Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1306/13.4BESNT
Secção:CA - 2º JUÍZO
Data do Acordão:04/19/2018
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:INCOMPETÊNCIA MATERIAL DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS
OPORTUNIDADE DO SEU CONHECIMENTO ALÉM DO SANEADOR
DECISÃO SUPRESA
Sumário:I – O presente litígio é relativo a uma “questão fiscal”, na tese ampliativa defendida pela jurisprudência, segunda a qual questões fiscais são as que exigem a interpretação e aplicação de quaisquer normas de Direito Fiscal substantivo ou adjectivo para a resolução de questões sobre matérias respeitantes ao exercício da função tributária da Administração Pública.

II - Envolvendo a presente acção directamente a interpretação e aplicação de disposições de direito fiscal, ou que se situem no campo da actividade tributária, a acção tem por objecto um ato tributário ou o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido em matéria fiscal.

III - Donde que estamos perante uma decorrência de relação jurídica fiscal visto estar em discussão a legalidade da interpretação e aplicação de disposições de direito fiscal, ou que se situa no campo da actividade tributária, impondo-se neste âmbito a revogação do julgado aqui sindicado que declarou serem competentes os tribunais administrativos.

IV - Sendo a competência material do tribunal tributário e sendo aplicável o disposto no art. 149.° do CPTA, revogada a decisão, o uso deste poder processual, pelo TCA, previsto no n.° 2 do art. 149.°, n°2 do CPTA.

V - É que, sendo o recurso decidido no que à questão da competência material se refere, com base nos factos alegados e provados, factos esses de que as partes tiveram conhecimento e contra os quais poderiam esgrimir os argumentos que entendessem convenientes, na altura própria, a decisão tomada no acórdão em nada afectará quer a pretensão deduzida, quer a defesa, estando a audição das partes será dispensada nos termos do artigo 3º nº. 3 pois é um caso de manifesta desnecessidade e em que, objectivamente, as partes não possam alegar de boa fé, desconhecimento das questões de direito ou de facto a decidir pelo Juiz e das respectivas consequências, o que sucedeu precisamente no caso concreto.

VI - Limitando-se o Mmº Juiz “a quo” a fazer uma declaração genérica sobre as questões prévias ou excepções (tabelar) sem efectuar uma apreciação concreta, o despacho saneador, não constitui nessa parte caso julgado formal, nada obstando à sua apreciação em momento subsequente, ou seja, não está precludida a possibilidade de apreciar tais questões.

VII - No âmbito da acção administrativa especial em que nos encontramos, o nº 2 do artº 87º (correspondente ao actual 88º) do CPTA impõe a concentração na fase do despacho saneador da apreciação de quaisquer questões que obstem ao conhecimento do processo, não só proibindo que sejam suscitadas e decididas em momento posterior do processo quaisquer outras questões ou excepções dilatórias que não tenham sido apreciadas no despacho saneador, como impedindo que as questões já decididas nesse despacho venham a ser reapreciadas com base em novos elementos. Não obstante, a segunda parte do nº 2 consagra a solução que constava do artigo 510.°, n°3, do CPC (nesse sentido, aponta agora o nº 2 do artº 97º do CPC a contrario), que confere ao despacho saneador a força de caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas.

VIII - Esta solução processual insere-se num princípio de promoção do acesso à justiça, visando evitar que o tribunal relegue para final a apreciação das questões prévias para só então pôr termo ao processo com uma decisão de mera forma e, por outro lado, que o processado seja utilizado a todo o tempo para suscitar questões formais, com consequências negativas no plano da economia e celeridade processual.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I- RELATÓRIO

O Ministério das Finanças-AT, vem interpor recurso da sentença proferida em 22-09-2017, a qual julgou procedente a acção e condenou a AT à prática do ato devido, de informar ao Serviço de Execuções Fiscais do Município de Oeiras do domicilio actualizado dos executados (e data de alteração, se for o caso), em sede de processos de execução fiscal municipal e em caso de óbito dos mesmos, a informar a respectiva data com indicação dos herdeiros/cabeça de casal e respectivos domicílios fiscais.

A rematar as suas alegações, formulou as seguintes conclusões:

“a) Não se reconhece ao MO apesar de integrar a administração tributária para aplicação das normas da LGT e CPPT, as mesmas atribuições e competências que a autorize legalmente a aceder à base de dados da AT.
b) A recolha de dados pessoais pela AT não tem a finalidade de identificar os cidadãos perante toda e qualquer entidade administrativa.
c) Conforme se defende, para a cessação do dever de confidencialidade na cooperação legal da AT com outras entidades públicas, na medida dos seus poderes, previsto na al. b) do n.° 2 do artigo 64.° da LGT, é necessário a consagração na lei de poderes gerais de acesso por entidades públicas, conforme dispõe a alínea b) do artigo 6.° da Lei da Protecção de Dados Pessoais.
Nestes termos e nos demais de direito deverá esse Douto Tribunal conceder provimento ao presente recurso pois o entendimento preconizado pela sentença do Tribunal "a quo" viola a lei substantiva, colidindo com os princípios constitucionais previstos no artigo 26.°, 35.° e 266° da CRP.”

Contra-alegou o Autor, concluindo como segue:

