Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:828/18.5 BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:12/19/2023
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IRS
AJUDAS DE CUSTO
TRABALHADORES DESLOCADOS NO ESTRANGEIRO
ÓNUS DE PROVA
Sumário:I - A característica essencial das ajudas de custo é o seu carácter compensatório, visando reembolsar o trabalhador pelas despesas que foi obrigado a suportar em favor da sua entidade patronal, por motivo de deslocações ou novas instalações ao serviço desta, e a inexistência de qualquer correspectividade entre a sua percepção e a prestação de trabalho.
II - Porque a lei exclui do conceito de rendimentos da categoria A para efeitos de IRS as ajudas de custo que não excedam os limites legais, tal como definidos para os servidores do Estado (cfr. artigo 2.º, n.º 3, alínea e), e 6, do CIRS), a tributação em sede de IRS dos montantes auferidos a título de ajudas de custo e que se compreendam dentro desses limites só pode ser sustentada se a Administração Tributária demonstrar a falta de verificação dos pressupostos para a atribuição desses montantes a esse título, o que lhe permitirá alterar a declaração de rendimentos (cfr. artigos 55.º, 74.º, n.º 1 e 75.º, n.º 1, da LGT).
III - É, portanto, sobre a Administração Tributária que recai o ónus de demonstrar que as quantias declaradas como ajudas de custo constituem retribuição.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais: Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO

A Exma. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou totalmente procedente a impugnação judicial apresentada por E… – ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, S.A., contra as liquidações de IRS/ Retenções referentes aos anos de 2013 e 2014 e correspondentes juros compensatórios, no montante total de EUR. 1.255.791,17, alegando para tanto e conclusivamente:

«a) Entende a RFP que a douta Sentença de que se recorre sofre de erro de julgamento de facto e de direito.
b) Relativamente ao erro de facto, entende esta RFP, que não resulta da prova produzida nos autos que possam ser dados como provados os factos descritos nos pontos 9), 11) e 13).
c) Ora, salvo o devido respeito, a prova testemunhal produzida não permite as conclusões retiradas na douta Sentença, é que de facto as testemunhas inquiridas afirmaram que compravam os seus próprios alimentos, afirmaram a existência de barreiras e afirmaram que os locais pediam alimentos e outros bens, nos exatos termos referidos na petição inicial, mas a afirmação nos termos invocados, entendemos, não permite a efetuada conclusão de facto provado, é que não foi concretizado, por exemplo, como pagavam os bens, assim como uma série de questões de facto essenciais à prova inequívoca daquilo que afirmaram, aquilo que resultou da prova testemunhal foi que face à dificuldade de deslocação para os estaleiros, em especial um deles, havia um funcionário da empresa “F…” que havia sido contratado como cozinheiro, mas verificando-se a impossibilidade de o concretizar, ficou com a função de adquirir alimentos para os trabalhadores desse(s) estaleiros, sendo que, nunca especificou como lhe pagavam as compras, resultando claramente que os alimentos – pelos menos para os trabalhadores dos estaleiros – em pagos pela Impugnante e que, por vezes, para ultrapassar as referidas barreiras nas estradas tinha que dar alguma coisa aos locais, alimentos ou não, entendemos não resultar da prova testemunhal, nem de nenhuma outra prova, o factos dados como provados referidos supra.
d) Relativamente ao ponto 9) resulta da prova testemunhal que o funcionário F… foi contratado com a categoria de cozinheiro, tendo depois esta sido alterada, pelo que, devendo assim resultar do provatório como facto provado:
O Sr. F… foi contratado como cozinheiro para elaborar as refeições na Guiné Equatorial mas tendo-se verificado no local a que não tinham condições para isso sendo mais fácil cada um cozinhar o seu ficou a tratar das compras dos alimentos para distribuir.” Minutos 37 e 38 da gravação de inquirição.
e) Relativamente ao ponto 10) dos factos provados entendemos tal não resulta da prova produzida, é que apesar das testemunhas afirmarem esse facto demonstram insegurança e alguma contradição, por exemplo;
 a testemunha L… questionado sobre as faturas de alimentação e a sua origem referiu “não sei” depois explicando que poderia ser para os funcionários locais – minuto 5 da audição de inquirição.
 A dificuldade para a Testemunha F… explicar as despesas com alimentação é notória, por exemplo aos minutos 30, 32 e 34 da gravação de inquirição, aliás questionado sobre quem lhe dava o dinheiro para as compras de alimentos que fazia

