Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06999/13
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:05/15/2014
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:RECURSO JURISDICIONAL/ COMPETÊNCIA HIERÁRQUICA/ MEIOS PROCESSUAIS ACESSÓRIOS/ EXECUÇÃO DE JULGADO
Sumário:I. Compete à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo conhecer dos recursos interpostos de decisões dos tribunais tributários com exclusivo fundamento em matéria de direito (cfr. artigo 26º, alínea b) do ETAF), sendo que compete à Secção de Contencioso Tributário de cada Tribunal Central Administrativo conhecer dos recursos de decisões dos tribunais tributários, salvo o disposto na referida alínea b) do artigo 26º (cfr. artigo 38º, alínea a) do ETAF).
II. Os recursos de actos jurisdicionais sobre meios processuais acessórios comuns à jurisdição administrativa e tributária são regulados pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos (artigo 279º, nº2 do CPPT), sendo que são admitidos no processo judicial tributário os meios processuais acessórios de intimação para consulta de documentos e passagem de certidões, de produção antecipada de prova e de execução de julgados, os quais serão regulados pelo disposto nas normas sobre o processo nos tribunais administrativos (cfr. artigo 146º, 1 do CPPT).
III. Aos processos de execução de julgados aplica-se o regime do ETAF de 2002 e do CPTA, contanto que os mesmos tenham sido instaurados a partir da data da entrada em vigor do CPTA, como é o caso, ainda que se trate de execução relativa a processo iniciado antes desta data (cfr. artigo 5º, nº4, da Lei nº 15/2002).
IV. No contencioso tributário, não tem aplicação a repartição de competências entre o STA e os tribunais centrais administrativos para o conhecimento de recursos jurisdicionais de decisões dos tribunais tributários, designadamente a que resulta dos recursos per saltum previstos no art. 151º do CPTA, pois essa repartição, em matéria tributária, é feita pelos artigos 26º e 28º do ETAF de 2002
V. Assim, se, nestes processos, a que se aplica o CPTA, como sucede no caso vertente, for interposto recurso de uma decisão de um tribunal tributário com fundamento exclusivamente em matéria de direito, é competente para o seu conhecimento o STA, por força do preceituado no art. 26º, alínea b), do ETAF de 2002, não sendo aplicáveis os requisitos exigidos pelo art. 151º do CPTA para o recurso de revista per saltum.
VI. A delimitação da competência entre o STA e os TCA, no caso de recursos de decisões dos tribunais tributários, tem na sua base a distinção entre matéria de facto e matéria de direito. Não se confunde, pois, a remissão feita, no caso dos recursos jurisdicionais de actos sobre meios processuais acessórios comuns à jurisdição administrativa e tributária, para as normas sobre o processo nos tribunais administrativos, com as normas que, no ETAF, delimitam e distinguem a competência do STA e dos TCA, em matéria tributária.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

... Portuguesa S.A, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que, no processo de execução de julgados que correu termos sob o nº 1816/06.0BELSB-A, julgou improcedente o pedido concernente ao pagamento de juros moratórios, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões (cujas alíneas sofreram alteração a partir de j.):

a) - De acordo com o entendimento vertido na douta sentença recorrida, "(…) não pode proceder o pedido da Exequente, constante do seu requerimento de execução, de pagamento dos juros de mora sobre o montante do imposto indevidamente pago, uma vez que sobre este incidem exclusivamente juros indemnizatórios, os quais, por sua vez, já se encontram pagos".

b) Sucede porém que, da análise do teor da douta sentença recorrida, resulta claro que, pese embora a exequente tenha fundamentado a sua pretensão relativamente ao pagamento de juros moratórios na norma contida no art. 43°/5 da LGT (introduzida pela Lei n.º 64-8/2011, de 30 de Dezembro), tal preceito normativo não foi devidamente tomado em linha de conta na prolação da decisão final.

c) Ora, tal preceito normativo, salvo devido respeito, acautela e legitima a pretensão formulada pela exequente relativamente ao pagamento dos juros moratórios peticionados no seu requerimento executivo.

