Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2097/11.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/14/2020
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IRC;
EMPRÉSTIMOS;
JUROS;
VENCIMENTO PRESUMIDO;
OBRIGAÇÃO DE RETENÇÃO.
Sumário:1. O facto gerador da obrigação de retenção na fonte pela entidade devedora dos rendimentos verifica-se, em regra, no primeiro dos seguintes actos que ocorrer: liquidação do débito, vencimento, colocação à disposição e pagamento (art.98.º a 101.º do CIRS ex vi do art.º88.º/6 do CIRC);
2. Tratando-se tais rendimentos de juros, a lei ficciona/presume que os mesmos se vencem na data estipulada ou, na ausência de data estipulada, na data do reembolso do capital (art.º7.º/2 do CIRS);
3. Para fazer funcionar a ficção/presunção legal, a AT tem de demonstrar, na ausência de data estipulada de vencimento dos juros, que ocorreu o reembolso do capital a que se reportam tais juros.
4. Não se demonstrando o reembolso do capital (ou qualquer realidade subsumível a esse conceito), a ficção do vencimento dos juros reportado a esse momento temporal enquanto facto gerador da obrigação de retenção enferma de erro nos pressupostos.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

O Exmo. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “B......., S.A.”, e “B...... I ...... B.V.” na qualidade de sucessores da “S….. S.A.”, visando a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada (i) contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.º2007 6….., relativa a retenções na fonte de 2003 e (ii) contra a respectiva liquidação de juros compensatórios n.º2007 0…….

Admitido o recurso com subida imediata nos próprios autos e efeito suspensivo (cf. despacho a fls.285), o Recorrente juntou alegações, que termina com as seguintes e doutas «Conclusões:

i. A decisão recorrida padece de erro na apreciação da matéria de facto, quando conclui que não houve pagamento do empréstimo contraído pela S….. S.A. junto da S…., B.V.

ii. Para a boa decisão da causa, afiguram-se particularmente relevantes os factos seguintes:
• Em 1997, a sociedade liquidada – S…….., S.A. – contraiu um empréstimo junto da S……, B.V. com sede e residente na Holanda, da qual era detentora de 100% do capital social. (Alínea T) dos Factos Provados).
• Este empréstimo não foi formalizado através de um contrato escrito, não foi estabelecido qualquer prazo de vencimento dos juros acordados, que, por esse motivo, não foram pagos nem colocados à disposição da S...... B.V. (Alínea U dos Factos Provados).
• Em 14-07-2003 a S..... S...., S.A., apresentou a declaração modelo 130 respeitante ao exercício de 2002, na qual declara o pagamento de rendimentos no valor de € 7.853.918,00 à sociedade S..... B.V., com sede em Amesterdão, sendo que sobre este valor não foi efetuada retenção na fonte. (Alínea V) dos Factos Provados).
• Na sequência da análise efetuada à declaração, foi a S…… S…., S.A., notificada para justificar a não retenção de imposto, prevista no artigo 90.º, nº 2 do CIRC, relativamente aos pagamentos efetuados a várias entidades, bem como para indicar a natureza dos rendimentos pagos em cada caso. (Alínea W) dos Factos Provados).
• Em resposta à notificação veio a S….. S….., S.A., informar que os rendimentos no valor de € 7.853.918,00 pagos à sociedade S…… B.V., não deveriam constar da declaração modelo 130 porquanto os mesmos consistiam num acréscimo de custos. (Alínea X) dos Factos Provados).
• A S……, S….., S.A., registou mensalmente os juros como custo, à data que diziam respeito e não como conta a pagar, por força do princípio da especialização dos exercícios. (Alínea Z) dos Factos Provados).
• A sociedade S...... BV.., atenta a especialização dos exercícios, registou mensalmente, em proveitos, o valor dos juros a receber. (Alínea AA) dos Factos Provados).
• Nos activos transferidos da S….., B.V. para a S….., S….., S.A. aquando da liquidação estava o crédito correspondente ao empréstimo concedido. (Alínea EE) dos Factos Provados).
• Com liquidação da sociedade S...... B.V., a sociedade S….., S…., S.A., recebeu o produto da liquidação em espécie, todos os ativos e passivos da empresa liquidada. (Alínea HH) dos Factos Provados).
• No âmbito da liquidação da S……, B.V. a totalidade dos ativos e passivos foram transferidos na totalidade para a esfera jurídica da S….., S…., S.A., anulando-se o montante dos juros a receber pela primeira com o montante do juros a pagar pela segunda. (Alínea II) dos Factos Provados).
• A contabilidade da S….., S….., S.A. ficou com uma conta a receber e uma conta a pagar a ela própria. (Alínea KK) dos Factos Provados).
• A sociedade S….., S……, S.A. tinha inscrita na sua contabilidade uma conta a pagar à S……, B.V., relativa ao empréstimo que esta lhe concedeu e ao receber os ativos e passivos decorrentes da liquidação desta, reuniu na sua esfera jurídica o dever de pagar o empréstimo e o correspetivo direito ao reembolso. (Alínea LL) dos Factos Provados).
• A (…) «data de liquidação da sociedade S……. B.V. (…) ocorreu em 07.12.2003. (Alínea H dos Factos Provados).
• Os serviços de Inspeção Tributária procederam ao enquadramento legal e ao cálculo das correções nos termos enunciados na Alínea J dos Factos Provados, concluindo que deveria ter efetuado retenção na fonte em 07.12.2003.

iii. O cotejo dos factos supra indicados com o acervo documental junto no Processo Administrativo junto aos autos demonstra que “No exercício de 2003, a sociedade S ……B…., foi liquidada”, mais concretamente, em 07.12.2003, e que a “A conta 27331- 2021 da Pensões Gere que apresentava um saldo devedor de e 23.224.341,82 foi anulada por contrapartida da participação financeira detida na sociedade S….. B.V.” - conforme se encontra detalhado nas alíneas H e J) dos Factos Provados -, pelo que, por efeito da liquidação da sociedade S……, B……. a sociedade S……., S.A. recebeu o produto da liquidação, mediante o qual esta sociedade alcançou, de facto e de direito, o reembolso do empréstimo concedido em 1997.

iv. A própria Recorrida admite que a transmissão do património resultante da liquidação da S...... B.V. implicou a extinção do empréstimo concedido a essa sociedade (Cfr. art.º 4.º e 5.º da petição inicial).

v. Assim, a liquidação da sociedade S…… B.V. teve por efeito o pagamento do empréstimo operado mediante o recebimento do produto da liquidação pela s……, S.A..

vi. Tal circunstância infirma a conclusão de que não houve pagamento do valor do empréstimo acordado em 1997, ao contrário do que consta na alínea PP) dos Factos Provados da decisão recorrida.

vii. Salientamos que a alínea PP) dos Factos Provados enunciados na decisão recorrida não contém a indicação expressa do fundamento probatório no qual o decisor a quo ancorou a sua convicção, para julgar esse ponto concreto como facto provado, sendo que tal circunstância inquina a decisão sobre a matéria de facto com o vício de falta de fundamentação, pelo que a alínea PP) deverá ser eliminada do elenco dos factos provados de modo a obviar o erro de apreciação sobre a matéria de facto.

viii. Para além da referida omissão de fundamentação, a decisão recorrida acolheu como fundamento, designadamente, nas alíneas Y), BB), CC) dos Factos Provados, o depoimento das testemunhas, B...... e M.......

ix. Todavia, ambas as testemunhas afirmaram não possuir conhecimento direto dos factos, os quais se reportam aos exercícios de 2002 e de 2003, isto é, em momento temporal anterior à nomeação de ambas as testemunhas como administradoras da S….. S….., S.A., em 2008, pelo que tais testemunhas não estiveram presentes, nem participaram, nos factos que relataram, tal como se extrai quer do teor do registo dos depoimentos das testemunhas (para o qual se remete), bem como da fundamentação da convicção do julgador enunciada no Ponto 2.2 da decisão a quo, que a este respeito sobre o depoimento da testemunha B….. referiu que esta «tem conhecimento dos factos pela análise dos documentos contabilísticos e não acompanhou as vicissitudes do empréstimo » e sobre o testemunho de M.…… referiu que «tem conhecimento dos documentos que suportam o processo».

x. Salvo o devido respeito por melhor entendimento, as testemunhas arroladas pela Recorrida não tiveram qualquer intervenção no âmbito da concretização da operação de financiamento em causa, nem no procedimento respetivo.

xi. Aliás, conforme expressamente afirmaram ambas as testemunhas, a sua intervenção limitou-se à análise da documentação contabilística no momento da elaboração da petição da presente impugnação judicial, pelo que, por não revelarem qualquer razão de ciência, pelo que tais depoimentos não deveriam ter sido valorados, atento o disposto no artigo 496.º do Código de Processo Civil que impede o depoimento como testemunha aos que possam depor como partes, incluindo-se no conceito de parte os representantes das pessoas coletivas.

xii. A decisão recorrida parece partir do pressuposto de não houve pagamento do empréstimo contraído pela sociedade S……., S…..,S.A. junto da S……., B.V.

xiii. Porém, tal pressuposto é errado e faz uma incorreta interpretação do quadro normativo aplicável.

xiv. O acervo documental junto ao processo de Impugnação demonstra cabalmente o acerto da posição da Administração Fiscal relativamente à sujeição a IRC dos rendimentos de capitais derivados do empréstimo de financiamento efetuado pela S….. BV à S….., S.A. de acordo com o disposto no ponto 3 da alínea c) do n.º 3 do art.º 4.º do CIRC, na redação ao tempo em vigor, que determina a tributação, no território nacional, sempre que o devedor tenha nele a sua residência, sede ou direção efetiva.

xv. Nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 e do n.º 2 do art.º 88.º do CIRC (na redação em vigor em 2003), devem tais rendimentos ser objeto de retenção na fonte, a qual tem carácter definitivo, de acordo com o previsto na alínea b) do n.º 3 do mesmo preceito.

xvi. Quanto ao facto gerador do imposto, estipulava o n.º 7 e a alínea b) do n.º 8 do art.º 7.º do CIRC (na redação do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro), que o imposto se considera verificado no último dia do período de tributação, com exceção dos rendimentos objeto de retenção na fonte a título definitivo, auferidos por entidades não residentes, não imputáveis a estabelecimento estável situado em território português, em que o facto gerador do imposto se considera verificado na data em que ocorre a obrigação de efetuar a retenção.

xvii. A data em que ocorre a obrigação de efetuar a retenção, encontra-se estabelecida no n.º 6 do artigo 88.º do CIRC, que dispõe o seguinte: “A obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC ocorre na data que estiver estabelecida para obrigação idêntica no Código de IRS ou, na sua falta, na data de colocação à disposição dos rendimentos, devendo as importâncias retidas ser entregues ao Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram deduzidas e essa entrega ser feita nos termos estabelecidos no Código do IRS ou em legislação complementar .” (sublinhado nosso).

