Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:127/19.5BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:12/03/2020
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:ERRO NA FORMA DO PROCESSO
PRINCÍPIO PRO ACTIONE
CONVOLAÇÃO
Sumário:I. Decorrendo da petição inicial apresentada, de oposição à execução fiscal, que a causa de pedir se subsume à legalidade em concreto da liquidação de IRC que consubstancia a dívida exequenda, na interpretação do pedido formulado há que ter em consideração o pedido implícito.
II. O princípio pro actione aponta para a interpretação e a aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal ou de evitar as situações de denegação de justiça, por excessivo formalismo, promovendo, pois, emissões de pronúncia sobre o mérito.
III. Sendo a causa de pedir própria de impugnação judicial, extraindo-se do pedido formulado um pedido implícito adequado àquele meio processual e não sendo manifesta a improcedência da pretensão formulada, não se pode rejeitar liminarmente a petição apresentada sem antes aferir da possibilidade de convolação.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

E….., Lda (doravante Recorrente) veio apresentar recurso da decisão proferida a 09.05.2019, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Funchal, na qual se rejeitou liminarmente a oposição que aquela apresentara ao processo de execução fiscal (PEF) n.º ….., que lhe foi movido por dívida relativa a imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) atinente ao exercício de 2015.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“1ª – As pessoas coletivas e sociedades são citadas ou notificadas na sua caixa postal eletrónica ou na sua área reservada do Portal das Finanças ou na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem;

2ª – Não podendo efetuar-se na pessoa do representante por este não ser encontrado pelo funcionário, a citação ou notificação realiza-se na pessoa de qualquer empregado, capaz de transmitir os termos do ato, que se encontre no local onde normalmente funcione a administração da pessoa coletiva ou sociedade;

3ª – De harmonia com o disposto no n.º 3 do art.º 41º do CPPT, o disposto no número anterior não se aplica se a pessoa coletiva ou sociedade se encontrar em fase de liquidação ou falência, caso em que a diligência será efetuada na pessoa do liquidatário;

4ª – O que, em verdade não foi o caso dos autos e daí resulta a ilegitimidade da pessoa citada nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 204º, alínea b) do Código de Processo e Procedimento Tributário, por preterição das formalidades legais da citação efetuada através de pessoa diversa do citando;

5ª – O Tribunal “a quo” ter feito “tábua rasa” na douta decisão proferida às considerações vertidas pela Oponente na sua petição inicial, no que à questão de fundo dos autos concerne, entende a Oponente, que não assiste razão alguma à Executada Autoridade Tributária e Aduaneira quanto aos fundamentos para proceder à liquidação adicional de IRC;

6ª – As considerações vertidas no petitório inicial abrangem pelo menos dois dos fundamentos da oposição, a saber i) pagamento, ii) inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação;

7ª – A sociedade Oponente iniciou a sua atividade em 2013, tendo transferido a sua sede para a Zona Franca da Madeira a partir de 25 de Agosto de 2014 e obtido a Licença com o nº ….., emitida pela Sociedade de Desenvolvimento da Madeira em 25 de Agosto de 2014, por delegação de competências do Secretário Regional do Plano e Finanças;

8ª – A sociedade Oponente ficou subordinada ao pagamento de uma taxa de instalação de 1.000,00 € (mil euros) e ainda outra anual de funcionamento, no valor de 1.800,00 € (mil e oitocentos euros) conforme artigo 9º da Portaria nº 220/2008 de 22 de dezembro da Presidência do Governo Regional e publicado na I série do JORAM, nº 157;

9ª – A sociedade Oponente foi notificada um mês depois da concessão da licença da Fatura nº …..em 24/09/2014 para o pagamento da taxa anual de funcionamento na Zona Franca da Madeira, no valor de €1.800,00 sem a respetiva redução a metade conforme refere o nº3 do artº 10 do DRR nº 21/87/M de 5/09;

10ª – No dia 23 de novembro de 2015 foi a requerente notificada pela SDM para procederem à regularização da fatura nº …..em atraso até graciosamente três vezes, a primeira, dia 24/06/2016, a segunda dia 14/06/2018 e a última dia, 19/08/2016 nos termos do 68º e ss. do CPPT;

13ª – A Autoridade Tributária e Aduaneira não deu qualquer resposta às reclamações apresentadas;

14ª – A sociedade Oponente foi dissolvida em 29 de dezembro de 2015, conforme ata da Assembleia Geral e respetivo registo comercial e, no dia seguinte, pagou no último dia do prazo a fatura nº …..referente à taxa anual (sem redução) de funcionamento do ano de 2014, por intermédio de conta da sua entidade de “management”;

15ª – A cobrança coerciva em sede de execução fiscal é nula por três motivos;

16ª – Em primeiro lugar mesmo que a taxa de Instalação de 2014 não tivesse sido paga o que não é o caso, esta já tinha caducado nos termos do artigo 45º da Lei Geral Tributária;

17ª – Em segundo lugar o atraso do pagamento de qualquer taxa antes da entrada em vigor do orçamento regional em 1 de janeiro de 2016 não estava sujeito a cobrança coerciva nos termos do processo de execução fiscal e, por esse facto, constituía somente uma dívida comum;

18ª – Em terceiro lugar, e mesmo que a taxa de 2014 não tivesse sido paga o que não se aceita, em dezembro de 2015 estava em vigor o o DRR nº 21/87/M de 5 de Setembro que regulava a atividade das empresas na Zona Franca da Madeira, o qual não previa a suspensão do licenciamento concedido até à finalização do procedimento de cobrança coerciva;

19ª – O artº 10º, nº 1, al. c) desse regulamento prevê somente em caso de não pagamento a caducidade da autorização de funcionamento e não a caducidade do licenciamento;

20ª – Até à entrada em vigor da quarta alteração ao Regulamento, DRR, nº 23/2016/M de 23 de Novembro a falta de pagamento previa a caducidade imediata da autorização concedida de funcionamento, mas sempre dependente de procedimento, tanto mais que na carta enviada pela SDM à ora requerente, doc. 5, é dito que “a falta de pagamento dará início ao procedimento de cancelamento da respetiva licença”. o que não foi o caso por três razões: i) primeiro, porque houve o pagamento, ii) segundo, porque a entidade SDM nunca notificou a ora requerente do cancelamento da licença nº ….., iii) terceiro, só a partir da entrada em vigor do DDR, nº 23/2016/M de 23 de Novembro é que nesta alteração, previa a suspensão do licenciamento e a declaração da caducidade da licença. Ora como é bom de ver esta alteração ao Regulamento não se aplica retroativamente;

