Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2233/13.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/15/2021
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:
REVERSÃO.
PROVA DA GERÊNCIA EFECTIVA.
Sumário:
Com vista a aferir da demonstração do exercício da gerência efectiva pela revertida e perante a alegação de versões contraditórias sobre a matéria de facto relevante, deve o tribunal realizar as diligências de prova requeridas pelas partes.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão


I- Relatório

A Fazenda Pública interpõe o presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida a fls. 134 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), que julgou procedente a oposição à execução fiscal n.º ............ intentada por F.............., em que a oponente, aqui requerida, é revertida da devedora originária, a sociedade “A……., Lda.”, sendo a dívida exequenda no valor de €9.986,56.

Nas alegações de fls. 160 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), a recorrente formula as conclusões seguintes:

«I. Na douta sentença nos presentes autos foi julgada procedente a oposição interposta por F.............., NIF ..........., na qualidade de revertida da sociedade S.........., Lda, por dívidas desta já identificadas nos presentes autos, relativas a Retenções na Fonte de IRS e IVA de Julho, Agosto e Setembro do exercício de 2011.

II. Porque apesar de ter sido dado como provado (cfr. II.1- Dos factos provados, 1 e 2, fls. 3 da sentença e fls. 7) que se dirigiu junto do Serviço de Finanças de Loures-3, na qualidade de gerente da sociedade desempenhando funções representativas, em duas ocasiões distintas, em Janeiro de 2010 e em Março de 2011, através de requerimentos através dos quais solicitava o pagamento em prestações das dívidas aqui em causa, não foi considerada prova suficiente para dar como estabelecida a sua qualidade de gerente da sociedade (cfr. fls. 7 da sentença).

III. Não podemos concordar com este entendimento e daí a apresentação do presente recurso.

IV. Porque, salvo o devido respeito não nos parece que se esteja em presença de dois actos que mereçam a qualificação de "desgarrados", porque além dos dois actos aqui em causa, também foi demonstrado pela AT (cfr. informação do serviço de finanças de 2013.11.19, ponto 20 e informação/despacho de envio para tribunal já no âmbito da presente oposição fls. 2, 4) que foram pagas remunerações de categoria A à Oponente no exercícios de 2010 e 2011 e que estas foram objecto de contribuições para a Segurança Social nas percentagens próprias dos gerentes/administradores e não do regime de trabalhadores independentes.

V. E como os pedidos de pagamento em prestações são actos jurídicos formais e de natureza complexa, porque, além de todas as exigências de instrução que exigem (informações financeiras, garantias a prestar, etc., cfr. artigos 199.º e seguintes do CPPT, nomeadamente o artigo 198.º), que implicam diligências internas por parte da sociedade para a sua concretização, também exteriorizam a posição da sociedade representada pela sua gerente, no âmbito e na prática dos seus poderes próprios de representação e, por outro lado, também traduzem duas decisões de gestão financeira da sociedade, uma vez que se exprimem duas determinações distintas de alteração da forma de pagamento de obrigações fiscais da sociedade devedora originária.

VI. Aos quais a AT está obrigada a responder nos termos da lei, não se entendendo a sua completa desvalorização na presente sentença.

VII. Pelo que, salvo melhor opinião, os actos já estabelecidos, tanto de natureza interna como externa, nos parecem reunir os requisitos probatórios exigidos pelo artigo 24.º da LGT à administração fiscal para demonstração do exercício efectivo da gerência da sociedade devedora originária, pelo que, com todo o respeito, nos parece verificado um erro na aplicação do direito por parte do Tribunal a quo, cuja correcção vimos agora pedir.


X

A Recorrida, notificada para o efeito, apresentou as suas contra-alegações, a fls. 168 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), tendo formulado as seguintes conclusões:

«1. De acordo com a fundamentação que se extrai da decisão proferida pelo Tribunal a quo, a procedência da Oposição à execução fiscal ancora no facto de “Não existem quaisquer outros factos índice que evidenciem o exercício, de facto, da administração da sociedade originária devedora pela Oponente, no ano de 2011, a que se reporta a dívida exequenda. (…) nestes termos, não tendo a AT feito prova do exercício efetivo da gerência por parte da oponente, sendo seu o ónus, afigura-se-me que a responsabilidade que é assacada à Oponente, enquanto responsável subsidiária, é ilegal, porque desconforme ao disposto no art.24.º da LGT.”,

