Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12818/15
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:07/14/2016
Relator:NUNO COUTINHO
Descritores:AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE
ÓNUS DA PROVA
Sumário:Nos termos do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência proferido pelo S.T.A. em 16-6-2016 «na acção administrativa de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa, a propor ao abrigo do disposto nos artigos 9.º, al. a) e 10.º da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro [Lei da Nacionalidade] na redacção que lhe foi introduzida pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de Abril, cabe ao Ministério Público o ónus de prova dos fundamentos da inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional».
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – Relatório

E ……………. recorreu da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em 30 de Maio de 2014, que julgou procedente acção de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa intentada pelo Ministério Público.

A Recorrente formulou as seguintes conclusões:

“1- Vem o presente recurso da sentença proferida pelo TACL, concluindo pela improcedência do pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa da recorrente, por considerar que,"o facto de conhecer os costumes e tradições de Portugal através dos seus progenitores ... E de se interessar pelos hábitos sociais e pela realidade deste país não é suficiente para considerar que a Requerida criou antes de ter vindo para Portuga/ ...a ligação efectiva a este país que os preceitos supra referidos exigem ... " no caso dos autos, ...o acervo factual apurado não é de molde a concluir que a Requerida e o nosso pais se estabeleceu um laço fundamentador da aquisição da nacionalidade portuguesa nos termos do artº 2° e 9 alínea a) da Lei da Nacionalidade ....Julga-se procedente a oposição deduzida pelo Ministério Público à aquisição da nacionalidade portuguesa pela requerida, e, em conformidade, determina-se o arquivamento do processo conducente ao registo deste facto pendente na Conservatória dos Registos Centrais ...
2- Decisão com a qual a ora recorrente, não pode concordar, até porque, considera que a douta sentença requerida, não interpretou de forma correta as exigências da Lei, para declarar que a requerente não tem ligação a comunidade portuguesa e por conseguinte indeferir o seu pedido.
3-A decisão ora recorrida contraria toda a jurisprudência fixada no sentido de que a ligação à comunidade nacional terá por base o domicílio, a língua, os aspectos culturais, sociais, familiares, económico-profissionais, de amizade ou outros, que traduzem a ideia de um sentimento de pertença a essa comunidade. Senão vejamos:
4-A recorrente, fixou residência em Portugal, fala e compreende a língua portuguesa, o pai tem a nacionalidade portuguesa, os pais e outros familiares vivem em Portugal desde a menoridade da mesma, e sempre mostrou vontade de aquí também viver, dadas as ligações que foi desenvolvendo com essa comunidade, apesar de viver em Cabo Verde .
5-Portanto, essa ligação sempre existiu por parte da recorrente, que salvo melhor opinião não compreende o motivo porque lhe é negado um direito que lhe é atribuído pela legislação em vigor, estando preenchidos todos os requisitos exigidos. Tem autorização de residência em Portugal. concedida pelo Sef.
6- À falta de argumentos, vem a douta decisão referir que" mesmo que a Requerida tivesse criado, entretanto, a ligação com Portugal a que se refere a alínea a) do artº 9º da Lei da nacionalidade, estar-lhe-ia, ainda, assim, vedada a aquisição da nacionalidade portuguesa ...pois a Requerida só veio estudar e residir em Portugal, no ano de 2012, com 20 anos, e essa ligação com Portugal ter se ia estabelecido já depois da maioridade"., não relevando que o pedido foi feito ainda enquanto menor, pelos pais da recorrente, aqui residentes há já vários anos.
7- Da simples leitura da PI e da vista dos documentos que a acompanham, verifica-se que não foram apresentados pelo MP quaisquer factos que pudessem servir de fundamento à acção de oposição, de que a decisão recorrida deu provimento.
8- Antes da alteração da lei era praticamente imposto aos que adquiria a nacionalidade portuguesa um sentimento de "pertença" a uma comunidade sociocultural de matriz portuguesa, que hoje não se justifica, dado o mundo global em que vivemos. A inexistência de factos que possam subsumir-se no art 57º/7 do Regulamento, é impeditiva dos efeitos pretendidos pelo MP, Pelo que,
9- Não é nem legal nem Constitucionalmente admissível que se pretenda hoje exigir que o estrangeiro que vive em Portugal revela "um sentimento de pertença" ou "identificação do indivíduo com a maneira de ser portuguesa, com os hábitos, tradições, cultura, história, de molde a poder concluir-se que o interessado se encontra material e espiritualmente integrado no seio dessa comunidade..." porque tal não é exigido pela lei e, por outro lado ofende o disposto nos artºs 25/l e 2611 da CRP.
10 - Como já se referiu supra, a lei orgânica nº 2/2006, de 17 de Abril estabeleceu uma presunção de ligação efectiva relativamente aos candidatos à aquisição da nacionalidade poe efeito de vontade, competindo ao MP alegar e provar a inexistência da mesma ligação e não à requerida, ora recorrente, o que não aconteceu, daí que, salvo opinião contrária que a recorrente muito respeita, o Tribunal recorrido andou mal, ao decidir pelo arquivamento do processo do registo de nacionalidade da recorrente.
11- Julgando como julgou, a douta sentença recorrida violou os art°s, 56° e 57° do DL 237- A/2006 de 14 de Dez, os artºs 25º e 27/1 da CRP e ainda o artºs 607º e 615°/1 al b) e e) do CPC.