21ª – Após consulta do processo de execução fiscal, chega-se à conclusão que a retirada do benefício fiscal em 2014 e 2015 advém da ausência do pagamento da taxa de utilização de 2014;

22ª – As empresas licenciadas para operar na Zona Franca da Madeira (ZFM), beneficiam da aplicação de uma taxa reduzida sobre os lucros (IRC) de 5% desde que cumpram com o pagamento pontual e atempado das taxas anuais de funcionamento;

23ª – A licença que atribui os benefícios fiscais dispostos nos artigos 36º e 36º-A dos Estatutos dos Benefícios Fiscais foi revogada à sociedade Oponente por alegadamente não ter pago a taxa anual de funcionamento, relativa ao período com início em 2014-09-24, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto Regulamentar Regional n.º 21/87/M de 5 de Setembro;

24ª – O incumprimento desta obrigação determina a caducidade do licenciamento para operar na ZFM e, consequentemente, a não aplicação do benefício fiscal de redução de taxa;

25ª – Tal circunstancialismo está patenteado no III Capítulo sob a epígrafe: “DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS” do relatório da ação inspetiva lavrado em 30 de julho de 2018 pela inspetora tributária Márcia Ornelas;

26ª – Tal facto não é possível porque a retirada do benefício fiscal só pode acontece por dois motivos, se houver a caducidade ou perda da licença, de harmonia com o disposto no artigo 36º do Estatuto dos Benefícios Fiscais e nos termos do artigo 14º dos EBF com a redação do D.L. nº 108/2008 de 26/06 no seu artigo 3º o que não foi efetuado em ambos os casos;

27ª – A cobrança desta taxa nunca o poderá ser por cobrança coerciva em execução fiscal, uma vez que só a partir de 1 de janeiro de 2016 no Orçamento Regional DDR, nº 17/2015 de 30/12 esta passou a ser possível por cobrança coerciva em sede de execução fiscal;

28ª – Só com a alteração do regulamento DDR, nº 23/2016/M de 23 novembro de 2016, artigo 10º, nº 2, em que a suspensão do licenciamento era até à finalização do procedimento de cobrança coerciva em sede de execução fiscal. Até esta altura não existia a figura da suspensão;

29ª – Se a SDM tem intentado a ação comum para cobrança da taxa em dívida só no final desta se pode considerar relapsa a entidade ora requerente e nunca antes da sentença transitada em julgado. Daí que até à alteração no Orçamento Regional DDR, nº 17/2015 de 30/12 inexiste a cominação da perda ou suspensão da Licença à priori, antes da confirmação do não pagamento em ação cível;

30ª – Assim sendo e uma vez paga a fatura de 2014 no último dia do prazo, não resta outro entendimento senão que a sociedade Oponente cumpriu com todos os requisitos legais, não sendo por isso passível de qualquer cobrança coerciva nem tão pouco em sede de execução fiscal;

31ª – Se, por um lado em 2014 ou em 2015 nunca houve um despacho a determinar a caducidade da licença, nem tão pouco era a autoridade tributária competente para a cobrança coerciva da taxa, sendo esta uma cobrança comum, uma vez que o momento que conta é o da data da prática do facto e não o momento da instauração do procedimento, como poderia a AT ser materialmente competente e por isso parte legitima nesta cobrança, uma vez que a lei fiscal não pode ter efeitos retractivos, por só ter entrado em vigor a 1 de janeiro de 2016, como cobrança coerciva fiscal;

31ª – A requerente nunca perdeu os benefícios fiscais nos dois anos em que esteve a laborar na ZFM porque nunca perdeu a licença, daí que não pode a AT vir lançar mão da cobrança do diferencial dos 5% para os 21% no IRC em cada um desses anos;

32ª – Somente a perda da licença determinava a extinção dos benefícios fiscais à luz do Decreto Regulamentar Regional n.º 21/87/M de 5 de setembro;

33ª – O que está na base da execução fiscal é o não pagamento de uma taxa que se considera uma dívida cível e não uma dívida tributária, daí não se enquadrar nos pressupostos do referido artigo 14º dos EBF;

34ª – Deve ser declarado nulo a execução fiscal uma vez que não houve perda do benefício fiscal em 2015, uma vez que a lei em vigor à data da prática dos factos não a configurava como dívida fiscal, nem tão pouco a requerente perdeu a licença para efeitos do artigo 36º do EBF;

35ª – Tratando-se de factos que produziram todos os seus efeitos antes do início da vigência da Lei, o imposto introduzido não pode ser aplicado às situações passadas em face do princípio da irretroatividade da lei fiscal plasmado no artigo 103º, nº 3 da CRP;

36ª – Face à inexistência de qualquer dívida fiscal à data da prática dos factos, deverá ser declarada nula a presente execução fiscal;

37ª – A sentença recorrida considerou – errónea e precipitadamente – pela não viabilidade do perseguimento dos presentes autos por a petição inicial não conter nenhum dos fundamentos do processo de oposição à execução fiscal elencados nas alíneas a), b), c), d), e), f), g) , h) e i) do número 1 do art.º 204º do CPPT;

38ª – Pese embora a Oponente se penitencie pela deficiente redação da oposição à execução fiscal, resulta inequivocamente do articulado em 11 e 12 do seu petitório que, o pagamento da taxa anual de funcionamento referente à sociedade E….., LDA. emitida pela SDM – Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, S.A. para operar a partir da Zona Franca da Madeira foi efetuado em prazo;

39ª – Este é, na verdade, o facto desencadeador da liquidação adicional em sede de IRC levada a cabo pela Autoridade Tributária e Aduaneira e que o Tribunal “a quo” ignorou na sua apreciação liminar quando refere no douto acórdão recorrido que a dívida em cobrança nos autos reporta-se a IRC do exercício de 2015 e não à cobrança de qualquer taxa de instalação ou funcionamento da Oponente na Zona Franca da Madeira;