2.         Concluindo, assim, pela extinção da execução n.º ............, instaurada à Oponente.

3. Pelo que, bem andou o Tribunal a quo ao julgar procedente a Oposição à execução.

4. As Alegações da Fazenda Pública baseiam-se no facto de a decisão, no seu entender, incorrer em erro na aplicação do direito, por estarem verificados os requisitos probatórios exigidos no artigo 24.º da LGT, uma vez que alega que os documentos juntos, nomeadamente dois requerimentos de pedido de pagamento em prestações assinados pela Recorrida, e o facto de auferir, à data, remuneração como trabalhadora dependente da devedora originária e pagar as respetivas contribuições à segurança social, bastam para demonstrar o exercício da gerência de facto pela recorrida.

5. Assim, para que a A.T. possa acionar o processo de reversão da execução fiscal contra a pessoa do responsável subsidiário, é necessário que em concreto se verifiquem os seguintes requisitos: a) que de um modo fundado se prove que os bens do devedor originário são insuficientes para satisfazer o crédito do Estado Fisco;

6. b) fixação da quantia por que deve responder o obrigado subsidiário;

7. c) que relativamente aos membros dos órgãos sociais das pessoas coletivas, dado que a sua responsabilidade, nos termos do art. 24º da LGT, se subdivide em duas situações de comportamento funcional, é necessário que na hipótese prevista na alínea a) do citado normativo, se apure a culpa do gerente na diminuição do património societário, para satisfação das dívidas tributárias. Já na hipótese consagrada na alínea b), exige-se que a falta de pagamento dos impostos, se deva a culpa imputável ao gerente;

8. d) exige-se, ainda, a prévia audição do responsável subsidiário;

9. e) e a declaração fundamentada dos pressupostos e extensão da responsabilidade tributária subsidiária.

10. Não se verificando no caso concreto os pressupostos que acabamos de assinalar, não poderia o Tribunal a quo decidir de outro modo, por se verificar a ilegitimidade da ora recorrida.

11. De facto, nunca a oponente praticou qualquer ato próprio do cargo e funções de gerente na sociedade executada.

12. Efetivamente, no período a que se reportam os impostos em reversão (2011), a recorrida nunca exerceu funções de gerência junto da devedora originária.

13. A gerência sempre foi exercida pelo co-gerente designado para o efeito (G..........), cuja assinatura era suficiente para obrigar a sociedade em todos os atos e contratos.

14. Por força desta realidade, a recorrida nunca praticou qualquer ato próprio de gerência na sociedade executada, i. é, nunca a ora Alegante foi abordada para se pronunciar, nem se pronunciou, sobre os negócios a celebrar, empréstimos a contrair, politica de vendas a prosseguir ou clientes a quem contactar, não contraiu obrigações em nome da  “A..........”,

15. assim como jamais celebrou qualquer contrato em representação e no interesse da executada, nem vendeu os seus produtos, ou celebrou qualquer prestação de serviços.

16. Nunca a oponente prestou qualquer serviço para a executada, no exercício de funções de gerência.

17. Não assinou, recebeu ou expediu correspondência em nome desta e, para esta, nem se arrogou gerente da executada, nem alguma vez fez menção dessa qualidade, não se intitulou gerente junto de credores, devedores, instituições bancárias, clientes, fornecedores ou trabalhadores da executada, nem por aqueles era vista como tal.

18. Também, nunca tomou decisão sobre os destinos da executada, a obrigou ou fez incorrer em responsabilidade contratual ou extracontratual.

19. Por outras palavras, a Alegante nunca exerceu as funções de gerente, nem interferiu no processo decisório, designadamente no que concerne aos débitos fiscais ou comuns a liquidar.

20. Como se referiu, na “A..........”, as funções de gerência sempre foram exercidas por G...........

21. Tanto assim, que nos termos do contrato de sociedade (no período de tributação de 2011) a “A..........” obrigava-se com a assinatura de gerente G.........., que era suficiente em todos os atos e contratos.