xviii. Por sua vez, dispõe o artigo 7.º do CIRS., o seguinte:
«1 – Os rendimentos referidos no artigo 5.º ficam sujeitos a tributação desde o momento em que se vencem, se presume o vencimento, são colocados à disposição do seu titular, são liquidados ou desde a data do apuramento do respectivo quantitativo, conforme os casos.
2 – Tratando-se de mútuos, de depósitos e de aberturas de crédito, considera-se que os juros, incluindo os parcialmente presumidos, se vencem na data estipulada, ou, na sua ausência, na data do reembolso do capital, salvo quanto aos juros totalmente presumidos, cujo vencimento se considera ter lugar em 31 de Dezembro de cada ano ou na data do reembolso, se anterior.
3 – Para efeitos do disposto no n.º 1, atende-se:
a) Quanto ao n.º 2 do artigo 5.º:
1) Ao vencimento, para os rendimentos referidos na alínea a), com exceção do reporte, na alínea b), com exceção dos reembolsos antecipados dos depósitos ou de certificados de depósitos, na alínea c), com exceção dos certificados de consignação, e nas alíneas d), e), g) e q), neste último caso relativamente a juros vencidos durante o decurso da operação; (…) – (Sublinhados nossos).

xix. Da conjugação dos referidos preceitos legais resulta que a sujeição a tributação dos rendimentos em causa ocorre na data do seu vencimento, considerando-se que os juros se vencem na data estipulada ou, na sua ausência, na data do reembolso do capital.

xx. Diante do exposto, o reembolso do empréstimo contraído em 1997 pela sociedade S……, S.A. ocorreu inevitavelmente com a liquidação e partilha do património da sociedade credora que colocou o rendimento à disposição daquela sociedade e do qual é resultante a obrigação da respetiva retenção na fonte.

xxi. Assim, a questão essencial que importa esclarecer prende-se com a determinação da data da obrigatoriedade da S……, S.A. efetuar a retenção na fonte, designadamente porque, como foi demonstrado, não foi contratualmente fixada a data de vencimento dos juros, sendo que a inexistência de cláusula contratual não será, certamente, alheia o facto de existirem relações especiais entre as duas entidades.

xxii. Assim, a falta de prova de cláusula contratual de determinação da data de vencimento dos juros implica que se considere que os juros se venceram na data do reembolso do capital, o qual ocorreu no momento em que a sociedade S…… BV foi liquidada, ou seja 07.12.2003, atento o disposto no n.º 6 do artigo 88.º do CIRC conjugado com o artigo 7.º do CIRS.

xxiii. Salientamos que a própria Recorrida admite, (veja-se no requerimento constante de fls. 75 a 79 do processo de reclamação graciosa junta aos autos), que apesar de não ter sido efetuado o pagamento efetivo dos juros à S……. BV, o valor do financiamento e dos juros foi anulado por contrapartida da partilha da participação financeira, o que corresponde à liquidação do montante de juros a pagar.

xxiv. A própria Recorrida reconhece que a forma de cumprimento da obrigação materializou-se no momento em que «os valores em dívida na esfera da Exponente foram regularizados em virtude da integração do património remanescente que lhe coube no momento da partilha, onde se encontram incluídos os valores a receber por parte da S e P Internacional .».

xxv. Verifica-se que, em consequência da liquidação da sociedade S…… BV, a beneficiária efetiva dos juros e do reembolso do capital operado através da partilha do património da sociedade liquidada foi a sociedade S………, S.A., residente em Portugal.

xxvi. Salvo o devido respeito por melhor opinião, o benefício efetivo obtido pela sociedade S……, S.A. afigura-se relevante para afastar a aplicação do disposto no n.º 2 do art.º 11.º da CONVENÇÃO ENTRE A REPÚBLICA PORTUGUESA E O REINO DOS PAÍSES BAIXOS PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO E PREVENIR A EVASÃO FISCAL EM MATÉRIA DE IMPOSTOS SOBRE O RENDIMENTO E O CAPITAL, (CDT), publicada no Diário da República, I Série-A, N.º 159, de 12 de julho de 2000, na medida em que o beneficiário dos juros, por via da liquidação da sociedade credora, é a sociedade devedora dos juros, que tem residência em Portugal, pelo que o facto tributário em análise tem conexão apenas com o ordenamento jurídico interno, não se verificando o limite de tributação de 10% do montante bruto dos juros a que alude o referido preceito da Convenção, nem qualquer dos demais pressupostos previstos no mesmo preceito.

xxvii. Pelo exposto, da decisão a quo resulta a violação do disposto no ponto 3, da alínea c) do n.º 3 do art.º 4.º do CIRC, da alínea c) do n.º 1, e do n.º 2 e n.º 6 do art.º 88.º do CIRC e do n.º 1 e n.º 2 do art.º 7.º do CIRS, cuja aplicação é fundamento para manter a tributação do facto tributário impugnado nos presentes autos.

xxviii. Assim, a decisão recorrida incorre também em erro de apreciação sobre o direito aplicável, porquanto, salvo o devido respeito por melhor opinião, a liquidação e partilha do património da sociedade credora tem por consequência afastar a aplicabilidade do disposto no n.º 2 do art.º 11.º da CDT celebrada entre a República Portuguesa e o Reino dos Países Baixos, uma vez que a entidade beneficiária efetiva é residente em Portugal e não nos Países Baixos.

xxix. Efetivamente, a sujeição a imposto do facto tributário impugnado deveria ter sido analisado de acordo com as normas jurídicas aplicáveis no momento do reembolso do capital operado na data da liquidação da sociedade S…… BV, não podendo ser-lhe aplicável as disposições da CDT, em virtude da situação em análise não se subsumir em qualquer das hipóteses previstas nas normas do art.º 11.º da CDT, ao contrário do que se entendeu na decisão recorrida.

xxx. Em face do quadro normativo aplicável ao ato tributário impugnado, conclui-se que ficou demonstrado que o pagamento de juros e o reembolso do capital mutuado ocorreu inevitavelmente com o recebimento do produto da partilha resultante da liquidação da sociedade credora, em 07.12.2003.

xxxi. Esse recebimento impõe uma obrigação de retenção na fonte quando ocorre reembolso ou colocação à disposição de rendimentos, nos termos do n.º 6 do art.º 88.º do CIRC e do n.º 1 e n.º 2 do art.º 7.º do CIRS.

xxxii. Salvo o devido respeito por melhor entendimento, o sentido da decisão recorrida não se afigura congruente quando, por um lado, considera que os créditos e as dívidas se extinguiram por confusão, nos termos do art.º 868.º do Código Civil, na esfera patrimonial de uma só entidade residente em Portugal, e, por outro, trata essa situação como se, à data da transmissão global do património (07.12.2003), subsistisse uma conexão com um ordenamento jurídico dos Países Baixos, nos termos da CDT.

xxxiii. Assim, existe uma oposição entre os fundamentos jurídicos que foram acolhidos na decisão recorrida, porque quem entende que existiu extinção do crédito e dívida de juros e capital do empréstimo, por confusão, deve reconhecer que o disposto na CDT não pode ser aplicável.

xxxiv. Em face do exposto, entendemos que existe fundamento para anular a decisão recorrida e manter o ato tributário impugnado, por erro sobre a apreciação de facto e de direito, porque a S……., S.A. encontrava-se obrigada a efetuar retenção na fonte, em 07.12.2003, nos termos da subalínea 3), da alínea c) do n.º 3 do art.º 4.º, da alínea c), do n.º 1, do n.º 2 e do n.º 6 do art.º 88.º, todos do CIRC, preceitos que fundamentaram os factos tributários impugnados.

NESTES TERMOS, requer-se a V.as Ex.as que seja dado provimento ao Recurso, como é de JUSTIÇA.».

Os Recorridos apresentaram contra-alegações, que rematam com as seguintes e doutas «Conclusões:

Face ao exposto, os Recorridos formulam as seguintes conclusões:

(a) Nas conclusões das suas alegações de recurso começa a Recorrente por invocar o "erro na apreciação da matéria de facto, já que, "de facto e de direito" o recebimento do produto da liquidação pela sociedade à qual os Recorridos sucederam traduziu o "reembolso do empréstimo", o que os Recorridos teriam admitido se verificou.

(b) Ignorando o facto de a Recorrente invocar questões de direito num ponto em que afirma contestar os factos dados como provados na sentença recorrida, os Recorridos não negam que afirmaram que a liquidação da sociedade em causa implicou a extinção do empréstimo, porque, de facto, o fizeram por tal corresponder à verdade, já que a confusão que invocam ter existido e que o Tribunal a quo aceitou ter-se verificado determinou, de facto, a extinção do empréstimo em causa.

(c) Alega a Recorrente que, contrariamente ao que concluiu o Tribunal a quo, houve "reembolso do empréstimo" ou "pagamento do empréstimo", traduzido no recebimento do produto da liquidação da sociedade mutuante.

(d) No entanto, o que o Tribunal a quo deu como provado no ponto invocado pela Recorrente foi, apenas, o de que "não houve pagamento [de juros] e uma empresa contabilizou a acréscimo de custos e outra a contabilizou a acréscimo de proveitos".

(e) Desta forma, a Recorrente considera que deve ser dado como não provado o que afirma ser um facto que o Tribunal a quo não deu como provado.

(f) Por outro lado, a Recorrente pretende contestar os factos dados como provados pelo Tribunal a quo, mas, de facto, o que contesta é uma conclusão de direito do Tribunal a quo.

(g) Note-se ainda que a Recorrente não fundamenta a sua conclusão de que a liquidação "teve por efeito o pagamento do empréstimo operado pelo recebimento do produto da liquidação", limitando-se a enunciá-la.

(h) Acresce que nesta sequência (ainda no âmbito do alegado erro sobre a matéria de facto) a Recorrente aponta à sentença recorrida uma "omissão de fundamentação", um vício de que, nos termos do artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, decorreria a nulidade da sentença recorrida, mas conclui no sentido da existência de um erro de julgamento.

(i) Desta forma, a Recorrente não cumpriu o ónus que sobre si impende, de, nas palavras da jurisprudência, "circunscrever com clareza o âmbito do litígio submetido ao escrutínio judicial, através da explicitação das razões da sua dissidência" quanto à sentença recorrida, já que não é claro qual o vício assacado à sentença recorrida - erro de julgamento na apreciação da matéria de facto ou não especificação dos fundamentos de facto - não sendo desta forma objectívamente possível a Vossas Excelências apreender o sentido da crítica que a Recorrente aponta à decisão do Tribunal a quo, do mesmo passo que os Recorridos não podem contra-alegar de forma adequada, o que deverá ser reconhecido para os efeitos relevantes.

(j) A Recorrente contesta a valoração da prova testemunhal produzida nos presentes autos, concluindo que as testemunhas inquiridas "não revelaram qualquer razão de ciência'' por "não [terem tido] qualquer intervenção no âmbito da concretização da operação de financiamento em causa, nem no procedimento respetivo".

(k) No entanto, é a própria Recorrente que aceita a razão de ciência das testemunhas inquiridas: não participaram nas operações em causa, mas analisaram a respectiva documentação e contabilização, tendo-se os seus depoimentos cingido a tal documentação e contabilização e foi nesse contexto que foram analisados e valorados pelo Tribunal a quo.

