Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:369/17.8BESNT
Secção:CA - 2º JUÍZO
Data do Acordão:04/05/2018
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
DISCRICIONARIEDADE
CONCEITOS TÉCNICOS
FONTES DE PROVA
Sumário:I – À luz da informação técnica e oficial disponível, os conceitos de “limite de quantificação” e de “sensibilidade funcional” parecem não ser realidades equivalentes.
II - Da formulação “(…) apresentar documentação oficial ou fontes de prova que comprovem cada um dos requisitos mínimos indicados no Anexo III ao Caderno de Encargos (…)”, não resulta a impossibilidade de um concorrente, ao formular a sua proposta, recorrer a outros elementos (fontes de prova) que não a documentação oficial, nem resulta uma qualquer hierarquização que determine a prevalência da informação contida na documentação oficial face à informação contida noutras fontes de prova.
III – Sendo semelhantes os resultados obtidos, nada no caderno de encargos ou no programa do procedimento obsta a que sejam utilizados, para prova dos requisitos mínimos exigidos, equipamentos de leitura diferentes dos incluídos na proposta.
IV - Para efeito da análise e da avaliação das propostas apresentadas, o júri do procedimento pode pedir aos concorrentes quaisquer esclarecimentos sobre as propostas apresentadas, não podendo os esclarecimentos apresentados ser suscetíveis de alterar e/ou melhorar a proposta anteriormente apresentada.
V - É à Administração, porque melhor preparada e apetrechada do que o Tribunal, que compete avaliar se determinado elemento ou requisito técnico e não jurídico, proposto por um concorrente, dá resposta satisfatória às exigências do caderno de encargos e do programa do procedimento, a não ser que seja caso suscetível de prova pericial nos termos gerais previstos na lei processual civil.
VI – Com efeito, os tribunais administrativos, tal como os tribunais cíveis, podem e devem recorrer à prova pericial sempre que tal se justifique, especialmente no âmbito do chamado poder discricionário da Administração.
VII - Só ocorre litigância de má-fé se se adquirir nos autos elementos suficientes para o juízo de que o comportamento da parte foi enformado por dolo ou por negligência grosseira.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

I. RELATÓRIO
A…, LDA, com sede na E…, nº …, …, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de … ação de contencioso pré-contratual, contra
- C… H… … CENTRAL, EPE, com sede na R…, em Lisboa.
Sendo contrainteressada:
- R…, LDA, com sede na E., 249-1, A..
O pedido formulado foi o seguinte:
Por referência ao Concurso Público Internacional nº 1 – 1 – 5001/ 2017, (i) anulação do ato de adjudicação do lote 2 à proposta da Roche, contido na deliberação do CA do CHLC de 23.2.2017, e, (ii) inexistindo qualquer outra proposta válida, condenação da entidade demandada a adjudicar o lote 2 do procedimento à proposta apresentada pela autora.
Por saneador-sentença de 17-07-2017, o referido tribunal julgou a ação de contencioso pré-contratual improcedente, por não provada, por o ato impugnado de adjudicação, de 23.2.2017, não padecer do vício de violação de lei que a autora lhe imputa e, em consequência, absolveu a Entidade Demandada e a Contra-interessada do pedido.
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Inconformada com tal decisão, a autora interpôs recurso jurisdicional. Em sede de alegações, formulou as seguintes conclusões:
1. O Tribunal “a quo” incorreu num primeiro erro no julgamento da matéria de facto ao considerar que o “limite de quantificação”, a que se refere a Ficha técnica do teste Tracolimus, é uma realidade distinta do requisito da “sensibilidade funcional”, que resulta do Anexo III ao Caderno de Encargos;
2. Com efeito, o Tribunal “a quo” chegou a tal conclusão, afirmando um facto contrário ao alegado pelo Recorrente na sua petição inicial, sem invocar qualquer meio de prova de que tenha servido para chegar a tal conclusão e sem integrar tal facto na matéria de facto considerada como provada;
3. A questão de saber se, como alegado pelo Recorrente, o limite de quantificação de um teste é, do ponto de vista técnico, uma realidade totalmente equivalente à sua sensibilidade funcional, é uma questão factual, que, tendo sido impugnada pela Recorrida, deveria ter sido objeto de produção de prova, uma vez que se trata de um facto que, indiscutivelmente, se afigura relevante para a boa decisão da causa conforme as várias soluções jurídicas plausíveis;
4. A decisão recorrida incorre num segundo equívoco – desta vez, um erro de julgamento de direito – quando conclui que “a ficha técnica não era o único documento apto a comprovar o requisito mínimo para o fornecimento do lote”, uma vez que o “Programa de procedimento estatui que os concorrentes podem apresentar documentação oficial ou outras fontes de prova, desde que aptas a comprovar cada um dos requisitos mínimos indicados no anexo III ao caderno de encargos”, sendo o estudo científico apresentado pela …. uma dessas “outras fontes de prova” admissíveis;
5. Com efeito, a questão suscitada pelo Recorrente – e que importa apreciar para discernir a validade do ato impugnado – não é a de saber quais os meios de prova que podem ser utilizados para demonstrar os requisitos contemplados do Caderno de encargos; é, antes, determinar se, a partir do momento em que um concorrente apresenta a ficha técnica de um determinado reagente e esta atesta que esse reagente não cumpre um determinado requisito técnico, o júri pode simplesmente desconsiderar esse elemento e atender a um outro documento para considerar verificado esse requisito (como fez a Recorrida no caso em apreço);
6. Ora, estando em causa a verificação de uma característica técnica de um dispositivo médico para diagnóstico in vitro, a Recorrida teria necessariamente de atender ao que dispõe a Ficha Técnica desse dispositivo, uma vez que ela representa a pronúncia oficial e vinculante da autoridade administrativa competente para verificar analiticamente e autorizar a distribuição de medicamentos e produtos de saúde em Portugal (o …).
7. Fosse qual fosse o estudo científico ou outro documento que o concorrente apresentasse para além da Ficha Técnica, o Júri nunca lhe poderia dar um valor prevalecente sobre aquele documento oficial, relativizando em absoluto o facto de ele atestar o contrário daquilo que o concorrente pretendia provar – isto é, que a proposta não cumpre o requisito técnico em causa.
