Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:301/11.2BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:05/13/2021
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:REVERSÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I. Encontra-se fundamentado o despacho de reversão se dele constam os respetivos pressupostos e a extensão.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 18.05.2015, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Funchal, na qual foi julgada procedente a oposição apresentada por L….. (doravante Recorrido ou Oponente), ao processo de execução fiscal (PEF) n.º ….., que o Serviço de Finanças (SF) de Funchal 1 lhe moveu, por reversão de dívidas de IRS (retenções na fonte) dos anos de 2010 e 2011 e IVA do ano de 2010 (3.º trimestre), da devedora originária L….., Lda.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“                                                                         48°.

A douta sentença recorrida decidiu pela procedência da oposição na parte referente à falta de fundamentação do despacho de reversão.


49º.

Era invocado pelo oponente, quer a falta de fundamentação da citação de reversão, que a Fazenda Pública contestou, quer a falta de fundamentação do próprio despacho de reversão.

50°.

Ora, a falta de fundamentação da citação, não poderia ser invocada em sede de processo de oposição, à execução, mas apenas através de requerimento no âmbito do próprio processo de execução fiscal, sendo que em caso de indeferimento contra esse ato poderá ser interposta reclamação nos termos do artigo 276.° do CPPT.

51º.

Diga-se ainda que, mesmo que de forma sucinta, o despacho de reverão encontra-se suficientemente fundamentado.

52°.

A favor desta posição não poderá deixar de fazer-se valer o argumento de que contra esse ato reagiu o ora oponente, usando todos os argumentos conhecidos, que demonstram que pode conhecer e perceber o teor do ato em questão.
Nestes termos, requer a V. Exa. que se digne a:
a) julgar a ação nula, por erro na forma do processo, com consequente absolvição da instância, cf. artigos 98° n° 4 do CPPT, 199°, 493° n° 2 e 494° do CPC;
b) julgar a ação improcedente, por não provada, com consequente absolvição total do pedido, quanto aos restantes fundamentos da oposição, cf. artigos 22°, 23 e 24° da LGT, 153° n° 2, 9o n° 3 e 160 do CPPT”.

O Recorrido apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

“A) A Fazenda Pública inconformada com a douta sentença proferida a 24.04.2014 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, a qual julgou integralmente procedente a oposição fiscal apresentada pelo ora Recorrido, contra a reversão de dívidas de IRS do ano de 2010 (Agosto e Dezembro) e 2011 (Janeiro e Março) e IVA do ano de 2010 (3.° trimestre) da sociedade devedora originária “L….., Lda, ”, no montante de €4.043.08, veio dela interpor Recurso, requerendo a sua revogação.

B) Contudo, é entendimento da recorrente que a decisão do tribunal a quo manifesta uma correcta valoração da matéria de facto com interesse para a decisão e a sua correspondente subsunção na matéria jurídica, não assistindo, por conseguinte, razão à pretensão da Recorrente, pois não se revela a sua argumentação suficiente para abalar o entendimento sufragado na decisão do juízo a quo, não merecendo, por isso, a mesma prosperar. Razão pela qual deve ser mantida in totum na ordem jurídica a douta Sentença recorrida que decidiu pela procedência da oposição.

C) A reversão fiscal que ora se discute, foi realizada com base no artigo 24.° do n.° 1 da alínea b) da LGT.

D) A Recorrente veio, nesta sede, alegar que andou mal o douto tribunal a quo ao considerar procedente a excepção de nulidade do despacho de Reversão por falta de fundamentação do mesmo.

E) De acordo com o entendimento perfilhado pela Recorrente, o despacho que dita a reversão das dívidas em execução coerciva encontra fundamento nas diligências realizadas com vista à excussão do património do devedor principal.

F) No entanto, e tal como referido na sentença ora em crise: “é inegável a ausência de fundamentação quanto à verificação das circunstâncias do chamamento do Oponente à execução, nomeadamente quanto ao exercício de facto das funções de gerente, à inexistência de bens penhoráveis do devedor principal ou à fundada insuficiência do património do devedor principal para satisfação da dívida exequenda.” (cfr. fls. 8 da Sentença recorrida).