O recorrido, nas contra alegações, concluiu da seguinte forma:

“1.- A Recorrente não fez prova de ligação efectiva à comunidade portuguesa,

2. - Consequentemente, andou bem a sentença ora Recorrente em julgar procedente a acção de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa.

3.- No presente caso, inexiste a violação de qualquer norma constitucional , nomeadamente as invocadas pela Recorrente .

4.- Por tudo quanto vai dito e conforme melhor resulta dos autos, a douta decisão Recorrente fez um adequado julgamento, de facto e de direito, não padecendo de quaisquer dos vícios que lhe vêm assacados, não tendo violado as disposições legais e os princípios de direito enunciados pelo recorrente, motivo pelo qual deve a mesma ser integralmente mantida, negando-se provimento ao recurso, com o que se fará Justiça.

II - Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:

1. A Requerida nasceu em 18.07.1992, em Cabo Verde, filha de Sérgio ………… e de Maria ……………. (cfr. fls. 16).
2. O seu pai, natural de S. Miguel, Cabo Verde, veio a adquirir a nacionalidade portuguesa nos termos do artigo 7° da Lei n' 37/81, de 3.10 (cfr. fls. 18).
3. A Requerida veio, em 29.12.2008, através dos seus pais, manifestar a vontade de aquisição da nacionalidade portuguesa, ao abrigo do artigo 2º da Lei nº 37/81, de 3 de Outubro, por ser filha menor de indivíduo que adquiriu a mesma nacionalidade (cfr. fls. 13).
4. À data deste pedido a Requerida residia em Cabo Verde (cfr. fls. 13 e confessado).
5. Com base nessa declaração foi instaurado na Conservatória dos Registos Centrais processo onde se constatou não se verificarem os pressupostos da pretendida aquisição de nacionalidade, razão pela qual o registo em questão não chegou a ser lavrado.
6. Em 07.12.12, a Requerida estava matriculada no 1° ano do curso de secretariado em OES na Escola Profissional de Economia Social da Academia José …………….. (cfr. fls. 155).
7. Em 17 de Janeiro de 2013 foi emitida pelo SEF autorização de residência à Requerida (cfr. fls. 156 e 157).
8. Em 28.01.2013 inscreveu-se na Região de Saúde Norte do Porto (cfr. fls. 158).
9.A Requerida encontra-se actualmente a residir e a viver em Portugal.

III - Fundamentação jurídica

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas respectivas alegações importa conhecer da pretensão recursiva formulada e que se prende com a discordância com a decisão recorrida que julgou no sentido da procedência da acção de oposição à aquisição da nacionalidade, com fundamento na circunstância de não se poder concluir que a recorrente tem ligação efectiva à comunidade nacional, ónus probatório que impenderia sobre esta, que não logrou provar a existência da referida ligação efectiva.

Apreciando:

Prevê o artigo 9° da Lei da Nacionalidade [na redacção decorrente da 4a alteração], mais concretamente a alínea a), o seguinte: "Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa: a) A inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional.
Por outro lado, o artigo 56°, n° 2 do actual Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo DL n° 237-A/2006, de 14/12, determina que "constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou da adopção: a) A inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional.
E, no artigo 57°, n° l desse regulamento, dispõe-se que "quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adopção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional e sobre o disposto nas alíneas b) e c) do n° 2 do artigo anterior".

Por sua vez, de acordo com o artigo 2º da Lei nº 37/81, de 3 de Outubro “os filhos menores ou incapazes de pai ou mãe que adquira a nacionalidade portuguesa podem também adquiri-la, mediante declaração.”

