Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10/17.9BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:11/14/2019
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA;
FUNDAMENTAÇÃO;
IRC.
Sumário:I. São preços de transferência aqueles pelos quais uma empresa transfere bens corpóreos, ativos incorpóreos ou presta serviços a empresas associadas.

II. O legislador sentiu necessidade de determinar um específico regime atinente a situações de preços de transferência, por forma a evitar a existência de abusos, decorrentes da prática de preços deturpados que permitisse, designadamente, transferências de lucros.

III. Foi ainda previsto neste domínio, quer no âmbito do CPT, quer no âmbito da LGT, um especial dever de fundamentação em situações de correções atinentes a preços de transferência.
IV. Este especial dever de fundamentação, à época, exigia que fossem descritas as relações especiais, fossem descritos os termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias e fosse descrito e quantificado o montante efetivo que serviu de base à correção.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acórdão

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 17.10.2016, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por V......., Lda (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), atinente ao exercício de 1997.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“A. A liquidação impugnada teve na sua génese acção de fiscalização levada a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária da qual resultaram correcções feitas com base no art. 57° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC).

B. A sentença recorrida considerou que o acto impugnado não se encontra suficientemente fundamentado, porquanto a Autoridade Tributária (AT) se limita "tão­ somente, perante a constatação de que os preços de venda praticados pela impugnante e pela N....... são idênticos, a remeter para uma margem de comercialização de 25% pretensamente vigente no sector".

C. Não concorda a Fazenda Pública com o doutamente decidido pelas razões que se seguem:

D. No que respeita à questão se existirem condições diferentes das normalmente acordadas entre pessoas independentes apurou a inspecção tributária a contracção de empréstimos bancários pela V......., que visam financiar a actividade da I......., suportando custos financeiros elevados e a prática de uma margem de comercialização nula em 1995 e 1996, pelo facto de vender aos seus clientes pelo mesmo preço por que adquire as mercadorias à I……..

E. Perante esta factualidade, a AT decidiu aplicar o art. 57°, nº 1 do CIRC.

F. Para determinar o lucro tributável, com base neste preceito, como consta do relatório inspectivo (RIT), recorreu à margem de comercialização utilizada no sector, comprovando, através dos elementos juntos ao Anexo 18 do RIT, que a mesma se fixa em 25%.

G. Sendo esta, aliás, também, a margem de comercialização utilizada pela Sociedade Comercial V……, Lda, empresa detida pelos mesmos sócios, no ano de 1996 - Cfr Anexo 18 do RIT.

H. Pelo que, erra a sentença recorrida ao considerar que a AT não fundamentou o recurso à margem de comercialização utilizada e fixada em 25%.

I. Assim, tendo a AT fundamentado e comprovado a verificação dos pressupostos para efectuar a correcção em causa, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstração do erro ou excesso na quantificação (artigo 74°, nº3, da LGT).

J. Ora, não resulta dos autos que o recorrido tenha comprovado tal excesso, motivo porque se tem por incumprido o ónus.

K. Acresce ainda que, da leitura da petição inicial resulta que o Impugnante apreendeu com suficiente clareza o cerne das razões, de facto e de direito, que determinaram a prática das liquidações impugnadas, são, nomeadamente, os considerandos vertidos nos art. 29° a 39° da douta petição inicial, nos quais identifica correctamente a factualidade legitimadora das correcções efectuadas pelos serviços de inspecção de tributária.

L. Nestes termos, ao decidir como decidiu violou o Tribunal, na douta sentença, o preceituados nos art. 57°, nº do CIRC, 77°, nº 3 e 74° da LGT”.

A Recorrida contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:

“A) O ato objeto de impugnação pela entidade recorrida não se encontra suficientemente fundamentado, nos termos legais e constitucionais existentes na nossa ordem jurídica;

B) A entidade recorrente ao afirmar o que, em seu entendimento, consubstancia uma relação especial, nos termos enunciados no artigo 57º do C.l.R.C, em vigor à data dos factos, limitou-se a afirmar que os preços praticados na venda de mercadorias pela recorrida e pela N....... são idênticos e que, como tal, o custo das mercadorias desta se encontram sobrevalorizados, impondo-se à recorrida de uma margem de comercialização de 25%, pretensamente aplicada ou apresentada no sector de atividade de ambas, sem o curar de o demonstrar ou provar como era sua obrigação legal;

C) Contudo, a entidade recorrente não indica ou refere, por qualquer meio ou forma, como lhe competia, nos termos do artigo 77º nº 3 da L.G.T, os termos em que as operações realizadas entre a recorrida e a N....... seriam realizadas se, porventura , as mesmas decorressem entre entidades independentes, em igualdade de circunstâncias;

D) No caso em análise, releva considerar que as operações realizadas entre a recorrida e a N....... detinha uma especificidade ou especialidade, uma vez que a ora recorrida procedia a adiantamentos em dinheiro à I…..e à N….., por conta de encomendas de fornecedores, tal como se demonstrou provado nos presentes autos e como isso foi expressamente reconhecido pela entidade recorrente no relatório que sustenta as correções à matéria tributável da recorrida, conforme se alcançam dos factos dados como provados nas alíneas B) e T) dos factos provados da sentença lavrada, circunstância que deveria ter merecido da parte da entidade recorrente uma análise comparativa das operações realizadas entre partes especialmente relacionadas e partes independentes, situação que não ocorreu por parte da AF;

