Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:15/20.2BEFUN
Secção:CA
Data do Acordão:10/15/2020
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:ART.º 57.º DO CÓDIGO DE CONTRATOS PÚBLICOS;
ASSINATURA DA PROPOSTA;
REPRESENTANTE DO CONCORRENTE;
PROCURADOR;
EXPLICITAÇÃO DOS PODERES NA PROCURAÇÃO;
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ.
Sumário:I – A proposta e os documentos que a instruem têm se ser assinados pelo concorrente ou pelos seus representantes com poderes para o obrigar;
II - Os poderes do representante do concorrente para proceder à assinatura digital da proposta - através da qual se obriga o concorrente à proposta apresentada – têm de estar atestados, seja porque aquele representante, pelas funções ou cargo que desempenha, representa já a sociedade nesses actos (v.g. tal como ocorre relativamente aos gerentes e administradores), seja porque tais poderes lhe foram expressamente concedidos (por procuração ou mandato);
III - No âmbito dos procedimentos de contratação pública os poderes para a assinatura digital das propostas, que são enviadas electronicamente, exigem-se referidos em termos expressos e explícitos no respectivo mandato;
IV- Para que se considere a existência de uma situação de litigância de má-fé por uso manifestamente reprovável do processo é necessário que nele seja deduzida uma pretensão cuja falta de fundamento a parte não deva ignorar. É exigido que a pessoa do A. (ou do R.) ou do Recorrente (ou Recorrido) aja com dolo, que tenha conhecimento da falta de fundamento da acção e mesmo assim a interponha e em juízo se verifique aquele conhecimento. Exclui o legislador do círculo de protecção da litigância de má fé todas as situações em que o conhecimento da falta de fundamento da acção se deva imputar ao Mandatário da parte ou às situações que conduzam à lide temerária ou ousada.
Votação:MAIORIA
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul


I - RELATÓRIO

W.........., Lda, (W....) intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Funchal acção de contencioso pré-contratual contra a Vice-Presidência do Governo Regional da Região Autónoma da Madeira, indicando como contra-interessadas D.........., Lda (D..........) e P.........., S.A (P..........).
A A. peticionava, a título principal para que: “i) O procedimento ser anulado com fundamento no vício supra invocado constante no Caderno de Encargos quanto à exigência de a base de dados a ser fornecida pelo adjudicatário estar certificada por uma norma inexistente; Subsidiariamente, ii) O procedimento ser anulado pelo vício constante no Modelo do Avaliação, tornando este ilegal; ou b - a título subsidiário, i) A proposta da Contra interessada D.......... deve ser excluída com base nos fundamentos supra invocados; ou ii)- A proposta da Autora não deve ser excluída do procedimento com base no fundamento supra mencionado”.
Por Acórdão do TAF do Funchal a acção foi julgada procedente e anulou-se a decisão de adjudicação da proposta apresentada pela D.........., contida no despacho do Vice-Presidente do Governo Regional da Região Autónoma da Madeira, datado de 05/12/2019 e proferido no âmbito do concurso público para a “Aquisição de serviços de acesso a base de dados e conteúdos jurídicos para vários organismos do Governo Regional”.

