Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08678/12
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:01/10/2013
Relator:PAULO CARVALHO
Descritores:NACIONALIDADE, CARÁTER NÃO AUTOMÁTICO DO ARTº 56.2.B) DO DEC-LEI 237-A/2006.
Sumário:1- Entender que a mera verificação de uma condenação em crime punível abstratamente com pena de 3 anos de prisão impede automaticamente a aquisição da nacionalidade Portuguesa, sem que um Tribunal tenha sequer considerado essa possibilidade como uma consequência da condenação, sem que o juízo de indesejabilidade seja valorado sequer em fase administrativa, será uma violação do direito a mudar de nacionalidade, vazado na 2ª parte do nº 2 do artº 15 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aplicável ex vi artº 8 da CRP: “Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade nem do direito de mudar de nacionalidade”.

2- Assim sendo, a disposição legal em causa tem de ser entendida como um mero índice ou circunstância indiciadora da indesejabilidade a valorar perante cada situação concreta e não um verdadeiro impedimento da aquisição da nacionalidade.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Recorrente: Ministério Público.
Recorrido: O…………. I……………...
Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida nestes autos, que julgou a ação improcedente.
Foram as seguintes as conclusões do recorrente:
1- O art. 56°, n° 2 do atual Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado Decreto -Lei n° 237-A/2006, prevê:
"2 - Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou da adoção:
a) A inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional;
b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa;
c) O exercício de funções públicas sem caráter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro."
2- "In casu", constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, a condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.
3- Os fundamentos de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa devem ser integrados por factos que constituam circunstâncias indicadoras de indesejabilidade.
4- E a condenação do requerente da nacionalidade por prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa (atenta, diríamos nós, a gravidade, a preocupação e alarme consubstanciado na moldura penal aqui estabelecida pelo legislador nesta Lei da Nacionalidade), constitui fundamento justificativo da indesejabilidade do requerente como cidadão nacional.
5- Para a verificação da existência do fundamento de indesejabilidade, é perfeitamente irrelevante o seu cumprimento.
6- Assim, na nossa modesta opinião, mal decidiu o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa ao julgar improcedente a oposição deduzida pelo Ministério Público à aquisição da nacionalidade do Recorrido e ao ordenar o prosseguimento do processo conducente ao registo respetivo.
7- Pelo que, deverá ser, a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra em que se declare a procedência da presente ação, devendo dar-se provimento ao recurso.
O recorrido contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso, mas sem formular conclusões.

2. Foi a seguinte a factualidade assente pela Sentença recorrida:
a) O Requerido nasceu a 04 de abril de 1969 na Ucrânia (doc. de fls. 12).
b) À data em que foi lavrado o assento de nascimento, ambos os progenitores tinham nacionalidade Ucraniana (idem);
c) A 03 de outubro de 2003 o Requerido contraiu casamento civil com a cidadã portuguesa Fátima ……………….. (cfr. assento de casamento de fís. 18);
d) A 23 de setembro de 2008 veio o Requerido, junto da Conservatória dos Registos Centrais, a declarar a vontade de aquisição da nacionalidade portuguesa, por ser casado há mais de três anos com cidadã portuguesa (cfr. doe. de fls. 9-10);
e) No auto de declarações foi declarado pelo Requerido não ter sido condenado, por sentença transitada em julgado, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa (idem);
f) O Requerido foi condenado, por sentença de 21.02.2007, numa pena de 90 dias de multa à taxa diária de 5€, por prática de crime de ofensa à integridade física simples (fls. 52);
g) O Requerido procedeu ao pagamento da pena de multa, tendo sido declarada a extinção da pena, pelo cumprimento (fls. 57);
h) O Requerido reside em Portugal, pelo menos, desde 2003 (cfr. declarações de IRS de fls. 20-45, doc. de fls. 24);
Ao abrigo do artº 712.1.a) CPC mais se adita o seguinte facto com interesse para a correta decisão da causa:
i) Por Sentença do Tribunal Judicial de ……………, proferida no proc. nº …………/03.8PCOER, ficou provado que as ofensas corporais pelas quais o arguido foi condenado, tiveram como ofendido o irmão da então sua namorada (com quem veio a casar), e foram por razões que se prenderam com uma discussão que o ofendido teve com a irmã – certidão de fls. 58.
O processo colheu os vistos legais e foi submetido à conferência.

3. São as seguintes as questões a resolver:
3.1. O artº 56.2.b) do Decreto -Lei n° 237-A/2006 é de funcionamento automático ?