“1.ª O Ministério das Finanças, R. e ora Recorrente, vem interpor recurso da mui douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo em 22.09.2017, que julgou procedente a presente ação administrativa especial! e, em consequência, condenou a Entidade Pública Demandada, à prática do ato devido, em concreto, de informar o Serviço de Execuções Fiscais do Município de Oeiras do domicilio atualizado dos executados (e data de alteração, se for o caso) em sede de processos de execução fiscal municipal e no caso de óbito dos mesmos, a informar a respetiva data com indicação dos herdeiros/cabeça de casal e respetivos domicílios fiscais.
2.ª O douto Tribunal a quo entendeu que quanto à questão fundamental a resolver nos presentes autos, não assistia razão ao Réu Ministério das Finanças, porquanto no caso concreto além de o Município Recorrido integrar a Administração Tributária para efeitos da aplicação da LGT e, consequentemente, também do seu artigo 64.g, o Ministério das Finanças não podia igualmente recusar a prestação da informação e elementos solicitados já que os mesmos não se encontram abarcados pelo dever de sigilo ou confidencialidade fiscal previsto naquele artigo 64.2 da LGT.
3.ª Não se conformando com o doutamente decidido, o Recorrente sindicou o juízo formulado pelo Tribunal a quo por considerar que a decisão proferida não interpretou, nem aplicou corretamente a lei substantiva, colidindo assim com os princípios constitucionais previstos nos artigos 26.º, 35.° e 266.º da CRP.
4.ª Em resumo, o Recorrente continua a impetrar o entendimento de que no caso concreto está em causa a prestação de informação coberta por sigilo fiscal abrangido pelo artigo 64.ª da LGT e que, por isso, está obrigada a guardar sigilo sobre a situação tributária dos contribuintes e demais elementos de natureza pessoal a que tenha acesso, sendo necessária a consagração na lei de poderes gerais de acesso a esses dados por entidade públicas, pelo que a douta Sentença, ao não sufragar de igual entendimento, violou a lei substantiva, mormente, a Lei n.º 67/98, de 26 de outubro (Lei da Proteção de Dados Pessoais), relativa à proteção de dados pessoais.
5.ª Ora, ao contrário do alegado pelo Recorrente, a douta Sentença proferida fez uma correta interpretação da realidade factual e jurídica, interpretando corretamente a lei aplicável ao caso subjudice.
6.ª A interpretação do ora Recorrente quanto ao objeto do litígio é manifestamente contrária ao teor da própria lei, num claro erro quanto aos pressupostos de direito pois confunde e generaliza situações ao ponto de "radicalizar" o dever de sigilo fiscal tornando inútil a própria utilização do normativo que o prevê!
7.ª Não se compreende, nem sequer se encontra justificado, o facto de o R., ora Recorrente, entender que o A. MO é uma entidade terceira à AT para efeitos do cumprimento do dever de sigilo previsto no art.s 64.º da LGT, desde logo porque, como bem refere o legislador no artigo 1.º, n.ºs 2 e 3 da LGT, as autarquias locais (como é o caso do A. Município de Oeiras, ora Recorrido), enquanto "entidades públicas legalmente incumbidas da liquidação e cobrança dos tributos" (neste caso, tributos locais) são, concomitantemente com as demais entidades a quem essa competência é atribuída, parte integrante da administração tributária para efeitos de aplicação das leis tributárias, mormente, da LGT (e do seu art.º 64.º).
8.ª É, pois, incontestável que o Serviço de Execuções Fiscais da Câmara Municipal de Oeiras é parte integrante da Administração Tributária tal como o Ministério das Finanças também é, não fazendo pois qualquer sentido que uma entidade integrante da AT negue dados a outra entidade também componente dessa mesma Administração!
9.ª Os dados facultados pelos contribuintes à AT são, com efeito, dados por aqueles disponibilizados para cumprimento das suas obrigações fiscais, onde igualmente se incluem os tributos administrados pelas autarquias locais (a administração tributária autárquica integra a administração tributária do Estado).
10.ª De resto, de acordo como princípio da publicidade dos atos (cfr. art.º 19.º da LGT) o domicílio fiscal do sujeito passivo da relação tributária é, para a entidade de direito público titular do direito de exigir o cumprimento das obrigações tributárias, uma informação pública e de comunicação obrigatória por aquele sujeito passivo à administração tributária (que, por conseguinte, deverá poder ser consultada e transmitida aos vários órgãos que compõe, nos termos do art.º1º, n.º3 da LGT, a administração tributária).
11.ª Assim, de acordo com o referido n.º 3 do art.º 1º da LGT ex vi n.º4 do art.º 238.º da CRP, é ilegal e inconstitucional a recusa do Recorrente em prestar as informações solicitadas pelo órgão de execução fiscal do Recorrido, não podendo colher abrigo o entendimento do Recorrente que o Serviço de Execuções Fiscais do MO é uma entidade terceira à administração tributária (que, de resto, está em clara contradição com os mencionados normativos).
12.ª Tal assim é que tanto a reserva da intimidade da vida privada como o dever de sigilo fiscal não podem (nem devem) ser absolutos e muito menos indiferentes ao dever de cooperação entre as várias instituições do Estado, sobretudo quando está em causa o cumprimento de competências legalmente previstas, como cobrança coerciva de tributos devidos por determinado munícipe.
13.ª Ora, de acordo com o art.º 64.º da LGT o dever de sigilo cessa (de imediato e vinculadamente) quando houver um dever de cooperação legal da administração tributária com outras entidades públicas, na medida dos poderes legais dessas entidades, como é, aliás, o caso dos presentes autos.
14.ª Face ao exposto e aplicando ao caso concreto a exceção prevista na al. b) do n.º 2 do art.º 64.º da LGT, o dever de sigilo das Finanças Locais (em concreto, do Serviço de Finanças de Oeiras; 2) teria obrigatoriamente que cessar por força do dever de cooperação que aquela edilidade tem, no caso em análise, para com o Serviço de Execuções Fiscais do MO, pois que a informação requerida pelos serviços competentes do MO é essencial para o cabal cumprimento das respetivas funções de cobrança dos tributos em dívida, sendo mais do que imperioso garantir o exercício dessas competências, atenta a necessidade de cobrança das dívidas existentes ao Estado/Município.
15.ª Por outro lado a informação requerida em momento algum colide com os direitos legalmente protegidos dos sujeitos passivos envolvidos, não se podendo afirmar que está em causa o núcleo essencial de direitos fundamentais tutelados pelo sigilo fiscal previsto no artigo 64.º da LGT, pois que tal núcleo apenas respeita a elementos particularmente íntimos e privados do cidadão sujeito ao procedimento, e já não outros elementos públicos sem qualquer caráter íntimo, como os solicitados pelos Serviços do Recorrido, ao quais nada têm que ver com o nível de riqueza do cidadão visado e muito menos com a sua situação tributária particular.
16.ª O que vale por dizer que não pode proceder o entendimento do Recorrente de que a douta Sentença proferida violou a lei substantiva, mormente, a Lei n.º 67/98, de 26 de outubro (Lei da Proteção de Dados Pessoais), porquanto, não se pode confundir o conceito amplo de dados pessoais previsto naquela Lei com o conceito do artigo 64.°, n.º1 da LGT, que é muito mais reduzido conforme supra exposto.
17.ª Acresce que no caso concreto, não estão a ser violados quaisquer princípios norteadores do tratamento de dados pessoais, já que o pedido de informação em causa é lícito e legitimo e é efetuado em total respeito pelo princípio da boa-fé, da proporcionalidade e da cooperação, sendo que os dados pretendidos têm uma finalidade determinada, são adequados, pertinentes e não excessivos.
18.ª Não pode, pois, valer o entendimento do Recorrente no sentido de que está a ser violada a Lei da Proteção de Dados Pessoais, quando, claramente, o âmbito de aplicação do dever de sigilo previsto no art.- 64.º da LGT é muito mais estrito que o previsto naquela Lei.
19.ª Aliás, é de acordo com o estipulado no art.º 1º, n.º 3 da LGT, e, bem assim, do dever de cooperação entre as entidades públicas, que o Recorrente devia nortear a sua conduta, possibilitando o cumprimento do interesse público ao invés de o dificultar.
20.ª Não era por conseguinte válido ao R. e ora Recorrente a negação dos elementos solicitados pelo Recorrido ao abrigo do art.º 64.º da LGT, pois tais dados visavam tão só a localização dos sujeitos passivos de um crédito do Município/Estado.
21.ª A postura adotada pelo Recorrente só encontra justificação numa errada e (má) interpretação da lei, em claro prejuízo do cabal exercício das competências conferidas aos municípios para a liquidação e cobrança dos tributos locais, em cumprimento do interesse público tributário de arrecadação de receitas.
22.ª Sufragando-se integralmente a fundamentação expendida, o Recorrido entende que a douta Sentença sob recurso não merece qualquer censura, por fazer correta aplicação da lei, nos termos supra expostos, devendo ser confirmada com a consequente improcedência de todas as conclusões da alegação do Recorrente.
Nestes termos e nos mais de Direito, Deve o recurso interposto pelo Recorrente Ministério das Finanças ser julgado improcedente, mantendo-se a douta Sentença recorrida, com todas as suas legais consequências, fazendo-se, assim, a já costumada JUSTIÇA!”