8. Ao sustentar posição inversa, admitindo que o Júri do concurso, para comprovar o preenchimento de requisitos técnicos do reagente a adquirir, pode utilizar qualquer meio probatório, mesmo quando a ficha técnica desse reagente ateste que um determinado requisito não é cumprido, o Tribunal “a quo” incorreu num erro de julgamento na interpretação e aplicação do artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do Programa de procedimento do concurso em causa.
9. Mesmo se a Entidade Demandada, ora recorrida, pudesse, em tese, utilizar outros elementos probatórios para afastar aquilo que resulta da Ficha Técnica, nunca o poderia fazer no caso concreto, ou seja, nunca poderia para esse efeito atender ao estudo científico apresentado pela …, entre outras razões porque os testes que o sustentam terem sido realizados em equipamentos de leitura distintos daquele que a … se propõe fornecer no âmbito deste concurso (modelo Cobas e601);
10. Para aferir da atendibilidade desse estudo, o júri de concurso, permitiu, de forma ilegal, que o concorrente prestasse esclarecimentos e juntasse novos documentos para demonstrar que o equipamento em que foi efetuado o referido estudo é supostamente idêntico ao equipamento a fornecer;
11. Ora, esta conduta do júri do concurso não é uma conduta discricionária, que implique a formulação de valorações próprias da função administrativa, mas sim uma decisão em que a Administração atua vinculada por normas e princípios jurídicos cujo cumprimento o Tribunal pode e deve sindicar;
12. Ao decidir em sentido inverso, considerando que, neste contexto, a questão de saber se o estudo científico apresentado pela contrainteressada … é um elemento apto à demonstração do requisito da sensibilidade funcional do teste Tacrolimus é uma questão que envolve um juízo exclusivamente discricionário, o Tribunal “a quo” incorreu num manifesto erro de julgamento que enferma a decisão recorrida;
13. Os erros de julgamento cometidos pelo Tribunal “a quo” justificam plenamente a revogação da decisão recorrida; mas este Tribunal não se pode cingir a tal revogação, pois, tendo em conta a forma como o CPTA configura os poderes de cognição do tribunal de recurso (cfr. artigo 149.º), cabe-lhe também substituir a decisão revogada por outra que proceda ao exame de todas as questões que constituem objeto do litígio, conhecendo de facto e de direito;
14. Neste contexto, deve este Tribunal, no exercício da faculdade conferida pelo n.º 4 do artigo 149 do CPTA, proceder às diligências instrutórias necessárias ao esclarecimento da questão factual enunciada na conclusão 3.ª;
15. Feitas tais diligências, que permitirão demonstrar a veracidade do facto alegado pela Recorrente, cabe este Tribunal apreciar todos os fundamentos de invalidade por esta invocados, o que o levará a concluir que o ato de adjudicação impugnado se encontra viciado de ilegalidade na medida em que seleciona uma proposta que deveria ter sido excluída por violar um aspecto da execução do contrato não submetido à concorrência (cfr. artigo 70.º, n.º 2, alínea b) e artigo 146.º, n,º 2, alínea o) do CCP);
16. Com efeito, é indiscutível, em face do alegado na petição inicial, que a proposta da … incumpre o requisito respeitante ao grau de sensibilidade funcional do teste Tacrolimus, que, pelas razões de interesse público acima invocadas, a Entidade Adjudicante estabeleceu que devia ser inferior a 1 nanograma por mililitro (<1,0ng/mL));
17. Em suma, não tendo a Recorrida, como impunha o ordenamento jurídico, determinado a exclusão da proposta da …, o ato que determina a adjudicação do Lote 2 a essa proposta, contido na deliberação do Conselho de Administração do CHLC de 23 de fevereiro de 2017, é um ato ilegal por vício de violação de lei, impondo-se que este Tribunal determine a sua anulação;
18. Sendo a proposta do Recorrente a única que se afigura como válida relativamente ao Lote 2, estão verificados os pressupostos para que este Tribunal condene a Recorrida a adjudicar o Lote 2 à proposta apresentada pelo Recorrente.
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Contra-alegou o Réu, sem que da sua alegação constassem conclusões, sendo possível, ainda assim, sintetizar as seguintes ideias:
- o erro de julgamento de facto assacado pela Recorrente à decisão sob recurso é irrelevante para a decisão da questão em causa;
- o Tribunal a quo não incorreu em erro de julgamento na interpretação e aplicação do artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do Programa de procedimento;
- o júri de concurso não atuou de forma ilegal, ao permitir que a concorrente contra-interessada prestasse esclarecimentos e juntasse novos documentos para demonstrar que o equipamento em que foi efetuado o estudo por si apresentado é idêntico ao equipamento a fornecer;
- que, existindo um estudo na proposta da contra-interessada, este não podia ser ignorado pelo júri.
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Contra-alegou também a contra-interessada, tendo formulado as seguintes conclusões, excessivamente longas:
1) O presente Recurso Jurisdicional vem interposto da Sentença proferida em 17.07.2017, mediante a qual foi julgada absolutamente improcedente a Acção de Contencioso Pré-Contratual instaurada pela Recorrente.
2) Nas presentes Contra-Alegações de Recurso Jurisdicional, a Recorrida evidenciou que em 17.07.2017, foi proferido Despacho pelo douto Tribunal a quo, a propósito do Requerimento para produção de prova testemunhal requerida pelas Partes, e, acto contínuo, foi proferida Sentença, sendo que a Recorrente ainda que devidamente notificada das duas decisões, veio interpor Recurso Jurisdicional, apenas e tão só, desta última, pelo que o âmbito das Alegações se deve considerar como circunscrito nesses exactos termos.
3) Resulta evidente que a Recorrente veio, tão só, interpor Recurso Jurisdicional da Sentença proferida pelo douto Tribunal a quo, sendo que das conclusões formuladas por si resulta claro que o requerimento de interposição de Recurso apresentado pela Recorrente mais não corresponde, salvo pontuais alterações, à repetição das considerações formuladas pela mesma em sede de Petição Inicial, apresentando-se a Recorrente perante este Tribunal Superior a repetir os argumentos apresentados em Petição Inicial, os quais se conheceram já derrotados em 1.ª instância, assim como já haviam sido julgados improcedentes em sede Graciosa, constatando-se que a Recorrente não inovou, interpondo um Recurso Jurisdicional que apenas se percebe pelo dever de patrocínio, mas que verdadeiramente nada configura de novo e se limita a um copy/paste do que já foi alegado e demonstrado improcedente diversas vezes.
