Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:249/19.2BEALM
Secção:CA
Data do Acordão:07/02/2020
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
FUMUS BONI IURIS
PERICULUM IN MORA
PONDERAÇÃO DOS INTERESSES PÚBLICOS E PRIVADOS EM PRESENÇA
Sumário:I. O procedimento em causa teve origem na ilegalidade da realização de obras e no ato suspendendo daí se retiram consequências quanto à ilegalidade da edificação e determinou-se a demolição de toda a estrutura, sendo que à luz da regulamentação posterior ao ato, já não se afigura imperativa a demolição das edificações como a presente e é equacionável a sua legalização.
II. Assim, numa análise necessariamente perfunctória, como se impõe na lide cautelar, a opção administrativa contende com o princípio da proporcionalidade, levando a concluir pela verificação do requisito fumus boni iuris.
III. Configurando a demolição da construção uma situação de facto consumado, relativamente aos interesses que a demandante pretende assegurar no processo principal, mostra-se verificado o requisito do periculum in mora.
IV. Na medida em que a demolição deve ser encarada como solução de ultima ratio, afigurando-se sempre possível a reposição da legalidade administrativa caso venha a ser dada razão à entidade demandada no âmbito da ação principal, a constatação do facto consumado sobrepõe-se à lesão do interesse público genericamente invocado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul
I. RELATÓRIO
M….. interpôs providência cautelar contra a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), ao abrigo dos artigos 112.º, n.os 1 e 2, al. a), e 128.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais (CPTA), requerendo a suspensão de eficácia de ato administrativo, através do qual lhe foi comunicado que a APA vai, no dia 28/03/2019, pelas 10 horas, tomar posse administrativa de construção sita no sistema dunar da Praia da Saúde, na Costa da Caparica, de que a requerente é proprietária, para posterior demolição.
Alega, em síntese, que assumiu junto da requerida o compromisso de demolir a construção nova e manter a antiga, sendo que o ato suspendendo, ao determinar a demolição das duas construções viola o seu direito de audiência, o princípio da igualdade e o dever que impende sobre as entidades públicas de respeitarem os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, estando reunidos os requisitos exigidos para concessão da providência cautelar.
Citada, a APA deduziu oposição, tendo apresentado defesa por exceção, invocando a ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário, por não ter sido citada para o presente processo a C…...
O TAF de Almada supriu a exceção suscitada, ordenando a citação dessa sociedade.
Citada, a C….. deduziu oposição, alegando inexistir norma que exija a prática de ato prévio à tomada de posse, que a requerente não procedeu à remoção num prazo razoável e não estarem verificados os requisitos para a adoção de providência cautelar.
Por sentença de 27/12/2019, o TAF de Almada julgou procedente a providência cautelar consubstanciada no pedido de suspensão de eficácia do ato suspendendo e, em consequência, intimou as entidades requeridas à abstenção da prática de qualquer ato administrativo ou ato material de execução do referido ato.
Inconformada, a requerida C….. interpôs recurso desta decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“1.ª O Tribunal a quo incorre em erro de julgamento quando à decisão sobre a matéria de facto, ao não ter dado, indiciariamente, por provado, factos determinantes e essenciais para o correto julgamento da causa, mais concretamente, para a verificação do requisito do periculum in mora e do requisito de fumus boni iuris, e que resultam quer da produção da prova testemunhal, quer da própria lei.
2.ª Com efeito, do depoimento da testemunha F….., resulta que, por um lado, a parte sobrante do palheiro n.º ….., é composto por tábuas de madeira completamente podres, que não têm qualquer utilidade ou funcionalidade, sendo certo que o que resta do palheiro vai, impreterivelmente para o lixo; por outro, face às condições que em que se encontra o suposto palheiro preexistente, tudo o que vier a ser construído naquele sítio é completamente novo, pelo que as obras realizadas não são, na verdade, obras de manutenção!
3.ª Ora, estes factos, a terem sidos considerados Tribunal a quo impunham, decisiva e forçosamente, outra decisão daquela que foi tomada quanto ao requisito do periculum in mora, isto porque ficou cabalmente demonstrado que não há qualquer “situação de facto consumado”, uma vez que é a própria ora Recorrida que vai demolir o pouco que resta do palheiro preexistente.
4.ª Da mesma forma, existem factos que tinham, e deviam, ter sido trazidos à matéria de facto dada, indiciariamente, por provada, porque resultam da lei e impõem uma decisão diversa da tomada pelo Tribunal a quo quanto ao requisito do fumus boni iruis.
5.ª Mais concretamente, o facto de terem sido extintos todos os direitos de uso privativo constituídos sobre bens imóveis situados nas zonas de intervenção previstas pelo Programa Polis, onde se insere a área do sistema dunar da Praia da Saúde, na Costa da Caparica, e o facto desses mesmos bens imóveis terem sido transmitidos para a propriedade da C….., o que inclui o palheiro n.º ….., por força do Decreto-Lei n.º 330/2000, de 27 de dezembro,
6.ª Ora, tais factos, que decorrem impreterivelmente da lei, não permitiriam o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, segundo qual a construção ilegal da Requerente poderia ser sujeita a “eventual processo de legalização”;
7.ª Face ao exposto, e atento ao ostensivo erro de julgamento da decisão sobre a matéria de facto, dever-se-á aditar à matéria de facto dada indiciariamente por provada os seguintes factos:
i) “A parte sobrante do palheiro n.º ….., não é apta a ter qualquer funcionalidade em virtude do seu estado de total degradação”;
ii) “Toda a parte sobrante do palheiro n.º …..será removida pela própria Requerente, através dos trabalhos de construção realizados pelo Senhor F….., face à impossibilidade de se aproveitar os seus materiais”;
iii) “Os trabalhos de construção realizados pelo Senhor F….., não incidem sobre o palheiro n.º …..tratando-se, outrossim, de uma construção nova sita no local onde se encontrava o anterior palheiro n.º …..”;
iv) “Por força do artigo 1.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 330/2000, de 27 de dezembro, foram extintos todos os direitos de uso privativo, constituídos sobre imóveis situados nas zonas de intervenção aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 119/2000, de 4 de Julho, que respeitem ao domínio público marítimo e ao domínio público hídrico, o que inclui a área do sistema dunar da Praia da Saúde na Costa da Caparica, onde se insere o palheiro n.º …..”;
v) “Por força do artigo 2.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 330/2000, de 27 de dezembro, todos os bens imóveis situados área do sistema dunar da Praia da Saúde na Costa da Caparica, foram transmitidos para a C….., o que inclui o palheiro n.º …..”.
8.ª O Tribunal a quo incorre em erro de julgamento ao ter dado por verificado o requisito do fumus boni iuris, com fundamento no vício de violação de lei, por ofensa dos princípios da proporcionalidade, uma vez que, não tendo a ora Recorrida qualquer licença para ocupar o terreno que é do domínio público e onde se insere o palheiro n.º ….., estamos perante uma clara ocupação ilegal e abusiva por parte da ora Recorrida, cuja única solução equilibrada tendente a cumprir o fim do interesse público legalmente previsto, seria a tomada de posse de toda a estrutura para posterior demolição e, nestes termos, a deliberação impugnada mostrasse proporcional no caso em apreço.