A DMMP junto deste tribunal notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146º, nº1 do CPTA, emitiu Parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso.

Os autos vêm à conferência com dispensa de vistos.
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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Dos Factos:

O Tribunal a quo, com relevância para a decisão da causa, deu como assente a seguinte matéria de facto:
1) -O Autor [A], Município de Oeiras [MO], NIPC ....., tem sede no Largo Marquês de Pombal, em Oeiras.
2) -Em 07/11/2011, o Serviço de Execuções Fiscais do MO [SEF-MO], ora A requereu ao do Serviço de Finanças Oeiras-2 [SFO-2], no âmbito de processo de execução fiscal [PEF] autárquico, pelo requerimento, via e-mail, de fls 16, Doc 1 da PI, e fls 1 do PA anexo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, o seguinte, nos termos que ora se destacam:
«(...) Incumbe-me a Responsável pelo Serviço de Execuções Fiscais da Câmara Municipal de Oeiras, para instrução do(s) processo(s) executivo(s) infra identificados e que correm termos neste Serviço, de solicitara V. Exas, ao abrigo do disposto nos artigos 13° e 49°, ambos do Código do Procedimento e Processo Tributário e artigo 64°/2 alíneas b) e d) e nº 3 da Lei Geral Tributária, que se dignem mandar informar, sobre os executados infra melhor Identificados, o seguinte:
Domicílio Fiscal actual;
Data de alteração do mesmo, se caso disso;
Existência de eventuais representantes legais, respectivos nomes, NIF e domicílios fiscais;
Data de eventual óbito, e na positiva, a identificação de herdeiros, respectivo(s) NIF e domicílios fiscais;
(....)»-
3) -O motivo subjacente ao pedido, acabado de referir, prendia-se com a necessidade de o SEF-MO proceder a citações/ notificações de executados no âmbito de dívidas ao MO, por as mesmas terem sido devolvidas [pelos CTT] com menções de "desconhecido", "falecido", "morada incorrecta", entre outros.
4) -Os PEF são abertos na sequência de dívidas dos executados ao Município, por taxas municipais não pagas, serviços prestados e não pagos, coimas, ente outras.
5) -A supra referida solicitação ao SFO-2 visa possibilitar o contacto inicial do Município com os munícipes que são sujeitos de processos de execução fiscal.
6) -Em 14/11/2011, os SFO-2, em Paço de Arcos, elaboraram a Informação de fls 18, [e anexos de fls 19 a 31, com a Informação 552/11, de 10/10/2011, da DG dos Serviços de Justiça Tributária, também a fls 5/ss do PA] Doe 2 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, com o despacho de [intenção de] indeferimento do Chefe de Finanças, do mesmo dia, nela aposto, que ordenou a notificação do MO para audição prévia, nos seguintes termos, que se destacam:
«Considerando a informação infra e o entendimento veiculado pela informação n° 552/2011, sancionado por despacho de 19/10/2011 do Senhor Director-Geral dos Impostos (cuja cópia se anexa), sobre o pedido em referência e o regime do sigilo fiscal a que estão vinculados os serviços/funcionários da administração fiscal, terá de se concluir que não é possível aceder ao pedido formulado pela Câmara Municipal de Oeiras -DPGF/Serviço de Execuções Fiscais, face ao previsto pelos artigos 64° e 68°-A, da LGT, pelo que com os fundamentos enunciados indefiro o pedido. Notifique-se, para efeitos de audição prévia, (...).».
7) -Em 30/11/2011, através do ofício n° 00043085 e da Informação 099/2011 para que remete, e fax, de fls 32 a 36, e fls 73/ss do PA Doc 3 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, o MO exerceu o direito de audição prévia.
8) -Em 12/12/2011, os SFO-2, em Paço de Arcos, elaboraram a Informação de fls 39, e fls 82 do PA [reportada à mesma Informação 552/11, de 10/10/2011, acima mencionada, anexa] Doc 4 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, propondo o projectado indeferimento.
9) -Em 12/12/2011, o Chefe de Finanças do SFO-2, proferiu o despacho de indeferimento de fls 38, e fls 81, do PA Doe 4 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, ora se destacando o seguinte:
« (....) verifica-se no essencial que:
-A requerente mantém e reafirma o seu pedido, que concretamente visa aceder a determinada informação de que a Administração Tributária dispõe essendalmente com base no artigo 19°, da LGT, que em última instância consiste na identificação de alguém e respectiva morada com vista ao correspondente procedimento ou processo;
-Entende a requerente que a legitimidade para a obtenção da referida informação se baseia no facto da mesma se destinar à normal persecução das suas atribuições e competências enquanto Autarquia Local, afirmando-se assim como parte integrante da própria Administração Tributária (cfr pontos 3, 4, 12 e 27 -direito de audição);
-E finalmente, admitindo outro posicionamento ou interpretação alternativo, defende ainda a requerente que a legitimidade na obtenção da informação pretendida tem suporte legal no dever geral de cooperação de entidades públicas, comunicando-se em consequência o dever de confidencialidade aos serviços/ funcionários da CMC intervenientes nos seus processos, nos termos do artigo 64°, nº 2, Da LGT. Do exposto e mantendo-se o pedido nos termos em que foi apreciado:
-Considera-se que o conhecimento, isolado, da data do óbito, nos casos em que o mesmo eventualmente tenha ocorrido, não interessa à requerente dado que conforme se referiu se pretende a identificação de alguém e respectiva morada;
-E, conclui-se que inexistem fundamentos para alterar o sentido do projectado despacho dado que o pedido nos termos em que se mantém, foi objecto de apreciação e sancionamento superior, conforme se deu a conhecerá requerente,
Pelo que, com os fundamentos de facto e de direito enunciados, determino o indeferimento do pedido em referência, apresentado pela Câmara Municipal de Oeiras - DPGF/ Serviço de Execuções Fiscais, face ao previsto, especialmente, pelos artigos 8°, 64° e 68°-A da LGT e informação n° 552/2011, sancionada por despacho de 19/10/2011, do Senhor Director-Geral dos Impostos (....)».
10)-Em 13/01/2012, o A interpôs o Recurso Hierárquico [RH] da decisão de indeferimento acabada de referir, mediante o requerimento de fls 57 e fls 84/s do PA Doc 5 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, com fundamentos idênticos aos da PI.
11)-Em 26/12/2012, os Serviços do R elaboraram a Informação 6530 de fls 66 a 68v, e fls 151/s do PA Doe 6 da PI, com pareceres de concordância apostos na mesma, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, propondo o indeferimento do RH.
12)-Em 04/06/2012, foi aposto sobre a Informação acabada de referir a decisão de indeferimento do RH de fls 65, e fls 151, do PA doc 6 da PI, por concordância, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
13)-Em 03/07/2013, pelo ofício de fls 64 e fls 153 do PA, doc 6 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, o R deu conhecimento ao A da decisão de indeferimento do RH, acabada de referir.
14)-Em 03/10/2013, o A deu entrada em juízo à presente acção - fls 2 e 3.
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Factos não provados, com interesse para a presente decisão: não há.
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Motivação: o tribunal fundou a sua convicção na análise crítica dos documentos referidos em cada ponto antecedente, cuja genuinidade e autenticidade não é controvertida, nem nos deixa dúvida, no alegado pelas partes e respectivos acordos, tudo conjugado com o disposto nos artigos 341, 342/ss e 362/ss, do CC e ainda 607-4-5, do CPC e 83-4, do CPTA