E) Com efeito, a fundamentação lavrada pela recorrente resulta claro que, quanto a essa análise comparativa das operações realizadas entre partes especialmente relacionadas e partes independentes, foi obnubilada por aquela tendo-se limitado, perante a constatação de que os preços de venda praticados pela recorrida e pela N....... são idênticos, a remeter para uma margem de comercialização de 25 por cento, alegadamente existente no sector;

F) Aliás, mesmo no que tange ao rácio da margem pretensamente em vigor no sector de atividade da entidade recorrida apurado pela AT, esta limita-se a remeter para dois prints do seu sistema informático sem que explicite ou esclareça, por qualquer meio ou forma, os valores aí inscritos, o universo de sujeitos passivos contemplados por esses indicadores de margens de comercialização e ou a comparabilidade da informação aí referida com a situação da recorrida no caso concreto em análise;

G) Resulta dos elementos existentes nos prints do sistema informático da AT, não ressalta nomeadamente se a margem de comercialização estalecida pela recorrente se aplica unicamente a operações efetuadas no mercado interno ou a operações realizadas no mercado externo (como resulta da alínea A) nos seus números 1 a 9 da matéria de facto dada como provada e inscrita na sentença do Tribunal "a quo"), ou se se trata de uma margem de comercialização média do sector aplicado em ambos os tipos de operações;

H) Assim, a "...entidade recorrente não forneceu à recorrida o "iter cognoscitivo e valorativo prosseguido de modo a dar-lhe a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do ato ou o acionamento dos meios legais de impugnação", conforme resulta lapidar do Acórdão do STA de 14 de fevereiro de 2013, proferido no Processo nº 642/ 12, entre outros;

I) Em face do referido, constata-se que a entidade recorrente não deu cabal cumprimento ao dever de fundamentação do ato tributário imposto pelo disposto no artigo 77º da L.G.T, na redação em vigor à data dos factos apurados e que lhe impunha que descrevesse, em termos comparativos, os termos em que as operações visadas pela AT e realizadas pela recorrida, teriam lugar entre partes independentes, nas mesmas condições o que, não tendo ocorrido por responsabilidade da AT, determinará a anulabilidade do ato tributário de liquidação de IRC referente ao exercício fiscal de 1997, a coberto do artigo 99° alínea c) do C.P.P.T, e consequente anulação do ato tributário de liquidação objeto de impugnação pela recorrida em devido tempo, com todas as consequências legais”.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 289.º, n.º 2, do CPPT) vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:

a) Há erro de julgamento, na medida em que não se verifica falta de fundamentação, não tendo, ademais, a Recorrida demonstrado qualquer excesso de quantificação?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) Em cumprimento da ordem de serviço nº……., de 1998, a impugnante foi sujeita a uma acção externa de fiscalização, com referência ao IRC do exercício de 1997, tendo em 28-10-1998 sido elaborado relatório pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção Distrital de Finanças de Lisboa, na qual são propostas correcções técnicas de IRC no valor total de 37.839.754$00, com o seguinte teor, em transcrição parcial (cfr. relatório de inspecção tributária (RIT), a fls. 29 a 46 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido):

«4. OUTRAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A EMPRESA

Relações Entre a Empresa V......., Lda e o Seu Único Fornecedor ¯N....... , SA

4.1. Sócios Comuns

A empresa N......., SA (adiante designada por N.......) foi constituída em 1995, resultante de uma estratégia de reestruturação da empresa I....... Empresa I. …….SARL (NIPC 5 ….) (adiante designada por I.......), que se encontrava numa situação de falência técnica. Esta reestruturação visava sobretudo poder aceder ao PEDIP. A empresa I......., detida maioritariamente pelo accionista J.......desde 1993, detém a N……. (anexo 1).

O Sr. J.......é também o sócio maioritário da empresa V …….., Lda (bem como da empresa Sociedade Comercial V..……., Lda).

Conforme consta dos extractos informáticos também o Sr. A....... detém uma participação em ambas as empresas (anexo 2).

4.2. Empréstimos Bancários

Conforme Termo de Declarações do Sr. J......., “considerando que a I....... face à sua situação económico-financeira não tinha acesso a crédito bancário, nomeadamente financiamentos à exportação, optou-se por constituir a sociedade V......., Lda, através da qual seriam efectuadas a maior parte das exportações da I........ Esta sociedade surge como uma sociedade instrumental que, face ao nosso bom nome junto da Banca, conseguiria obter o crédito bancário necessário ao financiamento às exportações o que efectivamente veio a acontecer2 (anexo 1).

Desta forma a V......., Lda., regista empréstimos de 25 000 000$00 em 1995, 36 525 120$00 em 1996 e 92 030 111$00 em 1997, (conforme Balanço das Declarações de Rendimento Modelo 22 em anexos 3, 4, e 5) que visam financiar a actividade da N......., representando para a empresa em análise custos financeiros de 9 734 051$00 em 1997 e 8 642 350$00 em 1996 (anexo 6).