A D.......... interpôs recurso desta decisão do TAF do Funchal. Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões:” 1 - A decisão vigente não resiste, nem por um segundo, ao confronto com uma inversão das posições relativas das partes, no caso, de a recorrente lhe ver adjudicada a proposta realizada pelo procurador com os poderes constantes da procuração aqui apreciada, e, após, vir usar a interpretação sufragada na decisão recorrida para se furtar à sua vinculação, isto é, alegando a insuficiência de poderes do procurador para a vincular, o que a acontecer em juízo, a colocaria em meritória candidata à condenação como litigante de má-fé. O raciocínio exposto evidencia a inadequação da decisão vigente.
1.1 - Mostra-se violado o n.° 4, do art. 57.°, do Código dos Contratos Públicos, o qual não impõe e nem sequer permite a total falta de senso comum, quiçá mesmo a acefalia como forma de interpretação e a redundância como forma de expressão escrita, frontalmente contra o que dispõe o n.° 3, do art. 9.°, do Código Civil, que resultaria da manutenção da interpretação por ora vigente, sendo a correcta, ditada pelas regras da hermenêutica e das normas de bom senso, sobretudo quando, como é o caso, o resultado que a norma pretende evitar há muito se encontra esconjurado, a de que a procuração vincula eficaz e plenamente a recorrente, em todas as fases da negociação do contrato final, subscritas pelo procurador.
2. - Não é, salvo o devido respeito e melhor opinião, aceitável a cisão, que reputamos de absolutamente artificial, anómala, face à dinâmica do contrato, e, naturalmente, ao que da procuração emitida pela recorrente se alcança, atrevemo-nos a dizer com clareza, feita entre os poderes ali concedidos para a fase "de negociação pré-adjudicatória do procedimento e (...) preparatória da própria proposta em si mesma" e os poderes para vincular legalmente a sociedade mandante num procedimento pré-contratual", quando expressamente se lhe segue, no mesmíssimo documento, logo abaixo, aliás, com alguma assumida dose de redundância, a conferência de poderes ao mandatário para outorgar os contratos emergentes da tais negociações, "sejam a celebrar por instrumento público ou não e quer se tratem entidades públicas, quer privadas, independentemente do valor do contrato e do seu tempo de duração;".
3 - Bem ao invés, o que decorre da procuração mencionada na anterior conclusão, é, precisamente como dizíamos na contestação oportunamente apresentada, ter o gerente da recorrente concedido ao mandatário, em conjunto, num todo coerente em que as diversas fases se integram e se complementam, poderes para negociar e enviar propostas contratuais, o que naturalmente inclui, além de os de enviar expressos, os de receber e responder às propostas que resultem dessas negociações e para outorgar o contrato que materialize o resultado das mesmas, devendo, pois e por isso, tais poderes serem interpretados conjuntamente, e, sobretudo, logica e sequencialmente, de acordo com os poderes precedentes e subsequentes, em ordem ao fim visado que é, afigura-se-nos indiscutível, a concretização do contrato a celebrar entre a mandante e a entidade que recebe os serviços por aquela prestados, nas condições acertadas.
3.1 - Mostram-se violadas as regras da hermenêutica negocial que decorrem dos art./s 236.° a 238.° do C.Civil, as quais impunham a interpretação da procuração como sustentado no corpo desta conclusão, decorrendo de tal interpretação, de acordo com o princípio da eficácia da declaração negocial, emergente do disposto no art. 224.°, do C.Civil, em conjugação com os "efeitos da representação", consignados no art. 258.°, do mesmo diploma legal, ser a procuração emitida pela recorrente plenamente válida e eficaz, não só para praticar todos os actos aqui postos em causa, como para neles obrigar plena e inquestionavelmente a mandante, produzindo, pois e por isso, todos os efeitos a que se destinava.
4 - A decisão vigente assenta em argumentos de mera forma, pretendendo fazer da forma, nos dias de hoje, um fim em si, repudiando a ordem jurídica no seu todo, mormente as pertinentes regras da hermenêutica da declaração negociai, onde indiscutivelmente se integra o mandato.
4.1 - A interpretação do n.° 4 do art. 57.°, com as consequências prescritas nas al./s d) e), do n.° 2, do art. 146.° do Código dos Contratos Públicos, levada a cabo na decisão vigente, é inconstitucional, por trair o princípio da confiança dos cidadãos no funcionamento das instituições e das regras estabelecidas na ordem jurídica, transformando o processo, obrigatoriamente equitativo, em iníquo, violando, por isso, os artigos 1.°, 2.°, 20.°, n.° 4, 202.°, n.° 1, 204.° - que impede o tribunal de sancionar tal interpretação - da Constituição da República Portuguesa e n.° 1, do art. 6.°, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ex vi do art. 8.° daquele diploma fundamental”.

A Recorrido W.... nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “A) Na posição de um declaratário normal, não era possível apreender do texto da procuração que foram conferidos poderes para assinar propostas de contratos e vincular a sociedade mandante;
B) Mesmo através de uma interpretação extensiva através das regras previstas no Código Civil não é possível depreender que o mandatário detinha poderes para vincular a sociedade mandante.
C) Caso fosse essa a vontade da Recorrente constaria essa mesma menção expressa na procuração.
D) A procuração outorgada pela Recorrente não confere poderes ao Sr. L.... para vincular a sociedade, nomeadamente, assinar propostas em procedimentos de contratação pública;
E) Pelo que a proposta da Recorrente viola o disposto no n.°4 do artigo 57.° do CCP, o que deve acarretar a exclusão da mesma nos termos do disposto na alínea e) do n.° 2 do artigo 146.° do CCP;
F) Não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade na conjugação do n.4 do artigo 57.° com a cominação prevista nas alíneas d) e e) do n.2 do artigo 146." do CCP, mas sim a proteção da ordem jurídica e comprometimento dos concorrentes com o conteúdo das suas propostas.
G) Não existe qualquer violação do princípio da confiança na decisão tomada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, mas sim uma decisão tomada com base na legislação concretamente aplicável que a Recorrente conhece ou não pode desconhecer.
H) A Recorrida não atua de Má-Fé nos presentes autos, mas apenas recorreu aos tribunais para fazer valer os seus legítimos direitos e interesses”