9.ª Por outro lado, a sentença ora recorrida enferma de erro de julgamento, ao considerar verificado o requisito do periculum in mora, uma vez que no caso em apreço não se verifica nenhuma situação de facto consumado, já que aquilo que a ora Recorrida pretendia evitar com a ação principal, portanto, a demolição do palheiro n.º ….., vai ser pela própria provocado com as obras que está a realizar, conforme resultou do depoimento da testemunha F….. em audiência de inquirição de testemunhas.
10.ª O Tribunal a quo incorre em erro de julgamento ao ter considerado que os alegados interesses privados da ora Recorrida, portanto, a situação de facto consumado, seriam prevalecentes face ao interesse público objetivamente prosseguido pela ora Recorrente.
11.ª Até porque, ficou cabalmente demonstrado que não existe qualquer situação de facto consumado passível e merecedora de tutela cautelar, sendo certo que a prevalência do interesse público em presença é por demais manifesta, atenta a imprescindibilidade da realização integral do Programa Polis na Costa da Caparica, mais concretamente, a requalificação da frente atlântica na Costa da Caparica, bem como do Plano de Pormenor das Praias de Transição e do integral cumprimento do disposto no POOC Sintra/sado, no que à proteção ambiental e salvaguarda de pessoas e bens diz respeito.
12.ª Face a tudo o exposto, fica cabalmente demonstrado que não se verificam no caso sub iudice os requisitos de que a lei faz depender o decretamento da providência cautelar requerida, nos termos do artigo 120.º, n.º 1 e 2 do CPTA, pelo que, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente a providência cautelar requerida.”
A requerente apresentou contra-alegações, terminando as mesmas com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
1) O Tribunal recorrido não incorreu em qualquer erro de apreciação da matéria de facto com relevância para a decisão dos autos.
2) Conforme deflui das passagens da gravação da audiência de inquirição de testemunha F….. as obras realizadas no palheiro n.º ….. da Praia da Saúde na Costa da Caparica tinham como único propósito a conservação desta edificação sendo que o método de trabalho de que se socorreu é o mesmo que é utilizado no procedimento de manutenção deste tipo de construções: substituição de madeiras em mau estado por outras.
3) Ao contrário do invocado pela Recorrente, o Tribunal não ignorou o quadro legal aplicável à data da prática do ato, no qual a Recorre exclusivamente alicerça a sua argumentação. Não se desconhece igualmente que, conforme é invocado pela recorrente, para efeito da implementação do Programa Polis, os terrenos do domínio público marítimo foram desafetados do domínio público do Estado, tendo sido os mesmos transmitidos para a propriedade das sociedades gestoras das intervenções do Programa Polis (artigos 2.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 330/2000, de 27 de Dezembro).
4) Porém, determina igualmente o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 330/2000, que “realizado o objeto social da sociedade gestora do Programa Polis ou extinta a mesma, os bens imóveis que tenham sido desafetados por via do presente diploma serão afetados ao domínio público do Estado sem encargos ou responsabilidades”, sendo, pois, evidente que evidente que, com a deliberação da extinção da Costa Polis, tendo sido imediatamente iniciado o seu processo de liquidação, operou-se a reversão legal automática prevista no citado artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 330/2000.
5) Neste propósito o Decreto-Lei n.º 55/2016, de 26 de agosto alterou as competências legais da APA, por forma a determinar a competência da APA para a execução dos planos de ação de proteção e valorização do litoral. Destaca-se neste sentido o seguinte excerto do próprio preâmbulo deste diploma: “A entrada em liquidação das Sociedades Polis Litoral (Norte, Ria de Aveiro, Sudoeste e Ria Formosa) no final do ano de 2016, conforme deliberações tomadas pelas respetivas assembleiasgerais, bem como a integração e operacionalização dos novos programas de ordenamento da orla costeira, introduzidos pela Lei de bases gerais da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo, aprovada pela Lei n.º 31/2014, de 30 de maio, obrigam à adaptação do modelo de governação para o litoral. Nesse sentido, optouse por reconduzir à APA, I. P., os seus poderes originários sobre a orla costeira, que ficaram limitados com a criação das Sociedades Polis Litoral, sem prejuízo de, em nome do princípio da subsidiariedade, se visar concomitantemente a desconcentração de competências e consequentemente também os objetivos deste Governo em matéria de descentralização administrativa”. Este o diploma – que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2017 – operacionalizou, pois, a transferência das competências, na zona litoral, da Costa Polis para a APA.
6) Em qualquer caso, e conforme se influi dos termos da Sentença recorrida, esta matéria não tem qualquer influência decisiva para a decisão dos autos, sendo absolutamente irrelevante para a decisão da providência saber se a Recorrente C….. é proprietária dos imóveis existentes do domínio público marítimo. Na verdade, “todo o processo administrativo, que antecede e sustenta o ato suspendendo, foi montando em torno da ideia de que o que era necessário era a reposição da situação preexistente” e não sobre se o palheiro dos autos é uma construção – toda ela – ilegal, conforme resulta agora das alegações da Recorrente.
7) É que o quadro legal atual é outro, conforme foi corretamente entendido pelo Tribunal recorrido. Na verdade, (i) a Recorrida a C….., , S.A. foi dissolvida por Deliberação da sua Assembleia-Geral de 31.12.2013, estando há mais de 7 anos em processo de liquidação; (ii) o POC-ACE atualmente em vigor substituiu o POOC Sintra-Sado aprovado pela Resolução de Ministros n.º 86/2003, de 25 de junho, plano que previa a demolição dos palheiros da Praia da Saúde; (iii) o atual POC-ACE prevê de forma expressa a necessidade de se “promover a revisão estratégica de intervenção na área abrangida pelo Polis Costa da Caparica, atendendo à desadequação de algumas opções face à vulnerabilidade deste território aos riscos costeiros” (cfr. Norma Geral 14, n.º 4.2.6, alínea o), sendo que (iv) conforme foi considerado na Sentença recorrida, este plano não prevê a demolição obrigatória das construções existentes, tendo antes privilegiado a legalização das construções, prevendo o ponto 4.3.2.3 da NE 19 que “os equipamentos ou construções existentes que não tenham sido legalmente edificados devem ser demolidos, salvo: a) Se for possível a sua manutenção e legalização mediante avaliação pela entidade competente em matéria de domínio hídrico; b) Se destinarem a proporcionar o uso e fruição da orla costeira, se relacionarem com viveiros ou depósitos de marisco, com interesse turístico, recreativo, desportivo ou cultural ou se satisfizerem necessidades coletivas dos aglomerados urbanos, devendo em qualquer caso ser promovida a sua legalização”; (v) o POC-ACE altera o Plano de Pormenor das Praias de Transição, tendo identificado um conjunto de disposições que carecem de ser adaptadas em face das novas opções do POC-ACE. – sublinhado nosso.