Em Dezembro de 1997 a empresa V......., emitiu a Nota de Débito n° 75 (anexo 7) à N.......no sentido desta comparticipar nos encargos financeiros com empréstimos bancários relativos ao ano de 1997. O valor do débito foi de 5 945 864$00, obtido da seguinte forma (297 293 178$00*2%), sem que se tenha justificado a base de incidência dos 2%, nem os 2%.

Os valores dos empréstimos contraídos são transferidos para a N.......a titulo de adiantamento a fornecedores por conta de exportações.

Contabilisticamente é feito o seguinte lançamento:

Débito 22 11 00 Fornecedor

Crédito 12 11 Depósitos à Ordem

Existem documentos arquivados na contabilidade em que o sócio J.......dá Ordem ao Banco para que proceda “à transferência da quantia de ... da n/ conta de D.O. n° ...para a Conta D.O. nº … em nome da N.......- I……. S.A" (anexo 8).

Estes documentos que titulam transferências de verbas da V....... para a N......., embora refiram que são por conta de exportações de mercadorias não referem qualquer elemento relativo à encomenda dessas mercadorias, não sendo possível estabelecer qualquer relação entre estas transferências e o valor das compras efectuadas.

4.3. Instalações

A empresa em análise não possui instalações próprias funciona e está sediada nas instalações da Sociedade Comercial V……, Lda, que para além de ceder as instalações cede também pessoal, material informático, material de escritório, comunicação e outros serviços necessários ao desenvolvimento da sua actividade. O valor da prestação de serviços é de 1 569750$00/mês que é debitada sem grande rigor mensal, bimensal ou trimestralmente (anexo 9). Não foi explicado o valor desta prestação de serviços nem os pressupostos em que assenta o seu cálculo. A partir do mês de Agosto este valor deixou de ser debitado).

A empresa também não possui armazéns. A empresa só compra as mercadorias à N.......depois de receber as encomendas dos clientes, que por vezes são feitas directamente à N.......que por sua vez as transmite à V........ As mercadorias vendidas saem directamente dos armazéns da N.......para o cliente comunitário ou estrangeiro.

Refira-se que as moradas constantes das facturas e demais documentos emitidos pela V......., Lda (Rua de S. …….em Lisboa e C………em Odivelas) são instalações, segundo informação da empresa, da Sociedade Comercial V….., Lda e não da V......., Lda.

4.4. Margem de Comercialização

A empresa N......., único fornecedor de mercadorias da V......., Lda., efectua paralelamente transmissões para outros clientes do mercado interno comunitário e externo. Existem inclusivé clientes comuns como se pode verificar no caso das transmissões intracomunitárias e que passo a enumerar alguns exemplos: DK 1…… - Firma R….., SE 5…… - B……, ES A3….. – C……, SA, IT 0……- C…. SNC D…… & C.(anexo 10).

A V......., como já foi referido efectua vendas exclusivamente para o mercado comunitário e externo. As transmissões são feitas a partir dos armazéns da N......., sendo que as compras são sempre efectuadas em função das encomendas dos clientes. Desta forma o sujeito passivo não tem existências registando-se as seguintes igualdades:

Existências Iniciais = Existências Finais = 0

Custo da Existências Vendidas = Compras

Da consulta às declarações de Rendimento Modelo 22 dos exercício de 1995 e 1996 (anexos 3 e 4) verifica-se que a margem de comercialização é nula, ou seja, a venda é feita pelo mesmo valor da compra, o que significa que:

Vendas = Compras = Custo das Existências Vendidas

No exercício de 1997, a margem de comercialização de 6%, fica a dever-se a diferenças cambiais, uma vez que neste ano passou a haver facturação em moeda estrangeira e nacional enquanto as compras continuaram a ser efectuadas em escudos (anexo 5 e 13).

Conclui-se assim que a V....... apresenta uma margem de comercialização nula ou diminuta (no caso de haver diferenças cambiais favoráveis), relativamente às vendas que efectua.

Mensalmente a V......., debita à N.......uma comissão relativa à sua intervenção nas exportações efectuadas durante um determinado período. Essa comissão é uma percentagem de 5% sobre o montante fixo de 30 000 000$/mês, que era o valor estimado para as vendas, ou seja mensalmente debita 1 500 000$.

Refira-se que este débito assenta num acordo verbal, e não é feito rigorosamente todos os meses (conforme anexo 14).

Segundo o Sr. J.......(anexo 1), a “empresa limitava-se a cobrar à N.......(a qual efectuava a produção industrial) os encargos financeiros dos financiamentos obtidos bem como uma pequena margem para cobertura dos custos operacionais”. Este comportamento foi justificado da seguinte forma: “nunca a V…… II, poderia beneficiar de margens significativas, sob pena de sermos acusados de transferir valor de I....... (empresa com dívidas fiscais e para-fiscais)/N.......para a V........

