sempre tributar o rendimento real efectivo, que, para o caso das empresas, é mesmo um imperativo constitucional. Como corolário desse princípio, é a declaração do contribuinte, controlada pela administração fiscal, que constitui a base da determinação da matéria colectável.
A determinação do lucro tributável por métodos indiciários é, consequentemente, circunscrita aos casos expressamente enumerados na lei, que são reduzidos ao mínimo possível, apenas se verificando quando tenha lugar em resultado de anomalias e incorrecções da contabilidade, se não for de todo possível efectuar esse cálculo com base nesta. Por outro lado, enunciam-se os critérios técnicos que a administração deve, em princípio, seguir para efectuar a determinação do lucro tributável por métodos indiciários, garantindo-se ao contribuinte os adequados meios de defesa...
Dado que a tributação incide sobre a realidade económica constituída pelo lucro, é natural que a contabilidade, como instrumento de medida e informação dessa realidade, desempenhe um papel essencial como suporte da determinação do lucro tributável.
...
Resulta assim claro, que a determinação do lucro tributável com recurso a métodos indiciários, hoje chamados de indirectos, tem uma feição excepcional e apenas a lei a autoriza, para aqueles casos em que não seja possível tal apuramento tendo por base a contabilidade do sujeito passivo, como diz a norma do art.º 51.º n.º2 do CIRC.
Por outro lado, o apuramento do lucro tributável com o recurso a métodos indiciários não se encontra estabelecido em benefício do sujeito passivo do imposto, e para colmatar eventual resultado injusto para este se tal lucro fosse apurado com o recurso aos elementos da sua contabilidade, ainda que eventualmente corrigidos.

Mas desde que se verifiquem os requisitos de tal norma, não sendo possível apurar, directamente, através da contabilidade do sujeito passivo a matéria colectável desse exercício, legitimada fica pela Administração Fiscal o lançar mão dos métodos indiciários, hoje chamados de indirectos, para determinação desse lucro, em que a AT se poderá basear em todos os elementos de que disponha, nos termos do disposto no art.º 52.º do CIRC, designadamente em quaisquer elementos existentes na contabilidade do sujeito passivo, quer relativos a esse exercício, quer relativos a qualquer um outro, para os extrapolar e valorar para o exercício em causa, não constituindo qualquer erro ou ilegalidade a extrapolação da margem calculada para um exercício ao ser aplicada num outro diferente, quando nenhuma prova for feita de que as mesmas tivessem sofrido quaisquer alterações (para pior) ao longo dos mesmos exercícios.

E no caso, ocorreram ou não tais pressupostos de aplicação dos métodos indiciários?
Pela matéria constante do ponto 8. do probatório e que transcreve grande parte do relatório da fiscalização tributária para que remete, apurada em sede de exame à escrita da impugnante e não contrariada por qualquer outra prova, não tendo a ora recorrida vindo juntar ou requerer qualquer prova (constituída ou constituenda), designadamente a junção de parecer pericial (art.º 117.º n.º2 do CPPT), e onde sobressai, suficientemente indiciada, a escrituração de vendas das fracções vendidas em que houve lugar a dois empréstimos, tendo como única garantia cada uma das fracções vendidas, por montantes superiores aos declarados em cada uma dessas escrituras de compra e venda, retiravam a credibilidade da mesma escrita que por valor inferior as escriturava, sobretudo ao nível dos proveitos, que sempre teriam de ser estimados, calculados, presumidos, afastando a possibilidade de, através dessa escrita, apurar o real volume de negócios da impugnante, dos seus reais proveitos, o que afectava a totalidade dos proveitos da sua actividade no exercício em causa, e não apenas uma ou outra operação, em que fosse assim possível, utilizar as correcções técnicas para esse apuramento.

Por outro lado, ao contrário do que parece defendido pela ora recorrida, não necessitava a AT de, formalmente, expressamente mencionar nesse relatório da inspecção tributária a impossibilidade de através dessa contabilidade apurar, comprovar e quantificar directa e exactamente a matéria colectável do exercício, bastando que dos factos apurados a concretizem(1), como no caso se entende que exprimem essa impossibilidade.