O DMMP não apresentou pronúncia.
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO
Na 1.ª instância foram fixados os seguintes factos, que se mantêm:

A) Em 17/09/2019, por despacho do Vice-Presidente do Governo Regional da Região Autónoma da Madeira, aposto sobre a Informação n.° INF/1209/2019, de 11/09/2019, da Direção Regional do Património e Informática identificado com o Assunto: “Processo n.° 37/CPI2019 — Aquisição de serviços de acesso a base de dados e conteúdos jurídicos para vários organismos do Governo Regional. ” / Decisão de contratar, autorização e aprovação do procedimento, da despesa, das peças, dos compromissos plurianuais inerentes ao díesenvolvimento do procedimento. ”, foi aprovado e autorizado a abertura do procedimento de contFatação pública supra identificado — cfr. doc. a fls. 62 do processo administrativo instrutor junto aos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
B) Em 25/09/2019, o respetivo anúncio foi publicado no Diário da República, II Série, Parte L — Contratos Públicos, N.° 184, identificado como Anúncio de procedimento n.° 10136/2019, tendo como entidade adjudicante, a Vice- Presidência do Governo Regional da Região Autónoma da Madeira e como designação do contrato, “Processo n.° 37/CPI2019 — Aquisição de serviços de acesso a base de dados e conteúdos jurídicos para vários organismos do Governo Regional” — cfr. doc. a fls. 71 do processo administrativo instrutor junto aos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
C) Em 01/10/2019 foi publicado no Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira, foi publicado o Anúncio n.° 28/2019 relativamente ao anúncio de procedimento mencionado em B), com o sumário “Aquisição de serviços de acesso a base de dados e conteúdos jurídicos para vários organismos do Governo Regional. Publicado em Diário da República, II Série, n.° 184, de 25 de setembro” — cfr. doc. a fls. 84 a 86 do processo administrativo instrutor junto aos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
D) O concurso público mencionado nas alíneas B) e C) tem como programa de concurso o documento designado de “AQUISIÇAO DE SERVIÇOS DE ACESSO A BASES DE DADOS E CONTEÚDOS JURÍDICOS PARA VÁRIOS ORGANISMOS DO GOVERNO REGIONAL | PROCESSO N.° 37/CP/2019 | PROGRAMA DE CONCURSO” — cfr fls. 26 a 58 do processo administrativo instrutor junto aos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no qual se estabelece, entre o mais, o seguinte:









E) O Anexo IV / Modelo de Avaliação a que se reporta ao n.º 1 do artigo 13.º do Programa de Concurso prevê, entre o mais, o seguinte:





cfr. doc. a fls. 26 a 40 do processo administrativo instrutor junto aos autos e cujo teor
se dá por integralmente reproduzido;
F) O concurso público mencionado em B) e C) tem como Caderno de Encargos o documento com a designação “AQUISIÇÃO DE SERVIÇOS DE ACESSO A BASES DE DADOS E CONTEÚDOS JURÍDICOS PARA VÁRIOS ORGANISMOS DO GOVERNO REGIONAL / PROCESSO N.º 37/CP/2019 /CADERNO DE ENCARGOS”, no qual consta, designadamente, o seguinte:





cfr. doc. a fls. 15 a 25 do processo administrativo instrutor junto aos autos e cujo teor
se dá por integralmente reproduzido;
G) Em 30/09/2019 o júri do procedimento respondeu aos pedidos de esclarecimentos apresentados pelos interessados, em termos que se dão por integralmente reproduzidos e no qual ficou consignado o seguinte:





cfr. doc. a fls. 80 a 82 do processo administrativo instrutor junto aos autos;
H) Foram recebidas propostas da Autora, W.........., Lda., bem como das contrainteressadas, P.........., S.A. e da D………., Lda., identificadas com os seguintes descritores:
«imagem no original»

cfr. doc. a fls. 212, verso do processo administrativo instrutor junto aos autos;
I) A Autora fez acompanhar a sua proposta, com o documento intitulado “Anexo I / (Em conformidade com a alínea) do n.º 1 do artigo 57.º do CCP), no qual consta o seguinte e se dá por integralmente reproduzido:



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cfr. doc. a fls. 102 e103 do processo administrativo instrutor junto aos autos;
J) A Autora fez acompanhar a sua proposta, com o documento intitulado “Declaração / (Nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 8.º do Programa do Procedimento)”, no qual consta o seguinte e cujo teor se dá por integralmente reproduzido:

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cfr. doc. a fls. 108 do processo administrativo instrutor junto aos autos;
K) Em 21/10/2019, o júri do procedimento formulou pedido de esclarecimentos às propostas apresentadas por todos os concorrentes, tendo solicitado, em concreto, à Contrainteressada, os seguintes esclarecimentos:



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cfr. doc. a fls. 164 a 166 do processo administrativo instrutor junto aos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
L) Em resposta ao disposto na alínea anterior, a contrainteressada, D……….., Lda. prestou os seguintes esclarecimentos relativamente à sua proposta, constando, designadamente, o seguinte:




cfr. doc. a fls. 145 a 150 do processo administrativo instrutor junto aos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
M) Em resposta ao disposto na alínea K), a Autora prestou os seguintes esclarecimentos relativamente à sua proposta, constando, designadamente, o seguinte:



(. )cfr. doc. a fls. 151 a 152 do processo administrativo instrutor junto aos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
N) Em resposta ao disposto na alínea K), a contrainteressada, P.........., S.A. prestou os seguintes esclarecimentos relativamente à sua proposta, constando, designadamente, o seguinte:




cfr. doc. a fls. 153 a 155 do processo administrativo instrutor junto aos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
O) Os documentos que constituem a proposta da Contrainteressada, D………., Lda. foram subscritos e assinados manualmente e digitalmente por L............. e acompanhados de procuração outorgada por M............. e, por sua vez, dessa última constando o seguinte:


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cfr. doc. a fls. 131 do processo administrativo instrutor junto aos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
P) M............. é o único gerente da sociedade por quotas com a firma “D............., EDA”, a qual se obriga pela intervenção do referido gerente - cfr. doc. a fls. 119 e 131 do processo administrativo instrutor junto aos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
Q) No tocante ao subfator A3 (30%) — Anotação da informação, do fator A - Qualidade técnica da proposta (Qtp), os concorrentes apresentaram os seguintes atributos nos respetivos Anexos III Modelo de Proposta, a que se refere o n.° 2 do artigo 8.° do Programa de Concurso:

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cfr. docs. a fls. 105, 113 e 136 a 138, respetivamente, do Anexo III / Modelo de proposta de cada um dos concorrentes, respetivamente, do processo administrativo instrutor junto aos autos e cujos teores se dão por integralmente reproduzidos;
R) Em 28/10/2019 o júri do procedimento elaborou o seu projeto de decisão no âmbito do “RELATÓRIO PRELIMINAR” no qual consignou, entre o mais, o seguinte:
(...)



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(…) cfr. doc. a fls. 167 a 171 do processo administrativo instrutor junto aos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
S) Em 05/11/2019, a Auto ra apresenaou, no exercício do seu direito de audiência prévia nos termos do explanado na alínea anterior, a sua exposição acerca do teor do relatório preliminar e da qual se extrai o seguinte:
(...)
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(...) cfr. doc. a fls. 173 a 187 do processo administrativo instrutor junto aos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
T) Em 26/11/2019, o júri do procedimento elaborou o “RELATÓRIO FINAL" no qual foi deliberada a adjudicação da proposta da Contrainteressada, D……., Lda. e no qual ficou consignado, entre o mais, o seguinte:
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cfr. doc. a fls. 188 a 194 do processo administrativo instrutor junto aos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
U) Em 05/12/2019, sobre a Informação n.° “INF/1642/2019”, de 27/11/2018, da Direção Regional do Património e Informática, a qual submeteu à aprovação superior o Relatório Final mencionado na alínea anterior, foi aposto pelo Vice- Presidente do Governo Regional da Região Autónoma da Madeira, o seguinte despacho: “Aprovo e Autorizo” — cfr. doc. a fls. 205 a 207 do processo administrativo instrutor junto aos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
V) Em 17/12/2019 a Contrainteressada, D………….., Lda. apresentou os documentos de habilitação (cfr. cópia de cartão de cidadão do procurador bastante/ representante legal da Contrainteressada, cópia de cartão de cidadão do único gerente da Contrainteressada, Procuração outorgada por M............., único gerente da Contrainteressada a favor de L............., Termo de autenticação da referida Procuração, Certidão Permanente relativa à Contrainteressada, Documento com a identificação completa e identificação da residência da pessoa que vai assinar o contrato e qualidade em que intervém [nos termos do ponto viii, do n.° 1, do artigo 14.°, do Programa de Concurso], IES — Informação Empresarial Simplificada DECLARAÇÃO ANUAL do ano de 2018 relativa à Contrainteressada, Declaração de honra passada por L............. de que a sua representada não submete para fins fiscais, o Anexo Q, da informação empresarial simplificada (IES), Declaração IRC Modelo 22 do amo de 2019 relativa à Contrainteressada, ANEXO II-M / Modelo de Declaração [a que se refere a alínea a) do n.° 1 do artigo 81.° do Código dos Contratos Públicos e o n.° 1 do artigo 7.° do Decreto Legislativo Regional n.° 34/2008/M, de 14 de agosto], Certificados de Registo Criminal emitidos em nome de M............., L............ e da Contrainteressada, Declaração emitida em nome da Contrainteressada relativa à sua situação contributiva regularizada perante a Segurança Social e a Certidão da situação tributária regularizada emitida pelo Serviço de Finanças Coimbra-2 em nome da Contrainteressada - cfr. docs. a fls. 209 e 213 a 254 do processo administrativo instrutor junto aos autos e cujos teores se dão por integralmente reproduzidos;
W) No dia 30/12/2019, a Direção Regional do Património e Informática através da Vice-Presidência do Governo Regional da Região Autónoma da Madeira, representada pela Diretora Regional do Património e Informática e a Contrainteressada, D…………., Lda., representada por L............ celebraram o contrato designado como “CONTRATO DE AQUISIÇÃO DE SERVIÇOS DE ACESSO A BASE DE DAOS E CONTEÚDOS JURÍDICOS PARA VÁRIOS ORGANISMOS DO GOVERNO REGIONAL” — cfr. doc. a fls. 255 a 259 do processo administrativo instrutor junto aos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
X) Em 07/01/2020 a Autora apresentou um requerimento dirigido ao Vice- Presidente do Governo Regional da Região Autónoma da Madeira intitulado “Concurso Público N.° 37/CPI2019 para a “Aquisição de serviços de acesso a bases de dados e conteúdos jurídicos para vários organismos do governo regional” — Impugnação dos Documentos de Habilitação do Adjudicatário D..........” , no qual consta, nomeadamente, o seguinte:
(...)
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cfr. doc. a fls. 262 a 263 do processo administrativo instrutor junto aos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
Y) Em 09/01/2020, a Direção Regional do Património e Informática da Vice- Presidência da Região Autónoma da Madeira apresentou a sua resposta ao requerimento da Autora referida na alínea anterior e na qual ficou consignado o seguinte:


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cfr. doc. a fls. 265 e 266 do processo administrativo instrutor junto aos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
Factos Não Provados
Inexistem factos não provados com relevância para a decisão de mérito da presente ação.

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste recurso são:
- aferir do erro decisório e da violação dos art.ºs. 57.º, n.º 4, do Código de Contratos Públicos (CCP), 9.º, n.º 3, 224.º, 236.º a 238.º, 258.º o Código Civil (CC), dos princípios da eficácia negocial, da confiança, dos artigos 1.º, 2.º, 20.º, n.º 4, 202.º, n.º 1, 204.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, porque a procuração outorgada ao mandatário da ora Recorrente tem de ser lida em conjunto e como um todo coerente, que inclui todos os poderes para este representar a sociedade nas diversas fases do procedimento, que se integram e complementam.

- aferir do erro decisório relativamente à alegada litigância de má-fé do Recorrido.

O presente recurso vem circunscrito à parte da decisão recorrida que julgou violado o art.º 57.º, n.º 4, do CCP - por o Mandatário da D.......... não ter poderes para assinar digitalmente a respectiva proposta de contrato e para vincular a indicada sociedade à proposta apresentada - e à decisão que julgou improcedente a invocada litigância de má-fé do Recorrido.

No restante que foi decidido, o Recorrente conforma-se com a decisão do Tribunal ad quo.