Apesar da afirmação o sujeito passivo não menciona os sujeitos de acusação nem justifica as causas dessa acusação pelo que a afirmação não é clara, sendo que em termos genéricos uma empresa quando compra mercadorias visa o lucro na venda das mesmas.

Em suma a margem bruta de lucro desta empresa, que tem um volume de negócios de 281 953 991$00 em 1997, advém apenas da comissão cobrada pela intervenção nas exportações, que atinge o valor anual de 18 000 000$00, uma vez que vende as mercadorias ao preço de compra.

5. ANÁLISE CONTABILÍSTICO FISCAL POR ÁREAS

5.1. Fornecedores/Compras

O sujeito Passivo - tem uni único fornecedor de mercadorias - N.......(conta 2......) - à qual efectua adiantamentos por conta de mercadorias, pagando o remanescente na data da factura (a pronto pagamento).

As compras são feitas em função das encomendas dos clientes, saindo as mercadorias (artigos de vidro e cristal) directamente dos armazéns da N.......para os clientes da V......., Lda..

5.2. Existências

O sujeito passivo não tem existências, comprando apenas os produtos encomendados pelos clientes. Os artigos nunca chegam a estar na posse da empresa uma vez que são embalados e directamente enviados para os clientes estrangeiros a partir da fábrica N........

5.3.Vendas/Clientes

O sujeito passivo vende exclusivamente para o mercado comunitário e externo.

As vendas de mercadorias encontram-se na totalidade isentas de IVA, nos termos dos artigos 14° CIVA e RITI, por se tratar de exportações e transmissões intracomunitárias respectivamente.

Na contabilidade cada cliente tem uma conta individualizada.

Os pagamentos dos clientes são na grande maioria efectuados por transferência bancária e o prazo de pagamento vai dos 30 aos 90 dias.

5.4-Custos

As rubricas de custos mais relevantes são:

5.4.1. Conta 6.... - Custos Financeiros 13 819 696$00

Nesta conta a componente de maior peso - 70 % - são os juros suportados com empréstimos bancários (anexo 6) que visam financiar a actividade da N......., já referidos no ponto 4.2. desta informação.

5.4.2. Conta 6...... - Trabalhos Especializados 13 358 000$00

Esta conta regista os débitos efectuados pela Sociedade Comercial V….., Lda, pela comparticipação nos custos com sistema informático, instalações, comunicação e serviços de pessoal (anexo 9). O valor mensal destes débitos é de 1 569 750$00.

Em 1997 estes débitos cessaram a partir do mês de Agosto, tenho no entanto continuado a persistir os custos de funcionamento da V......., Lda.


Nota:

Se o referido valor tivesse sido debitado durante todo o ano atingiria o valor de 18 837 000$00, o que significava que a empresa registava uma situação de prejuízo fiscal e que as comissões que a V....... cobra à N.......(18 000 000$00/ano), não seriam suficientes para fazer face sequer a esta comparticipação nos custos de ou seja não conseguiriam fazer face aos custos operacionais da empresa.

Esta conta inclui também pagamentos efectuados a despachantes oficiais, respeitantes a exames prévios, pesagens e assistências a mercadorias para exportação (anexo 9).

5.4.3. Conta 6……. – Comissões 4 878 445$00

Nesta rubrica contabilizam-se basicamente as comissões pagas a empresas como a H…… (NIPC 5……), pela intermediação nas transacções com o exterior (anexo 15).

(…)

8. DETERMINAÇÃO DO RESULTADO TRIBUTÁVEL PROPOSTO PARA EFEITOS DE IRC

De acordo com os factos explanados nos pontos 4 e 5 desta informação, existem bases para estabelecer relações especiais entre as empresas V......., Lda e N......./I........

Face às situações detectadas durante a fiscalização, nomeadamente:

• contracção de empréstimos bancários pela V......., que visam financiar a actividade da N......./I......., suportando custos financeiros elevados (conforme pontos 4.2. e 5.4.1. desta informação);

• praticar uma margem de comercialização nula em 1995 e 1996, e diminuta em 1997,pelo facto de vender aos Seus clientes pelo mesmo preço por que adquire as mercadorias à N......./I........

Existem relações especiais entre as duas empresas, tendo-se estabelecido condições particulares que conduziram a um lucro diferente daquele, que se apuraria caso não existissem tais relações.

Assim e de acordo com o artigo 57° do CIRC propõe-se a determinação do lucro tributável, considerando que a V......., Lda deveria apresentar uma margem de comercialização de 25% - margem apresentada pelo sector (anexo 19), que é aliás a margem que a outra empresa dos mesmos sócios (Sociedade Comercial V…… Lda) a actuar no mesmo sector apresentou em 1996 (anexo 19).

A V....... vende para alguns clientes que são também clientes da N.......(alguns identificados no ponto 4.4. desta informação), concluindo-se assim que o valor das vendas declarado é o correcto, uma vez que os clientes compram o mesmo produto, fabricado na mesma fábrica a um ou outro fornecedor se apresentar o mesmo preço.

Comprar Indiscriminadamente a ambas as empresas significa comprar o mesmo produto ao mesmo preço.