4) Mais se evidenciou que não foram cumpridas, pela Recorrente, as mais basilares normas processuais em matéria de requisitos (pressupostos de admissibilidade) de interposição de Recurso Jurisdicional, com o que não pode ser outra a consequência que não a da rejeição imediata do mesmo,
5) Sendo que aquilo a que se assiste é que a Recorrente, numa tentativa (vã) de oferecer algum fundamento para a interposição do presente Recurso Jurisdicional, veio alegar que a Decisão recorrida “padece de um conjunto manifesto de erros de julgamento, quer no julgamento da matéria de facto, quer na apreciação da matéria de direito”, designadamente A) Erro no julgamento da matéria de Facto; B) Erro na interpretação e aplicação do artigo 6.º, n.º 2 do Programa de procedimento, e C) Erro de julgamento na apreciação pelo Tribunal “a quo” da atendibilidade do estudo apresentado pela Contra-Interessada (Recorrida) para comprovar o preenchimento do requisito da sensibilidade funcional do teste Tacrolimus, sem que consiga, sequer, cumprir com o ónus de alegar e formular conclusões e ónus pela impugnação da decisão relativa à matéria de facto (artigos 639.º e 640.º. do CPC).
6) Para o caso de assim não se entender – o que apenas se acautelou por mero dever de patrocínio – não deixou a Recorrida de sublinhar que fundamentos utilizados pela Recorrente para tentar justificar a existência de alegado erro de julgamento na matéria de facto e erros de julgamento na matéria de direito, são desprovidos de qualquer razão, motivo pelo qual o destino do presente Recurso Jurisdicional não poderia ser senão também o da improcedência.
7) Por conseguinte, no âmbito do Capitulo II. Do Recurso Jurisdicional começou a Recorrida por evidenciar que o Recurso Jurisdicional interposto pela Recorrente constitui uma amálgama de considerandos, dos quais nada se extrai em termos que sejam susceptíveis de colocar em crise a Decisão recorrida, sendo que o mesmo também falha redonda e estrondosamente no cumprimento dos pressupostos processuais de verificação necessária para a sua admissão, o que conduz à sua imediata rejeição.
8) Nesta sequência, no subsequente subcapítulo i. Da imediata rejeição do Recurso Jurisdicional, a Recorrida demonstrou que Recorrente emprestou pouco cuidado ao Recurso Jurisdicional que interpôs, conduta processual negligente que só a si poderia ser imputada, devendo ser imediatamente rejeitado, por violação do ónus em matéria de impugnação da decisão relativa à matéria de facto, de acordo com o disposto no artigo 640.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), do CPC, aplicados, ex vi, do artigo 140.º, do CPTA. Vejamos.
9) Com efeito, a Recorrida constatou que as Alegações de Recurso Jurisdicional apresentadas pela Recorrente não cumprem qualquer das supra enunciadas disposições legais, pois que a Recorrente não indica “os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados”, nem “os concretos meios probatórios, constantes do processo (…) que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, e nem “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”, quando é de conhecimento geral, resulta da Lei, e é entendimento maioritário da nossa ilustre Doutrina e Jurisprudência, que essas indicações têm que ser feitas com exactidão, e não de forma vaga, como o faz a Recorrente.
10) Nesta sequência, e a propósito da falta de indicação, com exactidão, dos concretos pontos de facto que considera que foram incorrectamente Julgados (alínea a), do n.º 1, do artigo 640.º, do CPC), evidenciou-se que a Recorrente se limita a referir que alegou na sua Petição Inicial que os critérios técnicos de “Limite de Quantificação” e de “Sensibilidade Funcional” são expressões sinónimas, e que tal “facto” tornou-se controvertido porque impugnado pela Contra-Interessada/Recorrida, e que o douto Tribunal a quo ao não ter aberto uma fase de produção de prova para aferir da sua verificação, incorreu em erro de julgamento na matéria de facto. Ora, em que concretos artigos da sua Petição Inicial a Recorrente invocou tal “facto”, a mesma não refere, tal como em que concretos artigos e termos a Contra-Interessada/Recorrida impugnou tal “facto” na sua Contestação, a mesma também não refere, bem como em que concretos termos o douto Tribunal a quo decidiu tal facto, a mesma também não indica.
11) A Recorrente limita-se a alegar que o douto Tribunal a quo fundamentou a Decisão recorrida numa “asserção factual” de que o “limite de quantificação”, a que se refere a Ficha Técnica do teste Tacrolimus, é uma realidade distinta do requisito da “sensibilidade funcional”, e que tal “tal erro afeta incontestavelmente a validade da decisão recorrida, uma vez que se afigura determinante para a formação do juízo do Tribunal “a quo” no sentido que a proposta do concorrente … respeita o requisito que exige que a sensibilidade funcional do teste Tacrolimus fosse inferior a 1 nanograma por mililitro (1,0nh/ml)”, tentando fazer perpassar a ideia de que o douto Tribunal a quo ao considerar que o critério de “limite de quantificação” e o requisito de “sensibilidade funcional” eram distintos, atestou, pura e simplesmente, que a Contra-Interessada/Recorrida cumpria com a exigência do Caderno de Encargos, e que foi por esse motivo que concluiu não existir, in casu, qualquer violação dos artigos 70.º, n.º 2, alínea b) e 146.º, n.º 2, alínea o), do CCP, e julgou, por conseguinte, improcedente a presente Acção de Contencioso Pré-Contratual.
12) Desta forma, a Recorrente desconsiderou, por completo, que o douto Tribunal a quo considerou que a Contra-Interessada/Recorrida poderia, ao abrigo do disposto no n.º 2, do artigo 6.º, do Anexo III ao Caderno de Encargos, apresentar outros documentos probatórios para demonstração do cumprimento daquele requisito, designadamente o Estudo que a mesma apresentou, sendo que a sua atendibilidade e a decisão final do Exmo. Júri do Concurso, por comportarem conceitos técnicos, inseria-se no âmbito da reserva de discricionariedade administrativa, insindicável contenciosamente, a não ser que tivesse existido e tivesse sido invocado, erro notório ou desvio de poder – tudo, para fazer crer este Venerando Tribunal Superior que o douto Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na matéria de facto, porquanto tal facto seria alegadamente “relevante para a boa decisão da causa conforme as várias soluções jurídicas plausíveis (as quais devem ser formuladas levando necessariamente em consideração a causa de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo Autor)”, i.e., que a sua clarificação assume a maior relevância para a descoberta da verdade e boa decisão da causa.