Ao contrário do entendimento vazado pela M. Juiz “a quo” na sentença recorrida, em que desvalorizou estes elementos apurados em sede de realização de exame à escrita e não contrariada por qualquer outra prova, a forma como a fiscalização tributária, partindo de dois casos em que comprovadamente houve declaração do preço na escritura pública de compra e venda de cada uma dessas fracções por valor inferior ao real, antes correspondendo tal preço de compra e venda ao somatório dos dois empréstimos obtidos junto da entidade mutuante, procedimento que fez extrapolar para os restantes dez nas mesmas situações, como consta na matéria do mesmo relatório de inspecção, apropriado pelo despacho do Chefe de divisão, por delegação do director de finanças adjunto – cfr. cópia de fls 38/39 dos autos de PAT apenso - poucas dúvidas poderão restar que a mesma contabilidade não reflectia os reais proveitos obtidos pela ora recorrida no exercício de 2001 em causa, em que estes serão de montantes superiores aos constantes na mesma.

A impossibilidade do apuramento, quer dos reais custos, quer dos reais proveitos, directamente, através da sua contabilidade permitia ou não que se socorresse aos métodos indiciários para esse apuramento?
A nossa resposta é positiva, face às obrigações da impugnante em manter uma escrita organizada de molde através dela se pudesse apurar e controlar o lucro tributável, quer sobretudo quanto aos proveitos, por a escrituração abaixo dos seus reais valores que assim não se sabe o seu volume, quer quanto à variação da sua produção que também foi corrigida face a tais incorrectas escriturações, desta forma se não podendo também, apenas, operar com correcções técnicas na determinação do lucro tributável do exercício, resultados que não se encontravam espelhados nessa mesma contabilidade, como acima se viu, desiderato que através desta não era possível alcançar.

Assim, face à existência destes diversos índices, que se nos afiguram fundados e suficientes, aberto se encontrava o caminho para lançar mão dos métodos indiciários, por os mesmos não carecerem de ser cumulativos. Ou seja, tal contabilidade não tinha o mérito de espelhar o resultado efectivo, concreto, da realidade económica-financeira do respectivo exercício da contribuinte, aparecendo sobretudo os proveitos escriturados por defeito, apoiados em documentos que não davam a conhecer a sua verdadeira existência e extensão, em suma, pela contabilidade da impugnante não era possível apurar os reais custos e os reais proveitos, efectivamente obtidos.

Face a tais anomalias, não permitindo através da contabilidade da impugnante apurar a verdadeira situação patrimonial da empresa e nem o resultado efectivamente obtido, não restava outro caminho à AF senão lançar mão de tais métodos indiciários, sob pena de beneficiar o infractor que não organiza a sua contabilidade de acordo com as regras legais previstas nos códigos tributários e comerciais, de molde a apurar e controlar o lucro tributável da sua actividade nesses exercícios.

Não podendo também no caso apenas operar-se com correcções técnicas no apuramento da matéria colectável, quando o que se encontra em causa, é uma falta generalizada de credibilidade da sua escrita comercial, sobretudo ao nível dos proveitos quanto às doze fracções em causa, pelos apontados vícios supra, que não uma ou outra operação mal contabilizada ou um outro proveito a acrescer ou um ou outro custo a não ser elegível, em que apenas haveria que os desconsiderar no apuramento da matéria colectável.

Cabia à Fazenda Pública e ora recorrente o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiciários, cabendo-lhe demonstrar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, competindo-lhe, por isso, especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria colectável e indicar os critérios utilizados na sua determinação, fazendo assentar o volume da matéria colectável presumida em dados objectivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários, não em meras suspeitas ou suspeições, ainda que não se possa exigir o mesmo grau de certeza nessa quantificação do que aquela que é apurada através da contabilidade do sujeito passivo, por ser inerente àquela uma aproximação à realidade a qual se desconhece, através da utilização de índices como sejam as margens médias de lucro líquido sobre as vendas e prestações de serviços ou compras, as taxas médias de rentabilidade de capital investido, o coeficiente técnico de consumos ou utilização de matéria-primas e outros custos directos, como hoje se exemplifica na norma do art.º 90.º da LGT.