22. Ao longo do período de tempo em que a executada originária exerceu a sua atividade, os vínculos obrigacionais, sempre foram subscritos por G.........., e, para tanto, nunca a Alegante foi chamada a pronunciar-se, nem após a sua assinatura em qualquer contrato.

23. Do mesmo modo, também ao nível dos fundos gerados, nenhuma competência decisória incumbia á oponente.

24. Neste enfoque, e, em face dos factos narrados, não poderá deixar de concluir que bem andou o Tribunal a quo, ao julgar procedente a oposição, por considerar que a recorrida é parte ilegítima, uma vez nenhuma competência impendia sobre o sócio Flávia Ferreira, aqui Oponente, quer ao nível da gestão, tomada de decisões ou controlo financeiro.

25. Assim sendo, não é pelo facto de a recorrida ter subscrito requerimentos para pagamentos em prestações da quantia exequenda, nem pelo facto de existirem remunerações da Categoria A e contribuições à Segurança Social, que está demonstrada a gerência de facto.

26. Para sustentar o que se vem de dizer, atente-se ao teor do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 12/06/2014, processo n.º 01944/10.7BEBRG, no qual é expressamente referido, relativamente ao facto de ser ou não suficiente para demonstrara a gerência de facto a existência de que pagamento da remuneração e de contribuições à Segurança Social.

27. In casu, na sentença recorrida o Tribunal a quo apreciou a questão da presunção judicial, e entendeu que Administração Fiscal não alegou nem provou factos que indiciem o exercício da gerência de facto.

28. Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efetivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.

29. Este efetivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc.

30. Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de a revertida ter sido designada gerente, na falta de presunção legal.

31. Analisando os argumentos esgrimidos pela AT que tem por base os documentos que carreou para os autos, e que como se lê nas suas alegações de recurso, entende que por via daqueles ficou demonstrado o exercício de facto da gerência, por se tratar de requerimentos assinados pela Recorrida e por esta ter auferido remunerações de Categoria A como trabalhadora da devedora originária e esta pagou as respetivas contribuições à Segurança Social.

32. Ora, ao invés do que alega, tais documentos, a remuneração e contribuição para a Segurança Social, não demonstram o exercício do cargo de gerente de facto.

33. O gerente goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade.

34. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o ato em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente.

35. Pelo contrário, se o ato respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos.

36. Nesta sequência, considerando a realidade vertida no probatório e tendo presente o regime de responsabilidade aplicável atrás definido, pode dizer-se que os elementos presentes nos autos não permitem a conclusão de que a Oponente foi gerente de facto da sociedade.

37. A circunstância de a Oponente ter figurado como beneficiária da segurança social e constar nas suas próprias declarações de rendimento como tendo recebido rendimentos de trabalho dependente (da categoria A), pode ser, em abstrato, indiciador da sua nomeação como gerente, mas não se pode concluir de imediato o exercício de facto da gerência.

38. Porém, essa indiciação, no caso concreto, ficou prejudicada pela conclusão de que a oponente não praticou atos de gerência, porque a Oponente não assinou cheques, letras, contratos, escrituras ou quaisquer outros documentos, em nome da sociedade devedora, não fez quaisquer compras ou vendas, não admitiu nem despediu trabalhadores, não recebeu dinheiro de clientes nem pagou a fornecedores, não tomou decisões sobre pagamento ou não pagamento de impostos, não alienou património social.

39. Apenas requereu o pagamento faseado da quantia exequenda, uma vez que em virtude da qualidade de gerente de direito, pode a Recorrida assinar os requerimentos em causa, não estando a exercer um ato de administração da sociedade, apenas e somente a atuar como sua representante, o que inclusive se verificou apenas e somente nestes dois atos isolados, que não mereceram repetição.

40. Por tudo quanto se disse, a decisão em Recurso não merece qualquer reparo, devendo manter-se na Ordem Jurídica.

X

A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer a fls. 205 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), no sentido da improcedência do recurso.

X

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

X

II- Fundamentação.

2.1.De Facto.