40ª – A argumentação expendida atenta a complexidade e especificidade da questão controvertida não visa, colocar em causa a legalidade da dívida pela singela mas verdade razão de que a liquidação adicional de IRC efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira aos exercícios de 2014 e 2015 certamente estará correta e nada há a opor ao procedimento em causa;

40ª – Todavia, tal liquidação adicional não tem razão de ser pelo facto gerador de tal procedimento estar alicerçado em premissas erradas por duas ordens de razão: em primeiro lugar porque a taxa anual de funcionamento da Oponente na Zona Franca da Madeira referente ao ano de 2014 foi liquidada em prazo e, em segundo lugar não poderá existir a cobrança coerciva dessa mesma taxa porquanto inexiste qualquer imposto “in casu” trata-se de uma mera taxa materializada através de uma fatura de prestação de serviços nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação;

41ª – A matéria dos autos deverá ser enquadrada no âmbito do art.º 14º do Estatuto dos Benefícios Fiscais em que a extinção dos benefícios fiscais tem, por consequência a reposição automática da tributação-regra.

42ª – Mal andou o Tribunal “a quo” em caldear taxas de funcionamento da Zona Franca da Madeira com Imposto sobre Rendimento de Pessoas Coletivas, sem querer esmiuçar a relação entre uma e outro;

43ª – As sociedades que operam a partir do Centro Internacional de Negócios encontram-se abrangidas pelo Decreto Regulamentar Regional n.º 21/87/M, de 5 de setembro que aprovou, no seu Anexo I o “Regulamento das Atividades Industriais, Comerciais e de Serviços Integradas no Âmbito Institucional da Zona Franca da Madeira”;

44ª – Nos termos do disposto no art.º 3, n.º 1 do Decreto Regulamentar Regional n.º 21/87/M, de 5 de setembro “as licenças de instalação, funcionamento e exercício das atividades industriais, comerciais e de serviços, integradas no âmbito institucional da Zona Franca têm a natureza de autorização administrativa da prática dos atos a que se referem, são inerentes às entidades que operam naquele âmbito e a que respeitam e não podem ser objeto autónomo de negócios jurídicos”;

45ª – O art.º 9, n.º 1 do referido Regulamento refere que “as entidades que operem no âmbito institucional da Zona Franca da Madeira pagarão à concessionária, como contrapartida da instalação, da utilização dos imóveis e da execução das operações, as seguintes taxas, conforme os casos:

a) Taxa de instalação;

b) Taxa anual de funcionamento;

46ª – Da coligação dos normativos acabados de referir, resulta, pois, que as sociedades que operam a partir do âmbito institucional da Zona Franca da Madeira encontram-se sujeita a uma taxa de instalação de modo a poderem obter a chamada “taxa de instalação” e a uma “taxa de funcionamento” e cujos montantes cifrando-se atualmente, a primeira, nos 1.000,00 € (mil euros) e a segunda, para o que ora interessa, nos 1.800,00 € (mil e oitocentos euros), de harmonia com o disposto nas alíneas a) e b) do art.º 6 da Portaria n.º 220/2008, de 22 de dezembro da Presidência do Governo Regional da Madeira e que alterou a Portaria n.º 222/99, de 28 de dezembro da Presidência do Governo Regional da Madeira;

47ª – A sociedade Oponente transferiu a sua sede social para o Centro Internacional de Negócios da Madeira, vulgo Zona Franca da Madeira a partir de agosto de 2014, tendo obtido a licença n.º …..emitida pela SDM – Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, S.A. e, nestas circunstâncias, encontrava-se sujeita ao pagamento das faladas taxas de instalação e de funcionamento;

48ª – As taxas de instalação e funcionamento materializam-se por meio de faturas emitidas pela concessionária, a SDM – Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, S.A. às entidades/sociedades licenciadas que pretendam operar a partir da Zona Franca da Madeira;

49ª – No dia 23 de novembro de 2015 a Oponente e ora Recorrente foi notificada pela SDM – Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, S.A. para proceder à regularização da fatura n.º …..referente à taxa anual de funcionamento do ano de 2014 até ao dia 30 de dezembro de 2015;

50ª – No dia 30 de dezembro de 2015 a Oponente através da conta bancária de uma terceira entidade, respetiva entidade de “management” uma vez que já se encontrava dissolvida desde o dia 29 anterior, liquidou a fatura em questão e de tal pagamento deu conhecimento à concessionária SDM – Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, S.A.;

50ª – Na sequência dos contatos havidos posteriormente entre a entidade de “management” e a concessionária foi solicitado a imputação da transferência ao valor fatura n.º …..;

51ª – O responsável legal da cessação da sociedade Oponente é a sociedade E….., LDA. com sede na …..Funchal, Região Autónoma da Madeira;

52ª – Durante o ano de 2015 e já após o encerramento e liquidação da sociedade ora Oponente foram mantidos contatos entre a entidade de “management” e a concessionária da Zona Franca da Madeira, a SDM – Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, S.A. no sentido de imputar o valor da transferência efetuada no dia 30 de dezembro de 2014 à fatura n.º …..;

53ª – Com a entrada em vigor do Decreto Legislativo Regional n.º 17/2015/M, de 30 de dezembro foi aprovado o Orçamento da Região Autónoma da Madeira para 2016 e o art.º 63º do sobredito diploma veio estabelecer a cobrança coerciva de taxas e demais valores devidos pelas entidades licenciadas na Zona Franca da Madeira;

54ª – De harmonia com o disposto no n.º 1 do art.º 63º do DLR n.º 17/2015/M, de 30 de dezembro “os créditos relativos a taxas, rendas ou quaisquer rendimentos provenientes de contratos escritos ou verbais e de outros documentos relativos a bens ou direitos cuja gestão, exploração e utilização foi conferida em regime de serviço público com poderes e prerrogativas de autoridade à «SDM — Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, S. A.», encontram -se sujeitos à cobrança coerciva nos termos do processo de execução fiscal regulado no Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, através da Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira, sendo tais créditos equiparados, para todos os efeitos legais, a créditos da Região Autónoma da Madeira”;