(]) Afirma ao mesmo tempo a Recorrente que as testemunhas "se encontravam impedidas de depor" porque "[o] artigo 496 º do Código de Processo Civil ( ...) impede o depoimento como testemunha aos que possam depor como partes, incluindo-se no conceito de parte os representantes das pessoas coletivas''.

(m) No entanto, as testemunhas em causa não eram representantes de qualquer "parte" no presente processo - a Fazenda Pública e os Recorridos.

(n) E, ainda que de facto o depoimento das testemunhas fosse inadmissível, o momento para invocar o alegado impedimento seria o da inquirição, mediante a impugnação prevista no artigo 515.º do Código de Processo Civil, a deduzir quando tivesse terminado o interrogatório preliminar, não tendo a Recorrente impugnado naqueles termos.

(o) Em conformidade, não procede o alegado pela Recorrente quanto à prova testemunhal considerada pelo Tribunal a quo.

(p) Desta forma, nada nas alegações de recurso da Recorrente relativamente à existência do alegado "erro na apreciação da matéria de facto" é susceptível de afectar a adequação da
decisão do Tribunal a quo quando formulou o seu juízo no sentido da ilegalidade das liquidações em análise.

(q) Em conformidade, não merece a decisão do Tribunal a quo a censura que lhe é apontada pela Recorrente.

(r) Aponta também a Recorrente à sentença recorrida o vício de "erro de julgamento na matéria de Direito".

(s) Nos termos das normas citadas pela Recorrente, e conforme aliás expressamente por si afirmado, a obrigação de retenção na fonte sobre juros de mútuos nasce no momento do vencimento de tais juros; para esse efeito, considera-se que os juros "se vencem na data estipulada" ou, na ausência de data estipulada para o vencimento, na data do reembolso do capital mutuado.

(t) Conceptualmente, o reembolso do capital mutuado é assim o facto conhecido de que o legislador parte para ficcionar um facto desconhecido, o vencimento de juros, o facto gerador da obrigação de retenção na fonte.

(u) Independentemente da questão da (in) constitucionalidade da ficção referida, a questão relevante no caso concreto não é assim a de saber se houve ou não a "colocação à disposição" de juros que de facto não se chegaram a vencer, como a Recorrente parece alegar em diversos momentos , antes é a de saber se ocorreu o reembolso do capital , facto que à luz da legislação ordinária permitiria ficcionar o vencimento de juros , que é pressuposto essencial do nascimento da obrigação de retenção na fonte.

(v) Alega repetidamente a Recorrente que no momento da liquidação da mutuante ocorreu tal reembolso do capital, afirmando inclusivamente que os Recorridos admitiram que tal se tinha verificado:

(w) Mas não é verdade que os Recorridos tenham admitido que ocorreu qualquer reembolso do capital , e muito menos o fizeram nos termos invocados pela Recorrente .

) O que os Recorridos afirmaram, e que corresponde à verdade, foi dado como provado pelo Tribunal a quo e não foi contestado pela Recorrente, é que na contabilização da liquidação da sociedade mutuante a sociedade à qual os Recorridos sucederam, a mutuária. anulou aqueles valores, e outra coisa não poderia ter feito dada a extinção daquelas obrigações (não vencidas, note-se ) por confusão com os correspondentes créditos que para si foram transmitidos; a obrigação extinguiu-se, mas não pelo reembolso, que corresponderia ao cumprimento, antes se extinguiu por causa que não o cumprimento.

(y) Por outro lado, a Recorrente não demonstra nesta sede, sequer tenta demonstrar que não ocorreu a confusão invocada pelos Recorridos e sancionada pelo Tribunal a quo.

(z) Considera ainda a Recorrente que não assiste razão ao Tribunal a quo na sua decisão no sentido da aplicação da convenção de dupla tributação entre Portugal e a Holanda, por não se verificar qualquer conexão com outro país que não Portugal , fazendo relevar aqui u m - até agora nunca invocado - conceito de "beneficiário efectivo".

(aa ) No entanto, aquela conexão exclusiva com Portugal é afirmada num contexto em que é também afirmada a liquidação da sociedade credora, uma sociedade com sede na Holanda, numa evidente contradição.

(bb) A Recorrente vai insistindo na afirmação de que ocorreu o “reembolso do capital", mas a dado passo das suas conclusões acrescenta uma nova afirmação, a de que ocorreu o "pagamento dos juros" (quando antes afirmara que ocorreu o pagamento do capital). afirmações estas que considera ficarem demonstradas "em face do quadro normativo aplicável”.

(cc) Ora, a sentença recorrida deu como provado que não ocorreu qualquer pagamento de juros (e, concomitantemente, não poderia haver recebimento), facto que não foi contestado pela Recorrente.

(dd) E, mais uma vez, a Recorrente parece retirar das normas que invoca a prova de que os factos que invoca ocorreram, num estranho raciocínio em que o regime aplicável a um determinado facto é aplicado para a ( pretendida) demonstração do mesmo facto.

(ee) No âmbito do alegado erro sobre a matéria de direito no qual funda o pedido de anulação da decisão recorrida, a Recorrente aponta à decisão recorrida uma "oposição entre os fundamentos jurídicos", que, nos termos do artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é causa de nulidade da sentença.

(ff) Desta forma, também neste passo a Recorrente não cumpriu o ónus que sobre si impende, de, nas palavras da jurisprudência, "circunscrever com clareza o âmbito do litígio submetido ao escrutínio judicial, através da explicitação das razões da sua dissidência" quanto à sentença recorrida, já que não é claro qual o vício assacado à sentença recorrida - erro de julgamento na apreciação da matéria de direito ou oposição dos fundamentos com a decisão - não sendo desta forma objectivamente possível a Vossas Excelências apreender o sentido da crítica que a Recorrente aponta à decisão do Tribunal a quo, do mesmo passo que os Recorridos não podem contra-alegar de forma adequada, o que deverá ser reconhecido para os efeitos relevantes.

(gg) Desta forma, nada nas alegações de recurso da Recorrente relativamente à existência do alegado "erro de julgamento na matéria de Direito" é susceptível de afectar a adequação da decisão do Tribunal a quo quando formulou o seu juízo no sentido da ilegalidade das liquidações cm análise.

(hh) Em conformidade, não merece a decisão do Tribunal a quo a censura que lhe é apontada pela Recorrente.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, há que concluir que não procedem as conclusões da Recorrente, devendo a procedência da impugnação decidida pelo Tribunal a quo manter-se na ordem jurídica, com as legais consequências.».

A Exma. Senhora Procuradora-Geral-Adjunta emitiu mui douto parecer em que conclui pela procedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), são estas as questões que importa resolver: (i) se a sentença enferma de nulidade (a) por oposição entre os fundamentos jurídicos da decisão e (b) por falta de fundamentação; (ii) se a sentença incorreu em erro de julgamento de facto, sendo de suprimir dos factos provados o ponto PP); (iii) se a sentença incorreu em erro na aplicação do direito aos factos, nomeadamente (a) quanto à data em que ocorreu a obrigação de retenção na fonte dos rendimentos provenientes do financiamento obtido da sociedade “S..... B.......” e (b) na aplicação do regime da convenção sobre dupla tributação entre Portugal e a Holanda sem que o facto tributário apresente qualquer elemento de conexão com o ordenamento jurídico estrangeiro.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância, deixou-se consignado em sede factual:
«

. MATÉRIA DE FACTO:

• FACTOS PROVADOS:

A) A coberto da ordem de serviço n.º O……., com despacho exarado em 2007.09.06, pelo Chefe da Divisão IV, dos Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa foi efectuada uma acção inspectiva à actividade da Impugnante.

(Conforme resulta de fls. 45 do processo administrativo apenso).

B) A acção inspectiva foi iniciada em 2007.09.07 e terminou em 2007.10.01. (Conforme resulta de fls. 45 do processo administrativo apenso).
C) A acção foi de âmbito parcial para IRC e incidiu sobre o exercício de 2003. (Conforme resulta de fls. 45 do processo administrativo apenso).
D) Procedeu-se à abertura da ordem de serviço na sequência do despacho n.° DI……… em que foram detectadas irregularidades.

(Conforme resulta de fls. 45 do processo administrativo apenso).

E) A sociedade S…….. S.A., é uma sociedade gestora de participações sociais (S……).

(Conforme resulta de fls. 45 e 46 do processo administrativo apenso).

F) No exercício de 2003, foi sujeito passivo do imposto nos termos do artigo 2° do CIRC sujeito a IRC, no regime geral, sendo o seu lucro tributável determinado de acordo com o disposto no artigo 17° n.°1 do CIRC.

(Conforme resulta de fls. 46 do processo administrativo apenso).

G) Entregou a declaração de rendimentos modelo 22 bem como a declaração anual e seus anexos, no exercício em análise.

(Conforme resulta de fls. 46 do processo administrativo apenso).

H) Em matéria de descrição dos factos e fundamentos da correcções meramente aritméticas, resulta do relatório de inspecção tributária:

«III.1. Descrição dos factos:


No âmbito do despacho n.° DI…… de 2006.03.31, que tinha como objectivo a análise das inexactidões e omissões constantes na declaração modelo 130 — rendimentos pagos a não residentes, apresentada pela sociedade S……, SA (Pensões Gere), para o exercício de 2002, verificamos que Inscreveu na modelo 130, o pagamento de rendimentos no valor de
€ 7853918,00, Indicando como beneficiário dos mesmos a S ……BV (Pensões Internacional), conforme anexo n.º 1 — fls. 9 a 11;

Sobre este valor não foi efectuada qualquer retenção na fonte;

lII.1.3. O sujeito passivo foi notificado através do ofício n.° 12 651 da Direcção de Serviços das Relações Internacionais (DSRI), de 03.05.05. na pessoa do Presidente do Conselho de Administração, conforme anexo n.° 2 — fis.12 e 13, para apresentar os meios de prova que justifiquem a não retenção de imposto, prevista no nº 2 do art.° 90º do CIRC e indicar, ao abrigo do n.° 4 do art.° 59º da LGT, a natureza dos rendimentos pagos a cada a uma das entidades inscritas na modelo 130;

III.1.4. Em resposta ao solicitado vem a Pensões Gere Informar que os rendimentos no valor de € 7 853 918,00, indicados como beneficiário dos mesmos a S…… BV, não deveriam ser Indicados no modelo 130, porquanto os mesmos se referirem apenas a um acréscimo de custos; conforme anexo n.° 3 – fls. 14 a 16.