G) E, tanto assim o é que, o entendimento vertido na Sentença recorrida é o entendimento unanime da jurisprudência e doutrina nacionais.

H) A este propósito leia-se a título de exemplo a sentença proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo, segundo a qual: quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal - o bonus pater familiae de que fala o art 487° n° 2 do Código Civil- possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.” (sublinhado do Recorrido).

I) O que significa que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto.” (sublinhado Recorrido).

J) Tal como referem DIOGO LEITE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES, “quando o acto tem de ser fundamentado, a notificação tem de incluir a fundamentação, pois ela faz parte do acto e a notificação que se exige é de todo o acto e não de uma parte dele”.

K) Ora, no caso em apreço, é imperativo concluir, por comparação entre o Despacho de reversão emitido e os entendimentos acima transcritos sobre o dever de fundamentação, que nenhum dos requisitos de fundamentação dos quais a lei faz depender a validade dos actos administrativos em matéria tributária se encontra preenchido.

L) No caso em apreço, e fazendo a lei depender o mecanismo da reversão do preenchimento de um conjunto de pressupostos, a prova da sua verificação deverá constar do despacho de reversão, consubstanciando-se na fundamentação do mesmo.

M) Em suma, tendo a reversão sido operada com fundamento na alínea b), do n.° 1, do art. 24.º da LGT, deveria o despacho de reversão, além de indicar o fundamento legal, (i) conter os factos contextualizados que permitissem concluir que o Oponente foi gerente de facto da sociedade devedora originária no momento em que terminou o prazo legal de pagamento do tributo em execução e, igualmente, (ii) os factos que levassem à conclusão de que o património da sociedade é, actualmente, insuficiente para o pagamento da dívida.

N) Entretanto, estas condições não foram observadas in casu, pois que do despacho de reversão não se depreende qualquer matéria factual ou quais as razões que levaram a Administração Tributária a concluir pela insuficiência patrimonial ou pelo exercício de facto das funções da gerência pelo Oponente.

O) Deverá ainda concluir-se nesta sede que também não assiste razão à Recorrente na matéria relativa à excepção invocada de impropriedade de meio processual para reagir à nulidade do Despacho de Reversão, pelo que, tem sido entendimento da jurisprudência que: A oposição à execução fiscal é o meio processual adequado para o revertido impugnar contenciosamente com fundamento em vício de falta de fundamentação o despacho que ordena a reversão, sendo tal fundamento subsumivel à previsão da alínea i) do art 204.°, n.° 1, do CPPT. Sendo a reversão da execução fiscal contra o gerente da sociedade originária devedora ordenada já no âmbito da vigência da LGT, impõe-se a prévia observância do disposto no art 23,°, n.° 4, daquela lei, ou seja, impõe-se a audição prévia daquele contra quem o órgão da execução fiscal prevê como possível a reversão, mesmo nos casos de presunção de culpa," (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 27.03.2008, proc. n.° 01884/04 - Porto, disponível em,Twww.dgsi/jtcn.nsf/89dlc0288c2dd49c802575c8003279c7/d3c4bla76799cd2380257421006a8fca).

P) Pelo que, conclui o Recorrido ser a Oposição à Reversão o meio próprio para deduzir todos os meios de defesa ao alcance do sujeito passivo.

Termos em que, em face da fundamentação exposta e porque a douta sentença em recurso bem decidiu, deve esta ser mantida na ordem jurídica e, por conseguinte, negado provimento ao presente recurso apresentado pela Recorrente Fazenda Pública,

Assim fazendo V. Exas. a costumada Justiça”.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:
a) Há erro de julgamento, em virtude de a oposição não ser o meio próprio para o conhecimento da falta de fundamentação da citação?
b) Há erro de julgamento, dado que o despacho de reversão não padece de falta de fundamentação?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

1. Em 14/10/2010 foi instaurada a execução fiscal n.º ….., contra a sociedade L….., Lda.

(cfr. docs. a fls. 25-26 do apenso).

2. Entre 2008 e 2011 a Administração Tributária procedeu a vários pedidos de penhora relativamente a créditos e outros valores e rendimentos da sociedade L….., Lda.

