Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 247/09.4BEALM |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 06/18/2020 |
| Relator: | DORA LUCAS NETO |
| Descritores: | RJUE; PEDIDO DE INFORMAÇÃO PRÉVIA FAVORÁVEL CONDICIONADO; AIA POSTERIOR; DIA DESFAVORÁVEL; INDEFERIMENTO DA PRETENSÃO. |
| Sumário: | i) A informação prévia pode ser, quanto ao seu conteúdo, favorável à pretensão do interessado, desfavorável a tal pretensão e condicionadamente favorável, quando a viabilidade da pretensão se encontre dependente do cumprimento de determinadas exigências legais. ii) A informação prévia é (i) um ato administrativo (ii) que se pronuncia sobre determinada pretensão urbanística (iii) constituindo um ato sui generis, próximo da figura do ato prévio (iv) que confere, em regra, ao interessado, o direito em não ver indeferido o seu pedido de licenciamento com base em fundamentos que já foram objeto de apreciação pela Administração no âmbito deste procedimento, desde que o pedido de licenciamento se conforme com os termos da informação prévia, for apresentado por quem tenha legitimidade e antes de decorrido o prazo de um ano a contra desde a sua emissão. iii) Porém, mesmo que o projeto apresentado se conforme com a informação prévia favorável, a câmara municipal poderá sempre indeferir o pedido de licenciamento com base em qualquer dos fundamentos legalmente admitidos, desde que a razão que motiva o indeferimento ou rejeição não tenha sido objeto de apreciação no pedido de informação prévia, não constando dos elementos entregues pelo interessado, nem do conteúdo da informação prestada. iv) A pretensão urbanística da A. ora RECORRENTE encontrava-se sujeita a Avaliação de Impacte Ambiental (AIA), cujo procedimento constava - à data em que teve lugar o procedimento de informação prévia - do Decreto-lei n.° 69/2000, de 03.05, cfr. art. 1.º, n.º 2, anexo II – aldeamentos turísticos e hotéis – apartamentos turísticos com 20 ou mais camas (…) localizados em áreas sensíveis (…) -, sendo que, no âmbito do procedimento de informação prévia, não foram consultadas as entidades com competência para o efeito, como resulta do facto de, então, não ter sido emitida Declaração de Impacte Ambiental (DIA) sobre a pretensão urbanística em apreço. v) No procedimento de licenciamento foi emitida DIA desfavorável, perante o que, a câmara municipal se encontrava vinculada a indeferir o pedido de licenciamento em apreço, nos termos do artigo 24.°, n.° 1, alínea c), do RJUE - na redação em vigor à data dos factos. |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
I. Relatório A A... – Sociedade Turística, Lda., ora Recorrente, interpôs recurso jurisdicional do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, de 05.11.2015, que julgou improcedente a ação administrativa especial por si intentada contra o Município de Sesimbra, ora Recorrido, na qual peticionava que fosse declarada a nulidade ou anulada a deliberação da Câmara Municipal de Sesimbra, de 03.12.2008, que indeferiu o projeto de arquitetura por si apresentado no âmbito do processo de licenciamento da construção do Hotel Resort "Q...”, localizado no prédio de que é proprietária, sito no A....
Nas alegações de recurso que apresentou (fls. 374 e ss. do SITAF), culminou com as seguintes conclusões: «(…) A - DA INAPLICABILIDADE E INCONSTITUCIONALIDADE DO POPNA 1ª. Contrariamente ao decidido no acórdão recorrido e como resulta expressamente do teor da deliberação da CMS, de 2008.12.03. o pedido de licenciamento apresentado pela ora recorrente foi indeferido com fundamento na “incompatibilidade do projecto com os instrumentos de gestão territorial em vigor, designadamente o POPNA” (v. alínea ff) dos FP; cfr. Doc. 1, junto com a p.i.) - cfr. texto n°s. 1 e 2;
2ª. O procedimento administrativo relativo ao licenciamento da operação urbanística sub judice iniciou-se, em 2001.03.13 (v. alínea b) dos FP) - cfr. texto n° . 3; 3ª. O POPNA, aprovado pela RCM n.° 141/2005, de 23 de Agosto, foi publicado no Diário da República. I Série-B, n.° 161, de 2005.08.23. p.p. 4857 e segs., tendo entrado “em vigor no dia seguinte ao da sua publicação” (v. art. 53° do POPNA; cfr. Ponto 8 da RCM n.° 141/2005, de 23 de Agosto), ou seja, em 2005.08.24 - cfr. texto n°. 3; 4ª. O POPNA não é assim retroactivamente aplicável a um procedimento administrativo iniciado cerca de 4 anos antes da sua entrada em vigor, ex vi do disposto nos arts. 119° e 266° da CRP, nos arts. 7°/3, 12° e 13° do Cód. Civil e no art. 60° do DL 555/99, de 16 de Dezembro (v. Acs. STA de 2003.12.16, Proc. 047751 e de 1992.04.07, Proc. 030349, ambos in www.dgsi.pt: cfr. Ac. STA de 1990.11.20, AD 352/483; cfr. ainda Ac. TCA Norte de 2007.04.12, Proc. 01265/04.4 BEPRT; e Ac. TC n.° 63/2006, de 24 de Janeiro, www.tribunalconstitucional.pt) - cfr. texto n°s. 3 e 4; 5ª. As normas do POPNA, aplicadas com o alcance e sentido que lhes foi atribuído no acto sub judice e no Acórdão recorrido - aplicação retroactiva a procedimentos administrativos iniciados cerca de 4 anos antes da sua entrada em vigor -, são manifestamente inconstitucionais, por violação dos princípios da confiança e segurança jurídica (v. arts. 2°, 9°, 18° e 266° da CRP) e dos direitos de iniciativa económica privada e de propriedade privada (v. arts. 61° e 62° da CRP) cfr. texto n°s. 1 a 5;
