Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:627/04.1 BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:01/27/2022
Relator: SUSANA BARRETO
Descritores:JUROS COMPENSATÓRIOS
FUNDAMENTAÇÃO DO ATO TRIBUTÁRIO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Sumário:I. No processo judicial tributário o excesso de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no nº 1 do artigo 125º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT).
II. A sentença está ferida de nulidade quando o juiz conhece de questões de que não podia tomar conhecimento, que não foram colocadas pelas partes e também não são de conhecimento oficioso.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por S. – S. G. A. N. I. H., SA., contra a liquidação adicional de IRC e de juros compensatórios referente ao exercício de 1997, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul, recurso limitado à parte em que a decisão lhe foi desfavorável e respeitante à anulação dos juros compensatórios.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente formula as seguintes conclusões:

I. Vem o presente recurso reagir contra a douta sentença na parte em que julgou procedente, e apenas quanto à liquidação de juros compensatórios, a Impugnação Judicial intentada por S. – S. G. A. N. I. H., S.A. contra o despacho de indeferimento da reclamação graciosa deduzida do acto de liquidação de IRC, e respectivos juros compensatórios, referentes ao exercício de 1997.
II. Determinou o Tribunal a quo a anulação da liquidação de juros compensatórios no montante de € 43.747,93 (8.770.681$00) com fundamentação no n.º 9 do artigo 35.º da LGT, por considerar que a Impugnante à laia de conclusões invocou a falta de fundamentação de tal liquidação, entendimento ao qual a Fazenda Publica não pode apor a sua concordância.
III. Conforme decorre da douta sentença, a Impugnante alegou a falta de fundamentação da liquidação, mas porque “tendo a AT procedido à correcção da liquidação de IRC de 1996, em 22/10/1999, os juros compensatórios apenas podem ser exigidos à Impugnante até essa data, pois não foi por culpa sua que a liquidação de IRC de 1997 apenas se verificou em 25/10/2001, data até à qual foram liquidados os juros.”, nada mais tendo alegado ou invocado no referente à focada falta de fundamentação.
IV. E o pedido de anulação da liquidação de juros compensatórios aduzido pela Impugnante tem de ser conformado pela causa de pedir tal qual por si configurada, de onde decorre, manifestamente, que a falta de fundamentação alegada pela Impugnante se reconduz à atinente ao disposto no n.º 3 do artigo 35.º da Lei Geral Tributária, e referida, portanto, à contagem dos juros compensatórios, denunciando a total apreensão da liquidação empreendida pela AT e sindicando o termo final do prazo de contagem de tais juros, com a defesa da não imputabilidade ao sujeito passivo da liquidação de juros compensatórios referente ao período compreendido entre 22/10/1999 e 25/10/2000.
V. Nestes termos, é entendimento da Fazenda Pública incorrer a douta sentença em excesso de pronúncia no referente à liquidação de juros compensatórios, determinante da nulidade da sentença em tal segmento, nos termos do n.º 2 do artigo 125.º do CPPT e na alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT.
VI. Sem prescindir, mesmo que assim não se entenda, sempre estaremos neste particular segmento, perante erro de julgamento de facto, e consequentemente de direito, atenta a contradição insanável patente no julgamento levado a cabo pelo Tribunal a quo, pois que a Impugnante pretendeu ver decidida nos presentes autos questão atinente à contagem do prazo dos juros compensatórios considerado para efeitos da respectiva liquidação, arguindo que o termo final da contagem se deveria fixar em data diversa da considerada pela AT, mais invocando a ausência de culpa no referente a tal período em relação ao qual existe divergência entre a Impugnante e a AT.