De acordo com os elementos fornecidos pelo sujeito passivo o valor de € 7.853.918,00, diz respeito a um acréscimo de custos, relativo ao exercício de 2002, registado nas contas 6……..-2021 — custos e perdas financeiras, e 2……..-2021 — acréscimo de custos, juros a liquidar, conforme anexo n.° 4 — fls. 17 a 20, resultante do financiamento efectuado pela S….. ….., BV, (sociedade holandesa detida a 100% pela Pensões Gere) através de uma operação de tesouraria, conforme anexo n.º 5 fls. 21 a 23;

III.1.5. A Pensões Gere vem contabilizando acréscimos de custos desde o exercício de 1997, até ao exercício de 2003, data em que a Pensões Internacional foi liquidada, conforme anexo nº 5, fls. 23;

III.1.6. Relativamente a esta operação, após solicitação, fomos informados da Inexistência de qualquer contrato.

III.1.7. No exercício de 2003, a sociedade S……, BV, foi liquidada, conforme anexo n.º 6 — fls. 24 a 28;

III.1.8. A conta 2……-2021 da Pensões Gere que apresentava um saldo devedor de € 23.224.341,82 foi anulada por contrapartida da participação financeira detida na sociedade S……. BV, conforme anexo n.° 7 — fls. 27 a 30.

III.1.9. De acordo com o sujeito passivo, não foi efectuado qualquer pagamento relativamente ao acréscimo de custos, acima mencionado, não tendo sido efectuada qualquer retenção na fonte sobre os custos acrescidos (juros a liquidar) e inscritos na modelo 130, por lapso, conforme descrito em anexo n.° 3.

III.1.10. Tendo em conta:


III.1.4.


que a conta de acréscimos de custos «serve de contrapartida aos custos a reconhecer no próprio exercício, ainda que não tenham documentação vinculativa, cuja despesa só venha a incorrer-se em exercido ou em exercícios posteriores (POC)

os factos descritos nos pontos anteriores, foi aberta a ordem de serviço n.° OI…… para o exercício de 2002, em que foi proposta a correcção de € 7.853.918,00, nos termos do art.° 23º do CIRC, por não se ter efectivado o correspondente pagamento até à data da liquidação da sociedade S……. BV, que ocorreu em 07.12.2003.

III.1.1 1. Notificado para o efeito o sujeito passivo exerceu o direito de audição estabelecido no art.° 60° da Lei Geral Tributária e artº 60.º do Regime Complementar da Inspecção Tributária, conforme anexo n.° 8 — fls. 31 a 36, tendo alegado conforme ponto 18, que o custo se tornou efectivo, “aquando da liquidação e partilha da Seguros e Pensões Internacional — 2003 — momento em que a dívida do financiamento e os juros a pagar se anulam, não por meio de pagamento, mas através da anulação proveniente da partilha da sociedade em causa.

III.1.12. Face às alegações efectuadas pelo sujeito passivo em sede de direito de audição (ponto III.1.1 1), foram anuladas as correcções propostas.

III.1.13. Perante os factos anteriormente descritos, designadamente, a efectivação do custo “aquando da liquidação e partilha da Seguros e Pensões internacional, conforme alegado pela Pensões Gere no direito de audição (ponto III.1.11), e que sobre o montante de juros acrescidos durante os exercidos 1997 a 2003, e relevados contabilisticamente na conta 2733 — 2021, derivados do empréstimo de financiamento efectuado (operação de tesouraria) pela Pensões Internacional à Pensões Gere não foi retido qualquer imposto, foram solicitados os seguintes esclarecimentos à Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (DSIRC):

- Obrigatoriedade da Pensões Gere efectuar retenção na fonte, nos termos do artº 4, n.° 3. alínea c), 3), art.° 88º, n.° 1, alínea c), n.° 3 e n.° 5, todos do CIRC;

- Em caso afirmativo, deverá ser efectuada retenção sobre a totalidade dos juros, € 23 224 341,62, provenientes do acréscimo de custos, registado desde o exercido de 1997 e considerados na data da liquidação, altura em que se efectivou o custo?

- O momento em que se deve proceder à retenção;

- A apresentação de contrato a titular a operação em causa altera o enquadramento efectuado nos pontos anteriores?

III.14. Ainda no âmbito do Despacho identificado no ponto anterior, foi a Seguros e Pensões Gere notificada, através do ofício n.° 4…… de 2007.05. 21 para enviar cópia do contrato que titula a operação de tesouraria efectuada, conforma anexo n.° 9 — fls. 37 a 40, não o tendo apresentado até à presente data.

III.1.15. Em resposta ao solicitado, foi elaborada a informação n.° 1……/2007 da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas,



em cumprimento do despacho de 2007.08.20. do Sr. Subdirector-Geral, que se junta em anexo n.° 10 — fls. 41 a 44, e que fundamenta as correcções propostas.

(Conforme resulta de fls. 46 a 46 do processo administrativo apenso).

I) Resulta da informação n.° 1……/2007 da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas as seguintes conclusões:

Os rendimentos de capitais derivados do empréstimo de financiamento efectuado pela Pensões Internacional a Pensões Gere, encontram-se sujeitos a imposto por via da subalínea 3), da alínea c), do n° 3, do artigo 4º do Código do IRC, devendo ser objecto de retenção na fonte, de acordo com o estipulado na alínea c), do n° 1 e no n° 2, do artigo 88° do mesmo diploma, sendo que, nos termos do n° 3 daquele artigo, têm a natureza de retenções a titulo definitivo.

Quanto ao momento em que se deve proceder a retenção na fonte, à o nº 6 do artigo 88° do Código do IRC que, expressamente, nos envia, em primeira mão, para o momento que estiver estabelecido para obrigação idêntica no Código do IRS.

Nos termos do n° 1 e da subalínea 1), da alínea a), do n°3 do artigo 7° do Código do IRS, o momento em que ficam sujeitos a tributação estes rendimentos é o do seu vencimento, sendo que, nos termos do n° 2 do mesmo artigo, considera-se que os juros se vencem na data estipulada, ou, na sua ausência, na data do reembolso do capital.

Para averiguar da existência de fixação contratual da data do vencimento, foi a Pensões Gere, formalmente, notificada para apresentação do contrato, o que não fez.

Face a escassez de elementos, não e possível mais do que discorrer acerca de indícios que nos revelem a existência desse tipo de clausula contratual ou a sua não existência.

Pelos dados indicados, poderia, ou não estar estipulada uma data de
vencimento para os juros.

Por um lado, eles eram registados anualmente na contabilidade.

Por outro lado, para sustentar esses movimentos contabilísticos, não existem evidências no processo de que os juros se venceram nessas datas, nem foram apresentadas provas da forma como foram tratados contabilística e fiscalmente na entidade holandesa.

O que pode indiciar que, mercê das relações especiais, existentes entra as duas entidades não terá sido fixada contratualmente a data do vencimento, razão, pela qual, alias, durante tanto tempo se manteve a situação descrita e só após a data da dissolução e liquidação da Pensões Internacional se verificou o propósito do pagamento.

Se tivesse sido fixada contratualmente a data do vencimento dos juros, naturalmente, como cumpridor das suas obrigações tributárias, o sujeito passivo responsável pela retenção na fonte — A Pensões Gere — teria efectuado, nos prazos, a correspondente entrega nos Cofres do Estado



Se não o fez, revela-nos, pois, ou uma intenção de incumprimento e fuga as suas responsabilidades, ou que, com efeito, não havia data estipulada para o vencimento dos juros.

A falta de tal data implica que, nos termos do n°2 do artigo 7° do Código do IRS, se considere que os juros se vencem na data do reembolso do capital, o que, conforme o próprio sujeito passivo afirma, se deu no momento da liquidação, em 2003

No caso de se verificar que, apesar de não ter sido apresentado contrato, havia uma fixação contratual da data de vencimento dos juros, subsistiria, ainda, a questão dos juros com que a Pensões Gere teria de ressarcir a Pensões Internacional pelos atrasos de pagamento, desde 1997.

Mais se esclarece que, no caso de retenções na fonte a titulo definitivo, o prazo de caducidade se contava a partir da data em que ocorreu o facto tributário, de acordo com a anterior redacção do n° 4 do artigo 45° da Lei Geral Tributaria, sendo que, neste caso, face aos dados que constam do processo, a caducidade vai ocorrer em 7 de Dezembro de 2007.

(Conforme resulta de fls. 85 a 87 do processo administrativo apenso).


J) Os Serviços de Inspecção Tributária procederam ao seguinte ¯Enquadramento Legal e Cálculo das Correcções"

«III — 2.1 — Enquadramento Legal

Os rendimentos de capitais no montante de € 23 224 341,62 derivados do empréstimo de financiamento efectuado pela Pensões Internacional à Pensões Gere, encontram-se sujeitos a imposto por via da subalínea 3), da alínea c), do n.° 3, do art.º 4 do Código do IRC, devendo ser objecto de retenção na fonte, de acordo com o estipulado na alínea c), do n.° 1 e no n.° 2, do art° 88.º do mesmo diploma, sendo que, nos termas do n.º 3 daquele artigo, têm a natureza de retenções a título definitivo.

Nos termos do n.° 2 do art.º 7 do Código do IRS, por remissão do n.° 6 do art.° 88º do Código cio IRC, a Pensões Gere devia ter procedido à retenção na fonte, na data do reembolso do capital, (relevado na contabilidade na conta 2……- 2021, no montante de € 136 201 507,19, conforme fl. 28 do anexo n.° 7), que ocorreu na data da liquidação da Pensões Internacional, 2003.12.07.

III — 2.2 — Cálculo das Correcções

Tendo em conta, os factos descritos no ponto III.1. e os fundamentos mencionados no ponto III.2.1. e na Informação n.° 1……/2007 da DSIRC, em anexo n.° 10, propomos as seguintes correcções:

Total do Imposto em falta

€23.224.341,62 X 20% (alínea c) do nº 2 do art.° 80 e n.ºs 2, 3 e 4 do artigo
90º a contrário, ambos do CIRC) = € 4 644 888,32.

Data em que deveria ter efectuado a retenção: 2003.12.07



Data em que deveria ter sido entregue nos cofres do Estado: 2004-01-20

Em face do exposto, a Pensões Gere, fica sujeita ao pagamento do imposto no valor de € 4.644.868,32 e dos juros compensatórios que forem devidos nos termos do disposto no art.° 106,° do CIRC.»

(Conforme resulta de fls. 49 e 50 do processo administrativo apenso).

K) A Seguros e Pensões foi notificada nos termos e para os efeitos dos artigos 60.º da LGT e 60.º do RCPIT, não tendo exercido o direito de audição.

(Conforme resulta de fls. 50 do processo administrativo apenso).

L) Sobre o relatório de inspecção tributária recaíram o parecer de e o despacho de concordância de fls. 43 do processo administrativo apenso, que aqui se d ão por integralmente reproduzidos.

M) A AT elaborou a demonstração da liquidação das retenções na fonte de IR, bem como a demonstração da liquidação dos juros compensatórios.

(Conforme resulta de fls. 125).