B - DA ILEGAL REVOGAÇÃO DE ACTOS CONSTITUTIVOS DE DIREITOS 6ª. Contrariamente ao decidido no acórdão recorrido, o p.i.p. apresentado pela ora recorrente, em 2001.03.13. foi tacitamente deferido, ex vi dos arts. 16° e 111° do DL 555/99, de 16 de Dezembro e expressamente deferido por deliberação da CMS. de 2002.07.17 (v. arts. 16° e 17° do RJUE), notificada à ora recorrente por ofício, de 2002.07.25 (v. Doc. 4, junto com a p.i.) - cfr. texto n°s. 6 e 7; 7ª. O pedido de licenciamento foi apresentado pela ora recorrente, em 2003.07.09. na sequência da aprovação vinculativa de anterior p.i.p., em 2002.07.17 (v. art. 17° RJUE), que foi notificada à ora recorrente, em 2002.07.25 (v. Doc. 4, junto com a p.i.) - cfr. texto n°s. 6 a 8; 8ª. O pedido de licenciamento apresentado, em 2003.07.09. foi acompanhado de todos os elementos legalmente exigíveis, presumindo-se devidamente instruído, ex vi do disposto no art. 11° do DL 555/99, de 16 de Dezembro (v. arts. 6°-A/2, 56°, 71°, 76° e 90° do CPA), tendo sido tacitamente deferido, ex vi dos arts. 20°/3 e 111° do RJUE e do art. 108° do CPA - cfr. texto n°s. 9 a 11; 9ª. Os referidos deferimentos tácitos e expressos assumem claramente natureza constitutiva de direitos (v. art. 108° do CPA e art. 20° do DL 555/99) - cfr. texto n°s. 12 a 15; 10ª. Dos termos e circunstâncias em que a deliberação sub judice foi emitida não resulta, de qualquer forma, o reconhecimento da existência de anteriores actos constitutivos de direitos, pelo que, inexistindo voluntariedade na produção de efeitos revogatórios, faltam, desde logo, elementos essenciais do acto em análise, que assim é nulo (v. arts. 123°/1, 133°/1 e 134°/1 do CPA) - cfr. texto n°s. 16 a 19; 11ª. Contrariamente ao decidido no acórdão recorrido, a deliberação sub judice sempre teria revogado ilegalmente anteriores actos constitutivos de direitos, violando frontalmente os arts. 140°/1/b) e 141° do CPA, pois não foi invocada e não se verifica in casu qualquer ilegalidade dos actos revogados - cfr. texto n°s. 20 e 21;
C - DA FALTA DE AUDIÇÃO PRÉVIA 12ª. O douto acórdão recorrido enferma de manifestos erros de julgamento, tendo violado frontalmente o disposto nos arts. 20°, 267a/5 e 268°/4 da CRP e os arts. 7°, 8° e 100° e segs. do CPA, pois: a) A deliberação em análise foi proferida “sem audição prévia da A.”, e, além disso, não foram invocados quaisquer fundamentos de facto e de direito justificativos da dispensa dessa audição prévia, pelo que tal acto não podia deixar de ser anulado, ex vi do disposto nos arts. 8°, 100° e 103° a 105° do CPA, bem como do princípio da participação dos particulares na actividade administrativa, constitucionalmente consagrado (v. art. 267°/5 da CRP; cfr. arts. 121° e segs. do NCPA); b) A aplicação in casu do princípio do aproveitamento dos actos administrativos constituiu verdadeira decisão surpresa, e o recurso a este princípio tem como limites intransponíveis a não violação de normas constitucionais e normas imperativas, in casu os arts. 267°/5 e 268°/4 da CRP e os arts. 7°, 8° e 100° e segs. do CPA, não sendo invocáveis meras razões de economia procedimental para salvar ou sanar a posteriori actos ilegais (v. arts. 20°, 203°, 204°, 266 e 268°/4 da CRP) - cfr. texto n°s. 22 a 25;
D - DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO 13ª. A deliberação sub judice enferma de manifesta falta de fundamentação de facto e de direito, ou, pelo menos, esta é obscura, contraditória, insuficiente e incongruente, tendo sido frontalmente violados o art. 268°/3 da CRP e os arts. 103°, 124° e 125° do CPA (cfr. arts. 153° e 154° do NCPA). pois: a) Não contém, em si, quaisquer fundamentos de facto e de direito, sendo manifestamente inadmissível e insuficiente referir “a incompatibilidade do projecto com os instrumentos de gestão territorial em vigor, designadamente o POPNA” - cuja aplicação in casu é, conforme se demonstrou, inconstitucional e ilegal -, sem concretizar e especificar os instrumentos em causa e as normas pretensamente violadas; b) Não invocou, nem demonstrou a aplicação in casu de qualquer norma jurídica que pudesse fundamentar o indeferimento impugnado e a revogação de anteriores actos constitutivos de direito, nem foram minimamente invocados quaisquer factos susceptíveis de fundamentar tais decisões; c) A aplicação in casu do princípio do aproveitamento de actos administrativos ilegais constituiu verdadeira decisão surpresa, e o recurso a este princípio tem como limites intransponíveis a não violação de normas constitucionais e normas imperativas, in casu os arts. 267°/5 e 268°/3 da CRP e os arts. 124° e 125° do CPA, não sendo invocáveis meras razões de economia procedimental para salvar ou sanar a posteriori actos ilegais (v. arts. 20°, 203°, 204°, 266 e 268°/4 da CRP) - cfr. texto n°s. 26 a 31;
E - DAS VIOLAÇÕES DE DIREITOS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS 14ª. Contrariamente ao decidido no acórdão recorrido, a deliberação impugnada violou ainda os princípios constitucionais da segurança das situações jurídicas e da protecção da confiança da ora recorrente, bem como os princípios da legalidade, da confiança e do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos e os seus direitos de iniciativa económica e de propriedade privada, o que determina por si só a respectiva nulidade (v. art. 133°/2/d) do CPA; cfr. arts. 2°, 9°, 17°, 18°, 61°, 62°, 205° e 266° da CRP e arts. 3°, 4° e 6°-A do CPA) - cfr. texto n°. 31. (…)».