8) Precisamente por, então, estar a ser preparado o novo POC-ACE que contemplava opções distintas para as barracas de praia que, a Exma. Senhora Secretária de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza, emitiu a seguinte indicação para a Recorrente e para a APA, relativamente às barracas de praia existentes no PP5 para “nesta fase não deverão ser tomadas medidas adicionais sobre este assunto” – Cfr. fl. 34 do processo administrativo junto aos autos – instrução que foi totalmente desrespeitada pela Recorrente e pela APA com a aprovação do ato suspendendo.
9) Acresce que, o procedimento administrativo que antecede e sustenta o ato de tomada de posse administrativa, para posterior demolição, do palheiro n.º ….. da Praia da Saúde na Costa da Caparica foi montado em torno da ideia de que o que era necessário a reposição da situação preexistente, por terem sido realizados trabalhos de manutenção nessa construção sem o devido título de utilização de recursos hídricos, não estando em causa a existência do Palheiro mas apenas a execução dos trabalhos de manutenção do Palheiro.
10) Conforme determina o princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 7.º do CPA, “a Administração Pública deve adotar os comportamentos adequados aos fins prosseguidos”, devendo as suas decisões que colidam com os direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares ser necessárias e proporcionais aos objetivos a realizar.
11) Apoiando-se neste princípio, a doutrina e a jurisprudência têm salientado que a demolição da obra é, mesmo nos casos de construções ilegais (que são mais graves do que a realização de obras de manutenção sem licença), uma medida de “ultima ratio que apenas deve ser utilizada quando se revele o único meio possível de repor a legalidade urbanística, atento o princípio da proporcionalidade”[9].
12) Transpondo o aludido princípio de proporcionalidade, bem como a jurisprudência fixada no acima citado aresto do Tribunal Central Administrativo Norte de 19.06.2015, é forçoso concluir que, no caso vertente, a decisão de demolição do palheiro n.º …..da Praia da Saúde na Costa da Caparica se afigura manifestamente desproporcionada, irrazoável e até desnecessária, porquanto estão em causa apenas obras de reparação num palheiro já existente e não uma construção ilegal, conforme foi, aliás, reconhecido e confessado pela Recorrente nos presentes autos.
13) É assim evidente, como considerou o Tribunal recorrido, que o quadro normativo atual não determina a demolição obrigatória destas construções, antes privilegiando uma avaliação casuística pela entidade competente em matéria de domínio hídrico, nomeadamente por se “destinarem a proporcionar o uso e fruição da orla costeira, se relacionarem com viveiros ou depósitos de marisco, com interesse turístico, recreativo, desportivo ou cultural ou se satisfizerem necessidades coletivas dos aglomerados urbanos, devendo em qualquer caso ser promovida a sua legalização” (cfr.NE 19 do POC-ACE, sublinhados nossos).
14) Não merece assim qualquer censura o juízo do Tribunal recorrido ao considerar por verificado o requisito de fumus boni iuris exigido pelo artigo 120.º, n.º 1, do CPTA para a concessão da providência cautelar.
15) Também no que tange ao erro de julgamento quanto à verificação do “periculum in mora”, importa sublinhar que os palheiros constituem casas de madeira erguidas sobre estacas assentes no areal seco, devendo a sua manutenção obedecer a um procedimento específico, que é diferente da manutenção de outras construções.
16) Conforme foi sobejamente demonstrado em Tribunal, tal procedimento de manutenção dos palheiros consiste na substituição das madeiras velhas, que são deitadas ao lixo, pelas novas, como atestaram as passagens da gravação da audiência de inquirição de testemunha F…...
17) Caso não tivesse sido decretada a suspensão da decisão de tomada de posse administrativa, para posterior demolição, do palheiro n.º …..da Praia da Saúde na Costa da Caparica, o efeito útil que se pretende acautelar com a ação principal ficaria totalmente inviabilizado.
18) Neste sentido, conforme foi corretamente considerado na Sentença do TAF de Almada, “a demolição da construção em questão consubstancia uma situação de facto consumado, relativamente aos interesses que a Requerente cautelar visa assegurar no processo principal, tendo em conta o disposto na primeira parte do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA”.
19) Por fim, no que se refere ao erro de julgamento quanto à ponderação de interesses públicos e privados em presença, o Tribunal recorrido não incorreu em qualquer erro de julgamento sobre a repartição do ónus da prova.
20) Em matéria do procedimento administrativo, o princípio geral sobre repartição do ónus de prova encontra-se consagrado no artigo 116.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo (doravante “CPA”), que dispõe que “cabe aos interessados provar os factos que tenham alegado, sem prejuízo do dever cometido ao responsável pela direção do procedimento nos termos do n.º 1 do artigo anterior”. Nas situações em que a Administração pretenda fazer valer direito a uma decisão, recai sobre ela o ónus da prova da verificação dos pressupostos da decisão, cabendo ao administrado a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito à decisão.
21) Conforme é unanimemente considerado pela mais autorizada doutrina “há-de caber, em princípio, à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao impugnante apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos”[10].
22) Nos presentes autos a Recorrente limitou-se a defender que a presente providência deveria ter sido recusada por ser manifesta a prevalência dos interesses púbicos em causa – a legalidade, ordenamento do território e ambiente – sobre os interesses privados em presença.
23) Neste sentido, o Tribunal recorrido não podia ter deixado de decidir como na Sentença recorrida, porquanto “… o interesse público há-de ser específico e concreto, ou seja, diferenciado do interesse genérico da legalidade e eficácia dos actos administrativos. (…) Deste modo, só quando as circunstâncias do caso concreto revelarem de todo em todo a existência de lesão do interesse público que justifique a qualificação de grave e se considere que essa qualificação deve prevalecer sobre os outros prováveis prejuízos que se contrapõem é que se impõe a execução imediata do acto, indeferindo-se, por esse facto, o pedido de suspensão (…).
24) O que está em causa nos presentes autos é apenas e tão-somente a manutenção da situação que existe há mais de 60 anos na Praia da Saúde, inexistindo qualquer situação urgência imperiosa na demolição do palheiro dos autos e que, tal como cerca de outros 30, se encontra instalado na Praia da Saúde há várias décadas.
25) É pois evidente, como considerou o Tribunal recorrido que os danos que resultam da adoção da providência cautelar são manifestamente inferiores aos prejuízos que poderiam resultar da sua não adoção (que correspondem à possibilidade de demolição do palheiro e consequente inviabilização do direito a uma tutela judicial efetiva).
26) São assim manifestamente improcedentes todos os vícios de erro de apreciação da matéria de facto e erro de julgamento imputados à Sentença recorrida, tendo a mesma feito a correta aplicação das normas jurídicas aos factos em juízo.