N) O prazo para pagamento voluntário terminou em 26/12/2007. (Conforme resulta de fls. 125).
O) As ora Impugnantes reclamaram graciosamente em 20/03/2008. (Conforme resulta de fls. 131).
P) Em apreciação da reclamação graciosa a que se refere a alínea anterior foi elaborada a informação de fls. 131 a 142, que aqui se dá por integralmente reproduzida e donde resulta com interesse para a decisão:

«III - PARECER

3.1 Em cumprimento da Ordem de Serviço n° OI….., deu-se inicio ao procedimento inspectivo interno relativo ao exercício de 2003, onde foram feitas correcções em sede de IRC — imposto em falta, no montante de € 4.644.868,32, tendo subjacente uma infracção ao disposto na subalínea 3) da alínea c) do n° 3 do art. 4º do Código do IRC e alínea c) do n.° 1 e no n° 2 do art. 88.° do Código do IRC ( actual art. 94.°) do Código do IRC e n.° 2 do art. 7º do Código do IRS, por remissão do n.° 6 do art. 88.° do Código do IRC (actual art. 94.°), e que a ora reclamante sindica com os fundamentos descritos no ponto II.

3.2 Os fundamentos que suportaram a correcção que sub jaz à presente impugnação estão contidos no relatório da inspecção, que para todos os efeitos se consideram aqui reproduzidos .

3.3 Na situação em apreço, e ao contrário do alegado pelo ora reclamante não existiu (...) a fundada dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário que o artº. 100.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, tal como interpretado pela jurisprudência e doutrina relevante determina que deveria ter impedido a liquidação adicional(...) que sindica.
3.1


3.4 À administração Fiscal cabe o ónus da prova de verificação dos pressupostos da tributação e ao contribuinte o ónus da prova da existência dos factos tributários que alega como fundamento do seu direito.

3.5 Aplicando tal doutrinação ao caso concreto resulta de forma inequívoca do relatório de inspecção a verificação dos pressupostos para ocorrer a tributação, conforme se demonstrará.

3.6 Argumenta a reclamante no ¯procedimento que culminou com a liquidação adicional (...) dúvidas dos diversos órgãos da Administração Tributária (...)a primeira abordagem numa perspetiva de desconsideração de custos ao nível da Reclamante, que baseou o projecto de correcções antes referido, posteriormente substituída por um confuso deambular entre a busca de juros vencidos (e a busca de um reembolso do capital onde tal reembolso não pode ser manifestamente encontrado.

3.7 Contudo, em sede de acção de inspecção foi a ora reclamante notificada do projecto de conclusões em relação ao qual veio exercer o seu direito de audição, direito que se consubstancia no direito do sujeito passivo ser ouvido no procedimento, in casu inspecção, antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informado, nomeadamente, sobre o sentido provável desta. Possibilita, ainda ao interessado participar e influenciar a formação da decisão da administração e, nessa medida, constituí uma manifestação do principio do contraditório destinada a protegê-lo de decisões que contrariem a legalidade ou ofendam direitos.

3.8 Subjaz à alteração do projecto de conclusões da inspecção tributária o alegado pela ora reclamante no exercício do (...) direito de audição estabelecido no art. 60.º da Lei Geral Tributária e art. 60.º do Regime complementar da Inspecção Tributária, conforme anexo n.° 8 — fls. 31 a 36., tendo alegado conforme ponto 18, que o custo se tornou efectivo, ¯aquando da liquidação e partilha da Seguros e Pensões Internacional — 2003 — momento em que a divida do financiamento e os juros apagar se anulam, não por meio de pagamento, mas através da anulação proveniente da partilha da sociedade em causa.

3.9 Para o efeito releva ainda transcrever do exercício do direito de audição em sede de acção de inspecção da ora reclamante o §19 ¯ Com efeito, a Exponente sublinha que, apesar de não ter sido efectuado o pagamento efectivo dos juros à S e P Internacional, o valor do financiamento e dos juros foi anulado por contrapartida da partilha da participação financeira, pelo que o valor em divida deixa de se verificar, o que em termos substanciais, corresponde à liquidação do montante de juros a pagar, e o § 9 em que é referido que o ¯(...) registo contabilístico do acréscimo de custos a que procedeu a Exponente se revela um procedimento correcto, na medida em que os juros eram devidos face ao acordo celebrado entre as duas entidades. .

3.10 Conforme ficou demonstrado no relatório de inspecção tributária, os ¯ rendimentos de capitais no montante de € 23 224341,62 derivados do empréstimo de financiamento efectuado pela Pensões Internacional à Pensões Gere, encontram-se sujeitos a imposto por via da subalínea 3), da alínea c), do n.° 3, do art.. 4.° do Código do IRC, devendo ser objecto de retenção na fonte, de acordo com o estipulado na alínea c), do n.° 1 e no n.° 2, do art. 88º do mesmo diploma, sendo que, nos termos do n.° 3 daquele artigo, têm a natureza de retenções a titulo definitivo. Nos termos do n.° 2 do art.° 7° do Código do IRS, por remissão do n.° 6
3.10


do art.° 88.º do Código do IRC (actual art. 94.°), a Pensões Gere devia ter procedido à retenção na fonte, na data do reembolso do capital, (relevado na contabilidade na conta 25299-2021, no montante de € 136201507,19, conforme fls. 28 do anexo 7), que ocorreu na data da liquidação da Pensões Internacional, 2003.12.07.

3.11 Pelo que o imposto em falta se cifra no montante de € 4.644.868,32 resultado da aplicação da taxa de 20% ao valor dos rendimentos de capitais, de acordo com o disposto na alínea c) do n.° 2 do art.° 80 e n.ºs 2, 3 e 4 do art.° 90 a contrario todos do CIRC .

3.12 Resulta da acção de inspecção que a Administração Tributária recolheu os elementos necessários que lhe permitiram concluir pela existência e quantificação do facto tributário.

3.13 Provando nesta sede, como lhe competia e compete, a prova dos factos constitutivos do direito a tributar (cf. Art. 74º, n.° 1, da LGT).

3.14 Pelo que não poderá proceder o alegado pela ora reclamante.

3.15 Alega a ora reclamante a invalidade da liquidação que sindica por violação do no 6 do art. 88.° (actual artigo 94.°) do CIRC, porém, e atento o teor do citado normativo ¯6 — A obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC ocorre na data que estiver estabelecida para obrigação idêntica no Código do IRS ou, na sua falta, na data da colocação à disposição dos rendimentos, devendo as importâncias retidas ser entregues ao Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram deduzidas e essa entrega ser feita nos termos estabelecidos no Código do IRS ou em legislação complementar, tal não ocorre,

3.16 Conforme consta da informação n° 1094/2007 prestada pela DSIRC —
Divisão de Concepção que obteve sancionamento do Senhor Subdirector-Geral
¯Quanto ao momento em que se deve proceder à retenção na fonte, é o n°6 do artigo 88.º do Código do IRC que, expressamente, nos envia, em primeira mão, para o momento que estiver estabelecido para obrigação idêntica no Código do IRS e só na sua falta, remete para a data da colocação à disposição dos rendimentos (...) Nos termos do n°1 e da subalínea 1), a alínea a), do n° 3 do artigo 7° do Código do IRS, o momento em que ficam sujeitos a tributação estes rendimentos é o seu vencimento, sendo que, nos termos do n°2 do mesmo artigo, considera-se que os juros se vencem na data estipulada, ou, na sua ausência, na data do reembolso do capital.(...)

Para averiguar da existência de fixação contratual da data do vencimento, foi a Pensões Gere, formalmente, notificada para apresentação do contrato, o que não o fez.

Por um lado, eles foram registados anualmente na contabilidade (...) para sustentar esses movimentos contabilísticos, não existem evidências no processo de que os juros se venceram nessas datas, nem foram apresentadas provas da forma como foram tratados contabilística e fiscalmente na entidade holandesa. (...)

A falta de tal data implica que, nos termos do n° 2 do artigo 7º do Código do IPS, se considere que os juros se vencem na data do reembolso do capital, o que, conforme o próprio sujeito afirma, se deu no momento da liquidação em 2003 (…)



3.17 Ocorre ainda referir que conforme consta no acórdão proferido no recurso n° 26811, de 26/06/2002, do Supremo Tribunal de Administrativo ¯(...) os impostos assentam, essencialmente, na capacidade contributiva revelada através do rendimento ou da sua utilização e do património. Logo, o que conta é o momento em que se obtém o rendimento ou a utilização do rendimento, pois só aí é que existe capacidade contributiva, seria inconstitucional exigir um imposto a quem não tem capacidade contributiva por não dispor do rendimento(...).

3.18 Este pressuposto da tributação que assenta na capacidade contributiva mostra-se, de resto consagrado no art. 4.° da LGT.

3.19 Além de que, não obstante as retenções na fonte terem quase sempre a natureza provisória de imposto por conta do devido a final, tal nem sucede, no caso em apreço em que se trata de uma situação em que o titular dos rendimentos é uma entidade não residente que não tem estabelecimento estável em território português a que os rendimentos sejam imputáveis, pelo que a retenção aqui até tinha carácter definitivo (art. 88.° n° 3 al. b) do CIRC (actual art. 94°)).

3.20 E, assim sendo, estando em causa rendimentos obtidos por uma entidade não residente que não são imputáveis a estabelecimento estável situado em território português, e tratando-se de uma retenção na fonte a titulo definitivo, faz todo o sentido que o facto gerador do imposto devido se considere verificado na data em que ocorra a obrigação de efectuar aquela (art. 8 n° 8 do CIRC), ou seja, na data do pagamento ou da colocação dos rendimentos à disposição do seu titular.

3.21 Dimana ainda do oficio circular n.° 12/2004, de 11 de Junho ¯(..) o facto gerador do imposto (...) [ relativo] aos rendimentos objecto de retenção na fonte a titulo definitivo auferidos por entidades não residentes, não imputáveis a estabelecimento estável situado em território português em que o facto gerador do imposto se considera verificado na data em que ocorre a obrigação de efectuar a retenção

3.22 E a obrigação de efectuar a retenção conforme o próprio sujeito passivo afirma, deu-se no momento da liquidação, em 2003. 3.23 Não podendo também colher o argumento da reclamante que a obrigação extingue-se por mero efeito da confusão. A extinção das obrigações pelo modo denominado confusão encontra-se previsto no art. 868.° do Código Civil, e tem como pressupostos a reunião das qualidades de credor e de devedor na mesma pessoa; não pertença do crédito e da divida a patrimónios separados; a inexistência de prejuízo para os direitos de terceiro.

3.24 Efectivamente, determina o art. 872.° do Código Civil que não há confusão, se o crédito e a divida pertencem a patrimónios separados, em que esta separação de patrimónios ¯(...) tem por consequência a impossibilidade de verificar a confusão, uma vez que esta, a ocorrer, poria em causa essa mesma separação, ao fazer desaparecer valores activos de um património em beneficio da extinção de responsabilidade de outro património .

3.25 E no caso em análise o que ocorreu foi a liquidação da sociedade Seguros e Pensões Internacional BV., situação em que se encontra uma sociedade
3.24


em consequência da dissolução e tem por finalidade a partilha do activo remanescente após liquidação do passivo.