(cfr. docs. a fls. 106-111 dos autos).

3. Em 12/09/2011 a Administração Tributária não encontrou quaisquer prédios em nome da sociedade L….., Lda.

(cfr. docs. a fls. 42 do apenso).

4. Em 15/09/2011, por despacho proferido pelo chefe do Serviço de Finanças do Funchal-1, foi determinada a reversão da execução fiscal n.º ….., contra o Oponente, nos seguintes termos:




”.

II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida:

“Não há factos relevantes para a decisão a proferir a dar como não provados”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“O Tribunal formou a sua convicção, quanto aos factos provados, pela análise crítica efectuada segundo as regras da experiência comum, dos documentos constantes dos autos e do processo de execução fiscal, referidos em cada um dos respectivos números, incluindo o despacho de reversão, e que não foram impugnados”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda­‑se aditar a seguinte matéria de facto provada:

5. No âmbito do PEF mencionado em 1. foi elaborada informação, datada de 15.09.2011 e constante de fls. 23 a 25 do mencionado PEF, da qual decorre designadamente o seguinte:

“…

Cumpre-me informar que a sociedade executada nos presentes autos encontra-se, desde 20-01-1998, a exercer a actividade de Comercio a Retalho de Vestuário para Adulto - CAE 047711.

As dívidas referem-se a:

- IVA do ano de 2010 (3.° trimestre),

- Retenções na fonte dos anos de 2010 (Agosto a Dezembro) e 2011 (Janeiro a Março).

sendo a quantia exequenda de 4.043,08€ (quatro mil, quarenta e três euros e oito cêntimos).

Consultado o sistema informático, nomeadamente a consulta ao Sistema informático de Penhoras Automáticas, verifica-se que não são conhecidos em nome da sociedade executada quaisquer:

- Bens imóveis

- Rendimentos ou outros valores;

- Transacções económicas passíveis de penhora;

- Contas bancárias com valores passíveis de penhora.

Em relação aos bens móveis, foi entregue a 07 de Maio do ano de 2009, neste serviço de finanças, pela sociedade executada originalmente, um requerimento para pagamento em prestações onde constam como anexos um inventário de 30 de Abril de 2009 (com um valor total de 198.628,46€) e o mapa de reintegrações e amortizações referente ao ano de 2007.

Os elementos constantes do inventário são as mercadorias que são bens destinados a venda, deixando de integrar o stock da loja a qualquer momento e o mapa de reintegrações e amortizações encontra-se desactualizado, além de que não sendo referido a data de encerramento das lojas do M….. e do F….. no requerimento apresentado, sabendo-se apenas que a 05 de Maio de 2009 já estavam encerradas, podemos concluir que o imobilizado do ano de 2007 incluí os activos fixos tangíveis das lojas entretanto fechadas.

Ao quinto dia do mês de Maio do ano de 2009 efectuámos a penhora de caixa da loja do C….., nos processos de execução fiscal n.° ….. e apensos, n.° ….., n.° ….. e apensos e n.° ….. e apensos. ’

No entanto os valores depositados semanalmente, 10% do valor da caixa penhorada, são irrisórios comparados com os processos que têm sido instaurados mensalmente. Mensalmente (desde 01 de Janeiro de 2011) o valor depositado é em média de 1.500,006, quando a média mensal dos processos instaurados, no corrente ano, até a presente data, é de 2.597,286. Isto significa que os processos de execução fiscal abrangidos pela penhora de caixa estão a ser pagos com os valores que deveriam ser entregues à Administração Fiscal se fossem cumpridas todas as obrigações da sociedade, nomeadamente o imposto sobre o valor acrescentado e as retenções na fonte, valores que estão sob a responsabilidade da sociedade mas esta não é o verdadeiro sujeito passivo, por imposição da lei, a prestação tributária é exigida através do mecanismo de retenção na fonte do imposto devido, existe apropriação de imposto de terceiros.

Nos termos do artigo 153.°, n.° 2, alínea a), do Código de Procedimento e Processo Tributário, o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação da inexistência e/ou insuficiência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores.

Nos termos do artigo 23.°, n.° 1 da Lei Geral Tributária, a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal.