VII. De onde resulta notório que o acto de liquidação de juros compensatórios foi apreendido na sua plenitude pela Impugnante, que se predispôs a sindicar, por divergir nesse particular aspecto, apenas e tão-só o número de dias considerados para efeitos da determinação dos juros devidos pelo atraso na liquidação - o qual a Impugnante ademais aceita como sendo a si imputável, excepto na divergência apontada.
VIII. Efectivamente, o direito à fundamentação dos actos administrativos e tributários que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos é princípio constitucional com assento no art.º 268º da CRP e encontra-se concretizado no art.º 77º da LGT, e devendo a fundamentação ser expressa, clara, suficiente e congruente, e no caso sub judice entendemos estar, tal como a Impugnante o configurou na impugnação que deduziu, devidamente fundamentado o acto em apreço.
IX. Pois que, o acto considerar-se-á devidamente fundamentado sempre que o respetivo destinatário revele ter apreendido os seus fundamentos, e neste sentido, vide Lei Geral Tributária comentada e anotada, Campos, Diogo Leite, Benjamim Rodrigues, Jorge Lopes Sousa, 3ª ed., Vislis, Setembro 2003, pág. 381-382: “No entanto, deverá ter-se em conta que os vícios poderão considerar-se sanados quando se demonstrar que, apesar da imprecisão ou omissão ou irregularidade do conteúdo do acto, foi atingido o objectivo que se visava atingir com a imposição deste conteúdo, designadamente que o seu destinatário se apercebeu correctamente do seu alcance.” (sublinhado nosso).
X. Sendo que, sobre as exigências da fundamentação ampla jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo se tem firmado, aqui se invocando o Acórdão de 2008/09/11, proferido no processo nº 0112/07, do qual resulta que: “É por demais sabido que a jurisprudência deste STA considera que um acto está suficientemente fundamentado desde que um destinatário normal possa ficar ciente do sentido dessa mesma decisão e das razões que a sustentam, permitindo-lhe optar conscientemente entre a aceitação do acto ou o acionamento dos meios legais de impugnação”.(realce nosso).
XI. Como vem entendendo o Supremo Tribunal Administrativo, a exigência legal e constitucional da fundamentação visa permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração Tributária a actuar, de modo a facultar-lhes a opção consciente entre a aceitação do acto e a sua legalidade, conforme se pode ler no acórdão de 11.02.2009, proferido no processo n.º 01002/08.
XII. E a Impugnante, além de não alegar tal falta de fundamentação - uma vez que a falta de fundamentação aventada se conexiona com a imputabilidade à Impugnante, em período determinado que indica, do facto determinante dos juros compensatórios - , demonstra na petição inicial ter apreendido os concretos fundamentos de facto e de direito do acto de liquidação, tanto que a sua determinação contesta, invocando entendimento divergente.
XIII. Tornando-se, assim, imperceptível apreender a afirmada insuficiência de fundamentação capaz de comprometer o esclarecimento acerca da motivação do acto, pois que foi possível à Impugnante tomar conhecimento dos termos em que o acto de liquidação foi determinado pela AT e discutir subsequentemente tais termos nos presentes autos, com julgamento improcedente do Tribunal a quo.
XIV. Atento o exposto, a douta sentença ao julgar a impugnação procedente no referente à liquidação de juros compensatórios fê-lo em erro de julgamento de facto, face à errónea apreciação dos factos pertinentes que conformam no caso sub judice a fundamentação da liquidação, e de direito, por não aplicável o n.º 9 do artigo 35.º da LGT nos termos na mesma determinados.