d) Com efeito, estatui o art. 43°/5 da LGT, de forma expressa, que "no período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas", sendo certo que, de acordo com o aviso n.º 24866- A/2011 (publicado no DR 2a série, 248, de 28/12/2011), tal taxa computa-se em 7,007% desde 1 de Janeiro de 2012 inclusive.

e) Ou seja, nos casos em que esteja em causa a execução de uma decisão judicial e seja excedido o prazo de execução espontânea da decisão (como sucedeu no caso dos presentes autos), serão sempre devidos juros moratórios, entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, calculados a uma taxa própria e específica, contrariando, assim, o entendimento vertido pela douta sentença recorrida.

f) Não desconhece a recorrente a controvérsia existente em torno da questão relativa à possibilidade de cumulação de juros de mora e indemnizatórios relativamente ao mesmo período temporal.

g) Adianta, no entanto, a doutrina que, em virtude da introdução do n.º 5 ao artigo 43° da LGT, deixou de ser aplicável o entendimento que o STA vinha adotando sobre a não cumulação de juros de mora com juros indemnizatórios, relativamente ao mesmo período de tempo, por não se justificar uma dupla compensação pela mesma privação da disponibilidade da quantia indevidamente paga ("Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada" - Diogo Leite de Campos, pág. 344).

h) Isto porquanto, no caso do disposto no art. 43°/5 da LGT, a atribuição dos juros de mora não é explicada pela intenção de compensar o sujeito passivo pela privação da quantia que pagou indevidamente, mas sim pela ideia de sancionar a administração tributária pelo incumprimento do dever que a lei lhe impõe de executar as decisões judiciais nos prazos previstos na lei e, nos casos em que incorreu em incumprimento, compeli-la a pôr rapidamente termo a essa situação de incumprimento, para não sofrer a consequência do pagamento de juros de mora agravados. Daí a possibilidade de cumulação de juros de mora e juros indemnizatórios.

i) De todo o modo, no seu requerimento executivo, a aqui recorrente calculou e peticionou, por um lado, juros indemnizatórios desde a data em que se verificou o pagamento indevido até à data limite para a execução espontânea da sentença e, por outro, juros moratórias desde a data limite para a execução espontânea da sentença até à data do efectivo pagamento.

j) Donde resulta não se mostrar verificada qualquer cumulação dos peticionados juros indemnizatórios e moratórias em relação ao mesmo período de tempo, tendo a exequente direito ao ressarcimento dos juros moratórios devidos desde a data limite da execução voluntária da sentença, até à data do efectivo pagamento.

k) Acresce, ainda, não assistir razão à douta sentença recorrida quando afirma que "() a exequente não se encontra minimamente prejudicada pela circunstância de lhe terem sido pagos juros indemnizatórios e não juros de mora, porquanto a taxa de juro aplicável sempre seria a mesma, não tendo qualquer fundamento a taxa de juro de 14,014% por si invocada no requerimento executivo".

l) Desde logo, porquanto o artigo 43°/5 da LGT refere de forma expressa que a taxa aplicável aos juros de mora devidos pela Administração Tributária é equivalente ao dobro da taxa de juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e que, se fixava à data da instauração da presente execução, em 7,014%.

m) Mas ainda que não se mostrasse susceptível de aplicação aos presentes autos a disciplina contida no art. 43°/5 da LGT, o que apenas se admite por mera cautela e sem conceder, sempre se diria não merecer acolhimento a tese propugnada na douta sentença recorrida, no sentido da equivalência entre a taxa dos juros de mora e indemnizatórios.

n) Na verdade, conforme bem defende Casalta Nabais, a ser admitido tal entendimento o mesmo conduziria a uma inaceitável diversidade de tratamento dos contribuintes face à Fazenda Pública, adiantando que, "mesmo que em sede da relação obrigacional fiscal, se verificasse uma relação de carácter não paritário, que, como já vimos, em nosso parecer não ocorre, ainda assim não faria qualquer sentido a mencionada diversidade de tratamento. Pois esse seu carácter legitimaria quando muito uma diversidade de tratamento na legalidade, face a actuações legais da Administração Fiscal, e não uma diversidade de tratamento na ilegalidade, face a actuações ilegais da Administração Fiscal (. . .)", vide Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 3952, pág. 62 e ss.