A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:

«1. Em 07/01/2010, a ora oponente, na qualidade de gerente da originária devedora, “A.......... –…………, Lda.”, entrega no Serviço de Finanças de Loures-3, requerimento solicitando pagamento em prestações – cfr. fls. 36 do processo de execução fiscal em apenso aos autos;

2. Em 10/03/2011, a ora oponente, na qualidade de gerente da originária devedora, “A.......... –………., Lda.”, assina requerimento “Pedido de Pagamento em Prestações” dirigido e recebido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Loures -3 – cfr. fls. 34 e 35 do processo de execução fiscal em apenso aos autos;

3. Em 12/10/2011, foi instaurado o processo de execução fiscal com nº ............, à sociedade “A.......... –……., Lda.” NIPC: .......... – cfr. fls. 1 e ss. do processo de execução fiscal em apenso aos autos;

4. Em 21/10/2013, no âmbito do processo de execução fiscal nº ............ e apensos, é proferido despachos de reversão, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Loures-3, que resumidamente enuncia:

“(…) Fundamentos da reversão: ” Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24º/nº1/b LGT].” – cfr. fls. 25 do processo de execução fiscal em apenso aos autos;

5.  A dívida exequenda constante do processo de execução fiscal nº ............ e apensos, reporta-se a:


    PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL
    IMPOSTO
PERÍODO
    VALOR (€)
      ............
    IRS (R.F.)
2011/08
    526,25
        (Apensos)
IVA
2011/08
    4.064,52
IVA
2011/07
    4.835,54
    IRS (R.F.)
2011/09
    560,25
    TOTAL Divida Exequenda
    9.986,56

– cfr. fls. 25 verso do processo de execução fiscal em apenso aos autos;

6. Em 29/10/2013, F.............., é citada no âmbito do processo de execução fiscal com nº ............ e apensos, para proceder ao pagamento da dívida exequenda – cfr. fls. 26 a 28 do processo de execução fiscal em apenso aos autos;

7. Em 26/02/2015, é entregue no Serviço de Finanças de Lisboa-5, p.i. que consubstancia a presente oposição – cfr. fls. 106 dos autos.

II. 2- DOS FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provou que a Oponente tenha recebido rendimentos da categoria A de IRS, por parte da originária devedora.

Inexistem, outros, factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados.

II. 3 – MOTIVAÇÃO

A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos não impugnados, juntos aos autos e, expressamente, referidos no probatório supra.»


X


Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:

8. A oponente recebeu da sociedade devedora originária as remunerações seguintes: // 2009 - €2.948,10; 2010 - €6.386,54; 2011 - €10.436,54; 2012 - €5.798,09 – Req. 07.01.2021.

Em face do aditamento oficioso à matéria de facto, impõe-se determinar a eliminação da matéria de facto não provada.


X


2.2. De Direito

2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento em que terá incorrido a sentença recorrida, ao considerar não demonstrado o pressuposto do exercício da gerência por parte da recorrida.

2.2.2. A sentença julgou procedente a oposição, considerando que «dos autos apenas decorre a junção de dois documentos assinados pela oponente, na qualidade de gerente, nos quais são efetuados pedidos de pagamento de impostos em prestações (pontos 1 e 2 do probatório). // Não existem quaisquer outros factos índice que evidenciem o exercício, de facto, da administração da sociedade originária devedora pela Oponente, no ano de 2011, a que se reporta a dívida exequenda. // Pergunta-se, face a estes dois atos desgarrados de outros elementos de prova, podemos concluir, sem dúvidas, que a A.T. carreou factos suficientes que permitem concluir que a Oponente exerceu, em 2011, a gerência da originária executada, influenciando os seus destinos? // Afigura-se-me que não».

2.2.3. A recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância. Invoca a assinatura de dois requerimentos de pagamento em prestações das dívidas exequendas, bem como a percepção de remuneração, paga pela sociedade devedora originária, por parte da oponente, como gerente da sociedade.

Apreciação. Nos presentes autos, está em causa a reversão da execução contra a oponente por dívidas de IRS e IVA de 2011 (n.º 5 do probatório).

Seja no quadro do regime do artigo 13.º do CPT, seja no âmbito do regime do artigo 24.º da LGT, constitui pressuposto da efectivação da responsabilidade subsidiária o exercício da gerência efectiva por parte do revertido/oponente.

