Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:877/17.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:05/03/2018
Relator:ANA PINHOL
Descritores:ENTREGA EFECTIVA DE COISA IMÓVEL
ARTIGO 151.º, N.º1 DO CPPT
Sumário:I. O adquirente, pretendendo obter a entrega de um bem imóvel que lhe foi adjudicado em venda judicial, deve solicitar junto do órgão de execução fiscal a respectiva entrega. Assim tem de ser, porque o órgão de execução fiscal não pode substituir-se ao adquirente na defesa dos respectivos direitos.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I.RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA, recorre para este TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO da decisão do TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE SINTRA datada de 14 de Dezembro de 2017, que lhe indeferiu o pedido de intervenção judicial com vista à emissão de mandado a determinar auxílio das autoridades policiais em diligência de arrombamento e substituição de fechadura para a efectiva entrega do imóvel vendido no processo de execução fiscal nº..., que corre termos no Serviço de Finanças de Amadora 2.

A Recorrente formula na sua alegação recursória as conclusões que infra se transcrevem:
«A) O presente recurso interposto vem reagir contra o douto despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo”, o qual recusou o pedido de auxílio da força policial, para a entrega do bem imóvel, designado pela letra ....., inscrita na matriz predial urbana sob o artigo .....º, da freguesia de B..., correspondente ao 2º Direito, do prédio urbano sito na Rua ....., n.º….. e descrito na Conservatória do registo Predial de Q... sob o n.º 2…..-......
B) O Meritíssimo Juiz indeferiu a pretensão da Fazenda Pública, por entender, que ao celebrar o acordo com o executado, a Caixa Geral de Depósitos SA, entrou na posse do bem.
C) Ora, não pode a Fazenda Pública concordar com tal despacho, uma vez que aquando da apresentação do presente incidente, a Fazenda Pública limitou-se a requerer o auxílio das forças policiais para o arrombamento da porta e substituição da fechadura e não uma análise ao processo da venda, até porque é sobre o Órgão de Execução Fiscal que impende o dever de entrega efectiva do bem ao adquirente, estabelecendo o CPPT o auxílio das forças policiais para esse acto, quando o executado não proceder à entrega voluntária do bem.
D) É, portanto, inadmissível do ponto de vista da fundamentação, perante as opções existentes e por tudo quanto expusemos, o raciocínio lógico-dedutivo realizado pelo douto despacho recorrido que infirma o indeferimento do auxílio das forças policiais para a efectivação da entrega do bem imóvel.
E) Ressalvando sempre o devido respeito, ao decidir como decidiu, o Meritíssimo Juiz incorreu em erro de julgamento, consistindo este, na má apreciação do regime legal aplicável aos factos em apreço, cumpridas que foram as condições previstas no artigo 256º, nº2 e 3, do CPPT e no arts. 828º, 861º, nº1 a 6 e 757º, nº3 e 4, todos do Código de Processo Civil.
F) Assim, salvo o devido respeito, entende a Fazenda Pública que o douto despacho padece de erro de julgamento de facto, por equívoco de interpretação, valoração e consideração da prova produzida nos autos, tornando-se inadmissível o indeferimento do requerimento apresentado pela Fazenda Pública, onde se solicita o auxílio das forças policiais para a efectivação da entrega do bem imóvel.

Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente Recurso ser provido e, consequentemente ser revogado o despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo”, assim se fazendo a costumada Justiça!»

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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Foi dada vista ao MINISTÉRIO PÚBLICO e a Procuradora-Geral Adjunto emitiu parecer a fls.83/84 destes autos, no sentido ser negado provimento ao recurso.