Resulta assim que o custo das mercadorias da V....... se encontra sobrevalorizado. A empresa sujeita-se a comprar a um preço superior à N......./I....... deixando todo o valor acrescentado do seu negócio nesta empresa.

As correcções levadas a cabo para determinar o lucro tributável têm em consideração o valor das prestações de serviços de 18 096 155$00 cobradas à N.......pela intervenção nas exportações.

De acordo com declarações do Sr. J......., a comissão cobrada à N.......funciona apenas como uma pequena margem para cobertura de custos operacionais (anexo 1), pelo que o seu valor será acrescido ao valor das vendas para efeitos de determinação do valor do custo das mercadorias vendidas.

Temos assim nos termos do artigo 57° CIRC:

Face às correcções efectuadas ao abrigo do artigo 57° CIRC, considera-se que o lucro tributável da empresa é de 43 675 439$00, diverso do valor apurado na contabilidade (5 835 685$00) depois de expurgados os efeitos que as relações especiais entre a empresa em análise e a N......., provocaram nos resultados da V......., Lda.

9. CONCLUSÕES

(…)

9.2.

Na análise levada a cabo verificou-se existirem relações especiais entre o sujeito passivo e a N......., das quais resultou o estabelecimento de condições particulares, como sejam a prática de uma margem de comercialização nula ou a contracção de empréstimos suportando custos financeiros elevados, com o objectivo de financiar a actividade da N......., que conduziram a um lucro contabilístico reduzido.

Estes factos levaram à aplicação do artigo 57º nº 1 do CIRC para determinação do lucro tributável, resultando correcções de 37 839 754$00.

A situação acima descrita é punida pelo artigo 34° n° 1, n°4 e n°5 do RJIFNA.»;

B) Na sequência da inspecção supra referida e das citadas correcções, a Administração tributária elaborou a declaração de correcções - DC 22 de IRC, relativamente ao exercício de 1997, acrescendo, no campo 23 do quadro 20, “Correcções nos termos do art° 57º CIRC”, o valor de 37.839.754$00 (cfr. fls. 188/188 vº dos autos);

C) Em 30-11-1998, foi proferido despacho pelo Chefe de Divisão dos Serviços de Inspecção Tributária — Ocidental, por subdelegação do Director Distrital de Finanças de Lisboa, com o seguinte teor:

«Concordo com os procedimentos adoptados no âmbito do IRC e IVA..

Ficaram demonstradas as relações especiais entre as empresas "V......., Lda." e "N......., SA"

As empresas em questão, embora com personalidade jurídica distinta, possuem sócios comuns e por esse facto, estabeleceram entre si, relações económicas especiais conduzindo a que os resultados apurados fossem diversos dos que se apurariam na ausência dessas relações.

No caso concreto, as relações especiais manifestam-se nos preços de transferencias de existências (vendas), em que a "N........ SA,"vende à "V….., Lda."ao preço que pratica a outros clientes, mas com a condição de a empresa fiscalizada vender para clientes da mesma ou outras empresas pelo preço de compra, ou seja sem qualquer margem de lucro. Com estas condições especiais acordadas entre ambas, os lucros potencialmente gerados na empresa visitada são transferidos para a "N....... SA" com elevados prejuízos acumulados.

Nestes termos, os pressupostos para as correcções previstas no n.º 1 do art.º 17.º do CIRC encontram-se verificadas, devendo-se proceder às correcções propostas.

Ainda nos termos do n.º 4 do mesmo art.º 57.º do CIRC, foi elaborada informação complementar, a ser remetida à DDF de Leiria, sede social da empresa "N......., SA" NIPC 5……." para proceder às mesmas correcções, embora de sinal contrário.

Remeta-se cópia da presente informação acompanhada dos respectivos documentos de correcção à Divisão de Tributação do Rendimento e Despesa e o competente auto de notícia à Divisão de Justiça Tributária. - (cfr. fls. 29 dos autos);

D) Em 25-10-1999, foi emitida a liquidação de IRC n° 8….., no valor de 16.133.358$00, referente ao exercício de 1997 (cfr. print do sistema de cobrança de IR da Administração Tributário, a fls. 27 dos autos);

E) Em 09-11-1999, a impugnante foi notificada da liquidação identificada na alínea antecedente (cfr. informação, a fls. 253 a 256 dos autos);

F) Em 13-03-2000, a impugnante apresentou reclamação graciosa junto do Serviço de Finanças de Lisboa 2 do acto tributário de liquidação referido nas alíneas antecedentes (cfr. petição, a fls. 2 a 20 do processo de reclamação graciosa apenso);

G) Em 06-12-2000 a impugnante apresentou a presente impugnação judicial junto do Serviço de Finanças de Lisboa 2 (cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos autos);

H) No ano de 1997, a impugnante era detida maioritariamente pelo Sr. J.......(cfr. artigo 8° da p.i., e RIT a fls. 29 a 46 dos autos);

I) No mesmo ano, a sociedade I....... era detida maioritariamente pelo mesmo Sr. J.......(cfr. artigo 7º da p.i., e RIT, a fls. 29 a 46 dos autos);