Entende a recorrente competir ao ora recorrido fazer prova da inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional, questão que foi abordada, recentemente, em Acórdão de Uniformização de Jurisprudência proferido em S.T.A. em 16 de Junho de 2016, Proc. 201/16, no qual se decidiu em sentido contrário ao que sustentamos em anteriores Acórdãos – a título de exemplo Acórdão proferido em 12/03/2015, no Proc. 11872/15 e Acórdão proferido em 14/05/2015, no Proc. 12158/15 - Acórdão aquele de que se transcreve o seguinte passo:
(…)
“XIX. Presente o quadro jurídico a atender e cientes daquilo que foi a evolução do mesmo importa, então, passar ao conhecimento da questão objeto de divergência, questão essa que não é nova neste Supremo Tribunal e que motivou a emissão de várias pronúncias, aliás, em sentido uniforme.

XX. Com efeito, uma vez confrontado com a questão o STA no seu acórdão de 19.06.2014 [Proc. n.º 0103/14 disponibilizado in: «www.dgsi.pt/jsta»] firmou entendimento, que vem sendo sucessivamente reiterado [cfr., nomeadamente, os Acs. de 28.05.2015 - Proc. n.º 01548/14, de 18.06.2015 - Proc. n.º 01053/14, 01.10.2015 - Proc. n.º 01409/14, de 01.10.2015 - Proc. n.º 0203/15, de 04.02.2016 - Proc. n.º 01374/15, de 25.02.2016 - Proc. n.º 01261/15, de 03.03.2016 - Proc. n.º 01480/15 todos consultáveis no mesmo sítio], de que no âmbito da ação administrativa de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa o ónus de prova relativo à factualidade integradora da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional impende sobre o «MP» após a alteração produzida na «LN» pela Lei Orgânica n.º 2/2006.

XXI. É àquele, pois, que incumbe alegar e provar que o requerente/pretendente da nacionalidade não tem qualquer ligação à comunidade portuguesa e é-o, porquanto, segundo se extrai da linha fundamentadora colhida, nomeadamente no acórdão de 19.06.2014 [Proc. n.º 0103/14], “o legislador, considerando que o equilíbrio na atribuição da nacionalidade passava por uma previsão de regras que, «garantindo o fator de inclusão que a nacionalidade deve hoje representar em Portugal, não comprometam o rigor e a coerência do sistema, bem como os objetivos gerais da política nacional de imigração, devidamente articulada com os nossos compromissos internacionais e europeus, designadamente os que resultam da Convenção Europeia sobre a Nacionalidade, que Portugal ratificou em 2000», resolveu, uma vez mais, alterar a redação da mencionada norma com vista a que no, procedimento de oposição do Estado Português à aquisição da nacionalidade por efeito da vontade, se invertesse «o ónus da prova quanto ao requisito estabelecido na alínea a) do artigo 9.º que passa a caber ao Ministério Público. Regressa-se desse modo ao regime inicial da Lei n.º 37/81, de 3 de outubro» - Exposição de motivos da Proposta de lei n.º 32/X”, termos em que a partir da entrada em vigor da referida lei orgânica “passou a constituir fundamento de oposição à aquisição de nacionalidade «a inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional» (nova redação da al. a) do art. 9.º) a qual tinha de ser provada pelo MP” e era “claro que à data em que a Recorrente manifestou a sua vontade de adquirir a nacionalidade portuguesa vigorava a nova redação daquele art.º 9.º da Lei 37/81 e que, por força do que nela se dispunha, era ao MP que cabia provar que ela não tinha qualquer ligação efetiva à comunidade portuguesa”.

XXII. Fê-lo ainda na consideração de que esta modalidade aquisição da nacionalidade [por efeito da vontade] “não se produz automaticamente com a simples reunião daqueles pressupostos já que essa pretensão pode ser contrariada pelo M.P. através da propositura de uma ação”, fundada, nomeadamente, na “ausência de qualquer ligação efetiva à comunidade nacional por parte do interessado”, tanto mais que as normas aludidas visam “por um lado, promover o valor da unidade familiar e proteger essa unidade e, por outro, dotar o Estado Português de mecanismos legais destinados a evitar que cidadãos estrangeiros sem nenhuma ligação afetiva, cultural ou económica a Portugal ou cidadãos tidos por indesejáveis pudessem adquirir a nacionalidade portuguesa”, sendo que a “jurisdicionalização da oposição à aquisição derivada da nacionalidade teve, por sua vez, e igualmente, em vista permitir uma melhor e mais isenta ponderação dos interesses em jogo e a consequente salvaguarda dos interesses do pretendente à aquisição da nacionalidade, desde que legítimos, por não colidentes com os interesses do Estado” [cfr., neste mesmo entendimento, na jurisprudência, o Ac. do STJ de 15.12.2002 - Proc. n.º 02B3582 in: «www.dgsi.pt/jstj»; na doutrina, Rui Moura Ramos, in: Revista de Direito e Economia, Ano XII, págs. 273 e segs., em especial, págs. 283/288].