4.1. Sobre a questão suscitada nestes autos, pronunciou-se em sentido positivo, o Ac. do TCA Sul de 27/05/2010, proc. nº 6065/10, consultável in www.dgsi.pt, com a seguinte argumentação:
Como se viu, a sentença recorrida julgou improcedente os pedidos formulados pelo autor, a saber, a anulação da decisão, datada de 26-6-2009, que indeferiu o seu pedido de concessão de nacionalidade portuguesa por naturalização, e a condenação da ré a conceder-lhe a dita nacionalidade portuguesa. Para tanto, considerou que tendo o autor sido condenado por sentença, entretanto transitada, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, aquele não preenchia o requisito previsto na alínea d) do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade [Lei nº 37/81, de 3/10, com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17/4], para além de afastar a inconstitucionalidade da norma em causa, por violação do disposto no artigo 30º, nº 4 da CRP, uma vez que o autor nunca dispôs na sua esfera jurídica de qualquer direito subjetivo à naturalização. Vejamos se a sentença recorrida é merecedora das críticas que o recorrente lhe aponta.
O ora recorrente requereu a nacionalidade portuguesa, por efeito da naturalização, mas viu tal pretensão indeferida com fundamento na não verificação de um dos requisitos –cumulativos– de que a Lei da Nacionalidade faz depender a aquisição da nacionalidade. Esses requisitos, de verificação cumulativa, constam do artigo 6º, nº 1 da Lei Orgânica nº 2/2006, de 17/4, que alterou a Lei nº 37/81, de 3/10 [Lei da Nacionalidade], e são os seguintes:
a) Maioridade ou emancipação à face da lei portuguesa;
b) Residência legal no território português há pelo menos seis anos;
c) Conhecimento suficiente da língua portuguesa;
d) Ausência de condenações, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.
Como decorre da matéria de facto dada como assente, a pretensão do recorrente foi indeferida por se ter constatado que aquele havia sido condenado, por sentença transitada em julgado, pela prática de crime que, em abstrato, era punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, o que desde logo, atenta a natureza cumulativa do preenchimento dos requisitos de que dependia, afastava a concessão da nacionalidade portuguesa, por efeito da naturalização.
Discordando do entendimento sufragado pela decisão recorrida, sustenta o recorrente que não foi intenção da lei afastar da concessão da nacionalidade quem em dado momento da sua vida cometeu um ilícito criminal –no seu caso concreto, os factos pelos quais foi condenado remontam a 1996, tendo sido punidos com pena de multa–, pagou a sua dívida à sociedade e se encontra plenamente integrado, sem nunca mais haver notícia de ter voltado a delinquir. E, por outro lado, a entender-se que a condenação em causa afastava desde logo a possibilidade de obter a nacionalidade portuguesa por naturalização, tal interpretação da lei violaria o disposto no artigo 30º, nº 4 da Lei Fundamental, já que nos termos do normativo em causa, nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos.
Vejamos.
Em primeiro lugar, como decorre do artigo 6º, nº 1 da Lei Orgânica nº 2/2006, de 17/4, que alterou a Lei nº 37/81, de 3/10 [Lei da Nacionalidade], os requisitos aí previstos e de cuja verificação cumulativa depende a concessão da nacionalidade portuguesa, por naturalização, nomeadamente o previsto na alínea d), são de natureza objetiva, ou seja, basta o seu não preenchimento para que o efeito jurídico visado na norma – a concessão da nacionalidade portuguesa – não se produza. Neste caso, a conduta da Administração é vinculada, o que significa que não podem ser introduzidos matizes ou gradações no tocante à verificação do requisito, nomeadamente aquela pretendida pelo recorrente, isto é, que o lapso de tempo entretanto decorrido entre a prática do ilícito criminal punível com pena de máximo igual ou superior a 3 anos, constante da condenação transitada, poderia “degradar-se” de modo a tornar irrelevante essa condenação.
E não se diga que isto viola os princípios constitucionais invocados pelo recorrente. Com efeito, o que sucede no caso é que o legislador ordinário, dentro dos seus poderes de conformação, estabeleceu determinados requisitos para a concessão da nacionalidade portuguesa, por naturalização, excluindo da concessão desse direito –no caso da alínea d) do nº 1 do artigo 6º da Lei Orgânica nº 2/2006, de 17/4 – quem demonstrasse não ser dele merecedor, por virtude da condenação por crimes puníveis em abstrato com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos. Em segundo lugar, também não ocorre violação do artigo 30º, nº 4 da Lei Fundamental, uma vez que a perda de direitos civis, profissionais ou políticos aí previstos, como efeito necessário da aplicação duma pena, diz respeitos a direitos originários, ou seja, a todos aqueles que já existiam na esfera jurídica do condenado e não, obviamente, àqueles que este ainda não havia incorporado no seu património jurídico, como é o caso presente, em que a concessão da nacionalidade portuguesa tem efeito constitutivo.
E, sendo assim, nenhum reparo nos merece a sentença recorrida, que deste modo se deverá manter.”
Discordamos desta Jurisprudência. Interpretar a norma de uma forma cujo resultado é que a mera verificação de uma condenação em crime punível abstratamente com pena de 3 anos de prisão impede automaticamente a aquisição da nacionalidade Portuguesa, sem que um Tribunal tenha sequer considerado essa possibilidade como uma consequência da condenação, sem que o juízo de indesejabilidade seja valorado sequer em fase administrativa, será uma violação do direito a mudar de nacionalidade, vazado na 2ª parte do nº 2 do artº 15 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aplicável ex vi artº 8 da CRP: “Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade nem do direito de mudar de nacionalidade”.
Assim sendo, a disposição legal em causa tem de ser entendida como um mero índice ou circunstância indiciadora da indesejabilidade a valorar perante cada situação concreta e não um verdadeiro impedimento da aquisição da nacionalidade.
Considerando os elementos disponíveis no caso concreto, nomeadamente a pena em que foi condenado, o facto de estar casado desde 2003, de residir em Portugal desde 2003, que as ofensas corporais simples pelas quais foi condenado se enquadraram num quadro de discussão com um familiar, não se vê razão para concluir estarmos perante qualquer circunstância indiciadora da indesejabilidade, pelo que a sentença recorrida deve ser confirmada.

5. Conclusão: Por tudo quanto vem de ser exposto, Acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul em Julgar improcedente o recurso e confirmar a Douta Sentença recorrida.
Sem custas.
Lisboa, 10 de Janeiro de 2013
Paulo Carvalho
Ana Celeste Carvalho
Cristina dos Santos