13) Mas mais. A Recorrente também pretende fazer crer a este Venerando Tribunal Superior que a presente questão de saber se o critério de “Limite de Quantificação” a que se refere a Ficha Técnica do teste Tacrolimus e o requisito da “Sensibilidade Funcional” estabelecido no Anexo III (Requisitos Mínimos – Adequação mínima dos reagentes ao volume de trabalho por hora) quanto ao Lote 2 do Concurso em apreço, são realidades idênticas/expressões sinónimas, é, na verdade uma questão de facto, de simples clarificação através de meios de prova, pois que poderia ser confirmado por “qualquer técnico com um mínimo de experiência no fabrico e comercialização de reagentes”.
14) Não obstante, tal tese falha, pois que ao contrário do que pretende a Recorrente fazer perpassar, a presente questão não se reporta ao debate se os documentos x ou y estão ou não presentes na Proposta da Contra-Interessada/Recorrida, mas antes a conceitos técnicos que necessitam de ser devidamente interpretados segundo as normas técnicas do ramo em questão. Interpretação essa que foi feita pelo Exmo. Júri do Concurso em sede de Relatório Final, pela Entidade Adjudicante/Entidade Requerida aquando da decisão de adjudicação, pela Contra-Interessada/Recorrida na apresentação da sua Proposta, da sua Resposta ao Pedido de Esclarecimentos, e da sua Contestação, e pelo douto Tribunal a quo na análise de toda a documentação e Processo Administrativo juntos aos autos e na prolação da Decisão recorrida, pelo que só a Recorrente persiste com a sua tese, tese essa desprovida de qualquer razão ou fundamento, cujo destino não pode ser outro que não o da improcedência.
15) Assim, conclui-se que a Recorrente incumpriu com ónus estabelecido na alínea a), do n.º 1, do artigo 640.º, do CPC, porquanto não identificou, ou identificou incorrectamente, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados. Para o caso de assim não se entender – o que apenas por mero dever de patrocínio se acautelou – constatou-se que a Recorrente também não demonstra quais os concretos meios de prova que constam do processo que impunham uma decisão diversa sobre o ponto da matéria de facto que impugna, limitando-se a referir que não foi aberta uma fase instrutória de produção de prova para aferir da verificação ou não verificação daquele facto, chegando ao ponto de alegar, pura e simplesmente, que “inexiste nos autos – qualquer suporte probatório para tal conclusão”.
16) Não obstante, evidenciou a Recorrida que, se por um lado, a Recorrente considera que inexiste nos autos qualquer suporte probatório onde o douto Tribunal a quo pudesse sustentar a decisão de que os referidos critérios não eram expressões sinónimas, a verdade, é que por outro lado, também não demonstrou haver nos autos meios probatórios que tivessem sido preteridos e que fossem susceptíveis de comprovar tal identidade, limitando-se a afirmar, de forma pouco cuidada e corriqueira, que “qualquer técnico com um mínimo de experiência no fabrico ou comercialização de reagentes, que o limite de quantificação de um teste é exatamente o mesmo que a sua sensibilidade funcional.”
17) Ora, a ser assim tão fácil essa constatação, deveria a Recorrente, enquanto Autora, ter feito a devida prova, conforme lhe era exigido pelas regras da distribuição do ónus da prova. Tal como se deveria ter insurgido contra o Despacho proferido pelo douto Tribunal a quo que determinou o Indeferimento da Produção da Prova Testemunhal requerida pelas Partes, e decidiu que a prova documental junta aos autos era suficiente para provar a factualidade alegada e relevante para a boa decisão da causa. Não obstante, a Autora/Recorrente não cumpriu o seu ónus da prova na altura, e nem cumpriu com o ónus que lhe cabia como recorrente na impugnação da matéria de facto, não tendo sido capaz de identificar os meios probatórios constantes do processo que impunham decisão diferente da que foi tomada na Decisão Recorrida.
18) Por conseguinte, a Recorrente também não indicou, com exactidão, qual a decisão que, no seu entender, deve ser proferia sobre a questão de facto impugnada, tendo, única e tão só, peticionado a este Venerando Tribunal, que se substituísse ao douto Tribunal a quo na realização das diligências necessárias ao esclarecimento do facto, ao abrigo do n.º 149.º, do CPTA – sendo que mesmo este pedido, foi formulado apenas no capitulo III – Da Decisão a proferir por este Tribunal, e não no subcapítulo das alegações dedicado pela Recorrente ao alegado erro de julgamento na matéria de facto, o que só atestava que tal não poderia configurar uma tentativa de cumprimento do ónus que cabia à Recorrente na impugnação da matéria de facto.
19) Assim, a Recorrida veio concluir que no subcapítulo A) – Erro no julgamento da matéria de facto (fls. 7 a 9), a Recorrente não cumpriu minimamente com o disposto no artigo 640.º, n.º 1, alínea a), b) e c), do CPC, aplicados, ex vi, do artigo 140.º, do CPTA, ainda que aí procedesse à impugnação da matéria de facto, sendo que essa violação implicava – nos termos da Lei, da Jurisprudência e da Doutrina – a imediata rejeição do Recurso Jurisdicional interposto, sem possibilidade de convite ao aperfeiçoamento.
20) Por conseguinte, e no âmbito do subcapítulo ii. Da impossibilidade de conhecimento do Recurso Jurisdicional em matéria de direito, a Recorrida começou por evidenciar que a forma pouco cuidada com que a Requerente formulou as suas Alegações, e, a final, as suas Conclusões, não pode ser senão entendida como uma manobra ludibriosa, para comprometer o conhecimento esclarecido deste Venerando Tribunal Superior e da Recorrida, quanto às razões de discordância com a Decisão recorrida.