J) No mesmo ano de 1997, a sociedade N.......era detida pela sociedade I....... (cfr. artigo 7ºda p.i., e RIT, a fls. 29 a 46 dos autos);

K) A impugnante registou, na declaração modelo 22 apresentada com referência ao exercícios de 1997, lucro tributável no valor de 5.835.685$00, (cfr. anexo 5 ao RIT, a fls. 73 a 78 dos autos);

L) A sociedade N.......registou, na declaração modelo 22 apresentada com referência ao exercício de 1997, um prejuízo fiscal no valor de 158.927.860$00 (cfr. declaração, a fls. 282/283 dos autos);

M) A impugnante foi constituída com o propósito instrumental de assegurar crédito junto da banca com vista a financiar a actividade exportadora das sociedades I....... e N.......(cfr. prova testemunhal);

N) Em 01-04-1996, a impugnante e a N.......celebraram um contrato designado «Contrato de Prestação de Serviços (Exportação)», pelo qual esta última se obrigava a exportar os seus produtos no mercado externo, através da “V......." mediante o pagamento de uma comissão de 5%, "apurada a partir do volume de facturação mensal, sendo emitida mensalmente a respectiva nota de débito", comprometendo-se a impugnante a "pagar toda a mercadoria logo que esta lime seja facturada e entregue para exportação" e aí se prevendo ainda a possibilidade de a impugnante "efectuar empréstimos e / ou adiantamentos à N......., a regularizar no final de cada mês, à taxa actual de 2%" (cfr. contrato, a fls. 370/371 dos autos);

O) No ano de 1997, a impugnante debitou à N.......um total de 18.096.155$00, a título de intervenção nas exportações (cfr. artigo 30º da PI e RIT, a fls. 29 a 46 dos autos);

P) As comissões debitadas pela impugnante à N.......visavam remunerar os custos financeiros e de expediente geral incorridos pela primeira (cfr. prova testemunhal);

Q) A impugnante procedia a adiantamentos em dinheiro à I....... e à N......., por conta de encomendas dc fornecedores (cfr. prova testemunhal);

R) O preço de venda de mercadorias praticado pela impugnante era idêntico ao preço de venda praticado pela I....... e N.......(cfr. prova testemunhal);

S) No ano de 1997, a impugnante era uma sociedade comercial por quotas enquadrada no Código de Actividade Económica (CAL) 052442 — "Comércio a retalho de louças, cutelarias e outros artigos similares " (cfr. RIT, a fls. 29 a 46 dos autos);

T) A impugnante não dispunha de quaisquer meios técnicos ou humanos (cfr. prova testemunhal)”.



II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida:

“Inexistem factos não provados com relevância para a decisão em causa”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A convicção do tribunal, quanto à prova dos factos, fundou-se nos documentos juntos aos autos e constantes do PAT e do PAT RG e nos depoimentos das testemunhas, tudo conforme referido a propósito de cada alínea da matéria de facto provada.

Todas as testemunhas depuseram de forma espontânea, sem reservas, tendo os seus depoimentos sido coincidentes e revelado conhecimento directo dos factos, motivos pelos quais o tribunal os considera credíveis.

Concretamente no que respeita à prova dos factos constantes das alíneas M) e P) supra, a mesma resulta do depoimento das testemunhas N......., economista, e J......., técnico oficial de contas, os quais, não obstante as relações profissionais que chegaram a ter com a impugnante em diferentes momentos temporais, lograram responder às questões que lhes foram formuladas de forma clara, credível e isenta, demonstrando possuir conhecimento directo dos factos, por força, até, do seu envolvimento na matéria em análise.

A prova do facto constante da alínea Q) supra decorre, ainda, dos depoimentos das testemunhas N....... e J....... e, bem assim, resultou confirmada pelo depoimento da testemunha M........ directora comercial da impugnante no exercício de 1997, a qual descreveu. de um ponto de vista prático, os termos em que eram processados esses mesmos adiantamentos , tendo respondido, nesse âmbito, de forma convincente , às questões colocadas.

Por último, quanto à prova dos factos constantes das alíneas R) e T), a mesma resulta do depoimento da testemunha J.......”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda­-se em aditar a seguinte matéria de facto provada:

U) Através de ofício da 1.ª Direção de Finanças de Lisboa, datado de 01.07.1999, dirigido à impugnante, foi comunicado a esta de que dispunha de oito dias para exercício do direito de audição, relativamente ao projeto de decisão constante do Relatório mencionado em A) (cfr. fls. 187 dos autos – numeração em suporte de papel, a que correspondem futuras referências sem menção de origem).

V) Na sequência do mencionado em U), a impugnante apresentou, junto dos serviços da Administração Tributária (AT), documento, com vista ao exercício do direito de audição, que ali deu entrada a 12.07.1999 (cfr. fls. 166 a 184).

W) No seguimento do referido em V), foi elaborado, pelos serviços da AT, relatório não datado, no qual se conclui pela manutenção das correções referidas no documento mencionado em A) (cfr. fls. 159 a 165).