O Recorrido, devidamente notificada para o efeito, não contra-alegou.
I. 2. Questões a apreciar e decidir: As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento em virtude de: i) ter decidido que o pedido de licenciamento apresentado pela ora Recorrente não foi indeferido com fundamento na “incompatibilidade do projeto com os instrumentos de gestão territorial em vigor, designadamente o POPNA” - como resulta expressamente do teor da deliberação da CMS, de 2008.12.03 – cfr. 1.ª a 5.ª conclusões de recurso; ii) ao não ter anulado a deliberação impugnada por esta ter revogado ilegalmente anteriores atos constitutivos de direitos – na sequência de pedido de informação prévia apresentado e pedido de licenciamento subsequente -, violando frontalmente os arts. 140°/1/b) e 141° do CPA, pois não foi invocada e não se verifica in casu qualquer ilegalidade dos atos revogados - cfr. texto n°s. 20 e 21 – cfr. 6.ª a 11.ª conclusões de recurso; iii) ao ter aplicado in casu do princípio do aproveitamento dos atos administrativos, verificada que foi a falta de audiência prévia, o que constituiu verdadeira decisão surpresa, e em virtude de o recurso a este princípio ter como limites intransponíveis a não violação de normas constitucionais e normas imperativas, in casu os arts. 267°/5 e 268°/4 da CRP e os arts. 7°, 8° e 100° e ss. do CPA, não sendo invocáveis meras razões de economia procedimental para salvar ou sanar a posteriori atos ilegais (v. arts. 20°, 203°, 204°, 266 e 268°/4 da CRP) - cfr. texto n°s. 22 a 25 – cfr. conclusão 12.º do recurso; iv) ao ter aplicado in casu o princípio do aproveitamento de atos administrativos ilegais, verificada que foi a falta de fundamentação da deliberação impugnada, o que constituiu verdadeira decisão surpresa, sendo que o recurso a este princípio tem como limites intransponíveis a não violação de normas constitucionais e normas imperativas, in casu os arts. 267°/5 e 268°/3 da CRP e os arts. 124° e 125° do CPA, não sendo invocáveis meras razões de economia procedimental para salvar ou sanar a posteriori atos ilegais (v. arts. 20°, 203°, 204°, 266 e 268°/4 da CRP) - cfr. texto n°s. 26 a 31 – cfr. 13.º conclusão de recurso; v) por não ter considerado que a deliberação impugnada violou os princípios constitucionais da segurança das situações jurídicas e da proteção da confiança da ora Recorrente, bem como os princípios da legalidade, da confiança e do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos e os seus direitos de iniciativa económica e de propriedade privada, o que determina por si só a respetiva nulidade (v. art. 133°/2/d) do CPA; cfr. arts. 2°, 9°, 17°, 18°, 61°, 62°, 205° e 266° da CRP e arts. 3°, 4° e 6°-A do CPA) - cfr. texto n°. 31. (…) – cfr. 14.ª conclusão de recurso.
II. Fundamentação II.1. De facto A matéria de facto constante do acórdão recorrido, não impugnada, aqui se transcreve ipsis verbis: II.2. De direito i) Do erro de julgamento em que incorreu o acórdão recorrido ao ter decidido que o pedido de licenciamento apresentado pela A., ora Recorrente, não foi indeferido com fundamento na “incompatibilidade do projeto com os instrumentos de gestão territorial em vigor, designadamente o POPNA” - como resulta expressamente do teor da deliberação da CMS, de 2008.12.03 – 1.ª a 5.ª conclusões de recurso.