respondeu imediatamente “A empresa” – minuto 29:50 da gravação inquirição depois esclarecendo que também os trabalhadores.
 A testemunha A… afirmou que as despesas eram pagas por si quando em lazer e questionado sobre como funcionava em trabalho afirmou o mesmo, no entanto, sobre a forma de pagamento não foi tão claro afirmando que era prevenido e levava dinheiro de Portugal – 1hora e 08 minutos da gravação de inquirição.
f) Ora, a dificuldade descrita na obtenção de alimentos faz prever maior dificuldade na obtenção de dinheiro o que demonstra a inverosimilhança na afirmação quanto ao pagamento das compras pelos trabalhadores.
g) Relativamente ao facto provado descrito no ponto 11) resulta claramente da prova testemunhal que os produtos locais eram mais baratos, mas os demais produtos se importador eram mais caros, no entanto, se comprados nas feiras não seriam mais caros, por exemplo as declarações aos minutos 48, 49 e 57 da gravação de inquirição, pelo que da prova produzida não resulta inequivocamente o facto descrito em 11).
h) Já em relação aos bens alimentares distribuídos aos trabalhadores locais, dado como provado no ponto 13), entendemos que aquilo que resulta das declarações das testemunhas é que existiam algumas barreiras “militares” em que era exigido para que passassem a doação de alguns bens – por exemplo minutos 11, 12, 1h04 e 1h05 da gravação de inquirição, pelo que não resulta da prova produzida o facto descrito em 13).
i) Por outro lado, resulta da prova testemunhal que os funcionários locais eram contratados pela empresa cliente – a S… – e não pela Impugnante – declarações de Eng. L… minuto 16:07 da gravação de inquirição – e que os trabalhadores locais eram no mínimo o dobro dos trabalhadores expatriados - declarações de Eng. L… minuto 16 da gravação de inquirição e declarações de Eng. A… minutos 1h:11 da gravação de inquirição.
j) Ora, salvo o devido respeito por opinião diversa, conforme explicitado supra, entendemos que não resulta da prova testemunhal os factos dado como provados nos pontos 9), 11) e 13), pelo que, aquele não sendo facto não demonstra a Impugnante, conforme lhe impõe a lei, que eram os seus trabalhadores portugueses quem suportavam esses custos.
k) Devendo ser acrescentado o facto descrito em d) que comprova a conclusão da Inspeção Tributária.
l) E, entendemos, que a AT conseguiu demonstrar e provar a sua conclusão que fundamenta a correção que deu origem à Liquidação em causa e que consiste: “Conforme referido anteriormente, nos anos de 2013 e 2014, a E… pagou ou colocou à disposição dos seus trabalhadores, respetivamente, os montantes de € 2.386.277,55 e € 1.727.363,14 a título de ajudas de custo, considerando-as como rendimentos não sujeitos a imposto sobre o rendimento por se destinarem a compensar os trabalhadores deslocados, pelas despesas com alojamento e alimentação e não ultrapassarem os limites legais.
No entanto, da análise aos elementos contabilísticos concluiu-se que parte dessas ajudas, não reúnem os requisitos para o afastamento da sua tributação, mais concretamente, as ajudas de custo pagas ou colocadas à disposição dos trabalhadores deslocados na Guiné-Equatorial.
m) Detetaram os Serviços da Inspeção Tributária, no âmbito da inspeção realizada à Impugnante:
 A rúbrica gastos com o pessoal representava 22% e 25% do total das vendas e prestações de serviços declarados nos anos de 2013 e 2014;
 A conta de ajudas de custo nos anos de 2013 e 2014 representam respetivamente 20% e 15% do total dos gastos com o pessoal;
 De acordo com esclarecimentos prestados pelo sujeito passivo, os encargos com ajudas de custo tinham como objetivo compensar os seus trabalhadores deslocados; e
 Em 2013 e 2014, a E… pagou ou colocou à disposição dos seus trabalhadores, respetivamente, os montantes de € 2.386.277,55 e € 1.727.363,14 a título de ajudas de custo, considerando-as como rendimentos não sujeitos a imposto sobre o rendimento por, no seu entender, se destinarem a compensar os trabalhadores deslocados, pelas despesas com alojamento e alimentação e não ultrapassarem os limites legais.
n) Analisando especificamente a questão dos trabalhadores deslocados na Guiné-Equatorial detetaram os Serviços da Inspeção Tributária:
 Nos anos de 2013 e 2014, o sujeito passivo colocou à disposição dos seus trabalhadores deslocados na Guiné-Equatorial os montantes de € 1.682.272,25 e € 1.371.262,13, respetivamente, a título de ajudas de custo não sujeitas a IRS por alegadamente se destinar a compensar os trabalhadores pelas despesas de alojamento e alimentação e não ultrapassarem os limites legais; e
 As obras realizadas na Guiné-Equatorial foram todas para o cliente “S… G… E…”
o) Analisados os contratos celebrados entre a Impugnante e a S…, verificaram os SIT que constava de todos uma cláusula que dispunha que todas as edificações relativas à instalação da Base de Vida e do escritório seriam da responsabilidade da S… e que, também as instalações para acomodação do pessoal da E… e seu transporte, seriam da responsabilidade daquela, logo, resultando daqueles contratos que as despesas com alojamento dos trabalhadores da E… seriam da responsabilidade do seu cliente S…, só podiam os SIT concluir que as ajudas de custo pagas pela E… não tinham natureza compensatória por despesas suportadas pelos trabalhadores com o alojamento, referira-se que os factos descritos quanto à questão do alojamento não é matéria controvertida, como aliás considerou a douta Sentença.
p) E, quanto à alimentação, detetaram os SIT que constava dos balancetes apresentados pela Impugnante a conta “626815 – Géneros Alimentícios – Outros Países”, que evidenciava os saldos de € 222.300,47 e € 103.965,37, nos anos de 2013 e 2014, respetivamente e, tendo solicitado ao sujeito passivo os documentos de suporte aos registos contabilísticos efetuados na referida conta, verificaram tratarem-se de despesas com a aquisição de produtos alimentares na Guiné-Equatorial, ou seja, verificaram os SIT que a E… suportou e registou como gasto dos anos de 2013 e de 2014, despesas com a aquisição de produtos alimentares na Guiné-Equatorial, de montantes significativos, dos quais só podia concluir-se que aqueles se destinavam a assegurar o pagamento dos encargos com alimentação dos seus trabalhadores deslocados nesse local [ver Anexo 7 ao relatório de inspeção junto com o PAT].