21) Neste sentido, demonstrou-se que o incumprimento, por parte da Recorrente, do ónus que lhe cabia pela impugnação relativa à decisão da matéria de facto (artigo 640.º, n.º 1, alínea a), b) e c), do CPC, aplicado, ex vi, do artigo 140.º, do CPTA) não só, implicava, por si só, a imediata rejeição do Recurso Jurisdicional interposto (sem possibilidade de convite ao aperfeiçoamento), por violação do ónus que cabia à recorrente pela impugnação da decisão relativa à matéria de facto, como também consubstanciava um incumprimento do seu ónus de alegar e formular conclusões, consagrado no artigo 639.º, do CPC, aplicável, ex vi, artigo 140.º, do CPTA, sendo susceptível de implicar também, nessa medida, a imediata rejeição do Recurso Jurisdicional interposto (sem possibilidade de convite ao aperfeiçoamento), por também não o ter especificado nas suas conclusões de Recurso Jurisdicional.
22) Com efeito, e atendendo às Conclusões n.ºs 1 a 3, das Alegações de Recurso Jurisdicional da Recorrente (apenas) resulta que, no entender da Recorrente, a questão de saber se o “Limite de Quantificação” de um teste, é do ponto de vista técnico, uma realidade idêntica à sua “Sensibilidade Funcional”, é uma questão factual, que deveria ter sido objecto de produção de prova, sendo que a mesma não especifica quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, quais os concretos meios probatórios, constantes do processo que, na sua opinião, impunham, em relação a esses pontos, uma decisão diferente da que foi tomada, e, nem tão pouco qual a decisão que deveria ter sido tomada pelo douto Tribunal a quo, motivo pelo qual se deve concluir que a Recorrente, ao proceder dessa forma, quis tacitamente restringir o objecto do seu Recurso, não devendo este Venerando Tribunal conhecer dessa questão.
23) Nas Conclusões n.ºs 4 a 8, das Alegações de Recurso Jurisdicional, vem explanada a tese da Recorrente de que o douto Tribunal a quo incorreu num alegado erro de julgamento na interpretação e aplicação do artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do Programa do Procedimento do Concurso em causa. Não obstante, e ainda que a Recorrente tenha tentado cumprir com o seu ónus de formular conclusões indicando qual a pretensa norma violada, a mesma não especifica qual o sentido com que, no seu entender, a norma que constitui fundamento jurídico da decisão (artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do Programa do Procedimento) deveria ter sido interpretada e aplicada.
24) Com efeito, aquilo que se verifica nas Conclusões de Recurso Jurisdicional – à semelhança do explanado no corpo das Alegações – é que a Recorrente incorre numa confusão entre o disposto na referida norma e uma alegada prevalência da Ficha Técnica do Reagente sobre a demais documentação probatória admissível no âmbito desse preceito, quando da previsão da referida norma, não resulta – conforme bem o identificou o douto Tribunal a quo – qualquer prevalência ou hierarquia entre os documentos probatórios admissíveis para a demonstração dos “requisitos mínimos” exigidos pelo Anexo III do Caderno de Encargos.
25) Assim, evidenciou-se que a previsão do referido artigo não comporta a suposta interpretação pessoal levada a cabo pela Recorrente. Sendo que a mesma, ciente disso, não especifica qual o sentido com que, no seu entender, a norma que constitui fundamento jurídico da decisão (artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do Programa do Procedimento) deveria ter sido interpretada e aplicada, motivo pelo qual se deveria concluir que a Recorrente, ao proceder dessa forma, quis tacitamente restringir o objecto do seu Recurso, não devendo este Venerando Tribunal conhecer dessa questão.
26) Nas Conclusões n.ºs 9 a 12, a Recorrente vem debruçar-se sobre a existência de alegado erro de julgamento que enferma a decisão recorrida, sendo que para o efeito, começou por concluir que o Exmo. Júri do Concurso ao aferir da atendibilidade do Estudo Cientifico apresentado pela Recorrida, incorreu numa conduta ilegal, conduta essa não discricionária. Não obstante, a este propósito, a Recorrente não invocou a norma jurídica violada, nem o sentido com que, no seu entender a mesma deveria ter sido interpretada e aplicada.
27) De seguida, concluiu a Recorrente que o douto Tribunal a quo – ao considerar que a questão se saber se o Estudo Cientifico apresentado pela Recorrente é um elemento apto a demonstrar o requisito da sensibilidade funcional do teste Tacrolimus, era uma questão que envolve um juízo exclusivamente discricionário –, incorreu num alegado “manifesto erro de julgamento que enferma a decisão recorrida”, sendo que, uma vez mais, a Recorrente não invocou a norma jurídica violada, nem o sentido com que, no seu entender a mesma deveria ter sido interpretada e aplicada, pelo que se deveria concluir que a Recorrente, ao proceder dessa forma, quis tacitamente restringir o objecto do seu Recurso, não devendo este Venerando Tribunal conhecer dessa questão.
28) Nesta sequência, em Conclusões n.ºs 13 a 15, a Recorrente vem concluir que este Venerado Tribunal deve, ao abrigo do artigo 149.º, n.º 4, do CPTA, proceder às diligências instrutórias necessárias ao esclarecimento da questão factual enunciada na Conclusão 3.ª. Ora que diligências são essas, não pode saber este Venerando Tribunal Superior, nem pode a Recorrida tomar “posição” quanto às mesmas. Neste sentido, e porque a Recorrente não cumpriu tal ónus no corpo das suas alegações, não deve a mesma ser convidada a completa-las ou esclarece-las, devendo concluir- se que a Recorrente, ao proceder dessa forma, quis tacitamente restringir o objecto do seu Recurso, não devendo este Venerando Tribunal Superior a conhecer dessa questão.
29) Na Conclusão n.º 16, a Recorrente, a propósito do alegado incumprimento do requisito mínimo exigido de “Sensibilidade Funcional”, concluiu a Recorrida que a Requerente remete, pura e simplesmente para o alegado em sede de Petição Inicial. Não obstante, o ónus de alegar e formular conclusões não se pode bastar com a mera remessa para o corpo das respectivas alegações ou restantes articulados, pelo que se deveria concluir, como insuficiente e obscura a presente Conclusão, não podendo a Recorrente ser convidada a completa-la ou esclarece-la, pois que perante esta conduta (censurável), não se poderia senão considerar como tacitamente restringido o objecto do Recurso, não devendo este Venerando Tribunal Superior a conhecer dessa questão.