Pelas dívidas tributárias cujos factos ocorreram depois de 1/1/99, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 24.° da Lei Geral Tributária conjugado com o artigo 153.°, n.°.2 alínea a) do Código de Procedimento e Processo Tributário, os gerentes que exerçam funções de administração são considerados subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si, quer pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património se tornou insuficiente para a sua satisfação, quer pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento, nos termos da alínea b) do n.° 1 do já citado artigo 24.° da lei Geral Tributária.

No que respeita às dívidas de Coimas aplicadas cujos factos praticados ocorreram depois de 05-072001, data da entrada em vigor do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovada pela lei n.“ 15/2001, de 05 de Junho, nos termos do artigo 8.° do mesmo diploma, os administradores, gerentes, e outras pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período de exercício do seu cargo e por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento e pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva de as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento.

Nos termos do artigo 24.° da Lei Geral Tributária, os gerentes são subsidiariamente responsáveis em relação às pessoas colectivas, e solidariamente entre si por todas as contribuições e impostos relativos ao período de exercício do seu cargo, salvo se provarem que não foi por culpa sua que o património da sociedade de responsabilidade limitada se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais, '

Deste modo, pela análise à Certidão de Matrícula da Conservatória do Registo Comercial do Funchal, exarada a fls. 05 a 12 dos autos, constata-se que o gerente da sociedade à data do nascimento da dívida bem como da sua cobrança eram:

L….., NIF …..,

melhor identificados a fl. 21.

Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 60.°, n.°s 1, 4, 5 e 6, por força do disposto no artigo 23.°, n.° 4, ambos da Lei Geral Tributária, tendo em vista a reversão contra o responsável subsidiário, acima indicado.

O responsável subsidiário não veio exercer o direito de audição, apesar de notificado para o fazer.

Considerando que o contribuinte supra referido, é gerente da executada no período indicado, conforme certidão da Conservatória do Registo Comercial, bem como dos elementos juntos aos autos, e verificarem-se os pressupostos previstos nos referidos artigos 24,°, n.° 1 alínea b) da Lei Geral Tributária, 153.° do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e 8.° do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), sou da opinião que deve ser revertida a execução contra o gerente acima indicado.

Considerando que, o exposto anteriormente, tendo sido infrutíferos todos os contactos para a liquidação da presente execução, sou da opinião de que deve ser cumprido o disposto nos artigos 160.° e 191.°, n.°3, ambos do Código de Procedimento e Processo Tributário, com a informação de que, cumprindo a divida tributária principal, efectuando o seu pagamento no prazo de oposição, o responsável subsidiário fica isento de juros de mora e de custas, não prejudicando a manutenção da obrigação do devedor principal ou responsável solidário, de acordo com o disposto nos n.°s 5 e 6 do art.° 23.° da LGT. Deve feita a reversão contra o gerente supra indicado.

” (cfr. fls. 23 a 25 do PEF apenso).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento quanto ao erro na forma do processo

Considera a Recorrente que incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento, uma vez que, em seu entender, a falta de fundamentação da citação não é passível de ser invocada em sede de oposição à execução fiscal.

Desde já se sublinhe que não é alegado pela Recorrente o erro na forma do processo quanto à falta de fundamentação do despacho de reversão, ao contrário do que parece resulta das contra-alegações apresentadas.

Para se aferir da pertinência da alegação em causa, há que atentar na tramitação dos presentes autos.

Com efeito, foi proferida, nos mesmos, sentença, a 31.03.2014, na qual foi conhecida a matéria de exceção alegada pela FP, a saber, o erro na forma do processo, designadamente relativo à falta de fundamentação da citação, tendo o Tribunal a quo concluído pela sua improcedência [ali se referindo, a esse propósito: “Sucede que o Oponente não alega a falta de fundamentação da citação, mas sim a falta defundamentação do despacho de reversão (e formula o pedido em conformidade)”]. Na mencionada sentença, foi conhecido o mérito dos autos em relação a um dos fundamentos alegados, a saber a ilegitimidade por falta de exercício de efetivas funções de gestão, tendo sido julgada procedente a oposição. Desta sentença foi interposto recurso pela FP, para este TCAS, que, por acórdão de 27.11.2014, concedeu provimento ao recurso, revogando a sentença na parte recorrida e determinando a descida dos autos ao Tribunal a quo para a apreciação das questões cujo conhecimento resultara prejudicado, o que veio a suceder na sentença ora sob apreciação, na qual foram conhecidos os demais vícios invocados pelo Recorrido e apenas julgado procedente um deles (a falta de fundamentação do despacho de reversão).