XXIII. Analisados, no que releva para a discussão, o quadro legal a atender e aquilo que foi a sua sucessiva evolução não descortinamos ou sequer vislumbramos razões que nos levem a afastar do entendimento que sobre a questão se mostra firmado pela jurisprudência acabada de enunciar deste Supremo, que assim se reafirma e reitera, no sentido de que, após a alteração produzida na «LN» pela Lei Orgânica n.º 2/2006, na ação administrativa de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa o ónus de prova relativo à factualidade integradora da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional impende sobre o «MP».

XXIV. Como referido a solução legal inserta no art. 03º da «LN» inspira-se ou radica na proteção do interesse da unidade familiar, sendo que o facto relevante para a aquisição da nacionalidade é a declaração de vontade do estrangeiro de que reúne condições para adquirir a nacionalidade portuguesa e já não a constância do casamento por mais de três anos visto este ser um mero pressuposto de facto necessário à potencialidade constitutiva da «declaração de aquisição da nacionalidade portuguesa» [cfr., nomeadamente, os citados Acs. do STA de 28.05.2015 - Proc. n.º 01548/14, de 01.10.2015 - Proc. n.º 01409/15, de 04.02.2016 - Proc. n.º 01374/15; Rui Manuel Moura Ramos in: “Do Direito Português da Nacionalidade” (1992), pág. 151].
XXV. Ocorre, porém, que o efeito da aquisição da nacionalidade não se produz sem mais pela simples verificação do facto constitutivo que a lei refere - a manifestação/declaração de vontade do interessado [cfr. art. 03.º da «LN»] - já que importa, também, que ocorra uma condição negativa, ou seja, de que não haja sido deduzida pelo MP ação administrativa de oposição à aquisição da nacionalidade ou que, tendo-a sido, ela haja sido julgada improcedente [cfr. citado art. 09.º da «LN»], na certeza de que uma tal ação reveste de natureza constitutiva e na mesma o Estado Português, através do MP, exercita o direito potestativo de se opor àquela declaração de vontade [cfr., nomeadamente, os citados Acs. do STA de 18.06.2015 - Proc. n.º 01053/14, de 01.10.2015 - Proc. n.º 01409/15, de 04.02.2016 - Proc. n.º 01374/15].

XXVI. Nesta mesma linha de entendimento e de interpretação quanto às regras de ónus de prova se havia manifestado a doutrina [cfr., nomeadamente, Rui Manuel Moura Ramos em “A renovação do Direito Português da Nacionalidade pela Lei Orgânica n.º 2/2006 …” in: RLJ, Ano 136, págs. 211/213; Joaquim Gomes Canotilho em parecer sob o título “Uma compreensão constitucional e legalmente adequada dos direitos fundamentais à cidadania e à nacionalidade na ordem jurídica portuguesa”, datado de 25.10.2011 (págs. 17/18 do referido parecer) e junto aos presentes autos a fls. 142/172] e, mais recentemente, também o Tribunal Constitucional o veio sustentar no seu acórdão n.º 106/2016, de 24.02.2016 [Proc. n.º 757/13 disponível in: «www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/» e publicado no DR II Série, n.º 62, de 30.03.2016] donde, no que releva, se extrai o seguinte “[a] sua redação original estabelecia os seguintes fundamentos de oposição: a manifesta inexistência de qualquer ligação efetiva à comunidade nacional; a prática de crime punível com pena maior, segundo a lei portuguesa; e o exercício de funções públicas ou a prestação de serviço militar não obrigatório a estado estrangeiro. (…) Para a aferição destes fundamentos eram ouvidos em auto os respetivos requerentes sobre os factos suscetíveis de constituir fundamentos de oposição, não lhes cabendo, todavia, a respetiva comprovação. Tal seria substancialmente alterado pela Lei n.º 25/94, de 19 de agosto. Com efeito, esta lei, para além de estabelecer a necessidade de um período de três anos de casamento para que o cônjuge estrangeiro pudesse apresentar um pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa, viria a introduzir uma alteração significativa neste regime ao estabelecer que cabia ao interessado comprovar (por meio documental, testemunhal ou outro) a existência de uma ligação efetiva à comunidade nacional, pois, se isso não sucedesse, a não comprovação era motivo para oposição. Em paralelo cabia também essa prova aos requerentes de naturalização. (…) A Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril, veio repor o regime de prova originário, invertendo o respetivo ónus. Cabe, desde então, ao Ministério Público, a comprovação dos factos suscetíveis de fundamentarem a oposição deduzida, incluindo a falta de ligação efetiva à comunidade nacional” [sublinhado nosso].