Termos em que, concedendo-se provimento ao presente recurso, deverá a douta sentença, ora recorrida, ser parcialmente revogada, com as devidas consequências legais.
Sendo que, V. Exas., decidindo, farão a costumada JUSTIÇA.


A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.


O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

No despacho proferido a Mª Juíza a quo defende não se verificar qualquer nulidade e manteve a decisão nos seus precisos termos.


O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber: se a sentença é nula por excesso de pronúncia ou se, em caso de resposta negativa, padece de erro de julgamento na apreciação dos factos e de interpretação e aplicação do direito.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

1. Por escritura pública de 14/04/1999 a impugnante incorporou por fusão a sociedade E. – C. I. C., S.A. (cfr. doc. junto a fls. 55 a 61 dos autos);
2. A impugnante foi sujeita a uma acção inspectiva ao exercício de 1996 em sede de IRC da qual resultaram diversas correcções, entre as quais a provisões para créditos de cobrança duvidosa (facto que se retira do doc. de fls. 67 a 72 do processo instrutor junto aos autos);
3. Em 07/01/2000 foi efectuada a liquidação adicional de IRC do exercício de 1996 da sociedade E. – C. I. C., S.A. da qual resultaram correcções aos prejuízos fiscais a reportar, tendo sido o seu valor reduzido para o montante de € 248.626,06 (cfr. doc. de fls. 42 dos autos);
4. Em 24/10/2000 a impugnante reclamou graciosamente da liquidação de IRC referente ao exercício de 1996 da sociedade E. – C. I. C., S.A. por si incorporada (cfr. doc. de fls. 43 a 54 dos autos);
5. A impugnante foi sujeita a uma inspecção interna à sua declaração de IRC do exercício de 1997 da qual resultou correcções à sua matéria colectável tendo sido considerado que esta apenas poderia deduzir prejuízos no montante de € 248.626,06 (cfr. doc. de fls. 81 a 87 dos autos);
6. Em 08/02/2001 foi efectuada a liquidação adicional de IRC do exercício de 1997 da sociedade E. – C. I. C., S.A., da qual resultou IRC a pagar no montante de € 225.615,98 (cfr. doc. de fls. 39 dos autos);
7. Da liquidação identificada no ponto antecedente consta o seguinte:

Imagem: Original nos autos
(cfr. doc. de fls. 39 dos autos)

8. Em 16/04/2001 a impugnante procedeu ao pagamento da quantia de € 21.444,93, por conta do IRC devido no exercício de 1997, sendo € 18.824,92 imputável a IRC e € 2.619,72 a juros (cfr. doc. de fls. 98 dos autos);
9. Em 16/04/2001 a impugnante reclamou graciosamente da liquidação melhor identificada no ponto anterior (cfr. doc. de fls. 99 a 112 dos autos);
10. Por despacho de 16/03/2004 do Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, foi indeferida a reclamação melhor identificada no ponto anterior (cfr. doc. de fls. 32 a 38 dos autos);
11. Em 22/04/2004, a impugnante intentou processo de Impugnação judicial que correu termos neste Tribunal sob o nº 670/04.0BESNT que tinha por objecto a liquidação adicional de IRC do exercício de 1996 no que tange as provisões consideradas como custo pela impugnante (facto que se retira dos docs. de fls. 131 e 336 a 361 dos autos);
12. Em 23/04/2020 foi proferido Acórdão pelo Tribunal Central Administrativo Sul no qual do qual resulta parcialmente procedente a impugnação deduzida relativamente ao exercício de 1996, no que tange às provisões, tendo sido anuladas as correcções com origem nos créditos provisionados por garantia bancária ou cheque, salvo no que respeita ao cliente R., bem como as decorrentes da desconsideração da provisão relativa ao cliente A. M. F. R., e improcedente no mais (cfr. doc. de fls. 336 a 361 dos autos);

Quanto à Motivação da Decisão de Facto, consignou-se:
A decisão da matéria de facto com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, todos objecto de análise concreta, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

E, quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

Não se provaram outros factos para além dos supra descritos.


II.2 Do Direito

A Recorrente não se conforma com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal no segmento que julgou procedente a impugnação respeitante aos juros compensatórios, por carência da fundamentação do ato tributário de liquidação.

Assim, no presente recurso apenas está em apreciação a decisão recorrida na parte em que anulou a liquidação relativa aos juros compensatórios, tendo sentença já transitado em julgado quanto ao demais.

No recurso coloca-se, em primeiro lugar, a questão de saber se na sentença recorrida se cometeu a nulidade por excesso de pronúncia, prevista no artigo 615/1.d) do Código de Processo Civil (CPC) e 125/1 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) – cf. conclusão 5 das alegações de recurso.



Vejamos:

Nos termos do artigo 125/1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.