Na verdade, tendo a determinação da matéria tributável por métodos indiciários de ser feita por aproximação à realidade que se procura apurar, é necessário que se demonstre que teve por suporte elementos de facto possíveis e prováveis, extraídos de parâmetros gerais e comuns, adequados à situação. E, por isso, a AF tem de utilizar elementos de facto conhecidos que, segundo as regras da experiência, pautados por critérios de razoabilidade e de normalidade e tendo em linha de conta as especificidades próprias do contribuinte, conduzam à extrapolação dos factos desconhecidos ou à aproximação da realidade que se procura alcançar.

A AT tem, assim, de indicar e justificar os critérios que utiliza na determinação da matéria tributável por métodos indiciários, por forma a que o contribuinte deles fique ciente e apto a discutir a valorimetria aplicada, isto é, para que possa provar que os critérios utilizados são desadequados e/ou inadmissíveis para a sua actividade, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributada quantificada.

Caberá, então, àquele a quem o método é oposto (no caso, a impugnante) o ónus probandi de que a realidade é completamente distinta do resultado a que conduziu a utilização das mencionadas regras, que o critério utilizado é ostensivamente desadequado e/ou inadmissível, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada.

No caso, face aos indícios supra, que se nos afiguram como fundados e seguros, carreou a AT elementos certos e determinados donde se pode extrair que a contabilidade da impugnante não reflectia a totalidade das operações realizadas, sobretudo ao nível dos proveitos, e daí, legitimada ficava, para passar ao apuramento da matéria tributável da contribuinte com o recurso aos métodos indirectos, tendo em vista encontrar o volume de negócios do exercício em causa de 2001, que a contabilidade não espelhava como deveria.

Para a passagem aos métodos indiciários, entre outros requisitos, nas normas dos art.ºs 87.º a 90.º da LGT e 52 .º a 54.º do CIRC, que foram concretamente aplicados no caso (cfr. cópia do relatório das fiscalização a fls 60 do PAT apenso), pode-se bastar com a existência de indícios fundados de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido, não restringindo a lei a liberdade da actuação da AT no sentido dos meios aptos a demonstrá-lo, assim podendo ser utilizados quaisquer índices aptos a revelá-los.

É que nos termos do art.º 90.º da LGT, então já vigente, os procedimentos dirigidos à declaração dos direitos dos contribuintes neles podem ser utilizados todos os elementos de que disponha a entidade competente, sem os restringir a qualquer categoria de meios.

Assim sendo, cabia agora, por sua vez à impugnante no âmbito do ónus probatório que sobre si impende, como acima se fundamentou, ter vindo trazer aos autos prova certa e segura, tendo em vista infirmar os indícios seguros em que a AF se fundou para a passagem aos métodos indiciários, designadamente quanto às apontadas anomalias da sua contabilidade relacionadas, sobretudo com os proveitos, e, se o conseguisse, não obstante aqueles fundados indícios, não teriam a virtualidade de alterar o resultado contabilístico declarado, por devidamente explicados e justificados.

Contudo, apesar de a contribuinte ter posto em causa os pressupostos em que se fundou a AF para lançar mão dos métodos indiciários, designadamente quanto aos proveitos que lhe foram imputados, em vários artigos ao longo da sua petição inicial de impugnação judicial, a verdade é que nem sequer articula factualidade concreta e precisa, relevante, que possa ser objecto de prova, testemunhal ou por documentos, quanto a este fundamento, limitando-se a meras conjecturas e generalidades insusceptíveis de serem apreendidas, encontrando-se assim longe de colocar em dúvida séria, fundada, os indícios supra referidos, centrando-se essencialmente, em invalidar os pressupostos em que se fundou a AT para a passagem a tais métodos, sem contudo apresentar outros mais adequados por mais próximos da realidade que se visa alcançar, não tendo desta forma vindo colocar de forma minimamente consistente em causa a matéria apurada pela fiscalização, não tendo por isso logrado provar que esses pressupostos são errados e/ou desajustados à realidade em causa, não podendo a impugnação judicial deixar de improceder por este fundamento, com o provimento do recurso e a revogação da sentença recorrida que em contrário decidiu.