55ª – A Oponente nunca teve conhecimento de qualquer comunicação, a partir da data da entrada em vigor do DLR n.º 17/2015/M, de 30 de dezembro, de valores por regularizar à concessionária «SDM — Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, S. A.», a verdade é que sofre de inconstitucionalidade, por violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal consagrado no artigo 103.°, n.º 3 da Constituição da República, a norma consagrada no art.º 63º do DLR n.º 17/2015/M, de 30 de dezembro, na medida em que representa uma aplicação da lei nova a factos tributários integralmente ocorridos antes da sua entrada em vigor;

56ª – Importa chamar à colação, que a fatura n.º ….., no valor de 1.800,00 € (mil e oitocentos euros) reportava-se à taxa anual de funcionamento referente ao ano de 2014 e tinha como prazo último de vencimento o dia 30 de dezembro de 2015, precisamente e por mera coincidência, a data de publicação do DLR n.º 17/2015/M;

57ª – Todavia e à cautela, salienta-se que, tal diploma apenas entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2016, de harmonia com o disposto no art.º 74º respetivo;

58ª – Não pode extrair-se de forma liminar e à mingua da audiência de discussão e julgamento que não estão preenchidos nenhum dos fundamentos a que alude o n.º 1 do art.º 204º do Código de Procedimento e de Processo Tributário quando, na verdade estão preenchidos pelo menos dois fundamentos, i) inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação e ii) pagamento, previstos nas alíneas a) e f) “primum” partes do n.º 1 do art.º 204º do CPPT;

59ª – O indeferimento liminar só deverá ter lugar “quando for de todo impossível o aproveitamento da petição inicial, uma vez que a pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo. Assim, o despacho de indeferimento liminar só é admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório;

60ª – A jurisprudência tem vindo a afirmar que o despacho de indeferimento liminar, dada a sua natureza “radical”, na medida em que coarta à partida toda e qualquer expetativa de o autor ver a sua pretensão apreciada e julgada, encontra a sua justificação em motivos de economia processual, deve ser cautelosamente decretado”;

61ª – Tomando em consideração não só os documentos apresentados com a petição inicial, os quais demonstram de forma inequívoca o pagamento da taxa anual de funcionamento que deu azo à presente execução fiscal, salvo o devido respeito por opinião divergente, são razões de sobejo para, no mínimo, levar a questão controvertida à audiência de discussão e julgamento;

62ª – A Oponente considera que, o que está aqui em causa não é a ilegalidade do tributo mas sim a liquidação adicional em sede de IRC consubstanciada num alegado não pagamento da falada “taxa” anual de funcionamento para operar a partir da Zona Franca da Madeira que, não só se mostra liquidada como apenas poderá ser reconhecida como “tributo” para efeitos fiscais a partir “ope legis” do dia 1 de janeiro de 2016, data da entrada em vigor do DLR n.º 17/2015/M, de 30 de dezembro;

63ª – A “taxa” anual de funcionamento referente ao ano de 2014 nunca poderia ser objeto de cobrança coerciva por banda da Autoridade Tributária e Aduaneira e, consequentemente não deveria ter sido desencadeado o procedimento da liquidação adicional em sede de IRC, com o intuito de repor a tributação-regra de 21% em sede de IRC, conforme expressamente refere o n.º 1 do art.º 14º do Estatuto dos Benefícios Fiscais na redação dada pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro;

64ª – Quanto muito estaríamos, isso sim, perante a cobrança de uma dívida de natureza cível;

65ª – A sociedade Oponente aceita o pagamento do imposto devido em sede de IRC cuja liquidação e respetivo pagamento à taxa de 5% é devido, porém, rebela-se contra a liquidação adicional levada a cabo pela Autoridade Tributária e Aduaneira em sede do mesmo imposto ao abrigo do disposto no art.º 63º do DLR n.º 17/2015/M, de 30 de dezembro, em consequência da alegada falta de pagamento da taxa anual de funcionamento, que, conforme já ficou dito e se reitera, foi efetuado em tempo útil;

66ª – Não permitir à Oponente que faça valer o princípio do contraditório seria coartar um direito fundamental e denegação de justiça;

67ª – A jurisprudência, em linha com os “princípios da tutela jurisdicional efetiva e pro actione, têm vindo a adotar uma posição de grande flexibilidade na interpretação do pedido quando, em face das concretas causas de pedir invocadas, se possa intuir - ainda que com recurso à figura do pedido implícito - qual a verdadeira pretensão da tutela jurídica”;

68ª – Não obstante as causas de pedir aduzidas na petição inicial da oposição à execução possam não estar suportar cabalmente pelo pedido, dúvidas não subsistem que ali existe matéria para concluir que os fundamentos invocados se subsumem a pelo menos dois fundamentos, os das alíneas a) e f) do n.º 1 do art.º 204º do CPPT; a Zona Franca da Madeira, a SDM – Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, S.A. ter imputado o pagamento da taxa anual de funcionamento no valor de 1.8000,00 € (mil e oitocentos euros) liquidada pela ora Oponente no dia 30 de dezembro de 2015 a outra(s) fatura(s) e, tendo sido alertada, em tempo, para corrigir a situação imediatamente em janeiro de 2016 preferiu fazer vista grossa, alegando que o exercício fiscal de 2015 já se encontrava encerrado e nada podiam fazer.

71ª – Precisamente com a entrada em vigor do Decreto Legislativo Regional n.º 17/2015/M, de 30 de dezembro que aprovou o Orçamento da Região Autónoma da Madeira para 2016, no seu art.º 63º veio estabelecer a cobrança coerciva de taxas e demais valores devidos pelas entidades licenciadas na Zona Franca da Madeira.