Sobre esta matéria, o discurso fundamentador do acórdão recorrido foi o seguinte: «(…) O Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida foi aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.°141/2005, de 23 de Agosto, o que significa que não se encontrava em vigor à data em que a autora apresentou, em 09/07/2003, o pedido de licenciamento para a construção de um "Hotel Resort” no prédio sito no A... - Q... [alínea k) dos factos provados]. Contudo, e independentemente da questão de saber se o referido Plano era aplicável à pretensão urbanística da autora, verifica-se, atenta a fundamentação da deliberação que indeferiu o pedido de licenciamento, que o indeferimento resultou da declaração de impacte ambiental ter sido desfavorável. Com efeito, o indeferimento do pedido de licenciamento apresentado pela autora não encontrou o seu fundamento na aplicação das normas do POPNA, mas na emissão da declaração de impacte ambiental desfavorável, o que significa que a entidade demandada não apreciou a pretensão urbanística da autora à luz do disposto no referido plano de ordenamento do território, limitando-se a indeferir a mesma por ter sido emitida a mencionada declaração. Assim sendo, entendemos que a questão da aplicabilidade do POPNA e da violação dos princípios invocados pela autora, designadamente, os princípios da boa- fé e da protecção da confiança, apenas se coloca quanto à declaração de impacte ambiental desfavorável, uma vez que foi esta, e não, reitere-se, a deliberação que indeferiu o pedido de licenciamento, que aplicou as normas do referido plano. Ora, a declaração de impacte ambiental não constitui objecto da presente acção, tendo, aliás, sido objecto da acção que correu termos neste Tribunal sob o n° 599/08.3BEALM, pelo que não cumpre apreciar a sua eventual ilegalidade por ter sido aplicado o POPNA, sendo certo, refira-se, que tal questão já foi apreciada no âmbito da referida acção. Assim, considerando que a deliberação de indeferimento da pretensão urbanística da autora não encontrou o seu fundamento nas normas do POPNA, mas, unicamente, na emissão da declaração de impacte ambiental desfavorável, a questão da aplicabilidade do referido plano não se coloca, bem como não se coloca a questão da aplicação do mesmo contender com os princípios jurídicos invocados pela autora, pelo que improcede o alegado quanto a esta matéria. (…)»
Desde já se adianta que o assim decidido é para manter. Vejamos porquê. Resulta da alínea ff) da matéria de facto – sendo este o ato impugnado nos autos -, que o Recorrido Município de Sesimbra, através de deliberação da Câmara Municipal, de 03.12.2008, indeferiu o projeto de arquitetura apresentado pela Recorrente, nos seguintes termos (cfr. doc. n.º 1 junto com a p.i.): «(…) face aso pareceres técnicos constantes do mesmo , que passo a especificar: A Declaração de Impacte Ambiental (DIA) desfavorável, fundamentada no parecer final da comissão de avaliação, tendo em conta a incompatibilidade do projecto com os instrumentos de Gestão Territorial em vigor, designadamente o POPNA.» E, na verdade, dúvidas mão há, nem a Recorrente invoca, que a pretensão urbanística em apreço se encontrava sujeita a avaliação de impacte ambiental, cujo procedimento constava, à data em que teve lugar o procedimento de informação prévia, do Decreto-lei n.°69/2000, de 03.05.
Assim sendo, e uma vez que, nos termos do art. 20.° do citado Decreto-lei n.° 69/2000, o acto de licenciamento ou de autorização de projectos sujeitos a procedimento de AIA só pode ser praticado após a notificação da respectiva DIA favorável ou condicionalmente favorável ou após o decurso do prazo necessário para a produção de deferimento tácito”, tendo sido emitida Declaração de Impacte Ambiental (DIA) desfavorável, o Recorrido encontrava-se vinculado a indeferir o pedido de licenciamento apresentado, nos termos do art. 24.°, n.°1, alínea c) do RJUE, na redação em vigor à data em que foi proferida a deliberação de indeferimento, sendo certo que são nulos os atos de licenciamento que tenham sido precedidos de declaração de impacte ambiental desfavorável (cfr. art. 20.°, n.° 3 do citado Decreto-lei n.°69/2000). E foi isso que sucedeu, tal como decorre da leitura do deliberação impugnada – cfr. alínea ff) da matéria de facto, numa leitura conjugada com os factos constantes das alíneas aa) – na parte ordenamento do território – e alíneas bb), e dd), das quais decorre claramente que o fundamento da emissão de DIA desfavorável à execução do Projeto Turístico Hotel Resort Q..., fundamentado no parecer final da Comissão de Avaliação, teve em conta a sua incompatibilidade com os instrumentos de gestão territorial em vigor. Pelo que, não suscita qualquer dúvida a este tribunal de recurso que o fundamento para o indeferimento do projeto de arquitetura em apreço nos presentes autos, foi a existência de uma DIA desfavorável e que, outra coisa distinta foi o fundamento para que essa DIA tivesse sido desfavorável, conforme resulta do exposto no parágrafo que antecede. Ou seja, a questão que a Recorrente coloca sobre a aplicabilidade do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida ao caso em apreço, no âmbito de um processo em que impugna a deliberação camarária identificada na alínea ff) da matéria de facto, está fora do âmbito deste processo, tal como decidiu o acórdão recorrido. Acresce que, a precedência lógica entre estes dois atos, a emissão de DIA desfavorável e respetivos fundamentos, e a emissão da deliberação impugnada, foi, aliás, motivo para a suspensão da presente instância – cfr. despacho de 19.06.2009, cfr. n.º ordem 4 ref. SITAF – em virtude de então estar pendente um outro processo - n.º599/08.3BEALM – e de o tribunal a quo ter entendido que se tratava de uma questão de precedência lógica de decisões que se impunha, pois, tendo a DIA em causa tido influência inegável no acto ora impugnado, afigura-se-nos que só após a definição concreta da sua legalidade ou ilegalidade - a apreciar na acção indicada pela autora - é que se pode avançar na sindicância do acto que indeferiu o projecto de arquitectura – cfr. despacho de 19.06.2009, cfr. n.º ordem 4 ref. SITAF -, que suspendeu a instância na presente ação até que se mostrasse decidida, com trânsito em julgado, a ação n.° 599/08.3BEALM, situação com a qual a Recorrente, se conformou. Em face do que, imperioso se torna concluir pela improcedência das 1. a 5.ª conclusões de recurso.
ii) Do erro de julgamento em que incorreu o acórdão recorrido ao não ter anulado a deliberação impugnada por esta ter revogado ilegalmente anteriores atos constitutivos de direitos – na sequência de pedido de informação prévia apresentado e pedido de licenciamento subsequente -, violando frontalmente os arts. 140°/1/b) e 141° do CPA, pois não foi invocada e não se verifica in casu qualquer ilegalidade dos atos revogados - cfr. texto n°s. 20 e 21 – cfr. 6.ª a 11.ª conclusões de recurso.