3.26 A dissolução marca o momento a partir do qual se reconheceu que a sociedade esgotou a sua função. Mas a sociedade dissolvida não se extingue de imediato, desencadeando seguidamente um processo de liquidação e partilha de todo o acervo de direitos sociais existentes no seu património. Segundo Raúl Ventura [In Dissolução e liquidação de Sociedades, pág. 12/13], a extinção da sociedade é um processo complexo, pois não se trata exclusivamente de extinguir as relações contratuais entre os sócios, mas atender a uma rede de vínculos jurídicos com terceiros, que merecem ser protegidos. Com o registo do encerramento da liquidação tem-se a sociedade por extinta.

3.27 Pelo que atendendo a este quadro nunca aqui se poderá falar de confusão, já o que aqui ocorreu, num primeiro momento foi a dissolução da sociedade Seguros e Pensões Internacional BV, seguido da liquidação que tem por fim a partilha do activo remanescente após a liquidação do passivo, pelo que também aqui não será de atender à argumentação aduzida pela ora reclamante.

3.28 No que concerne ao alegado na p.i. dos 34 a 48 - A invalidade de liquidação objecto da presente impugnação por violação do acordo de dupla tributação entre Portugal e a Holanda em matéria de tributação de juros e de outros rendimentos, ainda se dirá,

3.29 Não poderá proceder o alegado pela reclamante no § 48 ¯(...) ainda assim a liquidação adicional objecto da presente reclamação seria ilegal, por violar o regime constante do acordo de dupla tributação entre Portugal e a Holanda, em concreto o artigo 22.° respectivo, ao tributar rendimentos fictícios que, por se tratar de ¯outros rendimentos, apenas podem ser tributados no Estado da residência (...)¯, já que como ficou demonstrado na presente informação, que nos abstemos de repetir, não estamos perante rendimentos ficcionados.

3.30 Acresce ainda referir que esta situação encontrava-se relevada na contabilidade da ora reclamante.

IV - DIREITO DE AUDIÇÃO (…)

4.4 Decorrido o prazo, não veio exercer o direito de audição prévia, pelo que consideramos ser de manter o indeferimento proposto, de acordo com os fundamentos descritos no ponto III.

V - PROPOSTA DE DECISÃO

Face a todo o exposto na presente informação, propõe-se o seu INDEFERIMENTO.»

Q) Sobre a informação a que se refere a alínea anterior recaíram o parecer e o despacho de concordância de fls. 104 que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

R) A decisão de indeferimento da reclamação graciosa foi notificada à Impugnante por carta registada com aviso de recepção, em 17/10/2011.

S) A presente impugnação foi apresentada em 31/10/2011.
A)


(Conforme resulta do carimbo aposto a fls. 2).

T) Em 1997, a sociedade liquidada — S……, SA — contraiu um empréstimo junto da S...... B.V com sede e residente na Holanda, da qual era detentora de 100% do capital social.

(Conforme invocado pelos Impugnantes e não contrariado pela AT)

U) Este empréstimo não foi formalizado através de um contrato escrito, não foi estabelecido qualquer prazo de vencimento dos juros acordados, que, por esse motivo, não foram pagos nem colocados à disposição da S...... B.V..

(Conforme invocado pelos Impugnantes, não contrariado pela AT e corroborado pelas testemunhas inquiridas)

V) Em 14-07-2003 a S……., S.A., apresentou a declaração modelo 130 respeitante ao exercício de 2002, na qual declara o pagamento de rendimentos no valor de € 7.853.918,00 à sociedade S..... B.V., com sede em Amesterdão, sendo que sobre este valor não foi efectuada retenção na fonte

(Conforme resulta de fls. 53 e 54 do processo administrativo apenso).

W) Na sequência da análise efectuada à declaração, foi a S……, S.A., notificada para justificar a não retenção de imposto, prevista no artigo 90.º, n° 2 do CIRC, relativamente aos pagamentos efectuados a várias entidades, bem como para indicar a natureza dos rendimentos pagos em cada caso

(Conforme resulta de fls. 53 e 54 do processo administrativo apenso).

X) Em resposta à notificação veio a S……., S.A., informar que os rendimentos no valor de € 7.853.918,00 pagos à sociedade S..... B.V., não deveriam constar da declaração modelo 130 porquanto os mesmos consistiam num acréscimo de custos.

(Conforme resulta de fls. 58 e 59 do processo administrativo apenso).

Y) O valor a pagar (€ 7.853.918,00) foi inscrito por lapso na declaração modelo 130,
porque não houve lugar a qualquer pagamento de juros. (Conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).
Z) A S…., S.A., registou mensalmente os juros como custo, à data que diziam respeito e não como conta a pagar, por força do princípio da especialização dos exercícios.

(Conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).

AA) A sociedade S...... B.V., atenta a especialização dos exercícios, registou mensalmente, em proveitos, o valor dos juros a receber.

(Conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).

BB) A declaração modelo 130 serve para declarar rendimentos pagos e como não houve pagamentos, ocorreu um lapso na inscrição como pagos valores, que não foram pagos.


(Conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).

CC) O valor inscrito no modelo 130 não foi inscrito correctamente pois foram incluídos todos os valores que constavam como custo na demonstração de resultados da empresa, pois, relativamente ao valor que se discute nos autos, não houve nenhum pagamento, mas apenas uma estimativa do valor que futuramente se iria pagar.

(Conforme resulta do depoimento da primeira testemunha).

DD) Foi então apresentado a declaração de correcção — agora modelo 30 — onde identificou e assumiu que a inscrição desse valor decorreu de um lapso e que por isso não deveria ter sido incluído na declaração.

(Conforme resulta do depoimento da primeira testemunha).

EE) Nos activos transferidos da S...... B.V. para a S……, SA aquando da liquidação estava o crédito correspondente ao empréstimo concedido.

(Conforme resulta do depoimento da primeira testemunha).

FF) Entre a sociedade S...... B.V. e a sociedade S….., S.A., não existia qualquer contrato do ponto de vista formal, que titulasse o financiamento.

(Conforme resulta do depoimento da primeira testemunha).

GG) Não foi estipulado o pagamento de juros nem a data do reembolso. (Conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).
HH) Com liquidação da sociedade S...... B.V., a sociedade S….., S.A., recebeu o produto da liquidação em espécie, todos os activos e passivos da empresa liquidada.

(Conforme resulta do depoimento da primeira testemunha).

II) No âmbito da liquidação da S...... B.V. a totalidade dos activos e passivos foram transferidos na totalidade para a esfera jurídica da S……, S.A., anulando-se o montante dos juros a receber pela primeira com o montante do juros a pagar pela segunda.

(Conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).

JJ) Na esfera S……, SA reuniram-se o crédito e o débito pelo juros, originando contabilisticamente uma anulação do crédito pelo débito, pois o credor e o devedor são a mesma pessoa colectiva.

(Conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).

KK) A contabilidade da S……, SA ficou com uma conta a receber e uma conta a pagar a ela própria.

(Conforme resulta do depoimento da primeira testemunha).

LL) A sociedade S……., SA tinha inscrita na sua contabilidade uma conta a pagar à S...... B.V., relativa ao empréstimo que esta lhe concedeu e ao receber os activos e passivos decorrentes da liquidação desta, reuniu na sua esfera jurídica o dever de pagar o empréstimo e o correspectivo direito ao reembolso.

(Conforme resulta do depoimento da primeira testemunha).

MM) Contabilisticamente os valores a receber e a pagar anularam-se mutuamente. (Conforme resulta do depoimento da primeira testemunha).
NN) Da documentação que consta da contabilidade não resulta qualquer data convencionada para reembolso ou pagamento.

(Conforme resulta do depoimento da primeira testemunha).

OO) Na contabilidade da S……, SA encontra-se o documento relativo ao acréscimo de custos por contrapartida de resultados.

(Conforme resulta do depoimento da primeira testemunha).

PP) Não houve pagamento e uma empresa contabilizou a acréscimo de custos e outra a contabilizou a acréscimo de proveitos.


*

• FUNDAMENTAÇÃO DO JULGAMENTO.

Todos os factos têm por base probatória, os documentos e elementos constantes dos autos e do processo administrativo apenso, o acordo das partes e os depoimentos das testemunhas inquiridas, conforme vem referido em cada alínea do probatório.

A testemunha B......, é Economista e tem conhecimento dos factos enquanto responsável pela contabilidade do M….. e de parte das associadas do grupo, tendo sido nomeada em 2008 Administradora da Impugnante, S…..,
S.A. (ora, B….., B.V.). Não acompanhou o procedimento inspectivo e tem conhecimento dos factos pela análise dos documentos contabilísticos e não acompanhou as vicissitudes do empréstimo.

A testemunha M......, é colaboradora do B....... no departamento de estudos do mercado imobiliário, e em Março de 2008 foi nomeada Administradora da Impugnante, S….., S.A. Antes de 2008 não desenvolveu qualquer função nesta sociedade. Aquando foi nomeada administradora estava em curso a elaboração de algumas peças relativas ao empréstimo e por isso tem conhecimento dos documentos que suportam o processo.


*

• FACTOS NÃO PROVADOS:

Com interesse para a decisão inexistem factos invocados que devam considerar-se como não provados.».



4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Como se extrai dos autos e do probatório, com referência ao exercício de 2003, foi a “S……, S.A.” (Pensões Gere) objecto de uma acção inspectiva de âmbito parcial centrada no IRC, de que resultaram correcções de imposto no valor total de 4.644.868,32 Euros.

Como factualmente descrito no relatório de inspecção tributária, constatou-se que a Pensões Gere vinha contabilizando desde 1997 como acréscimo de custos dos exercícios, juros a liquidar, no montante total de 23.224.341,62 Euros, resultantes de um financiamento efectuado pela “S……., B.V.” (entidade não residente de direito holandês, detida a 100% pela Pensões Gere), não titulado por contrato formal.

A situação descrita mereceu da parte da AT o seguinte enquadramento legal (cf. RIT, fls.49/50 do PA):

«Os rendimentos de capitais no montante de € 23.224.341,62 derivados do empréstimo de financiamento efectuado pela Pensões Internacional à Pensões Gere, encontram-se sujeitos a imposto por via da subalínea 3), da alínea c), do n.º3, do art.º4.º do Código do IRC, devendo ser objecto de retenção na fonte, de acordo com o estipulado na alínea c), do n.º1 e no n.º2, do art.º88.º do mesmo diploma, sendo que, nos termos do n.º3 daquele artigo, têm a natureza de retenções a título definitivo.
Nos termos do n.º2 do art.º7.º do Código do IRS, por remissão do n.º6 do art.º88.º do Código do IRC, a Pensões Gere devia ter procedido à retenção na fonte, na data do reembolso do capital (relevado na contabilidade na conta 2…….-2021, no montante de € 136.201.507,19, conforme fls.28 do anexo n.º7), que ocorreu na data da liquidação da Pensões Internacional, 2003.12.07.».

A impugnante não se conforma com as correcções de imposto, mantidas pela AT em reclamação graciosa da subsequente liquidação.