Também o artigo 615/1.d) CPC, invocado pela Recorrente, dispõe que é nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

A sentença está ferida de nulidade quando o juiz conhece de questões de que não podia tomar conhecimento: não foram colocadas pelas partes e também não são de conhecimento oficioso

A sentença deve, pois, conhecer de todas as questões suscitadas pelas partes, seja como fundamento do pedido formulado pelo autor, seja como fundamento das exceções deduzidas, e bem assim das controvérsias que as partes sobre elas suscitem, ficando apenas excetuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras.

Por questões submetidas à apreciação do Tribunal devem entender-se aqui as que se referem aos pedidos formulados, atinentes à causa de pedir ou às exceções alegadas, não se confundindo, pois, com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem verdadeiras questões para os efeitos preceituados na norma citada.

Nas palavras de Alberto dos Reis Aut Cit, CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: anotado, Vol. V, pág. 143, são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer questões de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal qualquer questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.

É consabido que sentença não pode condenar em objeto diverso do pedido, nulidade que deriva da violação da regra do artigo 609/1 CPC, nulidade que só se pode verificar em relação a pedidos de condenação e a decisões condenatórias: haverá nulidade se a condenação exceder quantitativamente aquilo que havia sido pedido ou modificar a qualidade do pedido, condenando a parte vencida em objeto diferente do que foi pedido.

O presente recurso é parcial, dirigido à sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal no segmento que julgou procedente a impugnação deduzida pela Impugnante, ora Recorrida, contra o ato de liquidação de juros compensatórios.

Quer na parte final da petição inicial quer nas alegações pré sentencias, a Impugnante, ora Recorrida formula o pedido de anulação da liquidação de juros compensatórios, por falta da fundamentação legalmente exigida.

A Impugnante pediu, pois, a anulação do ato de liquidação de juros compensatórios e a condenação, com a qual não se conforma agora a ora Recorrente, foi precisamente no sentido de anular a liquidação de juros compensatórios, por carência da fundamentação do ato tributário

Nesta perspetiva, quanto ao pedido submetido à apreciação do tribunal, não se verifica, pois, nulidade, uma vez que o tribunal se pronunciou sobre o pedido que lhe foi dirigido pela Impugnante. Todavia, nas conclusões das alegações de recurso a Recorrente argui que o tribunal conheceu de questão que não tinha sido colocada pela Impugnante.

Vejamos então:

Alega, a Recorrente que o pedido de anulação da liquidação de juros compensatórios aduzido pela Impugnante tem de ser conformado pela causa de pedir tal qual por si configurada, de onde decorre, manifestamente, que a falta de fundamentação alegada pela Impugnante se reconduz à atinente ao disposto no n.º 3 do artigo 35.º da Lei Geral Tributária, e referida, portanto, à contagem dos juros compensatórios, denunciando a total apreensão da liquidação empreendida pela AT e sindicando o termo final do prazo de contagem de tais juros, com a defesa da não imputabilidade ao sujeito passivo da liquidação de juros compensatórios referente ao período compreendido entre 22/10/1999 e 25/10/2000 – cf. conclusão 3 das alegações de recurso.

Anote-se que o mero enquadramento jurídico diverso do pugnado pela parte não integra a nulidade por excesso de pronúncia, antes se baseia no princípio ínsito no n.º 3 do artigo 5.º do CPC (oficiosidade do julgador quanto à matéria de direito) – Apud Acórdão de 19-12-2018 (Revista n.º 301/12.5TCGMR.G2.S1 - 6.ª Secção).

Com efeito, não há excesso de pronúncia se o tribunal para decidir usar de fundamentos jurídicos diferentes dos invocados pelas partes, dado o artigo 5/3 CPC o permitir. Muito menos se o tribunal aduz argumentos que a parte não apresentara, já que, uma coisa são as questões e, outra, são os argumentos que suportam a resolução daquelas.

Não é assim causa de nulidade da sentença o mero facto de a parte ter convocado um determinado artigo de lei (o disposto no nº 3 do artigo 35º da LGT) e o Tribunal fazer enquadramento jurídico diferente do alegado pela Impugnante na petição inicial.