30) Por último, mas não menos importante, evidenciou-se que a Recorrente, no Capitulo I das suas Alegações, que designa como “Enquadramento”, vem alegar que em sede de Petição Inicial invocou 3 (três) ordens de questões: Questão a), Questão b) e Questão c), e que quanto à questão c), o “Tribunal “a quo” simplesmente não se pronunciou” tentando sustentar uma suposta omissão de pronúncia e/ou falta de fundamentação por parte do douto Tribunal a quo no que diz respeito à questão c). Não obstante, a verdade é que a Recorrente, ciente que nenhuma razão lhe assiste, não voltou a pronunciar-se sobre essa mesma questão, quer no corpo das suas Alegações, quer no âmbito das suas Conclusões, pelo que não se pode senão concluir que a Recorrente, ao proceder desta forma, quis também, restringir tacitamente o objecto do seu Recurso Jurisdicional, quanto a esta questão, não devendo/podendo este Venerando Tribunal Superior conhecer da mesma.
31) Assim, concluiu a Recorrida que em face do disposto no artigo 639.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC, e, bem assim, da Jurisprudência citada, o objecto do Recurso Jurisdicional interposto pela Recorrente encontra-se restringido às enunciadas questões, não devendo/podendo este Venerando Tribunal Superior conhecer de outras questões invocadas nas Alegações, mas não vertidas em sede de Conclusões.
32) No âmbito do Capitulo III. Das Contra-Alegações stricto sensu, a Recorrida procedeu à subdivisão das suas Alegações em 3 (três) subcapítulos, designadamente: i. Do (Alegado) Erro de Julgamento quanto à Matéria de Facto; ii. Do (Alegado) Erro de Julgamento quanto à Matéria de Direito (por sua vez, divido em B) Erro na interpretação e aplicação do artigo 6.º, n.º 2 do Programa de procedimento e C) Erro de julgamento na apreciação pelo Tribunal “a quo” da atendibilidade do estudo apresentado pela … para comprovar o preenchimento do requisito da sensibilidade funcional do teste Tacrolimus), e iii. Da (Alegada) Decisão a proferir por este Tribunal.
33) No âmbito do subcapítulo i. Do (Alegado) Erro de Julgamento quanto à Matéria de Facto, a Recorrida começou por evidenciar que, no entender da Recorrente, a Decisão Recorrida padece de alegado Erro de julgamento quanto à matéria de facto, porquanto, o douto Tribunal a quo não poderia ter considerado que o “limite de quantificação” a que se refere a Ficha Técnica do Teste Tacrolimus, é uma realidade distinta da “sensibilidade funcional”, sem que para isso tenha determinado a abertura de uma fase de produção de prova para aferir da verificação (ou não) desse facto.
34) Neste sentido, demonstrou a Recorrida que Recorrente – chegados a esta fase processual, em que já houve pronúncia do Exmo. Júri do Concurso, da Entidade Adjudicante/Demandada, da Contra-Interessada/Recorrida, e do douto Tribunal a quo – continua a persistir na sua tese de que a Ficha Técnica do teste Tacrolimus apresentada pela Recorrida, por referir que o “limite de quantificação = 1.0 ng/ml, com um erro relativo total admissível de ≤ 20%”, alegadamente atesta que a mesma não cumpre com a precisão exigida pelo Caderno de Encargos, que estabelece que a sensibilidade funcional desse teste deve ser <1.0 ng/ml,
35) Sendo que para tanto, vem referir – sem mais não – que na sua Petição Inicial alegou que do “ponto de vista técnico” o “limite de quantificação” é totalmente equivalente à “sensibilidade funcional” de um teste, como o teste Tacrolimus, e que, portanto, ao ter sido impugnado pela Contra- Interessada, ora Recorrida, deveria ter sido objecto de produção de prova por parte do douto Tribunal a quo, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 5.º, n.º 1 e 2, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 2 e 4, todos do CPC, e, que, o douto Tribunal a quo ao não ter aberto uma fase para produção de prova quanto a este alegado facto incorreu num “manifesto erro no julgamento da matéria de facto.”
36) Com efeito, evidenciou-se que pretende agora a Recorrente fazer crer a este Venerando Tribunal Superior, que sem a abertura de uma fase de produção para verificação (ou não) deste alegado facto, que o douto Tribunal a quo não poderia ter decidido que os critérios de “limite de quantificação” e a “sensibilidade funcional” de um teste são realidades distintas.
37) A este propósito, a Recorrida demonstrou que a Recorrente parece (intencionalmente) descorar que o douto Tribunal a quo teve em atenção toda a argumentação produzida pelas Partes (incluindo Entidade Demandada e Contra-Interessada que têm, por inerência, interesses contrapostos ao da Autora) a este respeito, bem como toda a documentação junta pelas mesmas e constante do Processo Administrativo Instrutor, aquando da prolação da Decisão recorrida,
38) Tendo omitido também o teor do despacho previamente proferido à prolação da Decisão Recorrida, e notificado aquando desta, relativo ao “Requerimento para produção de prova testemunhal”, nos termos do qual resulta claro que que o douto Tribunal a quo, considerando que a factualidade alegada e relevante para a decisão da causa era susceptível de ser provada através da prova documental junta no Processo, indeferiu, ao abrigo do disposto nos artigos 102.º e 90.º, do CPTA, a produção de prova testemunhal requerida pelas Partes, porquanto a mesma se afigurava “claramente desnecessária”.
39) Sendo importante ter presente que a Recorrente não se pronunciou, nem tão pouco se insurgiu, contra o referido Despacho de indeferimento de produção de prova, quando o poderia e deveria ter feito (artigos 644.º, n.º 2, alínea d), do CPC, aplicável, ex vi, do artigo 142.º, n.º 5, do CPTA), se realmente considerasse imprescindível a produção de prova por si requerida para prova dos factos alegados (incluindo o presente facto).
40) Por outras palavras – i.e., não se tendo a Recorrente pronunciado ou insurgido contra o segmento do Despacho proferido pelo Tribunal a quo, que indeferiu a produção de prova testemunhal, por a factualidade alegada e relevante para a decisão da causa (incluindo o presente facto) ser susceptível de ser provada por prova documental –, então, tornava-se evidente que não poderia ser considerada séria a sua alegação de imprescindibilidade de abertura de instrução para produção de prova de verificação (ou não) desse facto, e, nem tão pouco a sua afirmação, pouco cuidada, de que tal facto pode ser “confirmado por qualquer técnico com um mínimo de experiencia no fabrico ou comercialização de reagentes, que o limite de quantificação de um teste é exatamente o mesmo que a sua sensibilidade funcional”, porquanto a este propósito a Recorrente também não fez qualquer referência a algum dos seus meios de prova (documental ou testemunhal) que nesse sentido tenham sido preteridos.