A seu ver e por um lado, contrariamente ao propugnado pela AT, não existiu qualquer facto gerador do imposto à luz do Código do IRC (por remissão do Código do IRS), porquanto não tendo ocorrido reembolso do capital do empréstimo contraído junto da S……., B.V., não se encontra em falta qualquer retenção na fonte, nomeadamente a que a lei faz incidir sobre os juros ficcionados no reembolso do capital. Por outro lado, ainda que a ficção do vencimento dos juros fosse aplicável, sempre ocorreria violação do regime constante da convenção sobre dupla tributação entre Portugal e a Holanda porquanto esse instrumento, conforme disposto no n.º1 do seu art.º11.º, não permite que Portugal tribute juros ficcionados de fonte portuguesa obtidos por entidades residentes na Holanda abrangendo apenas e só os juros pagos ou colocados à disposição das entidades não residentes que possam beneficiar do regime da convenção. E a tributação pelo Estado da fonte de rendimentos ficcionados a título de “outros rendimentos” ao abrigo do art.º22.º da convenção sobre dupla tributação não encontra respaldo pois aí se estabelece que apenas o Estado da residência os pode tributar.
A sentença foi sensível aos argumentos da impugnante e julgou procedente a impugnação judicial, tendo deixado consignado em síntese conclusiva do seu raciocínio (cf. fls.273 dos autos):

«Sobre a AT recai o ónus da prova dos factos constitutivos do direito à tributação que se arroga.
Ora, no caso dos autos, a AT não demonstrou, nem o reembolso do crédito mutuado, nem o pagamento dos juros mutuários.
Os impugnantes, por seu turno, demonstraram que não ocorreu, nem o pagamento de juros, nem o reembolso do crédito mutuado.»

A Recorrente, Fazenda Pública, já se vê, não se conforma com o decidido, imputando à sentença, segundo alcançamos das doutas conclusões da alegação, (i) vício de nulidade por oposição entre os fundamentos jurídicos da decisão, porquanto não se mostra congruente quando, por um lado, considera que os créditos e as dívidas se extinguiram por confusão, nos termos do art.º688.º do Código Civil, na esfera patrimonial de uma só entidade residente em Portugal e, por outro, trata essa situação como se, à data da transmissão global do património (07.12.2003), subsistisse uma conexão com o ordenamento jurídico dos Países Baixos, nos termos da convenção sobre dupla tributação aplicável; (ii) erro de julgamento de facto vertido no ponto PP) do probatório, ao concluir que não houve pagamento do valor do empréstimo acordado em 1997, ponto de facto esse que, a seu ver, não está minimamente motivado, o que inquina a sentença de nulidade por falta de fundamentação da matéria de facto; (iii) erro de julgamento de direito quer quanto à aplicação das regras da convenção sobre dupla tributação, quer quanto às normas aplicáveis na determinação da data da obrigatoriedade de a “S….., S.A.” efectuar a retenção na fonte relativamente aos juros contabilizados relativos ao financiamento obtido da sociedade “S..... B.V.”, que ocorreu na data em que esta sociedade não residente foi liquidada, ou seja, 07.12.2003.

Vejamos o que se nos oferece dizer sobre o tema.

Vem imputado à sentença vício de nulidade por oposição entre os fundamentos jurídicos da decisão.

Como é pacífico na jurisprudência, os vícios da sentença geradores de nulidade são unicamente os taxativamente enunciados no n.º1 art.º615.º do CPC.

Em linha com o disposto na lei processual civil, dispõe o n.º1 do art.º125.º do CPPT, que «Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer».

Em anotação ao art.º125.ºdo CPPT, debruçando-se sobre esta nulidade, escreve Jorge Lopes de Sousa, “CPPT – Anotado”, 4.ª edição (2003), a págs.564: «Tal nulidade apenas ocorre quando os fundamentos invocados na decisão deveriam conduzir, num processo lógico, à solução oposta da que foi adoptada na decisão.
Não ocorre esta nulidade quando a contradição for não entre os fundamentos e a decisão mas entre os fundamentos de facto da decisão, quando se tenham dado como assentes factos incompatíveis.
(…)
Também não existe a nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão quando os fundamentos jurídicos invocados estejam em contradição entre si.
Neste caso, poderá, eventualmente, ocorrer uma situação que deva qualificar-se como de nulidade por falta de fundamentação de direito, designadamente quando os fundamentos em contradição sejam os únicos invocados na decisão, pois a oposição entre eles traduzir-se-á em não ser perceptível qual é o fundamento jurídico daquela.
Nos outros casos, quando não seja totalmente indescortinável a fundamentação jurídica da decisão (designadamente por serem invocados outros fundamentos para além daqueles que estão em contradição), a invocação de fundamentos jurídicos que mutuamente se excluam constituirá um mero erro de julgamento» (fim de citação).

Nesta linha de raciocínio, a circunstância de a sentença por um lado ter aplicado o regime da convenção sobre dupla tributação entre Portugal e a Holanda e, por outro, ter concluído que não ocorreu reembolso do capital nem os juros registados foram efectivamente pagos porque o direito do credor à restituição do capital e dos juros e a obrigação do devedor ao seu pagamento extinguiram-se com a reunião na sociedade “S….., S.A.” das qualidades de credor e devedor do empréstimo e dos juros – situação que a Recorrente entende não ter qualquer elemento de conexão com o ordenamento jurídico estrangeiro para efeitos de aplicação da convenção – não integra a nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão, podendo constituir eventual erro de julgamento, a sindicar nessa sede.

Improcede a arguida nulidade da sentença.

No que concerne à nulidade da sentença por falta de fundamentação, dado que na óptica da Recorrente o facto vertido no ponto PP) do probatório (“Não houve pagamento…”), não contém a motivação da decisão, importará lembrar que só a total omissão dos fundamentos, a completa ausência de motivação da decisão pode conduzir à nulidade suscitada (vd. Acórdão do STJ de 06/02/2016 tirado no proc.º781/11.6TBMTJ.L1.S1), o que manifestamente não ocorre porque, se por um lado, o Mmo. Juiz a quo não deixa de referir na motivação da decisão de facto que «todos os factos têm por base probatória, os documentos e elementos constantes dos autos e do processo administrativo apenso, o acordo das partes e os depoimentos das testemunhas inquiridas, conforme vem referido em cada alínea do probatório», por outro, em sede de apreciação de direito, não deixa de avançar as razões por que entende não ter havido lugar ao pagamento dos juros, que é o concreto facto alegadamente não fundamentado. Como se refere na sentença (cf. fls.273 dos autos), «…em relação aos juros que incidiam sobre o capital mutuado: não foram efectivamente pagos porque o direito do credor aos juros e a obrigação do devedor ao seu pagamento, extinguiram-se com a reunião na sociedade S, ……S.A., das qualidades de credor e devedor dos juros».

Improcede também a arguida nulidade da decisão por falta de fundamentação de facto da decisão.
Prosseguindo na apreciação das demais questões suscitadas, vem invocado pela Recorrente erro de julgamento de facto, porquanto, nenhum elemento de prova, documental ou testemunhal, constante dos autos e apenso administrativo, permite sustentar que não houve pagamento (do capital e dos juros), como se deixou consignado no ponto PP) da matéria assente.

Ora, a verdade é que o que acima deixamos escrito a propósito da invocada nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto, põe a descoberto uma outra realidade; é que a afirmação de que “não houve pagamento” consubstancia não um facto, mas uma conclusão que o Mmo. Juiz a quo extraiu de outros factos e do enquadramento jurídico que os mesmos lhe mereceram e que adiante melhor evidenciaremos.

Ora, conforme dispunha o n.º4 do art.º646.º do CPC/61, «Têm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos quer por acordo ou confissão das partes». E não é outro o alcance do n.º4 do art.º607.º do NCPC, ao prescrever que “na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados…” (sublinhados nossos).

Com a decida vénia, transcrevemos o que se deixou consignado no Acórdão da Relação de Guimarães de 10/11/2018, tirado no proc.º616/16.3T8VNF-D.G1:

«É certo que hoje não existe já nenhum normativo correspondente ao antigo artigo 646.º, n.º 4 do CPC que determinava ter-se por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito, a que se aplicava, por analogia, as conclusões de facto.

Com efeito, como se retirava interpretativamente daquele preceito ("têm-se por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes") o direito aplicar-se-á a um conjunto de factos (confessados, aceites, documentados ou resultado das respostas à base instrutória) que não tenham a natureza de questões de direito e que sejam realidades demonstráveis e não juízos valorativos.

Tal preceito foi eliminado com o novo Código de Processo Civil (NCPC), a Lei 41/2013. No entanto, o princípio subjacente ao preceito não desapareceu, continuando hoje a vincar-se que, na fundamentação (de facto) da sentença, só os factos interessam.

Veja-se o artigo 607, n.º 4 do NCPC que nos diz "Na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que foram admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou pelas regras de experiência".

Ou seja, antes como agora, a fundamentação (de facto) da decisão (sentença ou acórdão) só pode ser integrada por factos.

Não é fácil, muitas vezes, distinguir matéria de facto de matéria de direito e, quanto à primeira, se estamos perante uma conclusão ou um puro facto. “Pode afirmar-se, em sentido muito simplificador, que uma conclusão implica um juízo sobre factos e estes, quando em si mesmos considerados, revelam uma realidade, compreensível e detetável sem necessidade de qualquer acréscimo dedutivo” – Acórdão da Relação do Porto de 07/10/2013, processo n.º 488/08.1TBVPA.P1 (J…….), in www.dgsi.pt.

No mesmo sentido, veja-se Acórdão desta Relação de Guimarães (onde foi adjunta a ora relatora) de 17/12/2014, processo n.º 62/14.3TBPTL-B.G1 (A……..), in www.dgsi.pt, onde se pode ler: “Antes de mais, importa não olvidar que a instrução de qualquer causa e/ou incidente, apenas deve ter por objecto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta, os factos necessitados de prova (positivos e concretos - cfr. artºs 5º e 410º, ambos do CPC), estando por consequência excluídos da tarefa instrutória quaisquer meros “juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios e valorações de factos “, pois que, todos eles importam uma actividade que é de todo “estranha e superior à simples actividade instrutória - Cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, Vol. III, 3 ª Edição, 1981, pág. 212.
De resto, ainda que o actual CPC não inclua uma disposição legal com o conteúdo do artº646º n.º 4 do pretérito CPC (o qual considerava não escritas as respostas sobre matéria de direito), é todavia nossa convicção que tal não permite concluir que pode agora o juiz incluir no elenco dos factos provados meros conceitos de direito e/ou conclusões normativas, e as quais, a priori e antecipada e comodamente, acabem por condicionar e traçar desde logo o desfecho da acção ou incidente, resolvendo de imediato o thema decidendum(fim de citação).

Assim, com os fundamentos indicados e nos termos do disposto no n.º1 do art.º662.º do CPC, elimina-se do probatório o ponto PP) no segmento em que refere “Não houve pagamento…”.

Avançando agora para a apreciação dos invocados erros de julgamento de direito com o alterado probatório, vejamos.