72ª – No modesto critério da Oponente, pese embora o seu articulado inicial possa padecer de deficiente formulação, resulta de elementar evidência que, a liquidação adicional em sede de IRC tendo por motivo o não pagamento da taxa anual de funcionamento referente ao ano de 2014, sendo certo que o pagamento, em boa verdade existe e foi efetuado em prazo, conforme comprovativo junto ao autos;

73ª – E, alicerçada no 63º do DLR n.º 17/2015/M, de 30 de dezembro demonstra, por parte da SDM — Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, S.A. que transferiu a responsabilidade de cobrança da taxa e, com esse comportamento desencadeou, por esse motivo, por banda da Autoridade Tributária e Aduaneira a liquidação adicional em sede de IRC;

74ª – Por mera cautela de raciocínio sempre se dirá que, a verificar-se a falta de pagamento da taxa anual de funcionamento a Oponente estaria abrangida em sede de IRC pela taxa normal de 21% ao invés da taxa de 5% a que estão sujeitas as sociedades que operam a partir do Centro Internacional de Negócios da Madeira;

75ª – A liquidação adicional em sede de IRC levada a cabo pela Autoridade Tributária e Aduaneira encontra-se alicerçada, desde o primeiro momento na informação – errónea – da entidade concessionária da Zona Franca da Madeira, a SDM - Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, S.A. de que a taxa anual de funcionamento respeitante ao ano de 2014 não se encontrava liquidada pela Oponente;

76ª – É entendimento da Oponente que tal procedimento não só é ilegal pois é por demais evidente que estamos perante a aplicação retroativa da lei fiscal – 63º do DLR n.º 17/2015/M, de 30 de dezembro – uma vez que inexiste qualquer taxa nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação;

77ª – A audiência de discussão e julgamento permitiria esclarecer ponto por ponto a razão pela qual o alegado não pagamento da taxa anual de funcionamento no valor de 1.800,00 € (mil e oitocentos euros) por banda da ora Recorrente que lhe permite operar a partir do âmbito institucional da Zona Franca da Madeira no ano de 2014 culmina na liquidação adicional em sede de IRC no montante de 63.147,98 (sessenta e três mil cento e quarenta e sete euros e noventa e oito cêntimos);

78ª – Não é verdade que a Opoente através da representante legal da cessação não tenha reagido anteriormente à tentativa de cobrança da Autoridade Tributária e Aduaneira de um tributo alicerçado no não pagamento de uma taxa anual de funcionamento para operar a partir do âmbito institucional da Zona franca da Madeira;

79ª – Não só reagiu, como fê-lo por mais do que uma vez, conforme resulta dos autos. Todavia, a Opoente não cogitou que a Autoridade Tributária e Aduaneira, na sua senda persecutória e sem olhar a meios, viesse reclamar algo que, na verdade não lhe é devido;

80ª – Não restam dúvidas que o facto gerador da liquidação adicional em sede de IRC é o alegado não pagamento da taxa anual de funcionamento referente ao ano de 2014 da E….., LDA..

81ª – Neste processo, o que está em causa é a viabilidade do prosseguimento dos presentes autos tendo em conta as causas de pedir e os pedidos formulados porquanto a oposição à execução fiscal consagra pelo menos dois dos fundamentos previstos no n.º 1 do art.º 204º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

82ª – Para o que ora interessa, no modesto entendimento da Oponente, não se afigura assim tão notório que a petição inicial não contenha facto ou factos suscetíveis de serem integrados em alguma das previsões das alíneas do n.º 1 do art.º 204º do CPPT para que o Tribunal “a quo” tome uma decisão de indeferimento liminar.

Termos em que não só pelo modestamente alegado, mas sobretudo pelo que doutamente vier a ser suprido, deve ser dado provimento ao recurso interposto e revogada a douta sentença recorrida e, em consequência devem os autos prosseguir para a audiência de discussão e julgamento”.

A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não apresentou contra-alegações.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:
a) Há erro de julgamento, em virtude de não se reunirem os pressupostos para uma decisão de rejeição liminar da oposição?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido não estruturou, de forma separada, a factualidade que considerou provada, não obstante a factualidade considerada se extrair do teor da decisão.

Considerando, no entanto, vantajosa a estruturação separada da matéria de facto relevante, nos termos do disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, considera-se provada a seguinte matéria de facto:
1) A sociedade E….. Lda foi constituída em 16.12.2013 (cfr. certidão permanente a fls. 9 a 10 verso dos autos – numeração em suporte de papel a que correspondem futuras referências sem menção de origem).
2) A 26.08.2014, a sociedade mencionada em 1) registou junto da Conservatória do Registo Comercial do Funchal a alteração ao contrato, mudança de sede e de âmbito para a Zona Franca da Madeira (cfr. certidão permanente a fls. 9 a 10 verso).
3) A 25.08.2014, foi emitida licença pela SDM-Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, SA (doravante SDM), em nome da sociedade mencionada em 1), da qual consta, designadamente, o seguinte:
“…

…” (cfr. fls. 11 verso).
4) A 24.09.2014 foi emitida pela SDM, em nome da sociedade mencionada em 1), a fatura n.º ….., no valor de 1.800,00 Eur., com o descritivo “Taxa Anual de Funcionamento Zona Franca da Madeira” (cfr. fls. 20 verso).
5) A SDM remeteu, à sociedade mencionada em 1), ofício, com o n.º ….., para que esta procedesse à “regularização da factura nº ….., o mais tardar até 30 de Dezembro de 2015, prazo este que é definitivo, não havendo qualquer hipótese de prorrogação” (cfr. fls. 21).
6) A 29.12.2015, foram registados, junto da Conservatória do Registo Comercial do Funchal, a dissolução e o encerramento da liquidação da sociedade mencionada em 1) (cfr. certidão permanente a fls. 9 a 10 verso dos autos).
7) A sociedade mencionada em 1) foi objeto de ação inspetiva interna, de âmbito parcial, atinente ao IRC de 2015, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º ….., pela AT-RAM (cfr. fls. 59 do PEF apenso).
8) No âmbito da ação inspetiva mencionada em 7), foi elaborado relatório de inspeção tributária (RIT), datado de 30.08.2018, do qual consta designadamente o seguinte:
"…

…” (cfr. fls. 59 a 65 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
9) Na sequência do RIT mencionado em 8), foi emitida pela AT a liquidação adicional de IRC n.º …..e a dos respetivos juros compensatórios, relativas ao exercício de 2015, no valor de 78.967,63 Eur., de cuja demonstração de acerto de contas resultou um valor a pagar de 63.147,98 Eur., sendo prazo limite do pagamento o dia 24.12.2018 (cfr. fls. 67 a 69 do PEF apenso).
10) A 03.01.2019, foi instaurado na direção de finanças do Funchal, contra a sociedade mencionada em 1), o processo de execução fiscal n.º ….., correspondendo a dívida exequenda à liquidação mencionada em 9) (cfr. fls. 1 do PEF apenso).
11) A Recorrente apresentou oposição ao PEF mencionado em 10), remetida via correio postal registado com aviso de receção a 25.03.2019 (cfr. fls. 2 a 48 e 57).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Entende a Recorrente que incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento, na medida em que não se reúnem os pressupostos para o indeferimento liminar da oposição apresentada.