o) Nestes termos, mal andou a douta sentença recorrida ao (i) indeferir o pedido de pagamento dos juros de mora sobre o montante do imposto indevidamente pago, e, bem assim, ao (ii) fazer corresponder a taxa dos juros de mora devidos ao contribuinte ao valor da taxa dos juros indemnizatórios, ao invés de a fazer equivaler ao valor dos juros de mora devidos ao Estado.

p) Ao ter assim entendido, incorreu a douta sentença recorrida em errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 43°, 100° e 102°/2 da LGT, devendo, como tal, ser revogada e substituída por outra que condene a Administração Tributária nos termos peticionados pela exequente.

q) Mostra-se, assim, devida à exequente a quantia de € 11.337,72, a título de juros moratórios, quantia esta à qual haverá que deduzir o montante de €3.256,07 (correspondente ao valor que a Administração Tributária liquidou a mais título de juros indemnizatórios face ao peticionado pela exequente, vide ponto 3 supra), permanecendo, assim, por reembolsar o montante de € 8.081,65.

Termos em que se requer seja concedido provimento ao recurso interposto e, por conseguinte, declarada nula a sentença recorrida, a ser substituída por outra que julgue procedente o pedido de condenação da Administração Tributária no pagamento dos juros de mora devidos, calculados à taxa de 14,014% (cfr. artigo 43°/5 do CPPT), sobre a quantia de €307.599,25, desde a data do termo do prazo para execução da sentença (25/01/2012) e até 30/04/2012 (data da compensação dos cheques de reembolso do imposto indevidamente pago) e que se liquidam em € 11.337,72 (havendo, no entanto, que a este valor deduzir a quantia de € 3.256,07 correspondente ao valor liquidado a mais pela Administração Tributária a título de juros indemnizatórios)


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A Recorrida apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido (cfr. fls. 156 a 168).

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O EMMP junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da procedência do presente recurso jurisdicional (cfr. fls. 186 a 189).

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Foram colhidos os vistos legais.

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Oficiosamente, foi suscitada a incompetência em razão da hierarquia do TCA (cfr. fls. 193) e ordenada a notificação das partes para se pronunciarem sobre tal questão.

Pronunciando-se, a Recorrente veio defender a competência hierárquica do TCA, defendendo, para tal, que:

1 - De acordo com o teor do douto despacho sob resposta será competente para conhecer do presente recurso a secção de contencioso tributário do Supremo Tribunal Administrativo, porquanto "(…) não é posta em causa a factualidade dada como provada na decisão recorrida, não se invocando factos que aí não hajam sido contemplados e não é feito qualquer juízo sobre questões probatórias", em conformidade com as disposições contidas no artigo 280° do CPPT e 26°, alínea do ETAF.

2 - Sucede, porém, que de acordo com o disposto no artigo 102°/1 da LGT, a execução das sentenças dos tribunais tributários e aduaneiros (como sucede no caso dos presentes autos), segue o regime previsto para a execução das sentenças dos tribunais administrativos.

3 - Por outro lado, de harmonia com o disposto no artigo 279°/2 do CPPT, os recursos dos actos jurisdicionais sobre meios processuais acessórios comuns à jurisdição administrativa e tributária (como é o caso da execução de julgados, cfr. dispõe o artigo 146° do CPPT) são regulados pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos, nomeadamente pelas disposições contidas nos artigos 141 ° e 142° do CPT A.