q) Ora, detetando os SIT que as despesas dos trabalhadores deslocados na Guiné-Equatorial relativamente ao alojamento foram da responsabilidade do cliente S… e que as despesas de alimentação foram asseguradas pela E…, não teriam as mesmas sido suportadas pelo trabalhador e compensadas por ajudas de custo, uma vez que apenas podem ser suportadas uma única vez, pelo que, só restava a conclusão de que os montantes pagos ou colocados à disposição dos funcionários deslocados na Guiné-Equatorial, sob a designação de ajudas de custo, não tiveram um caráter compensatório, mas sim remuneratório, logo sujeitas a tributação em sede de IRS.
r) Não resulta da prova testemunhal, ou documental, apresentada o afastamento dos factos detetados pelos serviços de inspeção tributária.
s) E, diga-se que aqueles valores gastos em comida, a contratação de um cozinheiro, entre outros, demonstra de forma inequívoca que a Impugnante pretendeu, desde o inicio, ceder alimentos aos seus trabalhadores – aliás de acesso difícil segundo estes – se depois alterou a forma de o fazer, não apresentando refeições prontas, por falta de condições, mas alimentos para serem cozinhados, entendemos que não resulta claramente da prova produzida.
t) O que não resulta certamente da prova produzida, nem das regras da experiencia, é que a empresa tenha disponibilizado aqueles montantes de dinheiro em comida e contratado um cozinheiro para abastecer a população local e fazer um ou outro evento no final de cada obra.
u) Não são aqueles valores ajudas de custo, mas, ainda que assim não se entendesse, as ajudas de custo são, diga-se de forma simplista, um reembolso de despesas que o trabalhador tenha efetuado por causa e no exercício das suas funções, já que, compensação por se encontrarem deslocados, em condições mais adversas, em locais de alimentação mais cara, entre outros, são, rendimentos do trabalho dependente, sujeitos a tributação e não ajudas de custo, é que são várias as profissões que exigem ao trabalhador esforços, vivencias diferentes, desgaste rápido, etc., mas todas e quaisquer compensações por essas especificidades são consideradas pela lei acréscimo de rendimento – logo sujeitos a tributação – e não ajudas de custo.
v) Refere ainda a douta Sentença:
Resulta provado que a impugnante possui em média, no exercício de 2013, 97 trabalhadores portugueses a trabalharem na Guiné Equatorial e, no exercício de 2014, uma média de 85 trabalhadores (vide pontos 14 e 15 do probatório supra). Havia meses em que havia mais trabalhadores e meses em que havia menos trabalhadores, tudo dependendo das fases dos trabalhos que a impugnante se encontrava a realizar na Guiné Equatorial em cada momento.
Também resulta provado, e aliás, tal não é colocado em causa pela AT, que a impugnante possui trabalhadores naquele país durante todos os meses nos anos em referência.
Por outro lado, ficou ainda provado, de acordo com os elementos juntos aos autos pela AT no relatório inspectivo, que a impugnante teria gasto € 222.300,04 em produtos alimentares e bebidas no exercício de 2013 e € 103.965,37 no exercício de 2014.
Desde logo, atenta a circunstância de o número de trabalhadores da impugnante em funções na Guiné Equatorial em cada um dos anos ser mais ou menos o mesmo (cerca de menos 12 no exercício de 2014), fica por explicar como a quantia despendida pela impugnante, alegadamente, com a alimentação desses trabalhadores tivesse sido reduzida em mais de 50% do exercício para o outro. A AT não adianta qualquer explicação nem questiona a veracidade dos elementos.
Por outro lado, se dividirmos o valor gasto em cada um dos exercícios com os referidos bens pelo número de trabalhadores portugueses que a impugnante tinha ao seu serviço na Guiné Equatorial, chegamos à conclusão que a impugnante despenderia cerca de 6,28 por dia com cada trabalhador (222.300,04:365 dias=609,04:97=6,28) no exercício de 2013. Se efectuarmos o mesmo exercício para o ano de 2014 chegamos à conclusão que esse valor seria de € 3,35, por dia, por trabalhador (€ 103.965,37:365 dias=284,84:85=3,35). Ora, resulta daqui evidente, até pelas regras da experiencia comum, que as quantias despendidas pela impugnante com produtos alimentares e bebidas em cada um dos exercícios em causa nunca seriam suficientes para alimentar, diariamente, todos os seus trabalhadores, nem mesmo na Guiné Equatorial.
Na verdade, e como nos foi dito pelas testemunhas, se é verdade que as frutas e os produtos hortícolas têm um preço mais reduzido do que em Portugal, também foi afirmado que os demais alimentos, porque quase todos importados, são mais dispendiosos que em Portugal. Ora, como todos nós sabemos e decorre, mais uma vez, das regras da experiencia comum, mesmo efectuando as refeições em casa, não era possível, nem mesmo em 2013 e 2014, possível tomar três refeições por dia, pelo valor de € 6,28 por dia e muito menos por € 3,35 por dia.
Também não se compreende, nem a AT explica, como sendo os bens adquiridos em apenas cinco meses, em cada ano, a impugnante forneceu alimentação aos seus trabalhadores na totalidade dos meses dos dois exercícios. Acresce que, no exercício de 2013, quatro desses meses são seguidos (Janeiro a Abril) só voltando a existir compras em Dezembro desse ano. A AT não alega, e muito menos prova que a impugnante teria armazenado bens para sete meses. Ainda que se admitisse ser tal possível no que respeita a eventuais compras de bens congelados, tal nunca seria possível relativamente às frutas e legumes, como nos dizem as regras de experiencia comum. Também no ano de 2014 não teriam existido compras durante 7 meses, pelo que também fica por explicar como seriam os trabalhadores da impugnante alimentados durante esses 7 meses.
Por outro lado, e se entendêssemos que o valor em questão apenas deveria ser dividido apenas pelos meses a que se reportam as facturas contabilizadas pela impugnante, nunca poderia a AT ter concluído que aos trabalhadores em questão não eram devidas ajudas de custo em todos os meses, quer do exercício de 2013, quer do exercício de 2014.