41) Ora, que “qualquer técnico com um mínimo de experiência no fabrico ou comercialização de reagentes” a que a Recorrente se refere, esta Recorrida não sabe, e nem pode saber este Venerando Tribunal Superior, motivo pelo qual, não se pode senão considerar que a presente tese da Recorrente se encontra desprovida de qualquer fundamento, não podendo este Venerando Tribunal Superior vir agora – como pretende a Recorrente – proceder às diligências instrutórias necessárias ao esclarecimento de tal facto, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 149.º, do CPTA.
42) Ora, destinando-se a presente Acção de Contencioso Pré-Contratual à impugnação do Acto Administrativo, consubstanciado no Acto de Adjudicação do Lote 2 à proposta da Recorrida, praticado pela Entidade Requerida no âmbito do Concurso Público Internacional n.º 1-1-5001/2017, e tendo sido junto variada documentação pelas Partes, bem como o Processo Administrativo Instrutor (que contêm toda a tramitação ocorrida no Concurso Público em apreço), então, é por demais evidente que a produção de prova testemunhal requerida pelas Parte afigurou-se ser “claramente desnecessária” face à prova documental careada para os presentes autos, pelo que bem andou o douto Tribunal a quo ao indeferir, de forma fundamentada, os referidos Requerimentos Probatórios das Partes, não merecendo, por isso, qualquer censura por parte deste Venerando Tribunal Superior.
43) Tanto assim é, que a Recorrente nem sequer se pronunciou ou insurgiu contra o referido Despacho de Indeferimento de Produção de Prova, deixando, por conseguinte, que os seus efeitos se consolidassem na ordem jurídica, motivo pelo qual, não pode a Recorrente vir, agora, e através do instituo do erro de julgamento quanto à matéria de facto, impelir este Venerando Tribunal Superior a proceder às diligências instrutórias necessárias ao esclarecimento de tal facto, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 149.º, do CPTA, de forma a colmatar uma importante lacuna na sua conduta processual.
44) Com efeito, evidenciou a Recorrida que tal não se pode conceder, e isto, essencialmente, por duas ordens de razão.
45) Em primeiro lugar, evidenciou-se que as Partes foram notificadas do Despacho de Indeferimento de Produção de Prova proferido pelo douto Tribunal a quo aquando da prolação da Decisão Recorrida, sendo que sobre o mesmo não foi emitido qualquer Pronúncia ou interposto qualquer Recurso Jurisdicional por nenhuma das Partes (incluindo a ora Recorrente), motivo pelo qual não se poderia senão considerar que os seus efeitos já se consolidaram na ordem jurídica com o trânsito em julgado do mesmo – i.e., deve ser dado como assente que toda a factualidade alegada e relevante para a decisão da causa, da qual o referido facto não é excepção, é susceptível de ser provada mediante prova documental junta aos autos, afigurando-se a abertura de instrução para produção de prova testemunhal “claramente desnecessária”, e deve ter-se como precludido o direito da ora Recorrente em se pronunciar sobre e/ou insurgir contra o indeferimento de produção de prova testemunhal por si arrolada.
46) Assim, evidenciou-se que o presente Recurso Jurisdicional interposto pela Recorrente não pode senão improceder, no que diz respeito quer à invocação de alegado Erro de Julgamento da matéria de facto (por referência à tese de que inexiste nos autos qualquer suporto probatório de onde resulte que os critérios de “limite de quantificação” e “sensibilidade funcional” são realidades distintas), quer à subsequente interpelação para este Venerando Tribunal Superior proceder às diligências instrutórias necessárias ao esclarecimento de tal facto, ao abrigo do disposto no artigo 149.º, do CPTA, pois que já se encontra precludido o direito da Recorrente de se pronunciar/insurgir sobre/contra tal questão (cfr. artigo 574.º, n.º 2, do CPC, aplicável, ex vi, artigo 1.º, do CPTA).
47) Por outras palavras, não tendo a Recorrente, após notificação do referido Despacho de indeferimento de produção de prova testemunhal, com fundamento na sua “clara desnecessidade”, emitido qualquer pronúncia ou interposto qualquer Recurso Jurisdicional (cf. artigos 644.º, n.º 2, alínea d), do CPC, aplicável, ex vi, do artigo 142.º, n.º 5, do CPTA), então, o direito a fazê-lo deve considerar-se precludido com o trânsito em julgado desse Despacho, não podendo mais existir produção de prova testemunhal nos presentes autos.
48) Para o caso de assim não se entender – o que apenas se acautelou por mero dever de patrocínio – evidenciou-se que este Venerando Tribunal também não poderá proceder “às diligências instrutórias necessárias ao esclarecimento do facto” ao abrigo do disposto no artigo 149.º, do CPTA e na sequência de alegado Erro de Julgamento quanto à matéria de Facto, conforme pretende a Recorrente, porquanto a mesma não cumpriu com o seu ónus de indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, bem como os concretos meios probatórios, constantes do processo, que na sua perspectiva imporiam decisão de facto diversa da Decisão Recorrida – cfr. artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CPC.
49) Com efeito – e, em segundo lugar –, demonstrou a Recorrida que compulsado o Recurso Jurisdicional interposto pela Recorrente, facilmente se conclui que a mesma não considerou que o depoimento das testemunhas por si arroladas fosse imprescindível para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, pois que se a mesma se sentisse lesada no seu direito de produção de prova, teria indicado – ainda que através do instituto do erro de julgamento quanto à matéria de facto – os concretos meios probatórios, constantes do processo, que na sua perspectiva imporiam decisão de facto diversa da recorrida, não referindo, antes pelo contrário e tão só que tal facto poderia ser confirmado por “qualquer técnico com um mínimo de experiência no fabrico ou comercialização de reagentes”,
50) Motivo pelo qual não se poderia senão considerar como não séria a alegação da mesma de que inexiste nos presentes autos meios probatórios suficientes para atestar que o “limite de quantificação” a que se refere a Ficha Técnica do Teste Tacrolimus apresentado pela Recorrida, é uma realidade distinta da “sensibilidade funcional” – o que, em último caso, poderá ser passível de consubstanciar uma conduta em Litigância de Má Fé (cfr. artigo 542.º n.º 1, alínea a) e d), do CPC), não só porque a Recorrente sabe que não lhe assiste qualquer razão, mas também porque o presente expediente serve – na verdade, e com todo o respeito – intuitos meramente dilatórios, tudo, numa tentativa vã de arrastar os tramites da presente Acção de Contencioso Pré-Contratual, que sabe serem de natureza urgente, de forma a frustrar os interesses inerentes à celebração do contrato subjacente ao presente Concurso Público em apreço, numa vendeta por a sua Proposta não ter sido a adjudicada.