4 - Ora, tendo o presente recurso jurisdicional sido interposto na sequência da prolação de sentença, no âmbito de processo de execução de julgado, não poderão deixar de ser aplicáveis as disposições contidas nos comandos normativos acima enunciados e não já as disposições indicadas no despacho sob resposta,

5 - sendo nessa exacta medida competente para apreciação do recurso interposto o Tribunal Central Administrativo Sul (cfr. artigos 141°, n 1 e 142°, n.º 1 do CPTA, ex vi artigo 279°/2 do CPTA e 102° da LGT e artigo 37° alínea a) do ETAF)

Nestes termos e nos melhores de direito, deverá ser admitido o recurso interposto pela recorrente, devendo ser considerado hierarquicamente competente o Tribunal Central Administrativo para o seu conhecimento e apreciação.


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A Recorrida (cfr. fls. 196 a 199) entende que o TCA é hierarquicamente incompetente, por estar em causa, no presente recurso, exclusivamente matéria de direito.

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Cumpre decidir, submetendo-se o processo à conferência.

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É a seguinte a matéria de facto fixada na 1ª instância:

“A) A Exequente apresentou em 10.07.2006, impugnação judicial contra as liquidações nº 2006 642 0000701 no montante de 45.899,10€ (imposto e juros compensatórios) e nº 2006 642 0000702 no valor de 272.500,98€ (imposto e juros compensatórios), relativas a retenções na fonte de IRC dos exercícios de 2002 e 2003 respectivamente (cfr. fls. 3 do Processo de Impugnação Judicial).

B) Por sentença proferida em 30/09/2011, foi a impugnação judicial julgada parcialmente procedente constando da mesma o seguinte dispositivo:

"Em face do exposto, e nos termos das disposições legais supra mencionadas:

1. Julgo parcialmente procedente a impugnação da liquidação adicional de IRC de 2002, e em consequência anulo a liquidação de 2002 na parte em que teve por base os pagamentos efectuados às sociedades (... ), com todas as consequências legais, nomeadamente a da restituição dos montantes que tenham sido pagos em virtude dessa correcção, com juros indemnizatórios à taxa legal;

2. Julgo parcialmente procedente a impugnação da liquidação adicional de IRC de 2003, e em consequência anulo a liquidação de 2003 na parte em que teve por bases os pagamentos efectuados às sociedades (... ), com todas as consequências legais, nomeadamente a da restituição dos montantes que tenham sido pagos em virtude desse correcção, com juros indemnizatórios à taxa legal;

3.Julgo improcedente a impugnação na parte restante, isto é, na parte respeitante à falta de retenção na fonte aos pagamentos efectuados às sociedades (. .. )." (cfr. fls. 11 a 27 dos autos).

C) Não foi apresentado recurso da sentença referida na alínea antecedente.

D) Em 02.11.2011 a Exequente requereu a remessa do processo ao competente órgão da A.T., a fim de dar execução espontânea à sentença (cfr. fls. 383 do processo de impugnação).

E) Por despacho proferido em 08.11.2011 foi indeferido pelo Tribunal o requerimento mencionado na alínea antecedente considerando-se que a execução espontânea da sentença é obrigatória a partir da respectiva notificação à A.T., não sendo necessário o envio do processo à mesma (cfr. fls. 385 do processo de impugnação).

F) A Exequente recepcionou em 10.05.2012 os cheques do Tesouro emitidos em 30.04.2012 nos montantes de 44.568,04€ e 263.031,21€ respeitantes a reembolso do imposto e juros compensatórios pagos relativamente às liquidações de IRC - retenções na fonte - dos exercícios de 2002 e 2003, respectivamente (cfr. fls. 100 e 101 dos autos).

G) Em 14/05/2012, foram emitidos dois cheques pelo Tesouro em nome da Exequente nos montantes de 63.761,65€ c 10.696,33€ respeitantes a liquidações de Juros indemnizatórios incidentes sobre os montantes mencionados nas alíneas antecedentes (cfr. fls. 102 e 103 dos autos).

H) A presente execução de julgados foi intentada em 24.04.2012 (cfr. fls. 2 dos autos).

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Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa”.


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Vejamos, então, a questão da competência, em razão da hierarquia, deste TCA.