Vejamos. O pedido de informação prévia encontrava-se consagrado no art. 14.° do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo Decreto-lei n.°555/99, de 16 de Dezembro (RJUE), constando o respetivo regime dos art.s 15.° a 17.°. Nos termos do art. 14.° do RJUE - na redação anterior às alterações introduzidas pela Lei n.°60/2007, de 04.09., em vigor à data em que teve lugar o procedimento de informação prévia -, resultava que «Qualquer interessado pode pedir à câmara municipal, a título prévio, informação sobre a viabilidade de realizar determinada operação urbanística e respectivos condicionamentos legais ou regulamentares, nomeadamente relativos a infra-estruturas, servidões administrativas e restrições de utilidade pública, índices urbanísticos, cérceas, afastamentos e demais condicionantes aplicáveis à pretensão. (n.º 1); «Quando o pedido respeite a operação de loteamento, em área não abrangida por plano de pormenor, ou a obra de construção, ampliação ou alteração em área não abrangida por plano de pormenor ou operação de loteamento, o interessado pode requerer que a informação prévia contemple especificamente os seguintes aspectos, em função dos elementos por si apresentados: (n.º 2) a)A volumetria da edificação e a implantação da mesma e dos muros de vedação; b)Condicionantes para um adequado relacionamento formal e funcional com a envolvente; c)Programa de utilização das edificações, incluindo a área bruta de construção a afectar aos diversos usos e o número de fogos e outras unidades de utilização; d)Infra-estruturas locais e ligação às infra-estruturas gerais; e)Estimativa de encargos urbanísticos devidos. De onde resulta que o pedido de informação prévia tem por objeto uma concreta pretensão urbanística do interessado, no âmbito do qual a Administração verifica se tal pretensão pode ser deferida, tendo em conta as normas legais e regulamentares em vigor. No que se prende com as consultas externas a efetuar no âmbito de um procedimento de informação prévia, regia o art. 16.° do RJUE, estabelecendo que «No âmbito do procedimento de informação prévia há lugar a consulta, nos termos do disposto no artigo 19.°, às entidades cujos pareceres, autorizações ou aprovações condicionem, nos termos da lei, a informação a prestar, sempre que tal consulta deva ser promovida num eventual pedido de licenciamento da pretensão em causa». E, por fim, no que se refere à concreta deliberação que recairia sobre tal pedido, o citado art. 16.° do RJUE dispunha ainda que «A câmara municipal delibera sobre o pedido de informação prévia no prazo de 20 dias contado a partir: a) Da data da recepção do pedido ou dos elementos solicitados nos termos do n.°4 do artigo 11.°; ou b) Da data da recepção do último dos pareceres, autorizações ou aprovações emitidos pelas entidades exteriores ao município, quando tenha havido lugar a consultas; ou ainda c) Do termo do prazo para a recepção dos pareceres, autorizações ou aprovações, sempre que alguma das entidades consultadas não se pronuncie até essa data.( n.º 1). E que, «Os pareceres, autorizações ou aprovações emitidas pelas entidades exteriores ao município são obrigatoriamente notificadas ao requerente juntamente com a informação prévia aprovada pela câmara municipal.(n.º 2). Sendo que «A câmara municipal indica sempre, na informação aprovada, o procedimento de controlo prévio a que se encontra sujeita a realização da operação urbanística projectada, de acordo com o disposto na secção I do capítulo II do presente diploma.( n.º 3). E que, «No caso de a informação ser desfavorável, dela deve constar a indicação dos termos em que a mesma, sempre que possível, pode ser revista por forma a serem cumpridas as prescrições urbanísticas aplicáveis, designadamente as constantes do plano municipal de ordenamento do território ou de operação de loteamento. (n.º 4). Resulta deste regime que a informação prévia pode ser, quanto ao seu conteúdo, favorável à pretensão do interessado, desfavorável a tal pretensão e condicionadamente favorável, quando a viabilidade da pretensão se encontre dependente do cumprimento de determinadas exigências legais. Assim como resulta que a informação prévia é (i) um ato administrativo (1) (ii) que se pronuncia sobre determinada pretensão urbanística (iii) constituindo um ato sui generis, próximo da figura do ato prévio (2) (iv) que confere ao particular o direito em não ver indeferido o seu pedido de licenciamento com base em fundamentos que já foram objeto de apreciação pela Administração no âmbito deste procedimento. (3) Sendo que, e face a todo o exposto, não obstante a informação prévia favorável vincula[r] as entidades competentes na decisão sobre um pedido de licenciamento ou autorização da operação urbanística a que respeita, desde que tal pedido seja apresentado no prazo de um ano a contar da notificação da mesma ao requerente – cfr. art. 17.º, n.º 1, do RJUE - nem sempre a Administração fica obrigada a deferir o pedido de licenciamento, designadamente, se este não se conformar com os termos da informação prévia, se não for apresentado por quem tenha legitimidade para tal, ou seja apresentado após o prazo de um ano a contra desde a sua emissão (4). Acresce, com particular interesse no âmbito deste recurso, que, nos termos da doutrina especializada de Fernanda Paula Oliveira (5), mesmo que o projeto apresentado se conforme com a informação prévia favorável, a câmara municipal poderá sempre indeferir o pedido de licenciamento ou autorização ou rejeitar a comunicação prévia com base em qualquer dos fundamentos legalmente admitidos, desde que a razão que motiva o indeferimento ou rejeição não tenha sido objecto de apreciação do pedido de informação prévia, não constando dos elementos entregues pelo interessado nem do conteúdo da informação prestada.