A demonstração do exercício efectivo da gerência extrai-se de um conjunto de elementos que comprovem a prática de actos de vinculação da sociedade por parte do revertido. «[O exercício efectivo das funções de administração ou gestão pode ser comprovado] com base em indícios como a contratação de pessoal, a assinatura de cheques e documentação fiscalmente relevante»[1].  O cumprimento do ónus da prova da exequente de que a revertida exerceu a gerência efectiva no período relevante impõe a comprovação de um conjunto de elementos que permitam afiançar que a mesma praticou actos de vinculação externa da sociedade devedora originária, que o fez de forma permanente e com o exercício de poderes decisórios.

Na petição inicial, a recorrida alegou que «a AF limitou-se a verificar documentalmente a qualidade de gerente nominal do obrigado subsidiário; e constatada a qualidade de gerente de direito, limitou-se a reverter a execução, sem alegar e provar um único facto que pudesse demonstrar o exercício efectivo e de facto da gerência da “S.........” por parte do oponente; Este comportamento omisso radica presumivelmente na putativa presunção de que a gerência de direito faz presumir a gerência de facto; o que terá dispensado a AF de alegar e provar factos demonstrativos de que para além da gerência de direito, a oponente praticou actos próprios nessa qualidade; implicando assim que a AF não demonstrasse o efectivo exercício da gerência; de facto, nunca a oponente praticou qualquer acto próprio do cargo e funções de gerente da sociedade executada: efectivamente, no período a que se reportam os impostos em reversão (2011), a oponente nunca exerceu funções de gerência junto da devedora originária; efectivamente, a gerência sempre foi exercida pelo co-gerente designado para o efeito (G..........), cuja assinatura era suficiente para obrigar a sociedade em todos os actos e contratos». A oponente requereu a realização de prova testemunhal, o que foi rejeitado pelo tribunal recorrido, por meio de despacho de 24/01/2017.

No caso, os elementos aduzidos pela recorrente não permitem, só por si, dar como assente o referido exercício das funções em causa. A recorrida, seja nos autos de oposição, seja em sede de audição prévia à reversão, alega não ter exercido de facto poderes de gerência da sociedade devedora originária, invocando, inclusive, que na “S.........”, as funções de gerência sempre foram exercidas por G........... // Tanto assim, que nos termos do contrato de sociedade (no período de tributação de 2011) a “S.........” obrigava-se com a assinatura de gerente G.........., que era suficiente em todos os atos e contratos». Matéria que não foi esclarecida por parte do tribunal recorrido, pese embora o oferecimento da prova testemunhal.

«Cabe ao tribunal apurar a matéria de facto relevante com vista a integrar as várias soluções plausíveis da questão de direito suscitada. Para além das diligências requeridas, o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados».[2]

Nos termos do disposto no artigo 662.º/2/c), do CPC, a Relação deve ainda, mesmo oficiosamente, «[a]nular a decisão proferida em 1.ª instância quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos discriminados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta».

A recorrente apresenta versão diferente dos factos da que é alegada pela recorrida, no que respeita ao exercício efectivo da gerência da sociedade devedora originária. O que exige o apuramento da factualidade relevante com vista a emitir um juízo probatório fundamentado sobre a questão em exame. A base probatória da sentença deve, pois, ser alargada e precisada, com vista a aferir do bem fundado da pretensão extintiva em apreço, através da prova testemunhal requerida, conciliada com os demais elementos constantes dos autos.

Ao não proceder à referida inquirição, a sentença incorreu em défice instrutório, determinante de anulação do processado, ao abrigo do disposto no artigo 662.º/2/c), do CPC, devendo, por isso, os autos ser devolvidos ao tribunal a quo, para que proceda à diligência requerida e à prolacção de nova decisão.

Em face do exposto fica prejudicado o conhecimento do objecto do recurso.


DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em determinar a anulação da sentença, ao abrigo do disposto no artigo 662.º/2/c), do CPC, devendo, por isso, os autos ser devolvidos ao tribunal a quo, para que proceda à diligência requerida e à prolacção de nova sentença.

Custas pela recorrida.

Registe.

Notifique.

O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Lurdes Toscano e Maria Cardoso.


(Jorge Cortês - Relator)

______________________


[1]  Paulo Marques, Responsabilidade tributária dos gestores e dos técnicos oficiais de contas, Coimbra Editora, 2011, p. 179.
[2] Acórdão do TCAS, de 09.70.2020, 9281/16.7BCLSB.