Nos termos do artigo 280º, nº1 do CPPT, “Das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso, (…) para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso, (…), para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo”.

A violação desta regra de competência, em razão da hierarquia, determina, nos termos do artigo16º, nº1 do CPPT, a incompetência absoluta do tribunal, ao qual é, indevidamente, dirigido o recurso.

Nos termos do artigo 26º, al. b), do ETAF, atribui-se competência à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo para conhecer dos recursos interpostos das decisões dos Tribunais Tributários, com exclusivo fundamento em matéria de direito.

Por sua vez, o artigo 38º, al. a), do ETAF, atribui competência à Secção de Contencioso Tributário de cada Tribunal Central Administrativo para conhecer dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, ressalvando-se o disposto no citado artigo 26º, al. b), do mesmo diploma.

Quer isto dizer que para o conhecimento dos recursos jurisdicionais interpostos de decisões dos Tribunais Tributários de 1ª. Instância é competente o Supremo Tribunal Administrativo quando o recurso tiver por fundamento exclusivamente matéria de direito e, pelo contrário, é competente a Secção de Contencioso Tributário de um dos Tribunais Centrais Administrativos se o fundamento não for exclusivamente de direito.

“Na delimitação da competência do STA em relação à dos tribunais centrais administrativos, a efectuar com base nos fundamentos do recurso, deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações, que fixam o objecto do recurso (art. 684º, nº3, do CPC), o recorrente pede a alteração da matéria fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida, independentemente da atendibilidade ou relevo desses factos para o julgamento da causa” – cfr. Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, 2006, I, Áreas Editora, pag. 213. (1)

Por seu turno, as conclusões das alegações de recurso integram matéria de direito se discutirem apenas a interpretação ou aplicação de certo preceito legal ou a solução de determinada questão jurídica.

Retomando o caso dos autos, e perante as conclusões do recurso jurisdicional, conclui-se que a questão que se coloca é apenas de direito, a saber: se a sentença recorrida errou na interpretação e aplicação, ao caso, do disposto no nº 5 do artigo 43º da LGT (introduzido pela Lei nº 64-B/2011, de 30/12).

Trata-se, pois, de matéria de direito, sendo certo que não vem posta em causa factualidade considerada na decisão recorrida, nem se invocam factos que aí não hajam sido contemplados, nem é feito qualquer juízo sobre questões probatórias.

A Recorrente apenas põe em causa a interpretação e aplicação da lei que foi feita pelo Tribunal Tributário de Lisboa na sentença recorrida relativamente à questão a decidir.

Inexiste, como é patente, controvérsia factual a dirimir, sendo certo que a matéria controvertida neste recurso se resolve mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação dos comandos jurídicos invocados.

Nesta perspectiva, o recurso tem por exclusivo fundamento matéria de direito, sendo, por isso, competente para o seu conhecimento a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de harmonia com o disposto nos artigos 26º, nº 1, al. b) e 38º, nº 1, al. a), do ETAF e 280º nº 1 do CPPT.

Não se desconsidera, contudo, a posição expressa pela Recorrente que, quando convidada a pronunciar-se sobre a questão, oficiosamente suscitada, da eventual incompetência do TCA em razão da hierarquia, veio defender que tendo o presente recurso jurisdicional sido interposto na sequência da prolação de sentença, no âmbito de processo de execução de julgado, não poderão deixar de ser aplicáveis as disposições contidas nos artigos 279°/2 e 146° do CPPT e 141 ° e 142° do CPTA, 102° da LGT e artigo 37° alínea a) do ETAF, razão pela qual é competente para apreciação do recurso interposto o Tribunal Central Administrativo Sul e não o Supremo Tribunal Administrativo.

Sem prejuízo da argumentação avançada, entendemos que não assiste razão à Recorrente.

Com efeito, os recursos de actos jurisdicionais sobre meios processuais acessórios comuns à jurisdição administrativa e tributária são regulados pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos (artigo 279º, nº2 do CPPT), sendo que, são admitidos no processo judicial tributário os meios processuais acessórios de intimação para consulta de documentos e passagem de certidões, de produção antecipada de prova e de execução de julgados, os quais serão regulados pelo disposto nas normas sobre o processo nos tribunais administrativos (cfr. artigo 146º, 1 do CPPT).