(sublinhados nossos). Do que é exemplo o indeferimento de um pedido de licenciamento, mesmo quando exista informação prévia favorável, quando o mesmo redunde na prática de um ato nulo. Importa reter que a consulta às entidades exteriores ao município apenas é dispensada no procedimento de licenciamento quando as mesmas se tenham pronunciado no âmbito do pedido de informação prévia - cfr. art. 17.°, n.° 2 do RJUE - na redação anterior às alterações introduzidas pela Lei n.° 60/2007, de 04.05. Razão pela qual, sendo tais consultas, obrigatórias, efetuadas no âmbito do procedimento de licenciamento, e perante a superveniência de um parecer negativo ou recusa de aprovação ou autorização, a Administração fica vinculada a indeferir o pedido de licenciamento, sob pena de praticar um ato nulo. Pelo exposto, forçoso é concluir que uma informação prévia favorável, embora consubstancie um ato constitutivo de direitos – desde que o pedido de licenciamento posterior se conforme com os termos da informação prévia, seja feito por particular com legitimidade para tal e no prazo de um ano desde a emissão daquela -, não tem sempre o alcance de impor o deferimento de posterior pedido de licenciamento – expresso ou tácito, como invoca a Recorrente -, designadamente, quando se verifique que o deferimento da pretensão urbanística redundaria na prática de um ato nulo nos termos do art. 68.° do RJUE. Retomando o caso em apreço. Da factualidade provada resulta que, em 13.03.2001, a A., ora Recorrente, apresentou nos serviços do Recorrido um pedido de viabilidade de construção relativo à reconversão e requalificação do Hotel Resort "Q...”, localizado no prédio sito no A..., o qual deu origem ao processo de informação prévia n.°4/01IP - cfr. alíneas b) e c) da matéria de facto. Resultou ainda provado que, em 17.02.2002, a Câmara Municipal de Sesimbra deliberou emitir informação favorável, condicionada ao parecer do Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária e à anexação das propriedades envolventes – cfr. alínea j) da matéria de facto. Resulta também dos autos que a pretensão urbanística da Recorrente se encontrava sujeita a Avaliação de Impacte Ambiental (AIA), cujo procedimento constava - à data em que teve lugar o procedimento de informação prévia - do Decreto-lei n.°69/2000, de 03.05, cfr. art. 1.º, n.º 2, anexo II – aldeamentos turísticos e hotéis – apartamentos turísticos com 20 ou mais camas (…) localizados em áreas sensíveis (…) -, sendo que, no âmbito do procedimento de informação prévia, não foram consultadas as entidades com competência para o efeito, como resulta do facto de, então, não ter sido emitida Declaração de Impacte Ambiental (DIA) sobre a pretensão urbanística da A. ora Recorrente. Assim sendo, e uma vez que, nos termos do art. 20.° do citado Decreto-lei n°69/2000, "o acto de licenciamento ou de autorização de projectos sujeitos a procedimento de AIA só pode ser praticado após a notificação da respectiva DIA favorável ou condicionalmente favorável ou após o decurso do prazo necessário para a produção de deferimento tácito”, impendia sobre os serviços do Recorrido o dever, desta feita, no âmbito do procedimento de licenciamento, de solicitar à Autoridade da AIA a emissão da DIA. Neste procedimento de licenciamento, foi então emitida DIA desfavorável – cfr. alínea dd) da matéria de facto, tendo a A., ora Recorrente, inclusive, intentado a respetiva ação de impugnação – cfr. alínea ee) da matéria de facto. Perante o que, como se disse supra, a Câmara Municipal de Sesimbra se encontrava vinculada a indeferir o pedido de licenciamento em apreço, nos termos do artigo 24.°, n.° 1, alínea c), do RJUE - na redação em vigor à data em que foi proferida a deliberação de indeferimento - , ao dispor que «O pedido de licenciamento é indeferido quando (n.º 1): (…) c) Tiver sido objecto de parecer negativo, ou recusa de aprovação ou autorização de qualquer entidade consultada nos termos do presente diploma cuja decisão seja vinculativa para os órgãos municipais. Sendo certo, também, que ficam feridos de nulidade os atos de licenciamento que tenham sido precedidos de declaração de impacte ambiental desfavorável, nos termos do citado art. 20.°, n.° 3 do Decreto-lei n.°69/2000, de 03.05. Em face do que, não pode dizer-se que o indeferimento do pedido de licenciamento apresentado pela Recorrente, viola o disposto no artigo 17.° do RJUE, nem este consubstancia uma revogação, expressa ou tácita, de direitos já constituídos na esfera jurídica da Recorrente, em virtude de, como se viu, a informação prévia favorável não ter sido emitida com conhecimento da AIA e, esta informação prévia apenas vincula as entidades competentes nos exatos termos em que é prestada. Na verdade, uma vez que os invocados deferimentos tácitos são nulos e, como tal, de nenhum efeito, não podem estes ser revogados – cfr. art. 139.º, n.º 1, alínea a), do CPA – na redação em vigor a data em que foi praticada a deliberação impugnada. Não existe, pois, qualquer revogação e muito menos ilegal, perpetrada pela deliberação impugnada, que indeferiu o licenciamento requerido, antes se está perante um novo ato proferido totalmente de acordo com a lei, uma vez que, conforme já se referiu, o licenciamento não poderia ser deferido atento o disposto no art. 68.°, alínea c), do RJUE – na versão anterior às alterações introduzidas pela Lei n.° 60/2007, de 04.05. Resumindo, a superveniência, em sede de procedimento de licenciamento, de uma DIA desfavorável, não contende com o direito ao licenciamento de que a Recorrente foi titular, nesse ínterim - por força da informação prévia favorável, nos precisos termos em que a mesma havia sido emitida, ou de um eventual deferimento tácito do pedido de licenciamento -, mas, enquanto geradora que é da nulidade desses mesmos atos favoráveis, permite a prática de um novo ato em sentido contrário, que foi o que sucedeu. Em face do que, improcedem as 6.º a 11.º alegações de recurso.