4.1. Revogada a sentença recorrida pelo fundamento nela conhecido de falta de pressupostos para lançar mão dos métodos indirectos e não tendo a mesma conhecido dos outros dois fundamentos articulado na petição inicial de impugnação com base nos quais também a ora recorrida pretendia obter a anulação da liquidação em causa, cabe a este Tribunal, nos termos do disposto no n.º2 do art.º 715.º do Código de Processo Civil (CPC), do mesmo conhecer, em substituição daquele, já que os autos para tanto fornecem os necessários elementos, depois de ouvidas as partes, nos termos do n.º2 do mesmo artigo, não sendo caso de os autos baixarem à 1.ª Instância, como veio invocar a impugnante (cfr. fls 131/133), por a lei conferir preferência ao conhecimento imediato, pelo tribunal superior, às questões não conhecidas no tribunal inferior, quando os autos forneçam os necessários elementos, como no caso acontece, ainda que em detrimento de um grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto - cfr. preâmbulo do Dec-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro.

E esses fundamentos de impugnação constam na matéria dos seus artigos 46.º e segs da sua petição inicial de impugnação e são a falta de apreciação, ponto por ponto, das razões ou argumentos invocados pela ora recorrente em sede de direito de audição, que a AT não apreciou – art.ºs 46.º a 56.º da sua petição – e falta de fundamentação da decisão que, em sede de comissão de revisão, na falta de acordo entre os vogais, fixou a matéria tributável – art.ºs 57.º a 67.º da mesma petição – pretendendo que os mesmos inquinem o posterior acto de liquidação, por vício para esta transportado, de anterior momento procedimental.

Como não se encontra em causa e se pode ver do respectivo processo instrutor de fls 169 e segs, findo a acção de inspecção tributária, foi a ora recorrente notificada para exercer o direito de audição prévia previsto no art.º 60.º, e) e n.º4, da LGT, que esta veio exercer através do requerimento cuja cópia consta de fls 159 e segs do mesmo PI, em que foi mantida a matéria colectável fixada para o exercício de 2001, nesse mesmo relatório, após análise dos argumentos invocados, como no mesmo expressamente se menciona (cfr. decisão de fls 39 do mesmo PI), que mereceu despacho de concordância do Chefe de Divisão, em substituição do Director de Finanças Adjunto, de 31.3.2006 (cfr. fls 38 do mesmo PI).

Assim, em contrário do afirmado pela ora recorrente, os argumentos aduzidos pela mesma na oportunidade do seu direito de audição não terão sido esquecidos ou postergados, na mesma decisão, ainda que, nessa decisão, não tenha sido tomada posição expressa e pontual sobre cada dos mesmos, que dela não constam, sendo que não se vislumbra que a lei, na referida norma do art.º 60.º da LGT, imponha tal posição expressa sobre todos e cada um dos argumentos ou razões avançadas pelo sujeito passivo para infirmar esse relatório da inspecção tributária.

O que a lei impõe como pronúncia obrigatória, nessa decisão é, quanto aos elementos novos suscitados em tal direito de audição, como se dispõe na norma do n.º7 do mesmo art.º 60.º da LGT, sob pena de nulidade da mesma decisão (2).

E na matéria dos art.ºs 46.º a 56.º da sua petição inicial de impugnação judicial, jamais a ora recorrente, veio articular sequer, que tivesse invocado quaisquer elementos novos em sede do seu direito de audição e que a decisão final sobre eles se não tivesse pronunciado, pelo que com base no invocado vício não pode a impugnação judicial deixar de improceder.

Quanto à decisão do director de finanças de 26.5.2006, que em sede de comissão de revisão, na falta de acordo dos vogais, fixou o lucro tributável para o exercício de 2001 em € 499.872,69, consta de fls 16 e segs do mesmo PI e foi a mesma proferida ao abrigo do disposto no art.º 92.º, n.º6, da mesma LGT.