O art.º 57.º do CCP, com a epígrafe “Documentos da proposta”, nos n.ºs 1 e 4, determina o seguinte: ”1 - A proposta é constituída pelos seguintes documentos:
a) Declaração do anexo i ao presente Código, do qual faz parte integrante;
b) Documentos que, em função do objeto do contrato a celebrar e dos aspetos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, contenham os atributos da proposta, de acordo com os quais o concorrente se dispõe a contratar;
c) Documentos exigidos pelo programa do procedimento ou convite que contenham os termos ou condições relativos a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule; (…)
4 - Os documentos referidos nos n.os 1 e 2 devem ser assinados pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar.”
Determina, depois, o art.º 146.º do CCP, n.ºs 2, al d), e), sob a epígrafe “Relatório preliminar, o seguinte: “2 - No relatório preliminar a que se refere o número anterior, o júri deve também propor, fundamentadamente, a exclusão das propostas:
(…) d) Que não sejam constituídas por todos os documentos exigidos nos termos do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 57.º;
e) Que não cumpram o disposto nos n.os 4 e 5 do artigo 57.º ou nos n.os 1 e 2 do artigo 58.º”.
Por seu turno, o art.º 54.º, n.ºs 1, 2 e 7, da Lei n.º 96/2015, de 17/08, que regula a disponibilização e a utilização das plataformas electrónicas de contratação pública, estipula o seguinte: ”Assinaturas electrónicas
1 - Os documentos submetidos na plataforma eletrónica, pelas entidades adjudicantes e pelos operadores económicos, devem ser assinados com recurso a assinatura eletrónica qualificada, nos termos dos n.os 2 a 6.
2 - Os documentos elaborados ou preenchidos pelas entidades adjudicantes ou pelos operadores económicos devem ser assinados com recurso a certificados qualificados de assinatura eletrónica próprios ou dos seus representantes legais.
(…) 7 - Nos casos em que o certificado digital não possa relacionar o assinante com a sua função e poder de assinatura, deve a entidade interessada submeter à plataforma eletrónica um documento eletrónico oficial indicando o poder de representação e a assinatura do assinante.”
Como refere Gonçalo Guerra Tavares, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.° 111-B/2017, ao artigo 57.º do CCP, “passou a exigir-se que todos os documentos de instrução da proposta sejam assinados pelo concorrente ou pelos seus representantes com poderes para o obrigar” – in do Autor, Comentário ao Código dos Contratos Públicos, Coimbra: Almedina, 2019, p.173.
Ou seja, tal como decorre da aplicação conjugada dos art.º 57.º, n.ºs 1 e 4, do CCP, 54, n.ºs 1, 2 e 7, da Lei n.º 96/2015, de 17/08, os poderes do representante do concorrente para proceder à assinatura digital da proposta - através da qual se obriga o concorrente à proposta apresentada – têm de estar atestados, seja porque aquele representante, pelas funções ou cargo que desempenha, representa já a sociedade nesses actos (v.g. tal como ocorre relativamente aos gerentes e administradores), seja porque tais poderes lhe foram expressamente concedidos (por procuração ou mandato). Assim, quando o representante do concorrente seja (apenas) seu mandatário com procuração, os poderes para a submissão da electrónica da proposta e para a sua assinatura têm de ser expressamente concedidos no respectivo instrumento contratual – cf. também o art.º 8.º do Programa de Concurso (PC).
A procuração em apreço nos presentes autos foi concedida pelo único gerente da D.......... a L............., nos termos e para os efeitos do art.º 252.º, n.º 6, do Código das Sociedades Comerciais (CSC).
Conforme o referido instrumento foram concedidos a este representante “poderes bastantes para representar a sociedade mandante, nos seguintes actos e contratos:
- na negociação e correspondente envio de propostas de contratos, bem como na outorga de contratos de prestação de serviços na área da informática jurídica, ou da radiofusão de conteúdos do mesmo jaez, nomeadamente, no primeiro caso, no acesso às bases de dados, e, no segundo, a divulgação de informação jurídica, contratos estes que poderá outorgar, sejam a celebrar por instrumento público ou não e quer se tratem de entidades públicas, quer privadas, independentemente do valor do contrato e do seu tempo de duração; (...).”
Determina o art.º 252.º, n.ºs 5 e 6, do CSC, o seguinte: “5 - Os gerentes não podem fazer-se representar no exercício do seu cargo, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 261.º
6 - O disposto nos números anteriores não exclui a faculdade de a gerência nomear mandatários ou procuradores da sociedade para a prática de determinados actos ou categorias de actos, sem necessidade de cláusula contratual expressa.”
Por seu turno o art.º 260.º do CSC, sob a epígrafe, “Vinculação da sociedade”, nos seus n.ºs 1 e 4, estipula o seguinte:” 1 - Os actos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato social ou resultantes de deliberações dos sócios.
(…) 4 - Os gerentes vinculam a sociedade, em actos escritos, apondo a sua assinatura com indicação dessa qualidade.”
Tal como resulta da definição do art.º 1157.º do Código Civil (CC), o “Mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta e outra”.
Quanto à extensão do mandato reza o art.º 1159.º, do CC, que no seu n.º 1 determina que “o mandato geral só compreende os actos de administração ordinária” e que no n.º 2 preceitua que o “mandato especial abrange, para além dos actos nele referidos, todos os necessários à sua execução”.
No caso em análise, foram expressamente concedidos a L............. poderes para negociar propostas de contratos, para proceder ao seu envio e para outorgar os contratos referidos na indicada procuração. Conforme decorre do texto da procuração, não foram expressamente concedidos àquele representante poderes para proceder, em representação da D.........., à assinatura digital de propostas enviadas em sede de contratação pública, vinculando aquela empresa aos termos das propostas enviadas.
Invoca o Recorrente que a procuração outorgada conferia tais poderes, ainda que não constem em termos expressos do seu texto, porque o referido instrumento deve ser lido em conjunto e como um todo coerente, como visando conferir poderes para todos os actos relativos ao procedimento em questão, as suas várias fases.
Esta argumentação não colhe.
O mandato (especial) abrange apenas os actos nele referidos e os necessários à sua execução. Quanto à representação da sociedade por terceiros, que não seus gerentes e administradores, faz-se para “prática de determinados actos ou categorias de actos”.
Como acima indicamos, os art.ºs 57.º, n.ºs 1 e 4, do CCP e 54.º, n.ºs 1, 2 e 7, da Lei n.º 96/2015, de 17/08, identificam e individualizam no âmbito dos procedimentos de contratação pública os actos relativos à assinatura digital das propostas (enviadas electronicamente). Tais artigos exigem, também, que os poderes conferidos aos representantes dos concorrentes para a prática de tais actos estejam expressamente atestados no âmbito do procedimento, seja por instrumento contratual, seja por declaração junta ao procedimento de concurso.
Portanto, no âmbito dos procedimentos de contratação pública os poderes para a assinatura digital das propostas, que são enviadas electronicamente, exigem-se referidos em termos expressos e explícitos no respectivo mandato.
Quanto aos poderes que foram conferidos ao procurador da D.........., para negociar propostas de contratos, para proceder ao seu envio e para outorgar os contratos, referidos na indicada procuração, não se confundem com os poderes para a assinatura digital das propostas. A legislação relativa à contratação pública trata estes actos como actos diferentes, que não são de uma mesma categoria e exige que sejam especificamente conferidos aos representantes dos concorrentes os poderes para a indicada assinatura digital da proposta.
No caso, atendendo à procuração que foi junta ao procedimento concursal, esses poderes não foram expressamente conferidos a L.............. Logo, há que concluir que L............. não detinha poderes para submeter e assinar electronicamente a proposta da D.........., assim vinculando este concorrente.
Tal como decorre do preceituado no art.º 236.º do Código Civil (CC), “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder, razoavelmente, contar com ele”.
Nos termos do art.º 238.º do CC, n.º 1, nos negócios formais, “a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expresso”. Por seu turno o n.º 2 do art.º 238.º do CC determina, que aquele “sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio não se opuserem a tal validade”.
Como se indicou, a legislação da contratação pública individualiza o poder para a assinatura digital das propostas e obriga a que tal poder esteja expressamente atestado quando a proposta seja assinada por um procurador ou mandatário.
A partir do texto da procuração acima referida, um destinatário normal, colocado na posição de real destinatário, não poderá concluir que L............. tinha poderes para assinar digitalmente a proposta submetida a concurso, assim vinculando a D........... Do indicado texto apenas se retira que aquele procurador podia “negociar”, “enviar” propostas de contratos e assinar os contratos celebrados. Esses poderes distinguem-se do relativo à assinatura da proposta enviada e à assunção pela D.......... dos concretos termos dessa proposta, assim se vinculando ao seu cumprimento, no caso de vir a ser a proposta adjudicada.
Os poderes conferidos a L............. pela D.........., para “negociar”, “enviar” propostas, ou para assinar os contratos celebrados, estão a montante do poder de assinatura da proposta enviada, isto é, são poderes menos exigentes que o poder de assinatura da proposta enviada. A assinatura da proposta é o acto pelo qual o concorrente se vincula perante a entidade pública ao cumprimento da proposta apresentada, nos seus precisos termos. Esta assinatura é, portanto, o acto central no âmbito do procedimento concursal. Tal poder não está contido nem no poder para uma posterior negociação da proposta apresentada, nem no poder para envio dessa proposta. Quanto à assinatura do contrato, é um poder distinto e que estará sempre dependente dos próprios termos em que foi assumida a proposta inicial.
Ou seja, não há que entender incluídos nos poderes conferidos a L............. o poder de assinatura digital da proposta, pois a atribuição desse poder não tem mínima correspondência com o texto da procuração. Quanto à vontade das partes, aqui não vale para contrariar o sentido da declaração, pois os poderes para a assinatura digital exigiam-se expressamente comprovados no âmbito da legislação da contratação pública.
Este é também o sentido da diversa jurisprudência que se pronunciou sobre o assunto, v.g. os Ac. do STA n.º 01056/11, de 08/03/2012, n.º 040/14, de 09/04/2014, n.º 542/15, de 10/09/2015, do TCAS n.º 10568/13, de 28/07/2017 e n.º 185/19.2BEPDL, de 28/05/2020 ou do TCAN n.º 00440/16.3BEVIS, de 26/05/2017.
Em suma, há que acompanhar a decisão recorrida quando julgou ocorrer, no caso, a violação do art.º 57.º, n.º4, do CCP, que acarreta a exclusão da proposta da D.........., nos termos do art.º 146.º, n.º 2, al. e), do CCP.