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2.2. Do Direito

Os recursos, que devem ser dirigidos contra a decisão do tribunal a quo e seus fundamentos, têm o seu âmbito objectivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso, alegação que apenas pode incidir sobre as questões que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido (ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas) - v.g. artigos 635º e 639 do NCPC, «ex vi» do artigo 1º do CPTA.
Assim, atentas as conclusões de recurso, a questão decidenda passava, por determinar se a sentença incorre em erro de julgamento ao perfilhar o entendimento de que o Município não detém as mesmas competências e atribuições que a autorize a aceder a bases de dados da AT, e que a cessação do dever de confidencialidade, na medida dos seus poderes previstos no art.º 64.º, n.º 2, al b), da LGT, está sujeita à consagração na lei de poderes gerais de acesso por entidades públicas, conforme dispõe a al. b), do art.º 6.º, da Lei de Proteção de Dados Pessoais.
Todavia, o conhecimento dessa questão não é viável porque ocorre uma questão prévia que podia e devia ter sido oficiosamente conhecida pelo tribunal a quo, qual seja, a incompetência do tribunal administrativo em razão da matéria nos termos e pelos fundamentos que passam a suscitar-se.
Como na própria sentença se enuncia, a matéria em discussão é de direito e diz respeito ao âmbito do sigilo fiscal previsto no artigo 64 da LGT e ao dever de a AT fornecer aos PEF dos municípios, em suma, elementos que permitam determinar o paradeiro do executado, mormente vindo a correspondência devolvida com nota de "desconhecido", "falecido", "morada incorrecta", e similares.
Como bem se refere ainda na sentença, “delimitando questões, não vale a pena, portanto, desviar atenções para outros elementos e finalidades vedados pelo dever de sigilo fiscal, como se verifica nas Informações dos SF, e tecer argumentos irrelevantes para estes fins, porque é disto que se trata e não de outros elementos ou fins que possam violar a "intimidade privada" dos contribuintes, sujeitos executados em PEF municipal.
Também não vale deslocar a atenção para o direito de acesso dos cidadãos, tutelado na CRP, aos documentos administrativos, e seus limites, porque não é disso que se trata e porque as situações não são todas confundíveis e redutíveis aos mesmos parâmetros e limites constitucionais, legais e pragmáticos.”
Perante aquela factualidade, determinemos então, pois é essa a questão fundamental a decidir, se ocorre ou não a incompetência material do Tribunal «a quo» para conhecer do recurso, o que passa necessariamente pela qualificação prévia dos actos impugnados como envolvendo, ou não,
Preliminarmente, diga-se que, em geral, o conceito de competência é definido como o complexo de poderes funcionais conferidos por lei a cada órgão ou cargo para o desempenho das atribuições da pessoa colectiva em que esteja integrado.
O artº 20º, nº 1 da Constituição determina que «a todos é assegurado o acesso ao direito aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos».
Consagra este preceito, além do mais, o direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional que implica naturalmente a garantia de uma protecção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efectiva.
Tendo isso presente, o certo é que, a política conformadora do Estado social levou a Administração a invadir os campos mais insuspeitados da actividade individual, tornando os cidadãos cada vez mais dependentes das suas prestações.
Falida a concepção liberal em que se defendia a abstenção do Estado como forma de protecção do cidadão, hoje, adversamente, reclama-se a sua intervenção na vida económica, social e cultural, de forma a criar as condições indispen­sáveis à realização do homem.
O Estado social implica, pois, a existência de uma Administração «constitutiva» ou «conformadora» em ordem à realização de uma ideia de justiça social, extirpando os resquícios de uma Administração eminentemente absten­cionista e «agressiva» típica do Estado anterior, o que acarreta, incontornavelmente, a omnipresença da Administração na vida social e a proliferação de situações em que esta pode colidir com os direitos e interesses do cidadão, com o consequente aumento da conflitualidade.
No reverso, cresce um sentimento generalizado da necessidade de reforço das garantias dos administrados e, na esfera do político, nota-se uma pulverização e democratização do poder com alterações na estrutura organizativa da Administração Pública.
Assim se justificam os movimentos de descentralização e desconcentração das competências administrativas, com a inevitável multiplicação dos órgãos capazes de praticarem actos definiti­vos os quais deixaram, assim, de ser atributo dos poucos órgãos supremos que mereciam um maior crédito quanto à responsabilidade e ao cuidado na obser­vância da legalidade nas suas decisões.
Todavia, se é certo que a fragmentação do poder implicou que a Administração deixasse de ter o monopólio da titularidade e gestão dos interesses gerais, dando origem a que dentro do próprio Estado surgissem novos entes públicos que configu­ram outros tantos centros autónomos de decisão e de poder que concorrem para a realização do interesse público, também o é que no exterior do aparelho estadual se assiste à gestão de interesses colectivos por entes que não fazem parte do complexo orgânico da Administração.
Daí que a Administração e os entes, que não fazem parte do complexo orgânico da Administração mas procedem à gestão de interesses colectivos, esteja agora mais vinculada ao direito, já que não só tem de cumprir as condições e os limi­tes expressamente fixados na lei, mas também tem de respeitar princípios jurídicos fundamentais, nomeadamente os princípios da imparcialidade, da igualdade, da justiça e da proporcionalidade, ou seja, a Administração, no seu todo, está submetida ao princípio da juridicidade, concepção que traduz com mais rigor a sua vinculação ao direito do que o tradicional princípio da legalidade.
Ora, no Estado social e democrático, os textos constitucionais, reagindo contra uma concepção puramente retórica dos direi­tos fundamentais, consagraram direitos liberdades e garantias eficazes por si mes­mos e vinculativos para todos os poderes públicos e privados e privados.
Todavia, a efectividade do seu reconhecimento exige uma protecção jurisdicional imediata sem a qual as declarações constitucionais não passam de figuras retóricas, de tex­tos declamatórios que formulam ideários, mas não atribuem nem protegem direitos.
Nesse sentido, há que reconhecer e impor mudanças nas relações entre a Administração e os administrados de modo a que se reduza a superioridade da Administração perante o cidadão que deixa de ser mero destinatário da acção administrativa, transmutando-se em sujeito de direitos que a Administração, como qualquer outro poder do Estado, ou privado actuando no âmbito do interesse público, tem de respeitar.
A Administração apresenta-se, segundo esta visão, como um poder autónomo, mas em paridade institucional com os outros poderes, direccionado à realização em concreto do interesse público mediante a prática de actos dotados de poder de imperium, de força de autoridade em que, todavia, as exigências de celeridade e eficiência da sua actuação perdem a natureza de valor absoluto, para, casuisticamente, serem conciliadas com os limites postos pelos direitos fundamentais do cidadão e os prin­cípios constitucionais.
Em vista do caso concreto, entre os direitos fundamentais recolhidos na lei fundamental, há a destacar a consagração do direito à tutela judicial efectiva que visa alcançar um controlo integral e pleno da actividade administrativa como o principal instrumento de defesa dos par­ticulares face à Administração.
Mas isso não era compatível com um contencioso de tipo puramente impugnatório face à multiplicação e complexificação de modos de conduta da Administração que atrás já se assinalaram, quando é certo que tradicionalmente o processo contencioso foi perspectivado e estruturado à luz da configuração bilateral da relação jurídico - administrativa, e a complexidade das tarefas do estado social atestam um aumento crescente das relações jurídicas poligonais.
Este estado de coisas impôs o aperfeiçoamento e adaptação dos meios processuais do Con­tencioso no sentido de uma plena juris­dição e abertura para as mais variadas formas de acção administrativa com a inevitável desvalorização do acto administrativo como figura nuclear do contencioso administrativo e a relativização da importância que esse acto desempe­nha na dogmática clássica do direito administrativo, quer no plano do direito adjectivo, quer no do direito substantivo.
Respiga-se, a tal propósito, gomes canotilho, cfr. «Procedi­mento Administrativo e defesa do ambiente», RLJ, 123 (1990/91), p. 136 ss: «é tempo de se perguntar se o 'eixo' do direito administrativo deve continuar a ser o acto administrativo ou se é metódica e cientificamente mais frutuoso deslocar esse 'eixo' para as relações jurídico - administrativas e para a fenomenologia procedimental do desenvolvimento da acção administrativa».
Tendo em conta os precedentes considerandos diga-se que, no âmbito da pessoa colectiva Estado e no quadro da clássica divisão de poderes ou funções - legislativas, administrativas e jurisdicional -, a questão da competência em apreço recorta-se, entre nós, na área jurisdicional, isto é, face às diversas ordens de tribunais.
A questão da competência jurisdicional para o efeito de saber se a relação do recorrente e recorrida tem uma natureza originariamente na totalidade, e parcialmente na actualidade, de direito público coloca-se perante o ramo da alternativa de uma de duas ordens de tribunais - judiciais e administrativos.
Aos referidos tribunais - órgãos de soberania - compete administrar justiça em nome do povo (artigo 205°, n° 1, da CRP).
Os conceitos de jurisdição e de competência traduzem realidades conexas mas distintas, significando o primeiro o poder de julgar genericamente atribuído, na organização do Estado, ao conjunto de tribunais, e o último a medida de jurisdição legalmente atribuída a cada um deles.
A medida de jurisdição de cada um dos tribunais, ou seja, a sua competência é susceptível de variar em razão da matéria, do valor, da hierarquia e do território (artigo 13°, n°1, da Lei n° 38/87, de 23 de Dezembro - LOTJ).
No caso em apreço só releva a divisão interna do poder jurisdicional pelas diferentes categorias de tribunais segundo o critério da natureza da matéria dos litígios, isto é, a vertente da competência material.