Pretende a impugnante e ora recorrente que em tal decisão não foi tomada em conta a posição do perito da contribuinte mas tão só o da Fazenda Pública e que tal decisão não contém os concretos e precisos elementos que levaram à adopção dos métodos indirectos, limitando-se a afirmações vagas e genéricas que não permitem ao administrado apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo da entidade decidente.

Nos termos do disposto no art.º 92.º, n.º6, da LGT, na falta de acordo no prazo estabelecido no n.º2, o órgão competente para a fixação da matéria tributável, resolverá, de acordo com o seu prudente juízo, tendo em conta as posições de ambos os peritos.

Como se pode ver de tal decisão, o órgão competente para a mesma, não deixou aí tomar em conta as posições de ambos os peritos, como desde logo aí se menciona:
«Analisados o relatório dos Serviços de Inspecção Tributária, o Pedido de Revisão apresentado pelo Sujeito Passivo e considerando as posições tomadas pelos peritos nos eus laudos, evidenciam-se os seguintes factos:
...», para além da posição do sujeito passivo, transcrevendo, em síntese, no seu ponto B., as razões ou argumentos por eles avançados para tanto, e os concretos fundamentos por que entende que se verificam os pressupostos para o lucro tributável ser apurado por métodos indirectos –seu ponto C. Decisão – e que resultam além do mais do relatório da fiscalização tributária que para aqui aporta, como parte do seu discurso fundamentador, como a lei lhe permite nos termos do disposto no art.º 125.º n.º1 do CPA, desta forma permitindo a um destinatário normal, como se supõe seja a impugnante, o esclarecimento da concreta motivação do acto e porque aquele teve lugar e não qualquer um outro.

O facto de a entidade decidente, em tal decisão, ter deixado de seguir a posição do sujeito passivo e do seu perito na comissão de revisão, não implica que na mesma, não tenha tomado em conta a posição de ambos, como a mesma parece entender, mas sim porque entendeu, no seu prudente juízo, que as mesmas não eram de seguir, face às posições do perito da Fazenda Pública e, sobretudo, face à concreta factualidade, que enunciou, apurada em sede de exame à escrita e não contrariada por qualquer uma outra, e que traduziria a realidade dos factos, pelo que tal decisão, formalmente, não pode enfermar dos apontados vícios de falta de fundamentação.


Improcedem assim, também, os restantes fundamentos avançados pela impugnante e através dos quais pretendia, igualmente, obter a anulação da liquidação impugnada.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em conceder provimento ao recurso e em revogar a sentença recorrida, e conhecendo em substituição, em julgar improcedente a impugnação.


Custas pela recorrente em ambas as instâncias.


Lisboa,30 De Junho de 2009
EUGÉNIO SEQUEIRA
PEREIRA GAMEIRO
ASCENSÃO LOPES (vencido no entendimento de que no caso concreto não está suficientemente justificado o recurso a métodos indirectos. Com efeitos, a A.T. apenas recolheu indícios de que os proveitos da venda de fracções autónomas eram superiores aos declarados em dois casos que depois extrapolou para todos os outros, com base no simples argumento verificado de que foram efectuados segundos empréstimos – mútuos com hipoteca para a compra das fracções em causa. Ora, não é só a contracção de segundos empréstimos não releva só por si e imediatamente um custo superior da fracção ao declarado (sabido que era pratica dos adquirentes aproveitarem a altura da compra de casa para adquirirem outros bens de consumo, duradoiros e efectuarem pequenas obras na fracção adquirida, adaptando-a a seu gosto) Como, ainda fica por esclarecer a idêntica tipologia das fracções em causa. Por tudo e, face à muito limitada recolha de indícios de fraude por parte da AT, inclinamo-nos para que no caso concreto só deveria ter ocorrido correcções técnicas).

(1) Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 7.6.2006, recurso n.º 1293/05-30.
(2) Como se decidiu no acórdão do STA de 7.12.2005, recurso n.º 1245/03-30.