Vejamos.

O Tribunal a quo considerou, a este respeito, que o alegado em sede de petição inicial se prende apenas com a legalidade em concreto da dívida, não passível de conhecimento em sede de oposição, porque não enquadrável nas alíneas a) ou h) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT, concluindo que a causa de pedir não sustenta o pedido formulado (nunca tendo, pois, aferido da possibilidade de convolação).

Vejamos então.

A oposição é o meio processual adequado para reagir contra uma execução fiscal, nos termos e com os fundamentos enunciados no art.º 204.º do CPPT.

Atento o teor desta disposição legal:

“1 - A oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos:

a) Inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respetiva liquidação;

b) Ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida;

c) Falsidade do título executivo, quando possa influir nos termos da execução;

d) Prescrição da dívida exequenda;

e) Falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade;

f) Pagamento ou anulação da dívida exequenda;

g) Duplicação de coleta;

h) Ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de liquidação;

i) Quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título…”.

Considerando o teor da decisão recorrida, está aqui em causa a apreciação do âmbito e alcance das alíneas a) e h) transcritas supra. Por outro lado, há que ainda atentar na alínea f), que a Recorrente invoca igualmente como sendo passível de ser convocada.

Vejamos então.

Cumpre, assim e em primeiro lugar, aferir do alcance da alínea a) transcrita supra.

Com efeito, em regra, a legalidade da dívida exequenda não é passível de apreciação em sede de oposição à execução fiscal. Assim, quando estamos perante tributos, a forma de reação contra ilegalidades das liquidações é através da competente impugnação judicial.

Representam exceção as situações de ilegalidade abstrata, previstas na alínea a) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT, e as situações em que a lei não confira meio judicial de impugnação ou recurso, previstas no art.º 204.º, n.º 1, al. h)[1], do mesmo código.

Centrando-nos no art.º 204.º, n.º 1, al. a), do CPPT, como referido, o mesmo abarca as situações de ilegalidade em abstrato ou absoluta da liquidação, onde, no fundo, o que está em causa não é a mera legalidade de uma liquidação em concreto, mas sim a própria legalidade do tributo, ou seja, a ilegalidade decorre da própria lei cuja aplicação foi feita ou da inexistência sequer de norma[2]. “Cabem neste conceito de ilegalidade abstracta todos os casos de actos que aplicam normas que violam regras de hierarquia superior, designadamente, além das normas constitucionais, as de direito comunitário ou internacional vigente em Portugal ou mesmo normas legislativas de direito ordinário quando é feita aplicação de normas regulamentares. // Inserem-se ainda neste conceito de ilegalidade abstracta os casos em que a norma que foi aplicada no acto de liquidação não podia sê-lo por qualquer outra razão, como é o caso de existir lei especial que estabeleça a ineficácia de quaisquer normas” [3].

Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 20.03.2019 (Processo: 0558/15.0BEMDL 0176/18):

“… [A] ilegalidade abstrata ou absoluta da liquidação (…) distingue[-se] da «ilegalidade em concreto» por na primeira estar em causa a ilegalidade do tributo e não a mera ilegalidade do ato tributário ou da liquidação; isto é, na ilegalidade abstrata a ilegalidade não reside diretamente no ato que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação real a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o ato foi praticado”.

Quanto ao alcance da alínea f), o mesmo respeita ao pagamento da dívida exequenda, concretamente a pagamentos anteriores à instauração da execução fiscal[4].

Finalmente, e no que respeita à alínea h), a mesma visa tutelar a parte naqueles casos em que inexiste, em abstrato, qualquer meio na lei de impugnação do ato que está na origem da dívida exequenda.

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

Como decorre da análise do alegado pela Recorrente, atentando especialmente no teor da sua petição inicial, verifica-se, como efeito, que não foram se não alegados fundamentos atinentes à legalidade em concreto da liquidação de IRC em causa (sendo que o pagamento invocado não respeita a essa liquidação, mas sim ao pagamento atinente à taxa anual de funcionamento na Zona Franca da Madeira, taxa essa que não se configura como dívida exequenda).

Neste sentido e sobre situação muito semelhante à dos presentes autos (não obstante na mesma estarem em causa os exercícios de 2014 e 2015 e nos presentes autos estar apenas em causa o exercício de 2015), sendo, aliás, as petições iniciais praticamente iguais, já se pronunciou este Tribunal, em Acórdão de 05.03.2020 (Processo: 176/19.3BEFUN), no qual a ora Relatora interveio na qualidade de 2.ª adjunta, onde se escreveu:

“Do contexto da petição inicial, constata-se que todos os vícios alegados são relativos à ilegalidade dos atos de liquidação de IRC objeto de cobrança coerciva pretendendo, apenas, a Recorrente sindicar a legalidade concreta da aludida dívida.

É certo que a Recorrente aduz que procedeu ao pagamento da fatura referente à taxa anual de funcionamento, melhor evidenciada no ponto 4 da factualidade, ora, fixada, mas a verdade é que só o pagamento da dívida exequenda é passível de subsunção normativa no artigo 204.º, nº1, alínea f), do CPPT, sendo que, in casu, o alegado pagamento não se reporta às dívidas exequendas (liquidações de IRC dos exercícios de 2014 e 2015) mas a uma taxa liquidada anteriormente.

É, igualmente, certo que a aludida taxa pode ter relação causal direta com as dívidas exequendas, mas tal nexo de causalidade poderá, quando muito e conforme veremos ulteriormente, ter relevância para efeitos de aferição de legalidade dos atos de liquidação, ora, objeto de questão controvertida.