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Perante as conclusões das alegações da recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir:
- do erro de julgamento da decisão sobre a matéria de facto;
- do erro de julgamento da decisão de direito, ao julgar verificados os requisitos de procedência da providência cautelar.

Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.

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II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
A) - No dia 31 de outubro de 2018, foi realizada pela Polícia Marítima uma visita de inspeção à Praia da Saúde, na Costa da Caparica – admitido por acordo; cf. relato que consta do Auto de Notícia constante dos PA apensos;
B) – No âmbito do ato de inspeção identificado na alínea antecedente, a equipa de inspeção constatou a realização de trabalhos de “construção de uma habitação de um piso, com estrutura em madeira e forrada com placas de madeira” que “foi erguida em torno da casa n.º …..” – admitido por acordo; cf. relato que consta do Auto de Notícia constante dos PA apensos;
C) – No dia seguinte, dois elementos da Polícia Marítima realizaram uma nova visita ao local onde encontraram o responsável pelos trabalhos, o Senhor F….. – admitido por acordo; cf. ainda depoimento da testemunha F…..;
D) – Quando foi questionado pelos elementos da Polícia Marítima se era titular de alguma licença para a realização de obras em curso, o Sr. F….. respondeu que os seus serviços tinham sido contratados pela Senhora M….., ora Requerente – admitido por acordo; cf. ainda depoimento da testemunha F…..; cf. Auto de Notícia constante dos PA apensos;
E) – Em data não concretamente apurada, mas que se situa antes do dia 9 de novembro de 2018, o agente da Polícia Marítima P….. redigiu o documento intitulado “AUTO DE NOTÍCIA”, nos termos do qual relatou a visita de inspeção à Praia da Saúde, na Costa da Caparica, relativamente à casa n.º ….., nos seguintes termos:
--------------------------------------AUTO DE NOTÍCIA----------------------------------------
----------Aos 31 dias do mês de outubro de 2018, pelas 17:00horas, quando eu, P….., NII ….., agente de 1.ª classe da Polícia Marítima, quando me encontrava no exercício das minhas funções, na praia da Saúde – Costa da Caparica, acompanhado do agente de 1ª classe, R….., dou notícia que constatei que estava a decorrer uma construção de uma habitação de um piso, com estrutura em madeira e forrada com placas de madeira, em zona de cordão dunar, nas coordenadas …...-----------------------------------------------------------------------
----------No local não se encontrava nenhum responsável pela obra, tendo, no entanto, sido possível apurar que a construção em questão foi erguida em torno da casa n.º …...
----------Mais dou notícia, que no dia seguinte os agentes P….., ambos desta polícia, deslocaram-se ao local da mencionada construção, onde se encontrava o responsável pelos trabalhos F….., titular do CC n.º ….., válido até 10/02/2019, com o NIF ….., nascido em 08/04/1954, residente na …. Costa da Caparica, com o telefone …...-----------
----------Questionado sobre se tinha alguma Licença / Autorização da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) para a realização das obras o mesmo referiu que não tinha nada na sua posse, referindo que apenas saber que a dona da casa se chamava M…., com o telefone ….., pois foi essa pessoa que contratou os seus serviços.
----------Face ao exposto o mesmo ficou notificado verbalmente de que deveria parar de imediato com as obras até decisão de quem de direito e caso não acatasse incorreria em crime de desobediência, ficando o mesmo ciente da notificação.-----------------------
----------Relativamente à construção, trata-se de uma construção em madeira e forrada com placas de madeira, com 7.90 metros por 5.90 metros, 3.90 metros de altura.--------
----------A realização de obras na área do DPM, sem o devido licenciamento, contraria o disposto no artigo 83.º, do Decreto-lei 226-A/2007, de 31 de maio, uma contraordenação ambiental, para a qual, a entidade competente para a instrução e eventual sanção é a Agência Portuguesa do Ambiente (APA).-------------------------------
----------Junto trabalho fotográfico do dia 31 de outubro, foto do Google Maps com a localização da casa n.º …...--------------------------------------------------------------------------
- cf. Auto de Notícia constante dos PA apensos; a data fixada corresponde ao dia em que a Requerente compareceu no Comando Local de Lisboa da Polícia Marítima, onde foi informada da elaboração do referido Auto de Notícia;
F) – Ao referido “AUTO DE NOTÍCIA” foi junto um registo fotográfico dos trabalhos verificados na inspeção realizada ao local no dia 31 de outubro de 2018, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, de que se extrai, entre o mais, o seguinte:




- cf. Auto de Notícia constante do PA – C….. e respetivo registo fotográfico, coadjuvado pelo depoimento das testemunhas F….. e C….., que foram confrontados e confirmaram os trabalhos que constam do mencionado registo fotográfico;
G) – A 9 de novembro de 2018, a Requerente compareceu no Comando Local de Lisboa da Polícia Marítima, onde foi informada da elaboração do Auto de Notícia identificado na alínea E) supra, em virtude de a mesma não ser titular de qualquer licença emitida pela APA para a realização dos trabalhos realizados no palheiro n.º …..– 1.ª parte do facto até “em virtude” - admitido por acordo; cf. fls. 13 do PA- C…..; depoimento da testemunha C…..; 2.ª parte do facto - depoimento da testemunha C…..;
H) – Em 16 de novembro de 2018, foi dado conhecimento à ora Requerente do teor do ofício com a ref.ª ….., , do qual consta que a mesma deveria “cessar de imediato a construção, sita no sistema dunar da Praia da Saúde na Costa da Caparica, concelho de Almada, em área abrangida pelo domínio hídrico, designadamente na margem das águas do mar nos termos do artigo 11.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, na sua atual redação, atenta a ilicitude da mesma”, uma vez que “as obras de construção estão a ser efetuadas sem título de utilização dos recursos hídricos, previsto no artigo 56.º da Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro, na sua atual redação” - cf. ofício junto ao PA – APA e PA – C….., cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
I) – Com data de 19 de novembro de 2018, a Requerente apresentou requerimento na qual referiu que “Fui notificada pela C….., e informo que fui à obra na altura em que fui notificada. Comprometo-me a demolir a construção nova e a manter a antiga no estado primitivo. Peço desculpas pelo incomodo” - cf. fls. 24 do PA – C….., cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
J) – A 23 de novembro de 2018, os serviços da APA elaboraram o documento intitulado “Informação n.º …..”, que incidiu sobre o palheiro/casa n.º ….., objeto destes autos, na qual é proposto “dar-se sequência à demolição da barraca n.º ….., tanto a nova construção como a preexistente, salientando-se, contudo, que a ocupante apenas se comprometeu à demolição da nova construção, pelo que se deverá dar sequência à demolição se a ocupante se recusar a proceder à demolição das duas construções”, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, de que se extrai o seguinte: “(…)
Antecedentes
As ocupações sitas no cordão dunar da Praia da Saúde e da Mata na Costa de Caparica, foram construídas com base em licenças emitidas pela Direção geral de Portos, a título precário. Não tendo sido possível encontrar a licença atribuída pela Direção-Geral de Portos à ocupação em causa – Barraca n.º ….., foi possível encontrar um exemplar de uma outra ocupação (Anexo 1), pelo que tendo as licenças o mesmo articulado, foi possível concluir-se que as licenças atribuídas pela Direção-Geral de Portos eram:
- Concedidas a título precário, podendo ser anuladas ou alteradas sempre que o interesse público assim o exigisse, sem que o titular tivesse direito a qualquer indemnização;
- Válidas pelo prazo de um ano, podendo ser prorrogadas se o seu titular assim o requeresse com a antecedência mínima de sessenta dias a contar do seu termo, e ao Estado convier,
e se a prorrogação não fosse requerida, ou a licença tivesse de ser considerada caduca, as instalações desmontáveis teriam de ser removidas do local e as obras executadas deveriam ser demolidas pelo titular da licença, salvo se o Estado optasse pela reversão, não derivando daí para o interessado direito de qualquer indemnização.
É de salientar, não obstante não haver qualquer processo relativo à presente construção, que no ano de 2017 deu entrada um pedido com o n.º de entrada ….., tendo sido remetido o ofício n.º ….. (Anexo 2) em resposta à requerente.
Pelo ofício supramencionado, foi a requerente informada de não estar prevista a manutenção da construção em causa, prevendo-se a sua demolição, pelo que não poderia a mesma ser licenciada, e consequentemente dar-se sequência ao pedido efectuado. Mais se informava, relativamente à aquisição da ocupação em 1998, tal ação seria de caráter privado e alheia a estes serviços, sendo apenas da responsabilidade dos intervenientes.
De acordo com o Contrato – Promessa de Compra e Venda apresentado por M….., foi M….. que lhe vendeu a casa pelo montante de 50.00,00€, ficando a compradora com a posse de direito de utilização inerente ao terreno do domínio público marítimo, onde se encontra edificada a barraca, bem como da barrada, tendo sido as assinaturas reconhecidas notarialmente.
Acresce referir, ter sido dado conhecimento a este Instituto, de um ofício remetido pela Chefe do Gabinete da SEOTCN à Presidente da Comissão Liquidatária da C….., agradecendo a informação prestada relativa às barracas de praia existentes no PP5, solicitando que, enquanto decorrer a discussão pública do POC-ACE, não fossem tomadas medidas adicionais sobre o assunto (Anexo 3), tendo sido igualmente enviado um ofício em anexo, remetido aquele Gabinete pela C….., que esclarece a situação da área em causa.
Enquadramento normativo
Sobre a presente matéria julga-se de referir-se que:
- O Decreto-Lei n.º 330/2000, de 27 de dezembro, extinguiu todos os direitos de uso privativo constituídos sobre bens imóveis situados nas zonas de intervenção aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 119/2000, de 4 de julho;
- A área do PP das Praias de Transicção encontra-se sob a gestão da C….., nos termos do Decreto-Lei n.º 330/2000, de 27 de dezembro, entidade que se encontra em extinção, desconhecendo contudo o signatário que a gestão da área em apreço já tenha sido transferida para esta Agência;
- O Plano de Ordenamento da Orla Costeira Sintra / Sado, que entrou em vigor a 3 de junho de 2003, prevê no seu artigo 89.º, a elaboração da UOPG 15 – Praia da Saúde/Praia da Riviera (Plano de Pormenor das Praias de Transição);
- No Plano de Pormenor das Praias de Transição, aprovado pela Assembleia Municipal de Almada, publicado pelo Edital n.º 227/2011, Diário da república 2.ª Série – n.º 45, de 4 de Abril de 2011, onde se insere a Praia da Saúde, está prevista a demolição das barracas existentes;
- Tais construções encontram-se localizadas no ecossistema dunar, sendo que, de acordo com o n.º 2 do artigo 24.º do Regulamento do POOC, as dunas são espaços non-aedificandi, exceto quando se preveja a construção em planos de praia e em projetos decorrentes de UOPG, devidamente aprovados, facto que não se verificou;
- A realização de obras na área do DPM, sem licenciamento, contraria o disposto no artigo 83.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, na sua atual redação, constituindo nos termos da alínea a) do n.º 3 uma contraordenação ambiental muito grave.
Análise
Desconhece-se qual o processo relativo à barraca de madeira em apreço, à qual terá sido concedida pela Direção geral de Portos uma licença precária, nas condições supramencionadas.
O Decreto-Lei n.º 330/200, de 27 de dezembro, extinguiu todos os direitos de uso privativo constituídos sobre bens imóveis situados nas zonas de intervenção aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 119/2000, de 4 de julho, e que respeitam ao DPM, legislação que abrange a construção em causa.
O Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) Sintra/Sado, que entrou em vigor em 3 de Junho de 2003, não prevê no seu articulado a manutenção das barracas de madeira, pelo que em conformidade com o POCC, o Plano de Pormenor das Praias de Transição, já publicado, prevê igualmente a sua demolição, pelo que não estando previstas na legislação em vigor, não pode este Instituto licenciar este tipo de construções. A proposta de demolição mantém-se na proposta do POC- ACE, já remetido à tutela para publicação.
Acresce referir, que o Dr. M….. referiu a possibilidade de ser a C….. a dar sequência à demolição, com o necessário consentimento do Conselho de Administração da C….., tendo em atenção a forma mais expedita de se avançar com o procedimento tendente à demolição da estrutura, no caso de M….. não dar sequência à mesma, pois o requerente refere apenas a demolição da nova construção com a manutenção da construção preexistente.
Tendo em atenção já ter passado a discussão pública do POCACE, e já se ter procedido a uma demolição de uma barraca na mesma praia, não obstante de se tratar de uma situação diferente, já que a construção tinha sido demolida, encontrando-se no local uma nova construção, julga-se que a orientação da tutela já terá sido ultrapassada.
Conclusão
Julga-se não existirem dúvidas de ser a construção em causa uma ocupação ilegal, para a qual está previsto a sua demolição, tanto no PP das Praias de Transição, como no POCACE, programa que já foi remetido à tutela para publicação, bem como encontrar-se já ultrapassada a orientação supramencionada da tutela, relativa às demolições das barracas de madeira existentes no PP supramencionado.
Face ao exposto, julga-se poder dar-se sequência à demolição da barraca n.º ….., tanto a nova construção como a preexistente, salientando-se, contudo, que a ocupante apenas se comprometeu à demolição da nova construção, pelo que deverá concluir-se quem deverá dar sequência à demolição, se a ocupante se recusar a proceder à demolição das suas construções. É de salientar, tendo em atenção as restantes construções existentes na mesma situação, a necessidade de se prever um plano de intervenção na área, no sentido de se dar sequência à demolição de todas as estruturas ilegais das Praias da Saúde e Mata.
- cf. fls. 25 a 29 do PA – C….., cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
K) – Por ofício com a ref.ª ….., assinado pelo Diretor da Administração da Região Hidrográfica do Tejo e Oeste e a Presidente da Comissão Liquidatária da C….. foi dado conhecimento à Requerente, a 1 de março de 2019, do seguinte:
Na sequência do auto de notícia em anexo (anexo 1), foi V. Exa. Notificada em 16 de novembro de 2018 (anexo 2) de que deveria de imediato cessar a construção, sita no sistema dunar da Praia da Saúde, na Costa de Caparica, conselho de Almada, em área abrangida pelo domínio hídrico, atenta a ilicitude da mesma.
Sem prejuízo do referido anteriormente, decidiu V. Exa. apresentar um requerimento nos termos que se anexa à presente comunicação (anexo 3).
Em resposta à mencionada exposição apresentada por V. Exa., datada de 19 de novembro de 2018 e, na sequência do auto de notícia anexo, bem como da notificação anexa, vimos pelo presente informar V. Exa. que a sua pretensão foi indeferida, nos termos do artigo 56.º da Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro, conjugado com o articulado do Decreto-Lei n.º 330/2000, de 27 de dezembro.
Nestes termos, e nos demais de direito, faz-se saber que, tendo-se verificado a realização de obras de construção de uma estrutura na Praia da Saúde, em área abrangida pelo domínio hídrico, designadamente na margem das águas do mar, nos termos do Artigo 11.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, na sua atual redação, estando as mencionadas obras de construção a ser efetuadas sem título de utilização dos recursos hídricos, previsto no artigo 56.º da Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro, alterada pelo Decreto-Lei n.º 130/2012, de 22 de junho, torna-se necessário proceder à remoção de todas as estruturas embargadas de acordo com a notificação recebida por V. Exa.
Cumpre ainda referir que a C….., S.A. – Em Liquidação foi criada pelo DL m.º 229/2001, de 20 de agosto, assumindo a posição de sociedade gestora da intervenção do Programa Polis na Costa de Caparica, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 26/2000, de 13 de abril, publicada no DR, I Série B, n.º 112, de 15 de maio, que impõe, designadamente, a recuperação urbanística e ambiental da frente atlântica da Costa de Caparica.
O Decreto-Lei n.º 330/2000, de 27 de dezembro, extinguiu todos os direitos de uso privativo, constituídos sobre os bens imóveis situados nas zonas de intervenção aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 119/2000, de 4 de julho, e que respeitam ao domínio público marítimo, situação que abrange a construção acima identificada que agora foi alterada por V. Exa.
A estrutura assinalada na fotografia seguinte, localizada no espaço dunar a sul das Praias Urbanas da Costa de Caparica, não tem qualquer título de utilização.