Efectivamente, e como resulta mais uma vez dos pontos 14 e 15 do probatório supra, a impugnante teve deslocados na Guiné Equatorial trabalhadores seus em todos os meses de 2013 e todos os meses de 2014. Ora, como já se referiu acima, as facturas encontradas na contabilidade e juntas ao procedimento inspectivo e todas analisadas pelo Tribunal, apenas se reportam aos meses de Janeiro a Abril e Dezembro de 2013 e de Janeiro, Março, Agosto, Novembro e Dezembro do ano de 2014 (vide pontos 18 e 19 do probatório supra), o que significaria que, pelo menos, nos restantes sete meses de cada ano, a impugnante não teria gasto quaisquer quantias em alimentação com os seus trabalhadores.”
w) Ora, salvo o devido respeito, o raciocínio por base na argumentação supra transcrita tem um lapso, que ao contrário do que resulta do ali escrito, não resulta dos factos provados, uma vez que não resulta dos autos qual é o número de trabalhadores com exatidão ou ainda que estes tivessem permanecido os 12 meses em cada um dos períodos na Guiné Equatorial.
x) Aliás decorre da prova produzida que a permanência era sazonal e divergia muito de pessoa para pessoa, por exemplo o Eng. L… ia à Guiné Equatorial uma vez por mês – gravação de inquirição minuto 5´ - o Sr. G… de 3 em 3 meses minuto 42 da inquirição de testemunhas – e o número de trabalhadores divergia muito – declarações de A… 1h:09 da gravação de inquirição, além de que, esta prova ou sequer alegação não foi trazida pela Impugnante, cabendo-lhe fazê-la.
y) Por outro lado, resulta da prova testemunhal que os funcionários locais eram contratados pela empresa cliente – a S... – e não pela Impugnante – declarações de Eng. L… minuto 16 da gravação de inquirição – e que os trabalhadores locais eram no mínimo o dobro dos trabalhadores expatriados - declarações de Eng. L… minuto 16 da gravação de inquirição e declarações de Eng. A… minutos 1:11 da gravação de inquirição.
z) Assim, se, os cálculos apresentados na douta Sentença estivessem corretos – que não podem estar por não serem conhecidos o número de trabalhadores por dia/mês – então muito menos daria para alimentar os trabalhadores locais por serem em número muito superior.
aa) Não resultando da prova produzida nos autos demonstração diversa das dos Serviços de Inspeção Tributária, entendemos que, mal andou o Tribunal ao julgar ilegal a liquidação.
bb) Os rendimentos do trabalho dependente (Rendimentos da Categoria A) são definidos no artigo 2° do Código IRS, disposição que deve ser interpretada como abrangendo apenas hipóteses em que as atribuições pecuniárias feitas aos trabalhadores por conta de outrem visem proporcionar-lhe um acréscimo patrimonial, mas quando estejam em causa atribuições patrimoniais que visem apenas compensar o trabalhador de despesas que teve de suportar para assegurar o exercício da sua função está afastada a incidência do imposto [cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no Processo n.º 01082/04, de 08-11-2006, in www.dgsi.pt].
cc) Pela sua própria natureza, as ajudas de custo são em princípio compensações por despesas incorridas pelo trabalhador a favor da entidade patronal “pelo que só tem sentido tributá-las quando extravasarem essa função e passarem a constituir verdadeira “vantagem económica”. Enquanto se limitarem a compensar o trabalhador por despesas efectivamente incorridas a favor da entidade patronal, as somas recebidas não são sequer rendimento líquido do trabalhador”. A lei presume que isso acontece quando as ajudas de custo e as importâncias recebidas pela utilização de viatura própria se mantêm dentro dos limites legais previstos para os servidores do Estado e sempre que sejam observados os pressupostos da sua atribuição a esses mesmos servidores” [Xavier de Bastos - IRS - Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra, 2007, pág. 129].
dd) Como se refere no acórdão do STA de 08-06-2004, processo nº 01338/03: "para que certas verbas atribuídas pela entidade patronal aos seus trabalhadores no âmbito de um contrato de trabalho subordinado, sejam de qualificar como ajudas de custo e não como acessórios de retribuição, necessário é que elas representem uma compensação ou reembolso pelas despesas a que o trabalhador foi obrigado na sequência de deslocações ocasionais e gastos que teve de efetuar ao seu serviço, inexistindo qualquer correspetividade em relação ao trabalho."
ee) Ora, conforme resulta do relatório de inspeção tributária e cujo resumo se reproduziu supra, os Serviços fundaram a correção na conclusão de que os trabalhadores não pagaram a sua estadia e a sua alimentação no âmbito da sua prestação de trabalho na Guiné-Equatorial, sendo que a Impugnante esclareceu os SIT que as ajudas de custo pagas se destinavam exatamente a compensar os trabalhadores pelas despesas, inerentes à sua deslocação, com estadia e alimentação.
ff) E, os SIT demonstraram, através de indícios sólidos que os trabalhadores não suportaram as referidas despesas aquando de trabalho na Guiné-Equatorial, já que o alojamento era garantido pelo cliente – não contestada - e a alimentação pela Impugnante.
gg) Pelo que, salvo o devido respeito errou a douta Sentença ao considerar que a AT não demonstrou tratarem-se de ajudas de custos os valores referidos e que a Impugnante logrou demonstrar que aqueles valores não se destinaram à alimentação dos seus funcionários.
TERMOS EM QUE, COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS., DEVERÁ SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, POR PROVADO, E EM CONSEQUÊNCIA, DEVERÁ A SENTENÇA RECORRIDA SER PARCIALMENTE REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR ACÓRDÃO QUE ANALISE CABALMENTE TODAS AS QUESTÕES SUSCITADAS PELA ORA RECORRENTE, COM AS DEVIDAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA.
A FAZENDA PÚBLICA REQUER, MUITO RESPEITOSAMENTE A V. EXAS., PONDERADA A VERIFICAÇÃO DOS SEUS PRESSUPOSTOS, A DISPENSA DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA PREVISTA NO N.º 7 DO ART.º 6º DO RCP.».