A competência em razão da matéria fragmenta-se pelas diversas categorias de tribunais à luz do chamado princípio da especialização inspirado na ideia de vantagem de atribuir a determinados órgãos jurisdicionais o conhecimento de questões reguladas por específicas áreas de direito em razão da sua vastidão ou especificidade.
Compete-lhes, segundo a referida matriz constitucional, o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenha por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais (artigo 214°, n° 3, d CRP).
Em desenvolvimento do estatuído nos artigos 211°, n° 1, alínea b), e 214°, n° 3, da CRP foram publicados o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - ETAF -, aprovado pelo Decreto-Lei n° 129/84, de 27 de Abril, e a Lei de Processo nos Tribunais Administrativos - LPTA -, aprovada pelo Decreto-Lei n° 267/85, de 16 de Julho e, depois, o CPTA.
A jurisdição administrativa e fiscal é exercida por tribunais administrativos e fiscais, com o estatuto de órgãos de soberania com competência para administrar justiça em nome do povo (artigo 1° do ETAF).
Incumbe-lhes, em sede de administração da justiça, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas (artigo 3° do ETAF).
A expressão "contencioso administrativo "é utilizada pelas leis em pelo menos cinco sentidos distintos - orgânico, funcional, material, instrumental e normativo - a maioria deles sem grande rigor.
No presente caso releva o sentido material da expressão contencioso administrativo isto é, "o conjunto de litígios entre a Administração Pública e os particulares, que hajam de ser solucionados pelos tribunais administrativos com aplicação do Direito Administrativo”.
No quadro da competência material dos tribunais administrativos distingue-se entre o contencioso por natureza ou essencial e o contencioso por atribuição ou acidental, abrangendo o primeiro os actos e regulamentos administrativos e o último os contratos administrativos, a responsabilidade da administração, os direitos e interesses legítimos e as questões eleitorais (artigos 51°, alíneas a) a d), e) f), g) e h), do ETAF).
O contencioso administrativo por natureza ou essencial constitui a garantia dos particulares contra o exercício ilegal por via unilateral do poder administrativo.
Na senda do Acórdão deste TCAS de 18.01.2005, no Recurso nº 108/04, os tribunais comuns não dispõem de competência em razão da matéria para conhecerem dos litígios emergentes das relações jurídicas administrativa e fiscais, a qual se radica na ordem de tribunais da jurisdição administrativa e fiscal.
É que, sempre na senda do citado aresto, por força de norma constitucional, a competência para julgar as acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, radica-se nos tribunais administrativos e fiscais – art.º 212.º n.º3 da CRP – que não nos tribunais comuns, exercendo estes a sua jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais – art.º 211.º n.º1 da mesma CRP.
Na respectiva pirâmide legislativa, no degrau imediatamente inferior, as leis orgânicas das respectivas ordens de tribunais, vêm secundar aquelas normas constitucionais, desenvolvendo-as, no sentido programado por aquelas.
Assim, a competência em razão da matéria dos tribunais comuns ou judiciais é para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional – art.º 18.º da LOTJ na redacção introduzida pela Lei n.º 105/2003, de 10 de Dezembro – enquanto que aos tribunais administrativos e fiscais é atribuída a competência para dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais – art.º 1.º do ETAF, na redacção da Lei n.º 107-D/2003, de 31 de Dezembro.
A jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais é genericamente definida pelo n.º 3 do art. 212.º da C.R.P., em que se estabelece que «compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais», norma esta que adoptou, no essencial, a regra que já constava do art. 3.º do ETAF e está actualmente contida na parte final do artigo 1º da Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro.
Sendo a jurisdição dos tribunais judiciais constitucionalmente definida por exclusão, conforme preceitua o art. 211.º, n.º 1, da CRP (disposição esta que é reproduzida, na sua essência, no art. 18.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais - Lei 3/99, de 13 de Janeiro, doravante LOFTJ).
De acordo como o art. 18° da LOFTJ e 64.° CPC, as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional são da competência dos tribunais judiciais.
Por seu turno, a alínea d) do n.3 do artigo 4º do ETAF estipula que fica excluída da jurisdição administrativa e fiscal “ a apreciação dos litígios emergentes dos contratos individuais de trabalho, que não conferem a qualidade de agente administrativo, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público” (sublinhado nosso).
E, pela voz da doutrina, não se olvida o pensamento de MANUEL DE ANDRADE, in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, página 91, que nos ensina ser a competência dos tribunais aferida em função dos termos em que a acção é proposta, «seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc.), seja quanto aos seus elementos subjectivos (identidade das partes). A competência do tribunal – ensina REDENTI – “afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum)”, é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do Autor. E o que está certo para os elementos objectivos da acção está certo ainda para a pessoa dos litigantes.»
«A competência do tribunal não depende, pois, da legitimidade das partes nem da procedência da acção. É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor (compreendidos aí os respectivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão» (Obra e local citados).
Este entendimento está, aliás, em sintonia com o direito que a todos os cidadãos é garantido de acederem aos tribunais com o escopo de verem apreciados os direitos de que se arrogam (n.º1 do artigo 20º da Lex Fundamentalis) e tem vindo a ser aceite, no essencial, pelo STJ , STA e Tribunal de Conflitos (veja-se, entre outros, os Acs. do T. Conflitos, de 31.01.91, AD 361 e de 6-7-93 (Conflito nº 253); do STJ, de 03.02.87, in BM 364º-591, de 202-90. BMJ 394º-453, de 12.01.94 e do STA, de 09.03.89,Rec. 25084, de 13.05.93, Rec. 31478, de 27.01.94, Rec. 32278, de 28.05.96, Rec. 39911, de 26.09.96, Rec. 267, de 27.11.96,Rec. 39544, de 19.02.97, Rec. 39589, de 24.11.98, Rec. 43737 de 03.03.99, Rec. 40222, de 23.03.99, Rec. 43973, de 26.05.99, Rec. 40648, de 13.10.99, Rec. 44068, de 26.09.00, Rec. 46024, de 06.07.00. Rec. 46161, de 03.10.00, Rec. 356 e de 11.07.00, Rec. 318).
Temos, assim, que a competência do tribunal se afere face à pretensão formulada pelo autor na petição inicial, traduzida no binómio pedido/causa de pedir, ou seja, face ao «quid disputatum» e não ao «quid decisum», isto é, dito por outras palavras, a competência determina-se pelo pedido do Autor, irrelevando qualquer tipo de indagação acerca do seu mérito.
É consabido que aos tribunais administrativos incumbe assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas, sendo certo que lhes é retirada competência para conhecimento de acções que tenham por objecto questões de direito privado, ainda que qualquer das partes seja pessoa de direito público.
É, pois à luz da doutrina e jurisprudência citada, bem como das referidas normas delimitadoras da competência da jurisdição administrativa e da dos tribunais judiciais, que cumpre decidir se o conhecimento da presente acção incumbe aos tribunais administrativos ou aos tribunais judiciais, in casu o do trabalho.
Vejamos então.
Acolhendo o ensinamento sufragado pela doutrina e jurisprudência, acima mencionada, segundo a qual o tribunal materialmente competente para conhecer a pretensão do A., deve aferir-se em face “ do teor desta pretensão e dos fundamentos em que se estriba”, irrelevando qualquer indagação acerca do seu mérito, e “ sendo igualmente certo que o tribunal não está vinculado às qualificações jurídicas efectuadas pelo requerente ou autor”, concorda-se inteiramente com o EPGA junto desta secção no sentido de que esta secção carece de competência para conhecer do recurso.
Com efeito, sendo, conceptualmente, a competência dos tribunais são os limites dentro dos quais a cada tribunal cabe exercer a função jurisdicional, é a medida de jurisdição dos diversos tribunais, o modo como entre eles se fracciona e reparte o poder jurisdicional, que, tomado em bloco, pertence ao conjunto dos tribunais, sob esse prisma, o que o EPGA suscita é, não a falta de poder de o Tribunal Central Administrativo Sul julgar o recurso porque o mesmo não cabe dentro da esfera de jurisdição genérica ou abstracta daquele Tribunal mas, sim, que a Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal o possa fazer.
À denominada “jurisdição administrativa e fiscal”, na qual se integram quer o actual TCA, quer o TT 1ª Instância, incumbe assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações administrativas e fiscais (cf. artºs 1º e 4° do ETAF, aprovado pelo D.L. nº129/84 de 27-04 e artº 212 nº 3 da CRP de 1997, anterior artº 214 nº 3).
Mas a “jurisdição fiscal” é distinta da “jurisdição administrativa” por constituir uma especialização dentro desta na qual cabem todas as questões administrativas que não tenham natureza fiscal e cujo conhecimento não seja atribuído a outro Tribunal (cf. artºs 4°, 38º e 49º do ETAF); no âmbito da “jurisdição fiscal», caberão assim todas as questões administrativas de natureza fiscal que são não só as resultantes de resoluções autoritárias que imponham aos cidadãos o pagamento de quaisquer prestações pecuniárias, com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos dos respectivos entes impositores, como as que os dispensem isentem delas, como ainda, numa perspectiva mais abrangente, as respeitantes à interpretação e aplicação de normas de direito fiscal (cfr., entre muitos, os Acs. da 1ª Secção do STA de 22/02/90, rec. 26 147, de 29/09/93, rec. 14 739 e de 02/12/93, rec. 32 307).
Nesse sentido, é inquestionável que o acto recorrido foi praticado por entidades administrativas, no exercício das suas funções e no uso dos seus poderes de autoridade e versa sobre
Resulta daí e do complexo fáctico atrás fixado (vide ponto 2) que o Serviço de Execuções Fiscais do MO [SEF-MO], ora A requereu ao do Serviço de Finanças Oeiras-2 [SFO-2], no âmbito de processo de execução fiscal [PEF] autárquico, que, para instrução do(s) processo(s) executivo(s) que identifica e que correm termos neste Serviço, ao abrigo do disposto nos artigos 13° e 49°, ambos do Código do Procedimento e Processo Tributário e artigo 64°/2 alíneas b) e d) e nº 3 da Lei Geral Tributária, que fosse prestada informação, sobre os executados que também identifica, o domicílio Fiscal actual, a data de alteração do mesmo, se caso disso, a existência de eventuais representantes legais, respectivos nomes, NIF e domicílios fiscais e a data de eventual óbito, e na positiva, a identificação de herdeiros, respectivo(s) NIF e domicílios fiscais.