No caso vertente, interessa sim saber se a sentença, para anular a liquidação de juros compensatórios, fez uso de fundamentos distintos daqueles que haviam sido convocados pela Impugnante, ora Recorrida, quer na petição inicial quer nas alegações escritas apresentadas, tal como alegado pela ora Recorrente. Ou seja, se na narrativa dos factos que estão na base do pedido formulado pela Impugnante, ora Recorrida, esta apenas refere que o termo final da contagem dos juros compensatórios considerado na liquidação deveria ser outro e não aquele, nada dizendo quanto à taxa de juro aplicada, individualização dos montantes sobre o qual incidiam e referência ao diploma legal que prevê a taxa de juro efetivamente aplicada.

A Impugnante, ora Recorrida, nas peças processuais apresentadas demonstrou até entender muito bem a motivação do ato, manifestando a sua discordância apenas quanto ao hiato temporal mediado entre o termo inicial e o final considerado na contagem dos juros, insiste-se.

Todavia, como tem sido reiterado na doutrina e na jurisprudência, o dever de fundamentação pode ser apreciado à luz da chamada fundamentação formal e/ou da fundamentação substancial, com exigências distintas:

As características exigidas quanto à fundamentação formal e quanto à fundamentação substancial do ato tributário são distintas: à fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos que determinaram o autor a proferir a decisão com um concreto conteúdo; à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a atuação administrativa no caso concreto (ou seja, esta deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico) - Ac. STA, 2ª Seção, de 2019.11.21, Proc nº 0404/13.9BEVIS. No mesmo sentido citamos o Ac. TCAS de 2020.11.05, processo nº 1592/04.0BELSB, ambos disponíveis www.dgsi.pt.

Ora, desde já diremos que tem razão a Recorrente porquanto na sentença, além de se conhecer da questão suscitada e relativa ao cômputo dos juros, foi conhecida a fundamentação formal do ato, questão essa que não foi suscitada e que não é, reconhecidamente, de conhecimento oficioso.

A questão colocada à apreciação deste tribunal ad quem é, pois, relativa a saber-se se a sentença recorrida incorreu em excesso de pronúncia por conhecer da falta de fundamentação, alegada quanto à fundamentação substancial do ato, mas verificada numa outra vertente do ato, e enquanto vício não alegado pela Impugnante (falta de fundamentação formal do ato).

E a resposta não pode deixar de ser afirmativa.

A sentença conheceu do alegado vício de falta de fundamentação (formal) relativo ao termo final considerado na contagem dos juros, mas foi mais além, anulando a liquidação de juros em causa por não explicar o respetivo cálculo, por falta de indicação das taxas de juros aplicadas e referência aos diplomas que as contemplam ou preveem (fundamentação substancial).

A sentença recorrida emitiu, pois, pronúncia sobre questões que não devia conhecer e nessa medida procedem as conclusões das alegações de recurso.

Em face do exposto, é de julgar procedente o recurso, e declarar nula a sentença no segmento impugnado.


Relativamente à condenação em custas importa considerar que nos termos dos artigos 527/1 CPC: a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa (…).

Assim, atento o princípio da causalidade, consagrado no artigo 527/2, do CPC, aplicável por força do artigo 2º, alínea e), do CPPT, as custas são pela Recorrida, que ficou vencida.


Sumário/Conclusões:

I. No processo judicial tributário o excesso de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no nº 1 do artigo 125º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT).
II. A sentença está ferida de nulidade quando o juiz conhece de questões de que não podia tomar conhecimento, que não foram colocadas pelas partes e também não são de conhecimento oficioso.


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso e declarar a nulidade da sentença no segmento impugnado, e em consequência, julga-se improcedente a impugnação judicial quanto ao pedido de anulação de juros compensatórios, mantendo a sentença quanto ao demais decidido e que não foi objeto do presente recurso.

Custas pela Recorrida, que decaiu, com dispensa da taxa de justiça, por não ter contra-alegado.

Lisboa, 27 de janeiro de 2022

Susana Barreto
(Relatora)

Tânia Meireles da Cunha
(1.ª Adjunta)

Cristina Flora
(2.ª Adjunta)