A Recorrida apresentou contra-alegações, que culmina com as seguintes conclusões:
«








O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer concluindo pela improcedência do recurso por concordância com os factos e fundamentos melhor descritos pormenorizadamente na sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões da alegação, o objecto do recurso consiste em saber se a sentença incorreu em erro de julgamento: (i) ao dar como provados os factos vertidos nos pontos 9, 10, 11 e 13 do probatório e (ii) ao fazer recair sobre a administração tributária o ónus de prova do carácter remuneratório das importâncias abonadas pela impugnante aos trabalhadores deslocados ao seu serviço na Guiné Equatorial a título e ajudas de custo, nos anos de 2013 e 2014.
***
III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS

Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado:
«

«Imagem em texto no original»



«Imagem em texto no original»



».

B.DE DIREITO

A Recorrente impugna os pontos 9, 10, 11 e 12 do probatório. Ouvida a globalidade dos depoimentos prestados, relativamente ao ponto 9., de facto F… refere ter sido inicialmente contratado pela impugnante como cozinheiro mas que por falta de condições para a instalação de um refeitório na Guiné Equatorial, assumiu as funções de “conferente”, em que se encarregou das compra de géneros para o pessoal. E que “apenas cozinhava para si, não cozinhava para o pessoal do estaleiro”.

Relativamente ao ponto 10., são convergentes os depoimentos de L…, eng. Civil que trabalhou para a impugnante na Guiné Equatorial e nos anos de 2012, 2013 e 2014 como director de operações – obras marítimas (pontes, pontes-cais…) que refere que “a E… não fornecia refeições”, o pessoal cozinhava nos “grandes equipamentos em obra”; mais refere que as estradas, não asfaltadas, eram dificilmente transitáveis, “demorando-se por vezes três horas para fazer a distância de 130 quilómetros entre dois estaleiros da E…”. F…, no seu depoimento, perguntado quem lhe dava o dinheiro para compras, declarou “a empresa e os trabalhadores”. Perguntado, “a empresa para quê?”, respondeu “para a população e para as barreiras”, “os trabalhadores para comprar alimentos para eles”. E acrescenta, na conclusão das obras, festejavam “com um churrasco”. Não é, pois, verdade, como alega a Recorrente, que se tenha limitado a dizer prontamente que quem lhe dava o dinheiro era a empresa. E sobre a dúvida da Recorrente sobre o acesso dos trabalhadores a numerário para compra de géneros na Guiné Equatorial, respondeu a testemunha A…, eng. Civil, director de obra, colocado na obra do Cogo, em 2013 e 2014, que refere não ser fácil o acesso a Multibanco, só havia na capital e numa outra grande cidade, não em todos os locais onde haviam obras e que por isso vinham precavidos “com dinheiro no bolso”, ele mesmo trazia para cima de mil euros, e o mesmo referira já no seu depoimento a testemunha F….

Quanto ao impugnado ponto 11., G…, também ele trabalhador da impugnante deslocado na Guiné Equatorial nos anos de 2013 e 2014, como administrativo de obra, depois de referir que ele próprio “confeccionava a sua comida”, e que as facturas da impugnante de bens alimentares se referiam a água “consumida dentro do horário de trabalho” e também davam à comunidade local, assim como legumes e frutas. Frutas e legumes compravam no mercado local e eram mais baratos que os preços praticados em Portugal, assim como a carne ali vendida, mas as condições impróprias em que vendiam, levava-os a comprar no supermercado, carne congelada, onde era mais cara que em Portugal, não sabe especificar quanto exactamente. B…, técnico administrativo, trabalhador da impugnante desde 2007 e até ao momento, que se encarrega da “gestão administrativa do pessoal e equipamento em obra”, também ele deslocado ao serviço da impugnante na Guiné Equatorial nos anos de 2013 e 2014, refere que havia distribuição de alimentos comprados pela empresa aos trabalhadores locais, que ele depoente “fazia as suas refeições no local onde habitava”, e que “comprava os alimentos no supermercado”. A…, refere a propósito: o custo de vida era mais caro na Guiné que em Portugal, “era tudo importado”. Não descortinamos, pois, qualquer depoimento que imponha decisão diversa da proferida no ponto 11., apresentando-se credíveis os depoimentos no sentido de que por falta de higiene com que certos produtos eram vendidos nos mercados locais, concretamente a carne, recorriam ao supermercado, onde adquiriam o produto congelado.