X) Sobre o relatório referido em W), foi proferido, a 06.09.1999, parecer de concordância, pelo Chefe de equipa 23, com o seguinte teor:

“Nada a opor, face à anexa informação prestada pela própria técnica que efectuou a fiscalização e como o contribuinte não trouxe elementos novos afigura-se ser de manter os valores apurados pela fiscalização relativamente ao ano de 1997 e remeter à Área de Liquidação e Cobrança esta informação acompanhada de cópia da exposição do contribuinte na qual exerceu o direito de audição nos termos do art.º 60.º da Lei Geral Tributária” (cfr. fls. 159).

Y) Sobre o relatório referido em W) e o parecer mencionado em X) foi proferido, a 08.09.1999, despacho de concordância, por chefe de divisão no uso de poderes delegados, do qual consta designadamente o seguinte:

“Concordo.

Da exposição apresentada pelo Sujeito Passivo, onde exerce o direito de audição prévia prevista no Artigo 60º do RCPIT, verifica-se que os elementos apresentados não originam alterações aos valores apurados pelas Fiscalização…” (cfr. fls. 159).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Alega a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que não se verifica falta de fundamentação, não tendo, ademais, a Recorrida demonstrado qualquer excesso de quantificação.

O Tribunal a quo, a este respeito, considerando ser de conhecer o vício de falta de fundamentação, por entender que a alegada carência de motivação do ato impede a apreensão dos pressupostos de facto e de direito, concluiu que tal vício se verificava, na medida em que a AT não evidenciou o seu entendimento para considerar que as operações realizadas entre a impugnante e a N.......não seriam realizadas por entidades independentes nos mesmos termos, em igualdade de circunstâncias (sublinhando ainda a especificidade das operações em causa, designadamente no que toca aos adiantamentos feitos pela Recorrida à I....... e à N.......) e na medida em que não explanou a margem de 25% que aplica.

Vejamos então.

In casu, como resulta do probatório, o procedimento inspetivo iniciou-se na vigência do Código de Processo Tributário (CPT), tendo terminado já na vigência da Lei Geral Tributária (LGT). Assim, uma vez que as normas atinentes à fundamentação dos atos são normas procedimentais, é de ter em conta ambos os regimes, que, de todo o modo, no essencial convergem.

Com efeito, nos termos do art.º 12.º da LGT(1):

“1 - As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroativos.

(…) 3 - As normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes.

4 - Não são abrangidas pelo disposto no número anterior as normas que, embora integradas no processo de determinação da matéria tributável, tenham por função o desenvolvimento das normas de incidência tributária”.

Sendo as normas em causa normas de procedimento e não se integrando as mesmas no n.º 4 do mesmo art.º 12.º, a sua aplicação é imediata quer nos procedimentos iniciados após a entrada em vigor da LGT quer nos atos praticados em procedimentos pendentes, mas em momento ulterior ao da entrada em vigor da LGT.

Atentando no dever de fundamentação dos atos tributários, o mesmo insere-se no princípio constitucionalmente consagrado, no art.º 268.º, n.º 3, da CRP, nos termos do qual “os atos administrativos (…) carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”.

Ao nível dos atos tributários, encontra-se especificamente previsto no art.º 77.º, da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:

“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

Também o art.º 21.º do CPT consagrava, expressamente, o direito à fundamentação dos atos tributários.

“A fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão…”(2), para que o respetivo destinatário consiga perceber o iter cognoscitivo e para que, por outro lado, seja possível o controlo, quer administrativo, quer jurisdicional, do ato em causa.

Deve ser, pois, clara, expressa, congruente e suficiente, de maneira a esclarecer inteiramente o seu destinatário, cumprindo, dessa forma, o desiderato constitucionalmente consagrado.

Para aferir das exigências em termos de fundamentação é ainda de apelar ao disposto quer em termos substantivos quer em termos adjetivos em torno das questões atinentes à existência de relações especiais e a preços de transferência.

Quanto ao conceito de preços de transferência, a OCDE define-os como “... os preços pelos quais uma empresa transfere bens corpóreos, ativos incorpóreos ou presta serviços a empresas associadas”(3).

Com efeito, os preços de transferência são os “… valores atribuídos a bens e serviços, pelas empresas relacionadas, nas trocas que efectuam entre si, incluindo as transferências de bens e as prestações de serviços que têm lugar no âmbito dos estabelecimentos e divisões independentes que integram a mesma unidade económica”(4).

Do ponto de vista fiscal, o legislador sentiu necessidade de determinar um específico regime atinente a situações de preços de transferência, por forma a evitar a existência de abusos, decorrentes da prática de preços deturpados que permitisse, designadamente, transferências de lucros(5).

A este respeito, é de chamar à colação o art.º 57.º do CIRC, na redação em vigor à época, segundo o qual:

“1 - A Direcção-Geral das Contribuições e Impostos poderá efetuar as correções que sejam necessárias para a determinação do lucro tributável sempre que, em virtude das relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa, sujeita ou não a IRC, tenham sido estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes, conduzindo a que o lucro apurado com base na contabilidade seja diverso do que se apuraria na ausência dessas relações”.