Mais evidencia o probatório (ponto 3) que o motivo subjacente ao pedido, acabado de referir, prendia-se com a necessidade de o SEF-MO proceder a citações/ notificações de executados no âmbito de dívidas ao MO, por as mesmas terem sido devolvidas [pelos CTT] com menções de "desconhecido", "falecido", "morada incorrecta", entre outros.
E é pacífico porque do conhecimento geral, que os PEF (Processos de Execução Fiscal) são abertos na sequência de dívidas dos executados (neste caso ao Município), por taxas municipais não pagas, serviços prestados e não pagos, coimas, entre outras.
Nos termos do artigo 13º do CPTA “o âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria”.
E nos termos do artigo 97º nº 1 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013), ex vi do artigo 1º do CPTA a incompetência absoluta “deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa.”
O artigo 1º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro, define o âmbito da jurisdição administrativa e fiscal em função dos litígios emergentes das “relações jurídicas administrativas e fiscais” à luz do disposto no nº 3 do artigo 212º da Constituição da República Portuguesa que determina que “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.
À luz daqueles normativos o critério de determinação da jurisdição competente é o critério material da relação jurídica subjacente ao litígio.
Para além dos demais tribunais superiores, são órgãos da jurisdição administrativa e fiscal os Tribunais Administrativos de Círculo e os Tribunais Tributários, os quais podem funcionar agregados, adoptando, nesse caso, a designação de Tribunal Administrativo e Fiscal, conforme resulta do disposto no artigo 9º do ETAF.
Consoante o disposto no nº 1 do artigo 44º do ETAF é da competência dos Tribunais Administrativos de Círculo conhecer, em primeira instância, de todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa (com excepção daqueles cuja competência, em primeiro grau de jurisdição, esteja reservada aos tribunais superiores).
E em conformidade com o disposto no nº 1 do artigo 49º do ETAF é da competência dos Tribunais Tributários conhecer, entre o demais:
“a) Das ações de impugnação:
i) Dos atos de liquidação de receitas fiscais estaduais, regionais ou locais, e parafiscais, incluindo o indeferimento total ou parcial de reclamações desses atos;
ii) Dos atos de fixação dos valores patrimoniais e dos actos de determinação de matéria tributável suscetíveis de impugnação judicial autónoma;
iii) Dos atos praticados pela entidade competente nos processos de execução fiscal;
iv) Dos atos administrativos respeitantes a questões fiscais que não sejam atribuídos à competência de outros tribunais;
b) Da impugnação de decisões de aplicação de coimas e sanções acessórias em matéria fiscal;
c) Das ações destinadas a obter o reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos em matéria fiscal;
d) Dos incidentes, embargos de terceiro, verificação e graduação de créditos, anulação da venda, oposições e impugnação de atos lesivos, bem como de todas as questões relativas à legitimidade dos responsáveis subsidiários, levantadas nos processos de execução fiscal;
e) Dos seguintes pedidos:
i) De declaração da ilegalidade de normas administrativas de âmbito regional ou local, emitidas em matéria fiscal;
ii) De produção antecipada de prova, formulados em processo neles pendente ou a instaurar em qualquer tribunal tributário;
iii) De providências cautelares para garantia de créditos fiscais;
iv) De providências cautelares relativas aos atos administrativos impugnados ou impugnáveis e às normas referidas na subalínea i) desta alínea;
v) De execução das suas decisões;
vi) De intimação de qualquer autoridade fiscal para facultar a consulta de documentos ou processos, passar certidões e prestar informações;
f) Das demais matérias que lhes sejam deferidas por lei.”
Nos termos do Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de Dezembro, que define a sede, a organização e a área de jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais, concretizando o respectivo Estatuto, o Tribunal Administrativo de Círculo e o Tribunal Tributário de Sintra funcionam de forma agregada com a designação de Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, mantendo-se a separação da competência para a apreciação dos litígios em função da matéria em causa de cada um daqueles tribunais.
A tal respeito, deve entender-se por “questão fiscal”, aquela que, de qualquer forma, imediata ou mediata, faça apelo à interpretação e aplicação de norma de direito fiscal com atinência ao exercício da função tributária da Administração ou à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos. Sendo assim “questão fiscal” aquela que emerge de resolução autoritária que imponha o pagamento de prestações pecuniárias com vista à satisfação de encargos públicos dos respetivos entes impositivos (cfr. Casalta Nabais in, “Direito Fiscal”, 2.ª edição, pág. 366). Ou, por outras palavras, está-se perante “questão fiscal” “quando a mesma diga respeito à interpretação e aplicação de normas legais de natureza tributária, ou seja, se refira a uma resolução autoritária que negue direito a não pagamento ou que imponha o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação dos encargos públicos do Estado ou de outras pessoas coletivas públicas, bem como o conjunto de relações jurídicas que com elas estejam objetivamente conexas ou teleologicamente subordinadas” (vide, Acórdão do TCA Norte de 25/11/2011, Proc. 02750/10.4BEPRT, in www.dgsi.pt/jtcan).
O litígio é relativo a uma “questão fiscal”, na tese ampliativa perfilhada pela jurisprudência, segundo a qual questões fiscais são “as que exigem a interpretação e aplicação de quaisquer normas de Direito Fiscal substantivo ou adjetivo para a resolução de questões sobre matérias respeitantes ao exercício da função tributária da Administração Pública” (cfr. Ac. do Pleno do STA de 12.11.2009, proc. n.º 0366/09). Ora, a acção envolve directamente a interpretação e aplicação de disposições de direito fiscal, ou que se situam no campo da actividade tributária.
Marcello Caetano, ensinava que “o preço pago pelas prestações fornecidas pelos serviços públicos geridos diretamente por pessoas coletivas de direito público tem a natureza jurídica de taxa e nessa qualidade está sujeito ao regime de cobrança das receitas fiscais” (cfr. Manual de Direito Administrativo, Vol. II, pág. 1061 - sobre a distinção entre taxa e preço, cfr. Alberto Xavier, Manual de Direito fiscal, 1974, pág. 53 e ss.; Sousa Franco, Manual de Finanças Públicas e Direito Financeiro, Vol. I, Lisboa, 1974, pág. 760, Teixeira Ribeiro, Finanças Públicas, pág. 262).
Ora, a discussão da questão em presença, até pelos fundamentos aduzidos em sede de pretensão e articulado de oposição, passa pela aferição da legalidade e bondade de interpretação e aplicação de normas de direito fiscal com atinência ao exercício da função tributária da Administração.
Sendo pacífico tudo o que vem de ser exposto, também o é que no despacho-saneador o Tribunal a quo considerou o tribunal administrativo materialmente competente para conhecer e decidir a causa.
Não pode todavia manter-se tal decisão, pelos fundamentos já esgrimidos pois tem que concluir-se, por se tratar de questão fiscal, é um litígio a dirimir pelos tribunais tributários.
Assim, por o litígio respeitar a questão fiscal, emergindo de relação jurídica tributária, deveria o Tribunal a quo ter considerado o tribunal administrativo materialmente incompetente para a apreciar e decidir, declarando competentes para o efeito os tribunais tributários. Não pode, pois, manter-se o decidido.
Importando, porque em tempo, referir que a circunstância de o réu, aqui recorrente, não ter suscitado a questão da incompetência em razão da matéria na sua contestação, mas apenas em articulado posterior, não obstava à apreciação de tal questão em sede de despacho-saneador, como sucedeu, em face da natureza de ordem pública da questão da competência dos tribunais, que impõe o seu conhecimento oficioso enquanto não houver sentença transitada em julgado sobre o fundo da causa, nos termos do disposto nos artigos 13º do CPTA e 97º nº 1 do CPC novo.
Daí que o presente litígio surja no âmbito de relações de natureza tributária, i. é., de uma imposição pecuniária (taxa, imposto, contribuição especial ou outra) de natureza pública e coactiva que nos diz estarmos perante um tributo.
Aqui há “questões fiscais”, pois estas são não só aquelas que têm como pressuposto a aplicação de normas relacionadas com a imposição de toda e qualquer prestação pecuniária, com o fim de obtenção de receitas destinadas à satisfação dos encargos públicos da pessoa colectiva impositora, como as que emergem de uma resolução autoritária que imponha aos cidadãos o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos do Estado e demais entes públicos, como, ainda, as relações jurídicas que surjam em virtude do exercício da função de imposição de tais prestações ou que com elas estão objectivamente conexas ou tecnologicamente subordinadas.
Assim sendo, como é, tendo a questão controvertida sido apreciada pelo Tribunal de Contencioso Administrativo de 1ª instância por ter reconhecido que a matéria controvertida era conexa com acto administrativo, praticado por uma autoridade administrativa, no âmbito dos seus poderes e dentro das competências prosseguidas pela AT, o tribunal administrativo de 1ª instância e a 1ª Secção deste Tribunal Central carecem de competência para conhecer do objecto do presente recurso jurisdicional em atenção ao disposto no artº.38º do ETAF, estando a competência para conhecer do presente recurso jurisdicional atribuída aos tribunais tributários de 1ª e de 2ª instâncias, nos termos do art. 49º do ETAF.
Destarte, a competência, em razão da matéria, para dirimir o conflito não pertence à jurisdição administrativa fiscal mas à jurisdição tributária propriamente dita nos termos ex abundantis expostos. Logo, os Tribunaais administrativos são incompetentes, em razão da matéria, para conhecer do presente litígio.
E, nos termos do disposto no artº 16º do CPPT, a infracção das regras da competência em razão da hierarquia e da matéria, determina a incompetência absoluta do Tribunal, a qual é de conhecimento oficioso e pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final.