Quanto, por fim, ao impugnado ponto 13., o depoimento das testemunhas não suporta factualmente o que propugna a Recorrente. É certo que A… refere que haviam barreiras à circulação “controladas por militares que solicitavam água, cerveja…”; Mas outras testemunhas referem que a empresa distribuía alimentos a funcionários locais alocados nas obras da impugnante embora contratados pela S… e que “o consumo de água se fazia sem racionamento”, que “forneciam alimentos à população local” (cf. depoimentos de L… e F…), e que as facturas da empresa com alimentos se referia a “água para consumo durante o horário de trabalho…”, e muita também para dar “ao pessoal local das obras, que pedia para si e suas famílias”, bem como “frutas e legumes para distribuir pela comunidade local” (cf. depoimento de B…, com a razão de ciência de quem se encarregava da conferência das facturas). Não vemos, pois, que a prova dos autos imponha decisão diversa da proferida no ponto 13 do probatório.
Tudo visto, altera-se o ponto 9. do probatório no sentido propugnado, dele passando a constar:

9. F… foi inicialmente contratado pela impugnante como cozinheiro para confeccionar as refeições do pessoal deslocado ao serviço da empresa na Guiné Equatorial em 2013 e 2014 mas tendo-se verificado localmente que não havia condições para a instalação de um refeitório assumiu as funções de conferente, cabendo-lhe tratar das compras dos géneros que o pessoal lhe solicitava.

Julga-se improcedente a restante impugnação da matéria de facto.
*
Estabilizado o probatório, avancemos na apreciação das demais questões do recurso.


A questão das regras do ónus da prova em matéria de ajudas de custos, tem sido tratada na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo de forma uniforme e reiterada no sentido de que as ajudas de custo atribuídas ao trabalhador têm natureza remuneratória somente na parte que excede o limite legal fixado anualmente para os servidores do Estado, face ao disposto no art.º 2.º, n.º 3, al. d) do CIRS, e o ónus de prova de tal excesso, bem como da verificação da falta dos pressupostos da sua atribuição, como pressuposto da norma de tributação, recai sobre a Administração Tributária (nesse sentido, por todos, vd. Ac. do STA de 22/05/2013, proc. n.º 146/13, e jurisprudência aí citada).
Desde logo cumpre dizer que, nem todas as importâncias recebidas pelos trabalhadores das respectivas entidades patronais assumem a natureza de retribuição havendo prestações efectuadas pela entidade patronal que visam compensar o trabalhador por despesas que suportou a favor da sua entidade patronal, por motivo de deslocações ou novas instalações ao serviço desta, não constituindo um correspectivo da prestação de trabalho, pelo que, não integram o conceito de retribuição.

Ou seja, as mencionadas prestações para integrarem o conceito de retribuição têm de estar previstas no contrato de trabalho ou ser estabelecidas pelos usos como elemento da retribuição, e mesmo neste caso, só quando excederem as despesas normais.

Assim, a lei exclui do conceito de rendimentos da categoria "A" para efeitos de IRS, as ajudas de custo que não excedam os limites legais, tal como definidos para os servidores do Estado, nos termos do disposto no art. 2.º, n.ºs 3, alínea e) e n.º 6, do CIRS.

Por conseguinte, a tributação dos montantes em causa, em sede de IRS, só pode ser sustentada enquanto complemento de remuneração sem fim compensatório.

Para efeitos de apreciação da legalidade do IRS – Retenções na fonte impugnado importava, desde logo, determinar se as importâncias pagas pela impugnante aos seus trabalhadores a título de ajudas de custo correspondem efectivamente a uma compensação ou reembolso pelas despesas que ele foi obrigado a suportar em virtude de deslocações ao serviço da empresa.
Para se apurar o que se possa entender por despesas normais têm de se considerar os usos e as exigências da empresa face a cada categoria profissional, o objectivo das deslocações, o estatuto do trabalhador.

É à administração tributária que cabe o ónus de demonstrar que os abonos recebidos pelo trabalhador não tinham qualquer fim compensatório, recolhendo e enunciando factos-índices suficientemente sólidos para criarem essa convicção, designadamente porque não existiam deslocações do trabalhador ou, existindo, porque esses abonos não tinham qualquer relação com essas deslocações ou, tendo-a, cobriam largamente as despesas normais que as deslocações provocam, fazendo, por isso, parte da retribuição.

Como se sabe, estabelecendo o art.º 75.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária uma presunção legal de veracidade das declarações dos contribuinte ("[p]resumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei (...)"), cabe a AT o ónus da prova da falta de correspondência com a realidade do teor das declarações (nesse sentido, cfr. Diogo Leite de campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, “Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada”, 4.ª ed., Vislis , 2012, p. 664).

Ora, deste modo, em sede de acção de inspecção à entidade patronal que pagou os abonos, cabe à AT demonstrar os pressupostos que legitimam a correcção à declaração do contribuinte, ou seja, os factos constitutivos desse direito, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 74.º da LGT.
Verificados os requisitos que permitem a Administração tributária alterar a natureza do rendimento declarado, é sobre a entidade patronal que recai o ónus de alegar e provar factualidade que ponha em causa os factos-índice que foram enunciados pela Administração tributária e demonstrar que as quantias que abonou a título de ajudas de custo aos trabalhadores deslocados ao seu serviço na Guiné Equatorial tinham efectivamente natureza compensatória, lembrando-se que nos termos do art.º 99.º, n.º1 do Código do IRS, recai sobre as entidades devedoras de rendimentos de trabalho dependente a obrigação de reter o imposto no momento do seu pagamento ou colocação à disposição dos respectivos titulares, estabelecendo o art.º 103.º n.º 1 do mesmo Código, que “em caso de substituição tributária, a entidade obrigada à retenção é responsável pelas importâncias retidas e não entregues nos cofres do Estado…”, preceito que deverá ser lido em conjugação com o disposto nos artigos 20.º e 34.º da Lei Geral Tributária.