Atentas as alegações de recurso apresentadas então pela FP, verifica-se que o decidido em termos de matéria de exceção não foi atacado, pelo que, sobre o mesmo, se formou caso julgado. Nesse seguimento, na sentença ora em apreciação nada foi dito a este propósito, dado que tal questão estava já definitivamente decidida.

Como tal, carece de qualquer materialidade o referido pela Recorrente em termos de erro na forma do processo relativamente à falta de fundamentação da citação.

III.B. Do erro de julgamento quanto à falta de fundamentação do despacho de reversão

Considera, por outro lado, a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, em virtude de o despacho de reversão se encontrar fundamentado.

Vejamos.

O dever de fundamentação do despacho de reversão insere-se no princípio constitucionalmente consagrado, no art.º 268.º, n.º 3, da CRP, nos termos do qual “os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”[1].

Ao nível dos atos tributários, encontra-se especificamente previsto no art.º 77.º da Lei Geral Tributária (LGT), cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:

“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

“A fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão…”[2], para que o respetivo destinatário consiga perceber o iter cognoscitivo e para que, por outro lado, seja possível o controlo, quer administrativo, quer jurisdicional, do ato em causa.

Deve ser, pois, clara, expressa, congruente e suficiente, de maneira a esclarecer inteiramente o seu destinatário, cumprindo, dessa forma, o desiderato constitucionalmente consagrado.

Sobre o alcance do dever de fundamentação do despacho de reversão, é de chamar à colação o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 16.10.2013 (Processo: 0458/13), onde se refere:

“…[E]nquanto acto administrativo tributário, o despacho de reversão deva incluir, além da indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (citado nº 1 do art. 77º da LGT), também a «declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação» - cfr. nº 4 do art. 23º da LGT. (…)

Ora, são pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária, a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (nº 2 do art. 23º da LGT e nº 2 do art. 153º do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega desta (nº 1 do art. 24º da LGT).

Daí que a fundamentação formal do despacho de reversão se baste com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (citado nº 4 do art. 23º da LGT).

Não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido…” [mais recentemente, v. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 27.11.2019 (Processo: 02001/16.8BEPRT 0552/18)].

Para aferir do cumprimento do dever de fundamentação do despacho de reversão por parte do órgão de execução fiscal (OEF), cumpre atentar na disciplina aplicável in casu no que ao regime jurídico da reversão respeita.

Assim, desde logo, há que considerar o disposto no art.º 23.º da LGT, de cujo n.º 1 decorre que é através da reversão que se efetiva a responsabilidade tributária subsidiária.

Resulta deste mesmo art.º 23.º que a reversão depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor originário (n.º 2), sendo a este propósito de ter em consideração o disposto no n.º 2 do art.º 153.º do CPPT.

Nos termos do n.º 4 do mesmo art.º 23.º da LGT, a reversão é precedida de audição do responsável subsidiário e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação.

Somos ainda remetidos para o art.º 24.º, n.º 1, da LGT, nos termos do qual:

“1. Os administradores (…) e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”.

À semelhança do que já decorria do art.º 13.º do CPT, o art.º 24.º, n.º 1, da LGT determina que a simples gestão de facto é suficiente para acionar a responsabilidade em causa, não sendo, por outro lado, suficiente a mera gerência ou administração de direito.

O art.º 24.º da LGT demarca duas situações, nas duas alíneas do seu n.º 1.