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Porém, antes de ser decretada a incompetência com as legais consequências, impõe-se demonstrar o pode fazer sem mais.
Após a reforma processual de 1995/96, ao artigo 510º, n.º3 do CPC foi imprimida uma redacção de acordo com a qual a decisão proferida no saneador que conheça de excepções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes ou que o Juiz oficiosamente deve apreciar, passam a constituir caso julgado quanto “às questões concretamente apreciadas”, logo que o despacho transite em julgado pelo que, a referência expressa à apreciação concreta das excepções dilatórias, passa a ser uma exigência para a aquisição do “estatuto de caso julgado”, não se bastando este, com um despacho meramente tabelar.
Assim, limitando-se o Mmº Juiz “a quo” a fazer uma declaração genérica sobre as questões prévias ou excepções (tabelar) sem efectuar uma apreciação concreta, o despacho saneador, não constitui nessa parte caso julgado formal, nada obstando à sua apreciação em momento subsequente, ou seja, não está precludida a possibilidade de apreciar tais questões.
Mas, no âmbito da acção administrativa especial em que nos encontramos, o nº 2 do artº 87º (correspondente ao actual 88º) do CPTA impõe a concentração na fase do despacho saneador da apreciação de quaisquer questões que obstem ao conhecimento do processo, não só proibindo que sejam suscitadas e decididas em momento posterior do processo quaisquer outras questões ou excepções dilatórias que não tenham sido apreciadas no despacho saneador, como impedindo que as questões já decididas nesse despacho venham a ser reapreciadas com base em novos elementos. Não obstante, a segunda parte do nº 2 consagra a solução que constava do artigo 510.°, n°3, do CPC (nesse sentido, aponta agora o nº 2 do artº 97º do CPC a contrario), que confere ao despacho saneador a força de caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas.
Esta solução processual insere-se num princípio de promoção do acesso à justiça, visando evitar que o tribunal relegue para final a apreciação das questões prévias para só então pôr termo ao processo com uma decisão de mera forma e, por outro lado, que o processado seja utilizado a todo o tempo para suscitar questões formais, com consequências negativas no plano da economia e celeridade processual.
Reportando-nos ao caso em apreço, impõe-se apreciar se existe ou não caso julgado formal, no que concerne à questão da competência em razão da matéria dos tribunais administrativos.
Ora, como se demonstrou, essa questão não foi levantada pela Ré em sede de contestação, e no saneador o juiz limitou-se a fazer uma declaração genérica sobre a competência do tribunal administartivo em razão da matéria (tabelar) sem efectuar uma apreciação concreta, pelo que o despacho saneador não constituiu, neste parte, caso julgado formal.
No caso que aqui nos ocupa, o Mmº Juiz “ a quo” no despacho saneador como facilmente se verifica não se pronunciou, em concreto, sobre a competência material do tribunal administrativo, pelo que, quanto a esta excepção, temos por seguro inexistir caso julgado formal, assim sendo, não está precludida a possibilidade de a reapreciar.
Aqui rege, pois e como já se disse, o disposto no artº 97º, nº1 do CPC ex vi do artº 1º do CPTA: a incompetência absoluta (como é a material-cfr. artº 96º alínea a) do CPC) deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa e tem como consequência a remessa do processo ao tribunal tributário competente (cfr. artº 14º, nº1 do CPTA).