Vejamos, então, se a AT cumpriu o referido ónus da prova.

A sentença recorrida, depois de feitos os considerandos que julgou pertinentes à matéria controvertida e, de resto, alinhados com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e deste tribunal em particular no que respeita à repartição do ónus de prova sobre os pressupostos caracterizadores dos abonos como compensações ou remunerações, discorreu assim:
«
…cumpre aferir se no caso sub judice a AT logrou efectou a prova que sobre si impendia de que os valores pagos pela impugnante aos seus trabalhadores não visavam ressarci-los das despesas por eles suportadas por força da prestação do serviço fora do seu local de trabalho habitual.

Desde logo, como se afirmou, necessário seria que a AT provasse que as quantias pagas pela impugnante aos trabalhadores que se encontravam deslocados na Guiné Equatorial não visavam ressarcir os mesmos das despesas por si suportadas pelo facto de se encontrarem deslocados fora do seu local habitual de trabalho.
Vejamos.

Aos autos inspectivos foram juntos pela AT documentos constantes da contabilidade da impugnante – facturas e extractos de conta - que demonstram que em cinco meses por cada ano, num total de dez meses em vinte e quatro meses, a impugnante suportou despesas relacionados com produtos alimentícios e bebidas. Em face de tais documentos a AT conclui que tendo a impugnante suportado despesas com os referidos produtos em cinco meses em cada ano, não se justifica o pagamento de quaisquer ajudas de custo.
Vejamos.

Comecemos apenas por nos debruçar pela prova efectuada pela AT em sede de relatório inspectivo para sustentar as correcções por si efectuadas que foi objecto de analise exaustiva por parte do Tribunal.

Resulta provado que a impugnante possui em média, no exercício de 2013, 97 trabalhadores portugueses a trabalharem na Guiné Equatorial e, no exercício de 2014, uma média de 85 trabalhadores (vide pontos 14 e 15 do probatório supra). Havia meses em que havia mais trabalhadores e meses em que havia menos trabalhadores, tudo dependendo das fases dos trabalhos que a impugnante se encontrava a realizar na Guiné Equatorial em cada momento.

Também resulta provado, e aliás, tal não é colocado em causa pela AT, que a impugnante possui trabalhadores naquele país durante todos os meses nos anos em referência.

Por outro lado, ficou ainda provado, de acordo com os elementos juntos aos autos pela AT no relatório inspectivo, que a impugnante teria gasto € 222.300,04 em produtos alimentares e bebidas no exercício de 2013 e € 103.965,37 no exercício de 2014.

Desde logo, atenta a circunstância de o número de trabalhadores da impugnante em funções na Guiné Equatorial em cada um dos anos ser mais ou menos o mesmo (cerca de menos 12 no exercício de 2014), fica por explicar como a quantia despendida pela impugnante, alegadamente, com a alimentação desses trabalhadores tivesse sido reduzida em mais de 50% do exercício para o outro. A AT não adianta qualquer explicação nem questiona a veracidade dos elementos.

Por outro lado, se dividirmos o valor gasto em cada um dos exercícios com os referidos bens pelo número de trabalhadores portugueses que a impugnante tinha ao seu serviço na Guiné Equatorial, chegamos à conclusão que a impugnante despenderia cerca de 6,28 por dia com cada trabalhador (222.300,04:365 dias=609,04:97=6,28) no exercício de 2013. Se efectuarmos o mesmo exercício para o ano de 2014 chegamos à conclusão de que esse valor seria de € 3,35, por dia, por trabalhador (€ 103.965,37:365 dias=284,84:85=3,35). Ora, resulta daqui evidente, até pelas regras da experiência comum, que as quantias despendidas pela impugnante com produtos alimentares e bebidas em cada um dos exercícios em causa nunca seriam suficientes para alimentar, diariamente, todos os seus trabalhadores, nem mesmo na Guiné Equatorial.

Na verdade, e como nos foi dito pelas testemunhas, se é verdade que as frutas e os produtos hortícolas têm um preço mais reduzido do que em Portugal, também foi afirmado que os demais alimentos, porque quase todos importados, são mais dispendiosos que em Portugal. Ora, como todos nós sabemos e decorre, mais uma vez, das regras da experiência comum, mesmo efectuando as refeições em casa, não era possível, nem mesmo em 2013 e 2014, tomar três refeições por dia, pelo valor de € 6,28 por dia e, muito menos, por € 3,35 por dia.

Também não se compreende, nem a AT explica, como sendo os bens adquiridos em apenas cinco meses, em cada ano, a impugnante forneceu alimentação aos seus trabalhadores na totalidade dos meses dos dois exercícios. Acresce que, no exercício de 2013, quatro desses meses são seguidos (Janeiro a Abril) só voltando a existir compras em Dezembro desse ano. A AT não alega, e muito menos prova que a impugnante teria armazenado bens para sete meses. Ainda que se admitisse ser tal possível no que respeita a eventuais compras de bens congelados, tal nunca seria possível relativamente às frutas e legumes, como nos dizem as regras de experiência comum. Também no ano de 2014 não teriam existido compras durante 7 meses, pelo que também fica por explicar como seriam os trabalhadores da impugnante alimentados durante esses 7 meses.