A primeira, correspondente à sua al. a), refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções quer no momento de ocorrência do facto tributário, quer após este momento, mas antes do término do prazo de pagamento da dívida tributária, sendo esta responsabilidade pelo depauperamento do património social, de molde a torná-lo insuficiente para responder pelas dívidas em causa. A culpa exigida aos gerentes ou administradores, nesta situação, é uma culpa efetiva — culpa por o património da sociedade se ter tornado insuficiente. Não há qualquer presunção de culpa, o que nos remete para o disposto no art.º 74.º, n.º 1, da LGT, pelo que cabe à administração tributária (AT) alegar e provar a culpa dos gerentes ou administradores.

A segunda, constante da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, refere­‑se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções no período no qual ocorre o fim do prazo de pagamento ou entrega do montante correspondente à dívida tributária. No art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, presume-se que a falta de pagamento da obrigação tributária é imputável ao gestor. Assim, atentando na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, o momento relevante a considerar é o do termo do prazo para pagamento voluntário. A presunção constante da referida al. b) do art.º 24.º, n.º 1, da LGT, deriva da consagração do dever de boa prática tributária, constante do art.º 32.º da LGT, que prevê “... um especial dever de diligência no cumprimento dos deveres tributários [das pessoas colectivas] (...) — dever de diligência que se presume violado caso tais deveres tributários não sejam cumpridos”[3]. Esta presunção de culpa é ilidível, cabendo ao gestor revertido o ónus de a ilidir.

Feito este enquadramento legal, resulta que, do ponto de vista do cumprimento de dever de fundamentação formal do despacho de reversão, é exigido ao OEF que:
a) Indique as normas legais que determinam a imputação da responsabilidade;
b) Mencione o preenchimento dos pressupostos da reversão, a saber:

b.1) Inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis da devedora originária (n.º 2 do art.º 23.º da LGT e n.º 2 do art.º 153.º do CPPT);

b.2) O exercício efetivo do cargo nos períodos relevantes, dependendo do enquadramento da situação na alínea a) ou na alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT;
c) Mencione a sua extensão temporal.

Vejamos então.

In casu, como já referimos, o Tribunal a quo considerou padecer o despacho de reversão em causa de falta de fundamentação, em virtude de, do mesmo, não constar, nem por remissão, qualquer menção no tocante à verificação das circunstâncias do chamamento do Oponente à execução, nomeadamente quanto ao exercício de facto das funções de gerente, à inexistência de bens penhoráveis do devedor principal ou à fundada insuficiência do património do devedor principal para a satisfação da dívida exequenda.

Desde já se adiante que não se acompanha este entendimento.

Com efeito, o Tribunal a quo considerou que o despacho mencionado em 4. do probatório padecia de falta de fundamentação, analisando-o isoladamente, porquanto entendeu não constar do mesmo qualquer fundamentação, nem mesmo por remissão.

No entanto não acompanhamos este entendimento, pois, como resulta do referido despacho, o mesmo remete expressamente para o constante de fls. 3 a 25 do PEF, onde se inclui a informação mencionada em 5. do probatório, ora aditado.

Como resulta da leitura desta informação, nela são invocados todos os pressupostos relativos à reversão, a saber a fundada insuficiência do património da devedora originária, a indicação de que, face aos elementos de que dispunham, era gerente da devedora originária o Recorrido e que o mesmo o foi quer à data do nascimento da dívida (estando esta suficientemente caraterizada) quer à data da sua cobrança.

Assim, considera-se que o despacho de reversão está suficientemente fundamentado.

Como tal, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento nesta parte, motivo pelo qual assiste razão à Recorrente, o que conduz à revogação da sentença recorrida.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
a) Conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, julgando-se improcedente a oposição e determinando-se o prosseguimento dos autos de execução fiscal nos seus normais termos;
b) Custas pelo Recorrido em ambas as instâncias;
c) Registe e notifique.


Lisboa, 13 de maio de 2021


[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores António Patkoczy e Mário Rebelo]

Tânia Meireles da Cunha


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[1] Cfr. v.g. os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 12.07.2017 (Processo: 1305/14.9BELRA), de 25.05.2017 (Processo: 192/10.0BEALM), de 06.04.2017 (Processo: 456/13.1BELLE) e de 19.03.2015 (Processo: 06729/13).
[2] Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, p. 676.
[3] Isabel Marques da Silva, «A Responsabilidade Tributária dos Corpos Sociais», Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, p. 132.