*
Antes de tal ser determinado, cumpre explicitar as razões porque não há lugar ao exercício do contraditório.
Havendo a obrigação de conhecer da incompetência material nos termos já perfilados, e não se vislumbrando na decisão recorrida qualquer referência directa ou implícita a tal questão, haverá que conhecer oficiosamente da mesma.
Ora, o artigo 3°, n° 3, do Código de Processo Civil é plenamente aplicável em processo judicial administrativo e tem como finalidade declarada evitar, proibindo-as, as denominadas decisões - surpresa.
Assim, caso não seja dada possibilidade às partes de se pronunciarem sobre a sobredita questão, poderá vir a entender-se que o presente Acórdão incorreria em nulidade, por violação do principio do contraditório e do artigo 3°, do Código de Processo Civil.
Na verdade, o artigo 3º nº. 3 do C. Processo Civil estipula que o Juiz deve observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
É certo que o princípio do contraditório, que é um dos princípios fundamentais do nosso direito processual civil, assegura não só a igualdade das partes, como, no que aqui interessa, é um instrumento destinado a evitar as decisões -surpresa.
Todavia, sendo o recurso sido decidido no que â questão da competência material se refere, com base nos factos alegados e provados, factos esses de que as partes tiveram conhecimento e contra os quais poderiam esgrimir os argumentos que entendessem convenientes, na altura própria, a decisão tomada no acórdão em nada afectará quer a pretensão deduzida, quer a defesa.
É que a audição das partes será dispensada nos termos do artigo 3º nº. 3 em casos de manifesta desnecessidade e naqueles em que, objectivamente, as partes não possam alegar de boa fé, desconhecimento das questões de direito ou de facto a decidir pelo Juiz e das respectivas consequências, o que sucedeu precisamente no caso concreto.
Nesse sentido, veja-se, entre muitos, o Acórdão do 1º Juízo da Secção do Contencioso Administrativo deste TCAS prolatado em 27/03/2008 no Processo nº 4038/00.
Destarte, nada impede que se decrete desde já a incompetência pelos fundamentos supra expostos.
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3.-Decisão:
Assim, atento todo o exposto, acorda-se em declarar os tribunais administrativos incompetentes, em razão da matéria, para conhecer do recurso por essa competência estar por lei atribuída aos tribunais tributários, ordenando-se, em consequência, a remessa do processo ao tribunal tributário de Sintra.
Sem custas.
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Lisboa, 19 de Abril de 2018


(José Gomes Correia) ___________________________________

(António Vasconcelos) ___________________________________

(Sofia David) __________________________________________