De relevar, outrossim, que o Tribunal ad quem não descura que a Recorrente convoca a inexistência da dívida exequenda, mas a verdade é que tal alegação não é passível de enquadramento na alínea a), do citado nº1, do artigo 204.º, do CPPT. Conforme é jurisprudência unânime (…) “A ilegalidade em abstrato a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT - não reside diretamente no ato que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, decorrente da inexistência de lei em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação que preveja a sua liquidação ou da não autorização da sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respetiva liquidação”.

Não descurando, outrossim, que a Recorrente convoca a alteração do Regulamento DDR nº 23/2016/M de 23 de novembro de 2016 e a circunstância de à data da prática dos factos tributários o mesmo não ser passível de aplicação sob pena de violação do princípio da não retroatividade das leis fiscais, porém, e ainda que a Recorrente advogue consequências na própria existência do facto tributário, o certo é que a factualidade se reporta, mais uma vez, à taxa anual de funcionamento e à sua insusceptibilidade de cobrança através do processo de execução fiscal. Logo, atento o âmbito objetivo das dívidas objeto de cobrança coerciva a questão não pode, de todo, ser enquadrada na aludida alínea a)”.

Como tal, nos presentes autos, como naqueles, conclui-se, pois, que a causa de pedir é própria de impugnação, com os fundamentos transcritos supra.

Com efeito, a impugnação judicial é o meio adequado para reagir contra um ato tributário de liquidação, com fundamento em qualquer ilegalidade, tendo por objetivo a anulação total ou parcial dos atos tributários ou a declaração da sua nulidade ou inexistência.

Estando em causa a apreciação da legalidade do ato de liquidação, o meio próprio é, como referido, a impugnação judicial, o que implica aferir se se encontram reunidos os requisitos que permitam a convolação da presente ação no meio adequado. Com efeito, o Tribunal a quo considerou que, atento o pedido formulado, próprio de oposição à execução fiscal, não se poderia, se não, proferir decisão de indeferimento liminar (não tendo, pois, sequer cogitado a hipótese de convolação).

Vejamos se assim é.

Quanto ao erro na forma do processo, determina o art.º 97.º, n.º 2, da LGT, que “… [a] todo o direito corresponde o meio processual mais adequado de o fazer valer em juízo”, dispondo o seu n.º 3 que “[o]rdenar-se-á a correção do processo quando o meio usado não for o adequado segundo a lei”.

Por outro lado, nos termos do art.º 98.º, n.º 4, do CPPT, “[e]m caso de erro na forma do processo, este será convolado na forma do processo adequada…”.

Nos termos do art.º 193.º do CPC, ex vi art.º 2.º, al. e), do CPPT, o erro na forma do processo importa a anulação dos atos que não possam ser aproveitados.

Ou seja, sendo possível, há que proceder à convolação da forma de processo correta, como dispõem os já referidos art.ºs 97.º, n.º 3, da LGT, e 98.º, n.º 4, do CPPT.

No caso dos autos, desde logo, a petição mostra-se articulada e identifica os respetivos fundamentos, próprios de impugnação judicial, nos termos mencionados.

Quanto ao pedido formulado, o mesmo foi o seguinte:

“Nestes termos, bem como em todos os demais aplicáveis, deve a presente oposição ser julgada procedente por provada e em consequência ser declarada nula a presente execução fiscal, por inexistência de qualquer dívida fiscal à data da prática dos factos. Anulando-se assim todos os actos praticados pela administração tributária posteriores às preteridas citações, devendo para tanto o tribunal:

- Declarar nulo e sem qualquer efeito com base nulidade do facto gerador da perda do benefício fiscal, que geram a nulidade de todo o processo;

Devendo o processo seguir os seus termos até final”.

Apesar de se concluir pela “nulidade da execução fiscal”, deste pedido resulta implicitamente que a pretensão da Recorrente é uma apreciação da validade da liquidação de IRC [v., a este propósito, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 13.11.2013 (Processo: 0771/13); veja-se igualmente o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 12.04.2013 (Processo: 00088/03-Porto): “I - Quando o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo, (…) que, sempre que possível, deve ser sanada mediante convolação para a forma processual adequada, o que exige que a petição tenha sido apresentada em tempo para efeitos da nova forma processual, que o pedido formulado, devidamente interpretado e ainda que implicitamente, bem como a causa de pedir invocada se adequem a esta forma processual e que no processo não tenham sido formulados cumulativamente pedidos a que correspondam formas processuais diversas…” (sublinhado nosso)].

A consideração da existência de um pedido implícito trata-se de um reflexo do princípio pro actione, princípio este que aponta para interpretação e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal ou de evitar as situações de denegação de justiça, por excessivo formalismo, promovendo, pois, emissões de pronúncia sobre o mérito.

Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 26.09.2012 (Processo: 0678/12): “… afastado o rigor formalista na interpretação das peças processuais, desadequado aos tempos presentes e expressamente rejeitado pelos modernos direitos processuais que procuram dar tradução ao princípio tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses das partes, há-de concluir-se que a petição de oposição apresentada pode interpretar-se como contendo um pedido implícito”.

Pelo que, sendo percetível que a pretensão da ora Recorrente é no sentido de a liquidação em causa padecer de vício invalidante, o pedido implícito adequa-se à forma processual de impugnação.

Chama-se, mais uma vez, à colação o já mencionado Acórdão deste TCAS de 05.03.2020 (Processo: 176/19.3BEFUN), onde se refere:

“Não assiste (…) razão ao Tribunal a quo quando aduz que a Recorrente já não pode lançar do aludido meio processual, não se validando, outrossim, a conclusão que retira que o pedido formulado na petição inicial apenas se adequa ao processo de oposição, o qual, conforme veremos, reveste relevância para efeitos de aferição de impropriedade do meio e, eventual, convolação processual.

Vejamos, então.

(…) [S]e ponderarmos o seu pedido implícito dimana que a Recorrente, convoca a inexistência do facto tributário face à nulidade do facto gerador da perda do benefício fiscal, pretendendo que daí sejam retiradas todas as legais e devidas consequências, mormente a nulidade dos atos de liquidação.

Note-se que a Jurisprudência vem entendendo que deve flexibilizar-se a interpretação do pedido final da petição, de modo a apreender-se a verdadeira pretensão jurídica e conferir a maior tutela à parte.