Ora, aos processos de execução de julgados aplica-se o regime do ETAF de 2002 e do CPTA, contanto que os mesmos tenham sido instaurados a partir da data da entrada em vigor do CPTA, como é o caso, ainda que se trate de execução relativa a processo iniciado antes desta data (cfr. artigo 5º, nº4, da Lei nº 15/2002).

Como assinala Jorge Lopes de Sousa, a propósito dos recurso jurisdicionais interpostos em processos a que se aplica o ETAF de 2002 e o CPTA, “no contencioso tributário, não tem aplicação a repartição de competências entre o STA e os tribunais centrais administrativos para o conhecimento de recursos jurisdicionais de decisões dos tribunais tributários, designadamente a que resulta dos recursos per saltum previstos no art. 151º do CPTA, pois essa repartição, em matéria tributária, é feita pelos artigos 26º e 28º do ETAF de 2002” (vide, J. Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, Vol. IV, Áreas Editora, pág. 389).

No que para o caso importa, e tal como acima fizemos menção, compete à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo conhecer dos recursos interpostos de decisões dos tribunais tributários com exclusivo fundamento em matéria de direito (cfr. artigo 26º, alínea b) do ETAF), sendo que compete à Secção de Contencioso Tributário de cada Tribunal Central Administrativo conhecer dos recursos de decisões dos tribunais tributários, salvo o disposto na referida alínea b) do artigo 26º (cfr. artigo 38º, alínea a) do ETAF).

“Assim, se, nestes processos a que se aplica o CPTA, for interposto recurso de uma decisão de um tribunal tributário com fundamento exclusivamente em matéria de direito, é competente para o seu conhecimento o STA, por força do preceituado no art. 26º, alínea b), do ETAF de 2002, não sendo aplicáveis os requisitos exigidos pelo art. 151º do CPTA para o recurso de revista per saltum” (vide, J. Lopes de Sousa, obra citada, pág. 390).

Por conseguinte, e divergindo da posição que neste recurso foi manifestada pela Recorrente quanto à competência deste TCA, há que concluir que a delimitação da competência entre o STA e os TCA, no caso de recursos de decisões dos tribunais tributários, tem na sua base a distinção entre matéria de facto e matéria de direito. Não se confunde, pois, a remissão feita, no caso dos recursos jurisdicionais de actos sobre meios processuais acessórios comuns à jurisdição administrativa e tributária, para as normas sobre o processo nos tribunais administrativos, com as normas que, no ETAF, delimitam e distinguem a competência do STA e dos TCA, em matéria tributária.

Tanto basta para concluir que falecem as razões invocadas pela Recorrente em matéria de competência deste TCA.

Nos termos do disposto no artigo 14º, nº 1 do CPTA, a verificação da incompetência dá origem à remessa oficiosa, após trânsito, do processo ao tribunal competente.

DECISÃO

Termos em que acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do TCA Sul em declarar este Tribunal incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso e competente, para o efeito, a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC.

Oportunamente, remetam-se os autos ao STA.

Lisboa, 15 de Maio de 2014


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(Catarina Almeida e Sousa)



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(Benjamim Barbosa)

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(Pedro Marchão)



1- Vide o acórdão do STA, de 26/10/11, rec. nº 0805/11, nos termos do qual “(…) as conclusões integrarão matéria de direito se discutirem a interpretação ou aplicação de certo preceito legal ou a solução de determinada questão jurídica. E integrarão matéria de facto se traduzirem discordância sobre factos materiais da vida real na sua perspectiva actual ou histórica uma vez que a sentença os não tenha considerado ou os tenha fixado em desacordo com a prova produzida ou com aquela que devia ter sido produzida, ou se traduzirem discordância com as ilações de facto retiradas pelo julgador da factualidade apurada”.