Assim, nos termos do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, notifica-se V. Exa. que a Agência Portuguesa do Ambiente vai tomar posse administrativa da referida construção para posterior demolição, no dia 28 de março de 2019, pelas 10 horas.
Atendendo à ilicitude descrita, os custos da demolição serão imputáveis, na íntegra, a V. Exa.
cf. fls. 42-44 do PA C…..;
L) – A Requerente, através do Senhor F….., realizou trabalhos de execução de uma estrutura, toda ela em madeira, erguida por fora e à volta do palheiro/casa n.º ….., dos quais resultou a demolição de parte do referido palheiro/casa e em que a parte sobrante ainda se encontra no interior da mesma - cf. registo fotográfico de fls. 8 e 9 do PA C….., coadjuvado pelo teor do depoimento das testemunhas F….. e C…..;
M) – O palheiro/casa n.º …..não constitui a habitação/residência da Requerente – facto invocado pela 2.ª ER no art.º 105.º da oposição, não contestado pela Requerente;
N) – Existem outras construções comummente designadas de «Palheiro» na Praia da Saúde, as quais foram objeto de intervenção, com a realização de trabalhos de substituição de empenas, telhados, janelas, sendo que, em duas delas, foram realizados trabalhos de execução de uma estrutura, toda ela em madeira, erguida por fora e à volta do respetivo palheiro – cf. depoimento das testemunhas F….. e J…..;
O) – Entre as construções comummente designadas de «Palheiro» que existem na Praia da Saúde apenas uma dessas construções, a qual foi executada em ferro e com placas de fibrocimento, foi objeto de demolição pelo próprio proprietário – cf. depoimento das testemunhas F….. e M…...
No que respeita a fatos não provados, refere a sentença que “ (…) não ficou demonstrado que a «ER APA, através da tomada de posse administrativa, pretende apenas a demolição da construção efetuada pelas obras recentes e não a completa demolição do palheiro n.º …..», tal como invocado pela ER C….. no artigo 90.º da sua contestação para afastar a alegada violação do princípio da proporcionalidade”.
A convicção do Tribunal assentou, nos termos da sentença, “no teor dos documentos constantes dos PA apensos e dos documentos juntos pela Requerente com o seu articulado inicial, não impugnados, bem como, na posição assumida pelas partes nos seus articulados, atentas as regras de repartição do ónus da prova, como ainda, no depoimento das testemunhas arroladas, (…).”.
*

II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

As questões a decidir neste processo, tal como supra enunciado, cingem-se a saber se:
- ocorre erro de julgamento da decisão sobre a matéria de facto;
- ocorre erro de julgamento da decisão de direito, ao julgar verificados os requisitos de procedência da providência cautelar.


a) do erro de julgamento de facto

Sustenta aqui a recorrente que devem ser aditados ao probatório os seguintes factos:
i) “A parte sobrante do palheiro n.º ….., não é apta a ter qualquer funcionalidade em virtude do seu estado de total degradação”;
ii) “Toda a parte sobrante do palheiro n.º …..será removida pela própria Requerente, através dos trabalhos de construção realizados pelo Senhor F….., face à impossibilidade de se aproveitar os seus materiais”;
iii) “Os trabalhos de construção realizados pelo Senhor F….., não incidem sobre o palheiro n.º ….. tratando-se, outrossim, de uma construção nova sita no local onde se encontrava o anterior palheiro n.º …..”;
iv) “Por força do artigo 1.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 330/2000, de 27 de dezembro, foram extintos todos os direitos de uso privativo, constituídos sobre imóveis situados nas zonas de intervenção aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 119/2000, de 4 de Julho, que respeitem ao domínio público marítimo e ao domínio público hídrico, o que inclui a área do sistema dunar da Praia da Saúde na Costa da Caparica, onde se insere o palheiro n.º …..”;
v) “Por força do artigo 2.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 330/2000, de 27 de dezembro, todos os bens imóveis situados área do sistema dunar da Praia da Saúde na Costa da Caparica, foram transmitidos para a C….., o que inclui o palheiro n.º …..”.
Vejamos se lhe assiste razão.
O artigo 640.º do CPC, sob a epígrafe ‘ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto’, prevê o seguinte, na parte que aqui releva:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Daqui decorre que, ao impugnar a matéria de facto em sede de recurso, recai sobre o recorrente o ónus de alegar o motivo pelo qual os meios probatórios que indica impõem decisão diversa e também porque motivo os meios probatórios tidos em conta pelo tribunal não permitem se considere provado determinado facto.
Não se pode limitar a questionar a fundamentação da decisão de facto apresentada pelo julgador, mas sim a decisão sobre determinado facto.
Haverá que ter também presente que, de acordo com o artigo 607.º, n.º 5, do CPC, o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; e esta livre apreciação apenas não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
Por outro lado, é em função da definição do objeto do processo e das questões a resolver nos autos que deve ser apreciada a relevância da matéria fáctica alegada pelas partes. Assim, nem toda a matéria fáctica que se possa considerar provada deve ser levada, sem mais, ao probatório.
E como é consabido, os factos respeitam à ocorrência de acontecimentos históricos, afastando-se de tal qualificação os juízos de natureza valorativa, que comportam antes conclusões sobre factos.
Quanto aos ónus que sobre si impendiam, verifica-se que a recorrente lhes deu cumprimento, enunciando os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, o concreto meio probatório, constante de gravação, que impõe decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Mais indicou as passagens da gravação do depoimento da testemunha F….. em que se funda o seu recurso, ainda que apenas nas alegações, localizando-as do minuto 00:11:50 ao minuto 00:12:55, do minuto 00:16:43 ao minuto 00:17:31, do minuto 00:22:06 ao minuto 00:22:47, do minuto 00:26:01 ao minuto 00:26:28, do minuto 00:29:17 ao minuto 00:29:48 e do minuto 00:33:00 ao minuto 00:33:55 da gravação da sessão da audiência de inquirição de testemunhas.
Isto quanto aos pontos i, ii e iii, que pretende ver aditados.
Ouvidas as referidas passagens, bem como as passagens que a precedem e que a sucedem, para efeito de enquadramento do declarado, constata-se que é notória a extrapolação que a recorrente pretende extrair do apontado depoimento.
O que dali efetivamente se retira, enquanto factualidade relevante para o caso é o que o Tribunal a quo fez constar do ponto L) do probatório, que a requerente, através do Senhor F….., realizou trabalhos de execução de uma estrutura, toda ela em madeira, erguida por fora e à volta do palheiro/casa n.º ….., dos quais resultou a demolição de parte do referido palheiro/casa e em que a parte sobrante ainda se encontra no interior da mesma, indicando que tal facto resulta do registo fotográfico de fls. 8 e 9 do PA, coadjuvado pelo teor dos depoimentos das testemunhas F….. e C…...
As alusões à substituição das madeiras, pôr o novo para tirar o velho que está podre, ao palheiro ir para o lixo, revelam apenas intenções futuras, um mero objetivo a concretizar, não um facto, e devem ser enquadradas neste contexto, coexistência de duas estruturas em madeira, a nova erguida por fora e à volta da antiga, visando a posterior substituição desta.
Que não se concretizou.
Quanto aos pontos iv e v, à evidência não se tratam de factos, mas antes de previsões normativas, que como tal não podem ser levadas ao pobatório.
Improcede, pois, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.


b) do erro de julgamento de direito

Sustenta aqui a recorrente, em síntese:
- ocorre erro de julgamento ao dar-se por verificado o requisito do fumus boni iuris, com fundamento no vício de violação de lei, por ofensa do princípio da proporcionalidade, uma vez que a recorrida não tem licença para ocupar o terreno, que é do domínio público, pelo que a deliberação impugnada mostra-se proporcional;
- igualmente ocorre erro de julgamento, ao considerar-se verificado o requisito do periculum in mora, por não se verificar situação de facto consumado, pois o efeito pretendido, evitar a demolição do palheiro n.º ….., vai ser pela provocado pela recorrida;
- ocorre ainda erro de julgamento ao considerar-se que os interesses privados da recorrida prevalecem sobre o interesse público prosseguido pela recorrente.