XXVII. Firmado que se mostra o entendimento quanto à questão jurídica objeto de divergência importa, então, centrar nossa atenção na aferição do acerto do julgamento feito pelo acórdão recorrido da situação jurídica sob apreciação.

XXVIII. E para concluir, desde já, pelo desacerto do acórdão recorrido, quer quanto à correta interpretação daquilo eram as regras do ónus de prova no âmbito do quadro normativo em crise, quer quanto ao enquadramento e julgamento que no mesmo foi feito dos factos e da pretensão deduzida pelo «MP», aqui recorrido.

XXIX. Na verdade, errou o acórdão recorrido no entendimento de que era à aqui recorrente, contra quem foi instaurada a presente ação administrativa de oposição à aquisição da nacionalidade pelo «MP» junto do «TAC/L», quem incumbia a prova da factualidade que integradora da “existência de ligação efetiva à comunidade nacional” ou a demonstração de que se encontra inserida na comunidade nacional”, pois, não era sobre a mesma que recai o ónus de prova.

XXX. Tal como errou na análise que realizou dos factos que se mostram provados com um tal pressuposto, na consideração de que a aqui Recorrente “apenas apresentou como prova o casamento com um nacional português e o nascimento de dois filhos desse matrimónio” e que era “manifestamente insuficiente para a demonstração do quid legal da ligação à comunidade nacional em termos de efetividade”.

XXXI. Não era a Recorrente que, frise-se, tinha que efetuar a alegação e a prova de factualidade integradora da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional, visto ser sobre o «MP», enquanto demandante, que impendia tal ónus, efetuando, uma vez recebida a comunicação feita pelos serviços competentes, as prévias e necessárias diligências de averiguação e instrução tendentes a apurar da existência e consistência, no caso, de factos integradores da referida inexistência de ligação efetiva e da viabilidade da propositura duma ação administrativa de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa neles fundada.”

Recordando agora os factos dados como assentes na decisão recorrida: a recorrente nasceu em 18.07.1992, em Cabo Verde, filha de Sérgio ..…………… e de Maria ……………………………; o seu pai, natural de S. Miguel, Cabo Verde, veio a adquirir a nacionalidade portuguesa nos termos do artigo 7° da Lei n' 37/81, de 3.10; a recorrente veio, em 29.12.2008, através dos seus pais, manifestar a vontade de aquisição da nacionalidade portuguesa, ao abrigo do artigo 2º da Lei nº 37/81, de 3 de Outubro, por ser filha menor de indivíduo que adquiriu a mesma nacionalidade; à data deste pedido a Requerida residia em Cabo Verde; com base nessa declaração foi instaurado na Conservatória dos Registos Centrais processo onde se constatou não se verificarem os pressupostos da pretendida aquisição de nacionalidade, razão pela qual o registo em questão não chegou a ser lavrado; em 07.12.12, a Requerida estava matriculada no 1° ano do curso de secretariado em OES na Escola Profissional de Economia Social da Academia José ……………..; em 17 de Janeiro de 2013 foi emitida pelo SEF autorização de residência à Requerida; em 28.01.2013 inscreveu-se na Região de Saúde Norte do Porto; a Requerida encontra-se actualmente a residir e a viver em Portugal.

Perante este acervo factual, acolhendo os fundamentos do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência supra parcialmente transcrito por se considerar que o mesmo tem como fito estabilizar o sentido da jurisprudência dos tribunais administrativos quanto à questão do ónus da prova – cerne do presente recurso - e considerando o sentido do decidido no referido Acórdão quanto às regras respeitantes ao ónus de prova relativas à demonstração da inexistência de uma ligação efectiva à comunidade nacional; impõe-se concluir, no caso, que, em face da escassez dos factos levados ao probatório, o recorrente não logrou alegar/carrear e provar nos autos, como lhe era imposto, os factos demonstrativos da inexistência de tal ligação por parte da aqui Recorrida, escassez factual que leva a que se deva revogar a sentença recorrida, com a consequente improcedência da presente acção de oposição à aquisição da nacionalidade.

IV - Decisão

Assim, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul, em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida, ordenando o prosseguimento do processo conducente ao registo pendente na Conservatória dos Registos Centrais.
Sem custas, face à isenção legal objectiva.
Lisboa, 14 de Julho de 2016

Nuno Coutinho

José Gomes Correia


Paulo Vasconcelos