Assim, no caso de operações entre entidades relacionadas, o legislador, seguindo as diretrizes já ao longo das últimas décadas densificadas, designadamente pela OCDE, previu (ainda que, à época, de forma pouco especificada, quando comparada com o regime hodierno) um mecanismo de respeito pelo princípio da plena concorrência, para que a existência dessas relações especiais não implique que a decisão tomada seja distinta daquela que seria se a relação fosse entre entidades independentes.

Do regime constante do CIRC resulta que, para efeitos de aplicação deste regime, é essencial que esteja evidenciada:

a) A existência de relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa;

b) O estabelecimento de condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes.

Estas exigências em termos de fundamentação encontram, aliás, acolhimento quer no art.º 80.º do CPT quer no art.º 77.º, n.º 3, da LGT.

Com efeito, nos termos do art.º 80.º do CPT:

“Sempre que as leis tributárias permitam que a matéria tributável seja corrigida com base em relações especiais entre contribuinte e terceiro e verificando-se o estabelecimento de condições diferentes das que se verificariam sem a existência de tais relações, a fundamentação das correções obedecerá aos seguintes requisitos:

a) Descrição das relações especiais;

b) Descrição dos termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias;

c) Descrição e quantificação do montante efetivo que serviu de base à correção”.

Em termos idênticos ia o art.º 77.º, n.º 3, da LGT, na sua redação originária, em vigor à época.

Portanto, claramente o legislador previu um dever de fundamentação particularmente exigente no caso de correções fundamentadas na existência de relações especiais, estabelecendo para essas situações, a par do dever geral de fundamentação, um dever especial, que passa pela evidenciação dos requisitos aludidos nas três alíneas referidas supra.

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

Desde já se adiante que se acompanha o entendimento adotado pelo Tribunal a quo.

Com efeito, atentando no discurso fundamentador da AT, decorre que é, de facto, mencionada a existência de relações especiais entre a Recorrida e a N....... SA (doravante N.......) e a I........ SARL, sendo descritas as relações entre as duas primeiras, designadamente no que respeita à margem de comercialização (de 6%, por referência a 1997) e à comissão mensal de 5% cobrada pela Recorrida à N......., e sendo explanados os termos em que eram feitos os pagamentos pela Recorrida à N......., seu único fornecedor (designadamente a existência de adiamentos por conta das mercadorias, com o pagamento do remanescente na data da fatura).

Face a este contexto, a AT concluiu que [e]xistem relações especiais entre as duas empresas, tendo-se estabelecido condições particulares que conduziram a um lucro diferente daquele, que se apuraria caso não existissem tais relações.

Ora, como resulta do teor do RIT, esta última afirmação configura-se como sendo meramente conclusiva.

Com efeito, ao arrepio do especial dever de fundamentação legalmente previsto para situações como a dos autos, nada é dito no que respeita à descrição dos termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias, sendo o RIT omisso a esse propósito.

Da mesma forma, nada é explanado em torno da aplicação da margem de comercialização de 25%, cuja indicação, constando de um mero print interno da AT, não contém minimamente as referências às especificidades inerentes ao seu cálculo nem sua relação com as especificidades inerentes à relação existente entre a Recorrida e a N........ Ou seja, trata-se de uma indicação descontextualizada que, desprovida de elementos fundamentadores inerentes ao seu cálculo, nem permite sequer aferir se se trata de margem para situações comparáveis – aspeto fundamental em matéria de preços de transferência.

Como tal, face ao descrito, não foi respeitado o especial dever de fundamentação legalmente previsto para situações como a dos autos, pelo que não assiste razão à Recorrente, carecendo de pertinência apreciar o alegado quanto à falta de demonstração do excesso de quantificação, dado que se trata de questão que apenas se apreciaria se o ato não padecesse do vício analisado.

Vencida a Recorrente seria a mesma responsável pelas custas do recurso. No entanto, há que ter em conta que, nos processos instaurados até 01.01.2004 (como é o caso), a FP se encontrava isenta do pagamento de custas, atento o disposto no art.º 3.º, n.º 1, al. a), do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo DL n.º 29/98, de 11 de fevereiro (cfr. os art.ºs 14.º, n.º 1, e 15.º, n.º 2, ambos do DL n.º 324/2003, de 27 de dezembro, bem como o art.º 18.º do DL n.º 324/2003, de 29 de dezembro).

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida;

b) Sem custas;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 14 de novembro de 2019

(Tânia Meireles da Cunha)

(Cristina Flora)

(Patrícia Manuel Pires)


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(1)Cfr. ainda o art.º 12.º do Código Civil.

(2) Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, p. 676.

(3)OCDE, Princípios aplicáveis em matéria de preços de transferência destinados às empresas multinacionais e às Administrações Fiscais, Ministério das Finanças, Lisboa, 2002, p. 20.
(4)Maria Teresa Veiga, «Preços de Transferência – Problemática geral», A Internacionalização da Economia e a fiscalidade, DGCI, p. 401.
(5)V., a este propósito, Bruno Santiago e António Queiroz Martins, «Os Preços de Transferência na Compra e Venda de Participações Sociais entre Entidades Relacionadas», Cadernos Preços de Transferência 2013, Almedina, Coimbra, 2013, p. 20.