Nos termos do artigo 120.º, n.º 1, do CPTA, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
Para adoção da providência, como se vê, impõe-se a verificação, cumulativa, dos requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris, traduzidos no referido fundado receio, e na formulação de um juízo de probabilidade de procedência da pretensão de fundo, formulada ou a formular no processo principal.
Caso se verifiquem estes dois requisitos, o tribunal terá ainda de proceder ao juízo relativo à ponderação dos interesses públicos e privados em presença, previsto no artigo 120.º, n.º 2, do CPTA, que poderá determinar a recusa da providência quando, num juízo de proporcionalidade, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.
No caso, o Tribunal a quo considerou verificados os apontados três requisitos.

Quanto à verificação do fumus boni iuris, respiga-se do discurso fundamentador da decisão sob recurso o seguinte:
[A]pesar de todo o rito procedimental adotado pela ER APA - que culminou com este ato de tomada de posse com vista à demolição - girar em torno, é certo, dos trabalhos que foram executados ex novo – são esses que são desprovidos da competente licença – certo é também que não ficou aqui indiciariamente provado que o ato suspendendo não incluiu a demolição de toda a estrutura do palheiro que ainda subsiste – no limite, existindo dúvidas ponderosas sobre o alcance deste ato as mesmas não podem correr em prejuízo da Requerente, até porque está em causa uma situação de facto consumado, mas já lá iremos.
O que é uma medida desproporcional e desnecessária, como bem reconhece a ER C….. na sua oposição. Todo o processo administrativo, que antecede e sustenta o ato suspendendo, foi montado em torno da ideia de que o que era necessário era a reposição da situação preexistente, por terem sido realizados trabalhos no palheiro n.º ….., sem o devido título de utilização de recursos hídricos – mas não mais do que isso.
A tese de que só se estará a adiar o inevitável, pois que esta obra [rectius toda a estrutura do palheiro – obras e construção preexistente] terá sempre de ser demolida - atento o juízo perfunctório e sumário em que assenta a tutela cautelar - não pode aqui ser atendida, pois, neste particular, é imperioso não confundir processo de licenciamento com processo de legalização, uma vez que constituem procedimentos distintos.
É incontornável – nem isso é posto em causa nestes autos pela Requerente – que os trabalhos executados no palheiro n.º ….., sobre os quais aqui nos debruçamos, carecem de título de utilização de recursos hídricos, previsto no artigo 56.º da Lei n.º 58/2005.
Agora isso não significa que não deva ter aqui aplicação um eventual processo de legalização, uma vez que, em homenagem ao princípio constitucional da proporcionalidade (cfr. 18.º, n.º 2 da CRP), a demolição deve funcionar como última ratio, quando se revele o único meio passível de repor a legalidade urbanística.
E sem prejuízo da aplicação do princípio urbanístico «tempus regit actum», importa salvaguardar que a nova regulamentação, posterior ao ato suspendendo [vide desde logo NE 19, alíneas a) e b) do Programa da Orla Costeira Alcobaça – Cabo Espichel aprovado por RCM n.º 66/2019, de 11.04 e Declaração n.º 59/2019, de 19.08, que altera o PP das Praias de Transição] não poderá afastar as vinculações legais existentes no momento da prolação desse ato é certo, mas pode ser considerada para efeitos de ponderação da demolição, caso a mesma possa ser evitada [sobretudo, considerando toda a estrutura do palheiro, cujo valor histórico e cultural, pugnado pela Requerente, diga-se, será apurado em sede de ação principal, pois tal factualidade, no âmbito da tutela cautelar, não se revela aqui decisiva], juízo de (in)viabilidade que importa efetuar à luz do referido quadro jurídico.
Por conseguinte, considerando a factualidade apurada estes autos cautelares, afigurando-se desproporcional, por desnecessária, atento o processo administrativo que antecede e sustenta o ato suspendendo – na senda, aliás, como já ficou dito, do entendimento pugnado na sua oposição pela própria ER C….. – a demolição da construção/palheiro preexistente, é provável a procedência da ação principal, verificando-se, assim, o requisito do fumus boni iuris, a que se refere o artigo 120.º, n.º 1, do CPTA.
Nesta sede cautelar, para a verificação do requisito fumus boni iuris requer-se que haja uma séria possibilidade de procedência da pretensão principal, dada a aparência do bom direito, devendo esta apreciação ser feita através de uma summaria cognitio, com base em juízos de verosimilhança, de mera previsibilidade ou razoabilidade, face aos factos e alegações (indiciários) que são trazidos pelo requerente para os autos.
Contra o citado discurso, convoca a recorrente o artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 330/2000, de 27 de dezembro, que determinou a extinção de todos os direitos de uso privativo, constituídos sobre imóveis situados nas zonas de intervenção aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 119/2000, de 4 de julho, que respeitem ao domínio público marítimo e ao domínio público hídrico, bem como os artigos 2.º e 3.º que determinaram a transmissão desses imóveis para a propriedade das sociedades gestoras das intervenções do Programa Polis. Mais convocou o artigo 14.º do Regulamento do Plano de Pormenor das Praias de Transição, que prevê a demolição das barracas como a que aqui está em causa, que se insere no sistema dunar da Praia da Saúde, na Costa da Caparica, espaço non aedificandi, exceto quando se preveja construção em planos de praia e em projetos decorrentes, de acordo com o Plano de Ordenamento da Orla Costeira Sintra/Sado, que entrou em vigor a 3 de junho de 2003.
Tal argumentação afigura-se insuficiente para afastar a conclusão do Tribunal a quo quanto à presente questão.
Em primeiro lugar porque é inelutável ter o procedimento origem na ilegalidade da realização de obras no palheiro em questão, obras essas que à evidência contendem com o previsto no artigo 56.º da Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro, por falta de título de utilização de recursos hídricos, quando o ato suspendendo pretende daí retirar consequências quanto à legalidade do próprio palheiro e consequente ordem de demolição de toda a respetiva estrutura.
Em segundo lugar, na análise desta ordem ínsita no ato administrativo em questão, pela sua irreversibilidade, tem toda a razão de ser a convocação da regulamentação posterior ao ato suspendendo, em particular a Norma Específica 19, als. a) e b), do Programa da Orla Costeira Alcobaça – Cabo Espichel, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 66/2019, de 11 de abril, e Declaração n.º 59/2019, de 19 de agosto, que altera o Plano de Pormenor das Praias de Transição.
Desta nova regulamentação resulta não ser imperativa a demolição das edificações como a que aqui está em causa, devendo cada situação ser avaliada pela entidade competente em matéria de domínio hídrico, excecionando-se a possibilidade das mesmas se destinarem a proporcionar o uso e fruição da orla costeira, se relacionarem com viveiros ou depósitos de marisco, com interesse turístico, recreativo, desportivo ou cultural ou se satisfizerem necessidades coletivas dos aglomerados urbanos, caso em que pode ser promovida a sua legalização.
Não corresponde, pois, à verdade que a possibilidade de legalização da estrutura antiga existente seja uma realidade de todo em todo de afastar.
O que vem de ser dito permite equacionar como adequada a convocação pela decisão sob recurso do princípio da proporcionalidade.
O artigo 266.º da CRP institui como princípio fundamental da Administração Pública a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, n.º 1, impondo-se aos órgãos e agentes administrativos que atuem, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé, n.º 2.
Imposição igualmente vertida nos artigos 6.º, 7.º, 8.º e 10.º do CPA.
Quanto ao princípio da proporcionalidade estatui o artigo 7.º do CPA, que na prossecução do interesse público, a Administração Pública deve adotar os comportamentos adequados aos fins prosseguidos, n.º 1, e que as decisões da Administração que colidam com direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afetar essas posições na medida do necessário e em termos proporcionais aos objetivos a realizar, n.º 2.
Na senda de decisões históricas do Tribunal Constitucional Alemão, é comummente aceite a divisão do princípio da proporcionalidade em três subprincípios, adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
Segundo Jorge Miranda, a adequação significa que a providência tem de se mostrar adequada ao objetivo almejado, envolvendo correspondência de meios e fins, a necessidade supõe a existência de um bem juridicamente protegido e de uma circunstância que imponha intervenção ou decisão, a exigibilidade desta intervenção, e a proporcionalidade stricto sensu implica em justa medida, que a providência não fique aquém ou além do que importa para se obter o resultado devido, nem mais, nem menos, e porque trata de limites, de restrições e de suspensão de direitos fundamentais, traduz-se em proibição do excesso (Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, 1998, p. 218).
Para Gomes Canotilho, a adequação impõe que a medida adotada para a realização do interesse público seja apropriada à prossecução do fim ou fins a ele subjacentes, pressupondo a exigência de conformidade a investigação e prova de que o ato do poder público é apto para e conforme os fins justificativos da sua adopção; a necessidade, exigibilidade ou menor ingerência possível, significa que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível e que, para a obtenção de determinados fins, não fosse possível adoptar outro meio menos oneroso para o cidadão; a proporcionalidade em sentido restrito configura-se pela aferição ou medida sobre se o meio utilizado é ou não desproporcionado em relação ao fim (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2007, p. 269/270).
Conforme já se assinalou, o procedimento em questão teve origem na ilegalidade da realização de obras no palheiro e o ato suspendendo daí retira consequências quanto à ilegalidade do próprio palheiro e determina a demolição de toda a respetiva estrutura.
E à luz da regulamentação posterior ao ato suspendendo, já não se afigura imperativa a demolição das edificações como a que aqui está em causa, sendo equacionável a sua legalização.
Assim, numa análise necessariamente perfunctória, como se impõe na presente lide cautelar, a opção administrativa não se revela adequada, pois que apenas estava em causa no procedimento a ilegalidade das obras, nem necessária, por ser atualmente equacionável a legalização da anterior estrutura. E afigura-se excessiva, em função da ponderação dos interesses em presença, dada a sua inelutável irreversibilidade.
Parafraseando o entendimento já expresso pelo STA, a ordem de demolição não serve à punição da atividade ilícita, tendo como fim apenas a reposição da legalidade, devendo o respeito pelo princípio da proporcionalidade e a lógica do menor sacrifício exigível ao particular levar à conclusão de que só é razoável a demolição das obras quando não for possível reparar a ordem jurídica por elas violada (acórdãos de 14/12/2005, proc. n.º 959/05, e de 16/01/208, proc. n.º 962/07, disponíveis em www.dgsi.pt).
É, pois, de concluir pelo acerto da decisão sob recurso, quanto à presente questão.