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Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr. art. 278.º, n.º 5, do CPPT e art.657.º, n.º 4, do CPC), vêm os autos à conferência para decisão.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
De acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil (CPC), é pelas conclusões da alegação da Recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
No seguimento desta orientação, a questão a decidir consiste em aferir da legalidade da decisão que indeferiu o incidente de autorização judicial para recurso ao auxílio das autoridades policiais na entrega efectiva de coisa imóvel.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto nos seguintes termos:
«a) No Serviço de Finanças de Amadora 2, correu termos contra António ....., o processo execução fiscal (PEF) n.º..... e apensos (cfr. documentos de fls. 6 e ss. dos autos);
b) Para garantia da dívida exequenda foi penhorada, no PEF supra referido, uma fracção autónoma designada pelas letras ….., inscrita na matriz predial urbana sob o artigo .....º, da freguesia de B..., correspondente ao 2º Direito, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal sito na Rua ....., nº….., e descrito na Conservatória do Registo Predial de Q... sob o n.º2…..-….., freguesia de B... (cfr. documento de fls.16 dos autos);
c) Por determinação do despacho de 14/10/2011, procedeu-se à venda do bem penhorado, e descrito na alínea anterior (cfr. fls. documentos 7verso dos autos);
d) A 23/12/2011, o imóvel foi adjudicado à Caixa Geral de Depósitos, S.A. (cfr. fls. documentos 7verso, 8 e 16v);
e) A Adjudicatária, em 16/12/2016, requereu a entrega do bem (cfr. documento de fls. 17v, 18 e 19 dos autos);
f) Na sequência do pedido de entrega do bem, a 14/02/2017, foi dirigido ao executado um ofício a notificá-lo para entregar o imóvel (cfr. fls. 20v e 21 dos autos);

g) A 27/02/2017, deu entrada requerimento do executado, onde além do mais se lê (cfr. requerimento de fls. 23 dos autos):

(Texto no Original)

h) A 17/08/2017, a OEF remeteu ofício para a CGD, S.A., onde além do mais, se lê (cfr. ofício de fls. 31 dos autos):

i) A 24/03/2017, pela CGD, S.A. foi remetido ao OEF, requerimento onde se lê (cfr. requerimento de fls. 32 dos autos):

»
Consta ainda da sentença recorrida que: «Não existem outros factos, com relevo para a decisão da causa, que importe dar não provados.» e que «O Tribunal alicerçou a sua convicção na análise crítica dos documentos supra identificados.».