A questão jurídica a resolver reconduz-se nuclearmente a indagar do facto gerador da obrigação de retenção na fonte relativamente aos juros registados desde 1997 como acréscimos de custos dos exercícios pela Pensões Gere reportados a um financiamento, não titulado por documento escrito, obtido da entidade não residente ”S..... B.V.”, que em 2003 viria a ser liquidada com transmissão global do seu património para a Pensões Gere.

De acordo com o disposto no n.º2 do art.º4.º do CIRC, “As pessoas colectivas e outras entidades que não tenham nem sede nem direcção efectiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos”.

Dispõe o n.º3 que “Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se obtidos em território português os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável aí situado e, bem assim, os que, não se encontrando nessas condições, a seguir se indicam:
(…)
c) Rendimentos a seguir mencionados cujo devedor tenha residência, sede ou direcção efectiva em território português ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável nele situado:
(…)
3) Outros rendimentos de aplicação de capitais
(…)”.

Por outro lado, estabelece o n.º1 do art.º88.º do CIRC que “O IRC é objecto de retenção na fonte relativamente aos seguintes rendimentos obtidos em território português:
(…)
Rendimentos da aplicação de capitais não abrangidos nas alíneas anteriores e rendimentos prediais, tal como são definidos para efeitos de IRS, quando o seu devedor seja sujeito passivo de IRC…”.

Trata-se de rendimentos sujeitos a retenção definitiva, como assinala Alberto Xavier, “Direito Tributário Internacional”, Almedina 2.ª ed., a pág.508 e, de resto, nem resulta controvertido.

Quanto ao momento temporal da obrigação de retenção, dispõe o n.º6 do art.º88.º do CIRC: “A obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC ocorre na data que estiver estabelecida para obrigação idêntica no Código do IRS ou, na sua falta, na data da colocação à disposição dos rendimentos, devendo as importâncias retidas ser entregues ao Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram deduzidas e essa entrega ser feita nos termos estabelecidos no Código do IRS ou em legislação complementar”.

De acordo com o disposto no art.º98.º, n.º1 do CIRS, aplicável por remissão daquele n.º6 do art.º88.º do CIRC, “Nos casos previstos nos artigos 99.ºa 101.º e noutros estabelecidos na lei, a entidade devedora dos rendimentos sujeitos a retenção na fonte, as entidades registadoras ou depositárias, consoante o caso, são obrigadas, no acto do pagamento, do vencimento, ainda que presumido, da sua colocação à disposição, da sua liquidação ou do apuramento do respectivo quantitativo, consoante os casos, a deduzir-lhes as importâncias correspondentes à aplicação das taxas neles previstas por conta do imposto respeitante ao ano em que esses actos ocorreram”.

Como refere Alberto Xavier, ob. Cit., pág.511, «Pode assim concluir-se que o momento temporal do facto gerador da retenção na fonte, se verifica, em regra, no primeiro dos seguintes actos que ocorrer: liquidação do débito, vencimento, colocação à disposição e pagamento».
A partir daqui dissentem as partes pois enquanto a Recorrente Fazenda Pública entende que ocorreu o vencimento como facto gerador da obrigação de retenção, os impugnantes e ora Recorridos entendem que não ocorreu qualquer facto gerador da obrigação de retenção, tese acolhida na sentença.

Seguindo a tese da Recorrente, estabelece o n.º1 do art.º 5.º do CIRS que “Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas…”, dispondo o seu n.º2 que “Os frutos e vantagens económicas referidas no número anterior compreendem, designadamente:
a) Os juros e outras formas de remuneração decorrentes de contratos de mútuo, aberturas de crédito, reporte e outros que proporcionem, a título oneroso, a disponibilidade temporária de dinheiro ou outras coisas fungíveis;
b) (…)”.

Dispõe o n.º2 do art.º6.º do CIRS que “Presume-se que os mútuos e as aberturas de crédito referidos na alínea a) do n.º2 do artigo anterior são remunerados, entendendo-se que o juro começa a vencer-se nos mútuos a partir da data do contrato e nas aberturas de crédito desde a data da sua utilização”.

Por outro lado, estatui o art.º7.º do CIRS no segmento pertinente:
“1 - Os rendimentos referidos no artigo 5.º ficam sujeitos a tributação desde o momento em que se vencem, se presume o vencimento, são colocados à disposição do seu titular, são liquidados ou desde a data do apuramento do respectivo quantitativo, conforme os casos.
2 - Tratando-se de mútuos, de depósitos e de aberturas de crédito, considera-se que os juros, incluindo os parcialmente presumidos, se vencem na data estipulada, ou, na sua ausência, na data do reembolso do capital, salvo quanto aos juros totalmente presumidos, cujo vencimento se considera ter lugar em 31 de Dezembro de cada ano ou na data do reembolso, se anterior.

3 - Para efeitos do disposto no n.º 1, atende-se:

a) Quanto ao n.º 2 do artigo 5.º:
1) Ao vencimento, para os rendimentos referidos na alínea a),…”.

Pois bem, atento o disposto naquele art.º7 do CIRS, entende a Recorrente na linha do sustentado pela Administração tributária que a falta de prova de cláusula contratual de determinação da data de vencimento dos juros implica que se considere que os juros se venceram na data do reembolso do capital, o qual ocorreu, de modo notório e insofismável, no momento em que a sociedade “S..... B.V.” foi liquidada, tendo-se operado então a transmissão global do seu património para a “Pensões Gere” (sociedade à qual os Recorridos sucederam). Vejamos.

As regras do ónus da prova visam resolver o problema da demonstração de factos, que caso não seja feita, tem por consequência a questão ser decidida contra a parte onerada com o ónus da prova.

No direito tributário as regras do ónus da prova encontram-se no art.º74.º da LGT, cujo n.º1 dispõe que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque” e tais regras de repartição do ónus da prova valem igualmente no procedimento e no processo.

De lapidar importância em matéria de ónus da prova mostra-se o art.º75.º, n.º 1, da LGT, que consagra a presunção legal de veracidade e de boa-fé das declarações dos contribuintes, desde que apresentadas nos termos da lei. De igual modo, também presume-se a veracidade e a boa-fé dos dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.

Se a Administração tributária se arroga o direito de tributar determinada realidade económica imputável ao contribuinte mas que a declaração e a contabilidade dele omitem ou não reflectem adequadamente, tem pois de demonstrar os factos que fazem cessar a presunção legal de veracidade e boa-fé, nos termos do n.º2 do art.º75.º da LGT, o mesmo é dizer, ilidir a presunção legal.

Isso assente, sendo certo que o nosso direito tributário admite o recurso a ficções e presunções legais na determinação dos elementos da norma de incidência – impondo o quadro constitucional que tais ficções e presunções sejam sempre ilidíveis por virtude do princípio fundamental da capacidade contributiva (art.º73.º da LGT) – a verdade é que a Administração tributária para fazer funcionar a ficção/presunção (de vencimento dos juros) tem de demonstrar o facto necessário de que ela depende, no caso, o reembolso do capital (art.º7.º, n.º2 e n.º3, alínea a), do CIRS).

Ora, entende a AT que o reembolso do capital se concretizou necessariamente em 07/12/2003 com a liquidação e partilha do património da sociedade credora, a “S..... B.V.”, argumentando os Recorridos que não houve lugar a partilha do activo restante, antes se fez a liquidação por transmissão global para o único sócio, a “Seguros Gere”, na linha do que preceitua o n.º1 do art.º148.º do Código das Sociedades Comerciais (“O contrato de sociedade ou uma deliberação dos sócios pode determinar que todo o património, activo e passivo, da sociedade dissolvida seja transmitido para algum ou alguns sócios, inteirando-se os outros a dinheiro, contanto que a transmissão seja precedida de acordo escrito de todos os credores da sociedade”), tendo-se extinto por confusão a obrigação pecuniária em causa (art.º868.º do Código Civil).

Numa linha interpretativa que tenha em conta o disposto no n.º2 do art.º9.º do Código Civil, reembolso significa restituição (do crédito) e, como assim, há que conceder que não pode subsumir-se naquele conceito a demonstrada circunstância de a sociedade credora ter sido liquidada em 07/12/2003 com transmissão global do seu património activo e passivo (incluindo o crédito em causa) para a sociedade devedora, “Pensões Gere”.

Assim, o momento temporal do facto gerador da obrigação de retenção não pode reportar-se à data do vencimento presumido dos juros, na medida em que resulta indemonstrado (e o ónus probatório era da Fazenda Pública) o facto (reembolso do crédito a que os juros respeitam) de que depende o funcionamento da ficção/presunção.

O art.º28.º da LGT dispõe que nos casos de retenção definitiva (que é o dos autos, como dissemos), “o substituído é apenas subsidiariamente responsável pelo pagamento da diferença entre as importâncias que deveriam ter sido deduzidas e as que efectivamente o foram”. E no mesmo sentido, dispõe o n.º5 do art.º106.º do Código do IRC.

Esta responsabilidade originária do substituto ou da entidade devedora dos rendimentos, nos casos de retenção na fonte com carácter definitivo, está na base da correcção do imposto liquidado à “S……., S.A.”.

No entanto, como vimos, os pressupostos da obrigação de retenção enfermam de erro, na medida em que não resulta demonstrado o facto necessário (reembolso/ restituição/pagamento do capital) de que depende a ficção/ presunção legal da data de vencimento dos juros, data ficcionada/ presumida essa a que a AT fez reportar aquela obrigação, nos termos do disposto no art.º7.º, nºs 2 e 3/a) 1) do CIRS.

Não se ignora que os juros provenientes do financiamento obtido da “S…… B.V.” foram contabilisticamente registados como acréscimo de custos do exercício da “Pensões Gere”.

O regime do acréscimo ou da periodização económica é um termo usado na área contabilística e significa que na elaboração das demonstrações financeiras de uma empresa devem ser considerados os efeitos das operações quando estas ocorram e não apenas quando se dá o correspondente pagamento ou recebimento.

Se, depois, o correspondente pagamento ou recebimento não se vem a concretizar por qualquer razão, o que haverá a fazer, pensamos, é o eventual “desreconhecimento” contabilístico e fiscal do acréscimo de custos ou proveitos.

Assim, com a presente fundamentação, entende-se ser de manter a sentença recorrida e negar provimento ao recurso.

Fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.

Por último e como se sabe, nas causas de valor superior a € 275.000,00 a regra continua a ser o pagamento integral da taxa de justiça resultante da aplicação dos critérios legais, assumindo natureza excepcional a dispensa, pelo juiz, de pagamento do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais.

Tal dispensa só deverá ocorrer em situações de manifesto desequilíbrio entre o montante a pagar e a actividade desenvolvida pelo tribunal, o que se entende verificar.

Como tal, ponderando, por um lado, a grande complexidade e novidade das questões colocadas e, por outro, o elevado valor do processo, que é de 5.350.379,27 Euros, justifica-se a dispensa de pagamento de 75% do remanescente de taxa de justiça.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça em 75%.

Lisboa, 14 de Janeiro de 2020


Vital Lopes


Luísa Soares


Mário Rebelo