iii) Do erro de julgamento em que incorreu o acórdão recorrido ao ter aplicado in casu do princípio do aproveitamento dos atos administrativos, verificada que foi a falta de audiência prévia, o que constituiu verdadeira decisão surpresa, e em virtude de o recurso a este princípio ter como limites intransponíveis a não violação de normas constitucionais e normas imperativas, in casu os arts. 267°/5 e 268°/4 da CRP e os arts. 7°, 8° e 100° e ss. do CPA, não sendo invocáveis meras razões de economia procedimental para salvar ou sanar a posteriori atos ilegais (v. arts. 20°, 203°, 204°, 266 e 268°/4 da CRP) - cfr. texto n°s. 22 a 25 – cfr. conclusão 12.º do recurso.
Sobre esta matéria, o discurso fundamentador do acórdão recorrido foi o seguinte: «(…) Na situação dos autos, verifica-se que a deliberação de indeferimento do pedido de licenciamento não foi precedida da audiência da autora, nos termos do artigo 100.° do CPA. Alega a entidade demandada que proferiu a referida deliberação sem audiência prévia da autora porquanto esta já se havia pronunciado sobre os motivos de indeferimento em sede de audiência prévia da DIA. (…) Ora, na deliberação em causa nos autos nada consta relativamente à dispensa da audiência dos interessados, quando deveria constar. Contudo, e independentemente da questão de saber se o facto de a autora já se ter pronunciado no âmbito do subprocedimento de avaliação de impacte ambiental constituía fundamento para a dispensa da audiência dos interessados no quadro do procedimento de licenciamento, importa ter presente que, atento o carácter vinculativo da declaração de impacte ambiental desfavorável, a decisão da entidade demandada não poderia ter sido outra que não a de indeferimento, pelo que estamos perante um acto vinculado. O princípio do aproveitamento dos actos administrativos postula que não deve ser anulado um acto com fundamento na preterição de uma formalidade legal quando se possa concluir que, independentemente do cumprimento dessa formalidade, o conteúdo do acto seria o mesmo, o que acontece, tipicamente, nos actos estritamente vinculados e nas situações em que a discricionariedade foi reduzida a zero. Assim, ao abrigo do referido princípio, atendendo a que o acto da entidade demandada era estritamente vinculado, uma vez que não podia, sob pena de nulidade, deferir o pedido de licenciamento apresentado pela autora quando tinha sido emitida declaração de impacte ambiental desfavorável, a preterição da formalidade essencial de audiência prévia não determina a anulação da deliberação em causa nos autos.»