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B.DE DIREITO
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra proferiu decisão, indeferindo o pedido apresentado pela recorrente de auxílio das autoridades policiais em diligência para se proceder ao arrombamento e/ou substituição de fechaduras de imóvel objecto de venda no processo de execução fiscal n.º..... e apensos por considerar que o acordo existente entre o executado e a adquirente (Caixa Geral de Depósitos) posterior à venda, i.é. o pagamento de um valor pela ocupação do imóvel mostra-se inviabilizado o peticionado.
Na perspectiva da recorrente «(…) o douto despacho padece de erro de julgamento de facto, por equívoco de interpretação, valoração e consideração da prova produzida nos autos, tornando-se inadmissível o indeferimento do requerimento apresentado pela Fazenda Pública, onde se solicita o auxílio das forças policiais para a efectivação da entrega do bem imóvel.» [Conclusão F)]
É o seguinte o teor do artigo 256º nos seus n.ºs 2 e 3 do CPPT, que tem por epígrafe Formalidades de venda”:
«2 - O adquirente pode, com base no título de transmissão, requerer ao órgão de execução fiscal, contra o detentor e no próprio processo, a entrega dos bens.
3 - O órgão de execução fiscal pode solicitar o auxílio das autoridades policiais para a entrega do bem adjudicado ao adquirente.».
O Tribunal Constitucional tem reiteradamente reconhecido que « A proteção da inviolabilidade domiciliária, à semelhança dos restantes direitos fundamentais, não consubstancia um direito absoluto ou ilimitado.
De facto, a própria Constituição, no n.º 2 do artigo 34.º, admite que a entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstas na lei.
Fica, assim, definida uma autorização constitucional expressa para o estabelecimento de restrições à inviolabilidade do domicílio, que estão sujeitas à reserva de lei – que definirá os seus concretos termos – e ao controlo da autoridade judicial competente.» (acórdão de 24.04.2012, proferido no processo n.º 166/12, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Direito que é acautelado no plano da lei ordinária pelo disposto no n.º 3 do artigo 757.º CPC, onde se prevê que:
«3 - O agente de execução pode, ainda, solicitar directamente o auxílio das autoridades policiais nos casos em que seja necessário o arrombamento da porta e a substituição da fechadura para efectivar a posse do imóvel, lavrando-se auto da ocorrência.».
A exigência legal da autorização judicial prévia ao «arrombamento da porta e a substituição da fechadura para efectivar a posse do imóvel» é da competência do juiz do tribunal tributário [artigo 151.º, n.º1 do CPPT]. A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem salientado que «(…) Esta exigência da autorização comporta a garantia de uma prévia e casuística ponderação confiada a quem, como já referimos, é matricialmente assumido como o garante, por excelência, dos direitos fundamentais.» (acórdão cit.).
Verificando a situação concreta, vemos que o executado e na qualidade de fiel depositário não procedeu à entrega do bem imóvel dentro do prazo fixado.
Acontece, que a relação constituída entre o executado e a Caixa Geral de Depósitos, em data posterior à adjudicação, i.é, mediante qual foi permitida a permanência do primeiro no imóvel [cfr. alíneas g) e h) do probatório], deixou de se verificar o pressuposto da norma contido n.º 3 do artigo 757.º do CPC "necessidade de arrombamento para efectivar a posse",
Alias, isso mesmo resulta da circunstância da Caixa Geral de Depósitos não ter requerido a entrega voluntária do bem imóvel, após a emissão do título de transmissão e cancelamento dos ónus [cfr. al. h) do probatório], ao ponto, da recorrente
Depois, não se vê como possa ter sido avançada a "necessidade de arrombamento para efectivar a posse", se este juízo partiu, da recorrente, como a própria admite, ao afirmar:« Intuiu este serviço de finanças que a CGD tinha a intenção de tomar essa iniciativa» [cfr. al.h) do probatório].

Dentro desta mesma linha de pensamento, escreveu-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (na versão do CPC anterior àquela aqui aplicável, mas nem por isso, menos actual e pertinente quanto seu ensinamento) « (…) requerido pelo adquirente dos bens, o prosseguimento da execução, que segue os termos de execução para entrega de coisa certa, proceder-se-á respectiva entrega judicial efectiva, se necessário com o auxílio da força pública, arrombando-se as portas e lavrando-se auto da ocorrência.
Mas isto, como se disse, por iniciativa processual do adquirente dos bens, que não, de motu próprio, pela administração tributária.
Efectuada, pois, por esta, a adjudicação dos bens, ao adquirente cabe processualmente providenciar no sentido da respectiva entrega - artº 900º e 901º do Cód. Proc, Civil.» (acórdão de 20.11.2002, proferido no recurso n.º 01217/17, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
Assim tem de ser, acrescentamos nós, justamente porque o órgão de execução fiscal não pode substituir-se ao adquirente na defesa dos respectivos direitos.
Chegados aqui, por necessária referência à factualidade provada, é medianamente claro que de que o pedido de autorização formulado pela recorrente teria, como foi, que ser indeferido, porquanto, não existe, fundamento legal para dar como verificado o pressuposto normativo da necessidade de conferir a posse do imóvel ao adquirente.
Pelo exposto e nos termos sobreditos, improcede o recurso interposto, mantendo-se por isso, a decisão recorrida.

IV.CONCLUSÕES
I. O adquirente, pretendendo obter a entrega de um bem imóvel que lhe foi adjudicado em venda judicial, deve solicitar junto do órgão de execução fiscal a respectiva entrega. Assim tem de ser, porque o órgão de execução fiscal não pode substituir-se ao adquirente na defesa dos respectivos direitos.

V. DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da recorrente.
Lisboa, 3 de Maio de 2018.
[Ana Pinhol]

[Jorge Cortês]

[Cristina Flora]