Vem o Recorrente invocar, ainda, um erro decisório, por não se ter condenado o Recorrido por litigância de má-fé.
A condenação em litigância de má-fé pressupõe e exige que a actuação de alguma das partes desrespeite o Tribunal ou a parte que lhe é contrária no processo. Deve a referida conduta estar viciada de dolo ou negligência grave. De fora da litigância de má-fé ficam as situações de erro grosseiro e de lide ousada ou temerária.
Para que se considere a existência de uma situação de litigância de má-fé por uso manifestamente reprovável do processo é necessário que nele seja deduzida uma pretensão cuja falta de fundamento a parte não deva ignorar. É exigido que a pessoa do A. (ou do R.) ou do Recorrente (ou Recorrido) aja com dolo, que tenha conhecimento da falta de fundamento da acção e mesmo assim a interponha e em juízo se verifique aquele conhecimento. Exclui o legislador do círculo de protecção da litigância de má fé todas as situações em que o conhecimento da falta de fundamento da acção se deva imputar ao Mandatário da parte ou às situações que conduzam à lide temerária ou ousada.
Ora, é manifesto que a conduta do Recorrido na presente acção não pode considerar-se violadora do princípio da boa-fé processual ou visando a obstrução da justa composição do litígio.
O Recorrido não apresentou quaisquer factos ou argumentos de forma distorcida ou com alteração da verdade, mas limitou-se a expor os factos e fundamentos pelos quais considerava que a decisão recorrida errou.
Pelo exposto, também com relação a esta questão claudica o recurso.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida.
- custas pelo Recorrente (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa, 15 de Outubro de 2020.
(Sofia David)