E com inteira razão. Vejamos porquê. O princípio da participação encontra-se consagrado no artigo 8.° do CPA, que concretiza o disposto no art. 267.°, n.°1, da Constituição da República Portuguesa. A audiência dos interessados encontrava-se prevista no art. 100.° do CPA – na versão em vigor à data da prática da deliberação impugnada -, no Capítulo IV relativo à marcha do procedimento, Subsecção IV, estabelecendo o seguinte «(…) Concluída a instrução, e salvo o disposto no artigo 103.°, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente sobre o sentido provável desta».(n.º 1). A audiência dos interessados desempenha, pois, funções subjetivas, tais como evitar decisões surpresa e facultar aos interessados uma oportunidade para levarem ao conhecimento da Administração os seus argumentos e respetivos fundamentos; e funções objetivas, na medida em que o conhecimento da posição dos interessados permite à Administração decidir melhor e de forma mais esclarecida, tendo em consideração as diferentes perspetivas que sejam trazidas ao procedimento. No âmbito da aplicação do princípio do aproveitamento dos atos administrativos, é assente que se esteja perante um ato administrativo inválido e potencialmente anulável – in casu, por preterição de formalidade essencial de audiência dos interessados. Assim como se impõe à sua aplicação que se conclua que o ato congrega em si a única solução juridicamente possível, ou que a solução tenha sido atingida por outra via. Só assim é que a formalidade essencial se degrada em formalidade não essencial, permitindo o aproveitamento do ato. A possibilidade de degradar uma formalidade essencial em não essencial é, nestes termos, posterior à qualificação do ato como sendo de conteúdo vinculado ou discricionário. Só depois de tal aferição, é que se poderá considerar a eventual degradação da formalidade preterida em não essencial. Neste sentido, v. entre muitos outros, acórdão STA, P. 01591, de 02.06.2004: «(…) III - Sempre que exista a possibilidade dos interessados, através da audiência prévia, influírem na determinação do sentido da decisão final, não haverá que retirar efeitos invalidantes ao vício da preterição da referida formalidade.» (6) Ora, no caso em apreço, dúvidas não há, face a todo o exposto, que o conteúdo da deliberação impugnada era estritamente vinculado, uma vez que não podia, sob pena de nulidade, deferir o pedido de licenciamento apresentado pela Recorrente, após ter sido emitida no procedimento de licenciamento uma DIA desfavorável, pelo que a preterição da formalidade essencial de audiência prévia dos interessados não determina a sua anulação, ao abrigo do princípio do aproveitamento dos atos administrativos (7), improcedendo a 12.º conclusão do recurso. iv) Do erro de julgamento em que incorreu o acórdão recorrido ao ter aplicado in casu o princípio do aproveitamento de atos administrativos ilegais, verificada que foi a falta de fundamentação da deliberação impugnada, o que constituiu verdadeira decisão surpresa, sendo que o recurso a este princípio tem como limites intransponíveis a não violação de normas constitucionais e normas imperativas, in casu os arts. 267°/5 e 268°/3 da CRP e os arts. 124° e 125° do CPA, não sendo invocáveis meras razões de economia procedimental para salvar ou sanar a posteriori atos ilegais (v. arts. 20°, 203°, 204°, 266 e 268°/4 da CRP) - cfr. texto n°s. 26 a 31 – cfr. 13.º conclusão de recurso. Também aqui, importa ter presente o discurso fundamentador do acórdão recorrido: «(…) Analisada a deliberação de indeferimento do pedido de licenciamento, verifica-se que a mesma remete para parecer técnico com o seguinte teor: "A Declaração de Impacte Ambiental (DIA) desfavorável, fundamentada no parecer final da comissão de avaliação, tendo em conta a incompatibilidade do projecto com os instrumentos de Gestão Territorial em vigor, designadamente o POPNA”. Atento o teor do parecer técnico para que remete a deliberação em causa nos autos, conclui-se que o mesmo não esclarece devidamente as razões de facto e de direito que determinaram o indeferimento do pedido de licenciamento apresentado pela autora, uma vez que, desde logo, não são invocadas quais as normas legais ao abrigo das quais o pedido é indeferido [vg. o artigo 24.°, n.° 1, alínea c) do RJUE]. Contudo, e como já referimos, em sede de análise da preterição da audiência prévia, o acto da entidade demandada era estritamente vinculado, pelo que o incumprimento da formalidade essencial de fundamentação não tem efeitos invalidantes da deliberação de indeferimento.»
O imperativo constitucional vigente no art. 268.°, n.° 3 da Constituição da República Portuguesa, «Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos», encontrava-se concretizado nos artigos 124.° e 125.° do CPA – na redação em vigor à data da prática da deliberação impugnada. A falta de fundamentação de um ato administrativo gera a sua anulabilidade – cfr. art. 135.º e 133.º a contrario, do CPA, idem. Quanto a esta concreta preterição, têm plena aplicação os argumentos supra expendidos na alínea iii) que antecede, pelo que também aqui será de aplicar o princípio do aproveitamento dos atos administrativos, pois é possível a este tribunal constatar que o sentido da deliberação impugnada – indeferimento da pretensão da Recorrente, na sequência de uma DIA desfavorável – era a única solução para o caso concreto, sendo o conteúdo deste ato, vinculado (8), assim se reconhecendo a irrelevância da verificada falta – por insuficiente - fundamentação e assim aproveitar o ato administrativo em causa. Razão pela qual improcede também a 13.º conclusão de recurso.
Face a todo o exposto, improcedendo todas as conclusões de recurso anteriores, imperioso se torna concluir pela improcedência também da última conclusão de recurso alegada pela Recorrente, ao pretender que fosse reconhecido o erro de julgamento, por não ter considerado que a deliberação impugnada violou os princípios constitucionais da segurança das situações jurídicas e da proteção da confiança da Recorrente, bem como os princípios da legalidade, da confiança e do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos e os seus direitos de iniciativa económica e de propriedade privada, o que determina por si só a respetiva nulidade (v. art. 133°/2/d) do CPA; cfr. arts. 2°, 9°, 17°, 18°, 61°, 62°, 205° e 266° da CRP e arts. 3°, 4° e 6°-A do CPA) - cfr. texto n°. 31. (…) – cfr. 14.ª conclusão de recurso, na medida em que, na apreciação levada a cabo por este tribunal de recurso, a deliberação impugnada respeitou o bloco de legalidade ao abrigo do qual foi proferida, o qual inclui todos os princípios constitucionais aqui genericamente invocados pela Recorrente.
III. Decisão Pelo exposto, acordam os juízes da secção do contencioso administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 18.06.2020. Dora Lucas Neto Pedro Nuno Figueiredo Ana Cristina Lameira
----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- (1) Neste sentido v. interessante ac. do Pleno STA, P. 0415/07, de 10.12.2008, disponível em www.dgsi.pt |