No que concerne à verificação do requisito periculum in mora, a argumentação aduzida pela recorrente encontra-se condicionada à pretendida alteração da matéria de facto, que supra se julgou improcedente.
Pelo que, não se verificando a invocada incorreta apreciação da matéria de facto e erro de julgamento quanto à decisão sobre a matéria de facto, que teriam levado a uma errada subsunção ao direito, a conclusão quanto à presente questão afigura-se óbvia.
Como se fundamentou na sentença, “estando em causa uma decisão administrativa que visa tomar posse da construção em apreço para posterior demolição, a pretensão da Requerente a deduzir no processo principal cifra-se, essencialmente, em evitar essa demolição, pelo que, concretizada a posse administrativa para posterior demolição do edificado, a mesma não poderá mais ser evitada com a prolação da decisão final favorável, que para esse efeito, surgirá demasiado tarde e, portanto, será inútil.
É certo que, em tese, pode voltar a construir-se. Acontece é que, in casu, estamos perante uma construção que, considerando toda a sua estrutura (sublinhe-se que não ficou indiciariamente provado nestes autos cautelares, como se enuncia no ponto 1) do elenco dos factos indiciariamente não provados, que ER APA, através da tomada de posse administrativa, «pretende apenas a demolição da construção efetuada pelas obras recentes e não a completa demolição do palheiro n.º …..»), não pode ser revertida. Ou seja, a coisa imóvel existente, tal qual a mesma se encontra, ficará irremediavelmente perdida, o que conduz a uma situação de facto consumado.
À luz da factualidade dada como assente, é inequívoco que a demolição da construção do palheiro configura uma situação de facto consumado, relativamente aos interesses que a recorrida pretende assegurar no processo principal, pelo que andou bem o Tribunal a quo ao considerar preenchido o requisito do periculum in mora.

No que concerne ao juízo relativo à ponderação dos interesses públicos e privados em presença, previsto no artigo 120.º, n.º 2, do CPTA, a recorrente ampara a sua argumentação na inexistência de qualquer situação de facto consumado passível e merecedora de tutela cautelar, mais invocando ser manifesta a prevalência do interesse público, atenta a imprescindibilidade da realização integral do Programa Polis na Costa da Caparica.
O juízo do Tribunal a quo assentou, em síntese, na falta de alegação pela entidade requerida de quaisquer prejuízos relevantes, específicos e concretos, no âmbito do interesse especialmente tutelado por essa decisão e na constatação do facto consumado, concluindo que este se sobrepõe à lesão do interesse público genericamente invocado.
Novamente aqui cumpre chamar à colação o princípio da proporcionalidade, pressupondo a recusa da providência que os danos resultantes da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.
Conforme resulta do supra exposto, sendo equacionável a legalização do palheiro em questão, não se afigura inequívoco o prejuízo da legalidade administrativa.
Como se observa no acórdão do STA de 04/04/2019 (proc. n.º 0846/09.4BELLE-A 0293/18, disponível em www.dgsi.pt), como “solução drástica que é, a demolição não poderá resultar de uma aplicação cega da lei, antes devendo ser encarada, também pelo tribunal, como a «ultima ratio»”.
Sendo certo que, caso venha a ser dada razão à recorrente no âmbito da ação principal, será sempre possível a reposição da legalidade administrativa, através da execução da sentença que ali seja proferida.
Tem razão o Tribunal a quo quando sustenta que a entidade requerida nada logrou demonstrar de concreto quanto ao dano para o interesse público, com a manutenção (temporária) da estrutura no local em questão, que ali se mantém há várias dezenas de anos.
Já o prejuízo a sofrer com a demolição é evidente, pois o seu impacto definirá desde logo o destino dos autos, criando uma situação de facto consumado.
Donde se afigura correta a conclusão a que se chegou na decisão sob recurso, quanto à ponderação dos interesses públicos e privados em presença, que nesta sede será de manter. Improcede, pois, o recurso também quanto à presente questão.

Em suma, será de negar provimento ao recurso.

*


III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 2 de julho de 2020

(Pedro Nuno Figueiredo)

(Ana Cristina Lameira)

(Paulo Pereira Gouveia)
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[9] Cfr. acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 19.06.2015, processo n.º 00578/08.0BEVIS, disponível em www.dgsi.pt.
[10] Cfr. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 14.ª edição, 2015, Almedina, p. 424.