O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art.º 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão o Desembargador Pedro Nuno Figueiredo e tem voto de vencida a Desembargadora Dora Lucas Neto, ambos integrantes da formação de julgamento. Junta-se ao acórdão o indicado voto de vencido.


Voto de vencido: Os princípios da i) proporcionalidade - ao abrigo do qual a entidade adjudicante não poderá adotar medidas restritivas da concorrência que não sejam necessárias, adequadas e proporcionais – ii) do favor do procedimento – não se tratando aqui, naturalmente, de justificar e desconsiderar aquilo que seja ilegal, mas sim e apenas de, em caso de dúvida insanável sobre os resultados da interpretação da lei e da aplicação dos princípios gerais, se decidir pela manutenção do procedimento, dos concorrentes e das respetivas propostas. (…) Nestas circunstâncias, para benefício, até, do próprio princípio da concorrência, deve a solução do caso pender para “pro” procedimento ou “pro” concorrente, valorizando-se as dúvidas que (formal ou materialmente) possam suscitar-se a propósito (…) sobre a admissibilidade de uma candidatura ou de uma proposta, no sentido da sua conformidade com a lei ou com as peças do procedimento.” [Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in Concursos e outros procedimentos de contratação pública, Almedina, 2016, pg. 250] - e iii) da concorrência – no sentido de que os procedimentos de contratação devem ser organizados de forma a suscitar o maior número de concorrentes/candidatos possível - , apontam para a necessidade de afastar uma solução de exclusão da proposta que, no caso em apreço, atentos os poderes conferidos pela procuração sub judice, à luz das normas de interpretação dos atos e negócios jurídicos, constantes dos art.s 236º e ss. do CC, se mostra, com o devido respeito pela posição que obteve vencimento, desadequada.
Os mesmos princípios determinam que as regras do Código dos Contratos Públicos e da Lei n.º 96/2015, de 17.08 sejam interpretadas num sentido que permita evitar a exclusão de uma proposta cuja valia não vem questionada e a exclusão de um concorrente cuja vontade firme de contratar não é posta em causa, como consequência de uma irregularidade formal cuja existência, no caso em apreço, decorre apenas de uma das interpretações possíveis dos poderes conferidos pela procuração junta no procedimento.
Razões pelas quais, e em suma, não voto a decisão, pois considero que uma das interpretações possíveis do texto da procuração sub judice, à luz do citado art. 236.º do CC, conferindo “poderes bastantes para representar a sociedade mandante, nos seguintes actos e contratos: - na negociação e correspondente envio de propostas de contratos, bem como na outorga de contratos de prestação de serviços na área da informática jurídica – que é o caso -, ou da radiofusão de conteúdos do mesmo jaez, nomeadamente, no primeiro caso, no acesso às bases de dados, e, no segundo, a divulgação de informação jurídica, contratos estes que poderá outorgar, sejam a celebrar por instrumento público ou não e quer se tratem de entidades públicas, quer privadas, independentemente do valor do contrato e do seu tempo de duração; (...).”, inclui o poder para assinar as propostas, não devendo, pois, face a todo o exposto, ser excluída a proposta adjudicatária com esse fundamento, razão pela qual revogaria a decisão recorrida e manteria o ato impugnado.
Lisboa, 15.10.2020.
Dora Lucas Neto