De convocar, neste particular, o Aresto do STA, proferido no processo nº 01508/14, de 16 de dezembro de 2015:

“II-Na interpretação das peças processuais devem observar-se os critérios impostos pelos princípios do moderno processo e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, pelo que o tribunal deve extrair da redacção dada ao pedido na petição inicial o sentido mais favorável aos interesses do peticionante, estabelecendo, ainda que com recurso à figura do pedido implícito, qual a verdadeira pretensão de tutela jurídica.

III - Tendo presentes esses princípios e as concretas causas de pedir invocada, o pedido de extinção da execução formulado a final pelo oponente enquanto consequência da anulação total do acto de liquidação que está na origem da dívida exequenda pode ser interpretado como tendo implícito o pedido de anulação desse acto.”

Aqui chegados, resulta, assim, que nos encontramos perante uma petição inicial cujo pedido se adequa ao processo de impugnação judicial, o mesmo sucedendo com a causa de pedir.

Neste particular, importa relevar que assiste razão à Recorrente quando aduz que existe uma relação causal entre a taxa anual de funcionamento e as liquidações de IRC -não obstante, é certo e incorretamente, defender que esse nexo causal pode e deve ser discutido na oposição, o que não releva nos presentes autos atenta o princípio da oficiosidade na aplicação do direito que, como é consabido, pode até envolver a requalificação jurídica da pretensão deduzida pelo autor (art. 5.º, n.º 3, do CPC) – - e isto porque atentando no Relatório de Inspeção Tributária resulta, de forma inequívoca, que as liquidações de IRC dos exercícios de 2014 e 2015 têm subjacente a revogação da licença que atribuiu os benefícios fiscais a qual “foi revogada ao sujeito passivo por este não ter pago a taxa anual de funcionamento” o que “determinou a caducidade do licenciamento para operar na ZFM e, consequentemente, a não aplicação do benefício fiscal de redução de taxa”.

Logo, em tese e independentemente da bondade da sua pretensão, a existência da fatura evidenciada no ponto 4 e o seu, eventual, pagamento por terceiro pode ter influência direta na sua legalidade dos atos de liquidação de IRC dos exercícios de 2014 e 2015, objeto de cobrança coerciva nos processos executivos que legitimaram a citação da Recorrente.

Acresce, outrossim, que é, igualmente, alegado que a sociedade devedora originária nunca foi notificada de qualquer cancelamento da licença, donde, questões que podem revestir acuidade na análise da legalidade da dívida, ou seja, dos atos de liquidação de IRC dos exercícios de 2014 e 2015.

De relevar, neste particular, que o Tribunal ad quem não está, de todo, a facultar a possibilidade de discussão contenciosa da taxa anual de funcionamento-cuja legalidade teria de ser discutida em sede própria- o que se ajuíza, em rigor, é que sendo o objeto imediato as liquidações adicionais de IRC dos exercícios de 2014 e 2015, o eventual pagamento da taxa de funcionamento carece de ser indagado e analisado para efeitos de legalidade da dívida tributária, donde, em sede de impugnação judicial”.

Concluindo-se que estamos perante uma petição inicial, cuja causa de pedir é própria de impugnação judicial e cujo pedido, ainda que implícito, é também ele adequado, afastamo-nos do entendimento do Tribunal a quo, não sendo possível indeferir liminarmente a oposição sem antes se aferir da possibilidade de convolação, dado não se tratar de caso de manifesta improcedência da pretensão formulada.

Logo, resta apenas aferir do pressuposto da tempestividade, para efeitos de convolação – porquanto a eventual caducidade do direito de ação relativa à impugnação seria impeditiva de convolação, dado que se configuraria como ato inútil, proibido por lei (cfr. art.º 130.º do CPC).

Ora, atenta a factualidade assente, decorre que o termo do prazo para pagamento voluntário da liquidação de IRC em causa foi o dia 24.12.2018.

Nos termos do art.º 102.º do CPPT:

“1 - A impugnação será apresentada no prazo de três meses contados a partir dos factos seguintes:

a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte…”.

Tratando-se de um prazo substantivo, há que considerar as regras contidas no Código Civil a este propósito. Aliás, nesse sentido vai o art.º 20.º do CPPT, cujo n.º 1 prescrevia, à época, que “[o]s prazos do procedimento tributário e de impugnação judicial contam-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil”.

Assim, nos termos do referido art.º 279.º do Código Civil:

“À fixação do termo são aplicáveis, em caso de dúvida, as seguintes regras:

(…) b) Na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr;

c) O prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data; mas, se no último mês não existir dia correspondente, o prazo finda no último dia desse mês;

(…) e) O prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o ato sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo”.

Como tal, in casu, sendo a 24.12.2018 o termo do prazo para pagamento voluntário, o mencionado prazo de 3 meses completar-se-ia a 25.03.2019, segunda-feira, justamente o dia em que foi remetida a petição relativa aos presentes autos.

Assim sendo, reúnem-se as condições para convolar a oposição apresentada em impugnação judicial [art.ºs 97.º, n.º 3, da LGT, 98.º, n.º 4, do CPPT, e 193.º, do CPC, ex vi art.º 2.º, al. e), do CPPT].

Como tal, o indeferimento liminar recorrido, que decidiu pelo erro na forma do processo, por considerar que a causa de pedir não podia sustentar o pedido formulado e, consequentemente, sem aferir da possibilidade de convolação, não se pode manter na ordem jurídica, motivo pelo qual assiste, sob este prisma, razão à Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
a) Conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida, convolando-se a oposição à execução fiscal em impugnação judicial e ordenando-se a baixa dos autos à 1.ª instância, para que aí sejam tramitados em conformidade com a forma de processo que a partir desta convolação passam a assumir;
b) Sem custas;
c) Registe e notifique.


Lisboa, 03 de dezembro de 2020

[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores António Patkoczy e Mário Rebelo]

Tânia Meireles da Cunha

___________________
[1] Cfr., v.g., Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 17.12.2014 (Processo: 01001/13).
[2] Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e Comentado, Vol. III, 6.ª Ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, p. 443.
[3] Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e Comentado, Vol. III, cit., p. 446.
[4] Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Vol. III, cit., p. 493.