Por outro lado, e se entendêssemos que o valor em questão deveria ser dividido apenas pelos meses a que se reportam as facturas contabilizadas pela impugnante, nunca poderia a AT ter concluído que aos trabalhadores em questão não eram devidas ajudas de custo em todos os meses, quer do exercício de 2013, quer do exercício de 2014.

Efectivamente, e como resulta mais uma vez dos pontos 14 e 15 do probatório supra, a impugnante teve deslocados na Guiné Equatorial trabalhadores seus em todos os meses de 2013 e todos os meses de 2014. Ora, como já se referiu acima, as facturas encontradas na contabilidade e juntas ao procedimento inspectivo e todas analisadas pelo Tribunal, apenas se reportam aos meses de Janeiro a Abril e Dezembro de 2013 e de Janeiro, Março, Agosto, Novembro e Dezembro do ano de 2014 (vide pontos 18 e 19 do probatório supra), o que significaria que, pelo menos, nos restantes sete meses de cada ano, a impugnante não teria gasto quaisquer quantias em alimentação com os seus trabalhadores.

Daqui decorre claro que a AT não provou que a impugnante tenha suportado todos os custos com alimentação dos seus trabalhadores o que determina a ilegalidade da presente correcção.

Por outro lado, mesmo no que toca ao alojamento, nunca a AT alega e muito menos prova, que as despesas relacionadas com água, luz e gás necessárias para uma vida normal também eram fornecidas pela sociedade S….

Assim, e desde logo, somos forçados a concluir que a AT não efectuou prova bastante para concluir que as quantias pagas pela impugnante a título de ajudas de custo não se destinavam a ressarcir os seus trabalhadores dos gastos por estes suportados pela circunstância de se encontrarem deslocados».
Concordamos com este modo de ver. As debilidades probatórias que a Recorrente lhe aponta em nada aproveitam à Fazenda Pública, que é a parte onerada com a demonstração de factos que permitam concluir, num juízo de normalidade, que as quantias abonadas pela entidade patronal a trabalhadores deslocados no estrangeiro ao seu serviço não assumem carácter compensatório.

Na verdade, alegar a Recorrente que “a contratação de um cozinheiro, entre outros, demonstra de forma inequívoca que a Impugnante pretendeu, desde o início, ceder alimentos aos seus trabalhadores – aliás de acesso difícil segundo estes – se depois alterou a forma de o fazer, não apresentando refeições prontas, por falta de condições, mas alimentos para serem cozinhados, entendemos que não resulta claramente da prova produzida”; que “o raciocínio por base na argumentação supra transcrita tem um lapso, que ao contrário do que resulta do ali escrito, não resulta dos factos provados, uma vez que não resulta dos autos qual é o número de trabalhadores com exactidão ou ainda que estes tivessem permanecido os 12 meses em cada um dos períodos na Guiné Equatorial”; ou, ainda, que “…decorre da prova produzida que a permanência era sazonal e divergia muito de pessoa para pessoa, o número de trabalhadores divergia muito (…), além de que, esta prova, ou sequer alegação, não foi trazida pela Impugnante, cabendo-lhe fazê-la”, salvo o devido respeito, tem na sua base um vício de raciocínio, que se traduz em fazer recair sobre a impugnante, aqui recorrida, o ónus de demonstrar a natureza compensatória dos abonos num quadro factual em que os pressupostos legais da sua atribuição não foram fundadamente postos em causa pela Administração tributária.
Com efeito e, como de resto a sentença fez constar do ponto 21., do probatório, o único facto apontado pela AT para a correcção do carácter compensatório das quantias abonadas pela impugnante, a título de ajudas de custo, aos trabalhadores deslocados na Guiné Equatorial ao seu serviço nos anos de 2013 e 2014, foi a circunstância de a impugnante ter contabilizado em alguns períodos mensais compreendidos naquele lapso temporal, despesas com bens alimentícios e bebidas, o que resulta manifestamente insuficiente para levar o tribunal a concluir pelo carácter remuneratório das ajudas de custo abonadas. Tanto mais que foram levados ao probatório, e não impugnados com sucesso, factos de sentido contrário, nomeadamente, que “eram os trabalhadores expatriados quem pagava os seus mantimentos” e “era vulgar a impugnante adquirir bens alimentares para distribuir pelos trabalhadores locais e suas famílias” e que a empresa não dispunha de refeitório, bem que pensado inicialmente, mas inviabilizado face às condições locais constatadas.

A sentença não incorreu nos apontados erros de julgamento, de facto e de direito, sendo de confirmar e negar provimento ao recurso.
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A norma constante do n.º 7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais dá ao juiz a possibilidade de dispensar, no todo ou em parte, o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a final quando o valor da causa exceda o valor de € 275.000, desde que tal dispensa se justifique em função da complexidade da causa, da sua utilidade económica e da conduta processual das partes, sob a ponderação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade. E a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça poderá ser aplicada oficiosamente ou a requerimento da parte interessada.

Ponderados os elementos atendíveis e também que o valor da causa é de EUR.1.255.791,17 e que as questões colocadas não são novas e já foram abundantemente debatidas na jurisprudência dos tribunais superiores, entende-se ajustado e proporcional conceder às partes dispensa total do remanescente de taxa de justiça devida no recurso.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente, sem prejuízo da concedida dispensa total de pagamento do remanescente de taxa de justiça.

Lisboa, 19 de Dezembro de 2023



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Vital Lopes



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Ana Cristina Carvalho



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Jorge Cortês