51) Por conseguinte, tudo quanto a Recorrente pretende conseguir agora, é que este Venerando Tribunal proceda à substituição da “decisão revogada por outra que proceda ao exame de todas as questões que constituem objeto do litigio, conhecendo de facto e de direito”, sendo que se para tanto “houver que realizar diligências instrutórias para averiguar aspectos da causa, no plano dos factos, que o tribunal recorrido não conheceu e devia ter conhecido, caberá a este Tribunal realizar tais diligências”, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 149.º, do CPTA, quando cabia à Autora, ora Recorrente, o ónus da Prova de que os critérios de “funcionalidade de quantificação” e de “sensibilidade funcional” são idênticos/sinónimos, e que da Ficha Técnica apresentada pela Recorrida, resultava um incumprimento por parte da mesma da exigência ínsita no Caderno de Encargos que dispõe que a sensibilidade funcional do teste Tacrolimus fosse inferior a 1 nanograma por mililitro (<1,0ng/ml).
52) Não obstante, a Autora/Recorrente não o fez nem na sua Petição Inicial, nem no Recurso Jurisdicional sob escrutínio – i.e., em nenhum dos articulados por si apresentados nos presentes autos, a Recorrente indicou quais os concretos meios de prova que que conduziriam a uma decisão contrária daquela que foi a ora Decisão Recorrida –, sendo que a Recorrente também nem sequer se insurgiu contra o Despacho de indeferimento de abertura de instrução para produção de prova testemunhal, tendo-se conformado com o facto de a mesma se afigurar “claramente desnecessária”.
53) Assim, evidenciou a Recorrida que ainda que a Recorrente venha agora alegar – sem mais não – que não existem meios probatórios que sustentem que os critérios de “limite de quantificação” e “sensibilidade funcional” são distintos, a verdade, é que também não demonstra que existem, pelo contrário, meios probatórios que foram preteridos pelo douto Tribunal a quo e que atestam que os mesmos são idênticos/sinónimos, preferindo, antes, alegar que “qualquer técnico com um mínimo de experiência no fabrico ou comercialização de reagentes” pode confirmar que “o limite de quantificação é exactamente o mesmo que a sua sensibilidade funcional”, como se essa linguagem corriqueira e pouco cuidada utilizada pela Recorrente pudesse servir de qualquer apoio jurídico a este Venerando Tribunal Superior.
54) Em face do exposto, demonstrou-se ser evidente que a presente tese e subsequente pedido da Recorrente não pode senão improceder, o que requereu com as demais consequências legais.
55) Nesta sequência, evidenciou-se que o douto Tribunal a quo tendo analisado a argumentação utilizada pelas Partes, bem como a diversa documentação junta pelas mesmas e, bem assim, o Processo Administrativo Instrutor referente ao Concurso Público em apreço, decidiu, com assinalável acerto, que a Proposta da Recorrente cumpria com a exigência ínsita no Caderno de Encargos que dispõe que a sensibilidade funcional do teste Tacrolimus fosse inferior a 1 nanograma por mililitro (<1,0ng/ml), pelo que não existiu qualquer Erro de Julgamento quanto à matéria de facto, não merecendo a Decisão Recorrida qualquer censura.
56) Não obstante, e para o caso de assim não se entender – o que apenas se acautelou por mero dever de patrocínio – evidenciou a Recorrida que a existir erro/confusão a respeito da presente situação, o mesmo, parte inteiramente da Recorrente que teima em não perceber que a Proposta da Recorrida, cumpre integralmente com todos as exigências do Caderno de Encargos do Concurso Público em apreço, de que a presente exigência não é excepção, pois que e contrariamente ao que a Autora pretende fazer crer na Petição Inicial e no presente Recurso Jurisdicional, o conceito de “limite de quantificação” não é um conceito totalmente equivalente ao de “sensibilidade funcional”, não sendo as expressões sinónimas.
57) Por outras palavras, evidenciou-se que a Recorrente insiste, de forma sub-reptícia, em fazer passar esta sua ideia, que não é verdadeira e cuja clarificação assume a maior relevância.
58) A este propósito, começou a Recorrente por demonstrar que no Anexo III (Requisitos Mínimos – Adequação mínima dos reagentes ao volume de trabalho por hora), estabeleceu-se, relativamente ao Lote 2, a exigência de que: “Sensibilidade analítica do teste Tacrolimus < 1,0 ng/ml de forma a garantir precisão nos doseamentos de doses terapêuticas baixas conforme definido pelo Consenso Europeu”, sendo que a “Sensibilidade Analítica” ou “Sensibilidade Funcional” é definida como a concentração que resulta de um CV = 20% (ou alguma outra percentagem de CV predeterminada), consubstanciando, por conseguinte, uma medida de precisão de um ensaio a níveis baixos de analito, sem considerar desvios.
59) De seguida, evidenciou a Recorrida que essa é a definição consagrada em publicações de referência, como nos é dada por David A. Armbruster e Terry Pry, em “Limit of Blank, Limit of Detection and Limit of Quantitation” (Documento n.º 3, junto com a Contestação da Recorrida), e por David Wild, em “The Immunoassay Handbook”, 3.ª Edição, disponível online.
60) Por fim, conclui a Recorrida que a tese da Recorrente se encontra, pois, destituída de sentido, já que assenta numa incorrecta definição de “Sensibilidade Funcional”. Nestes termos, evidenciou-se que a Recorrente pretendeu (e pretende agora) fazer passar a ideia que “Sensibilidade Funcional” é equivalente a “Limite de Quantificação”, e que, por isso, o douto Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de facto a este propósito, mas, na verdade, a Decisão recorrida não merece qualquer censura, pois que os conceitos não são de todo equivalentes, muito menos tecnicamente.
61) A este propósito, a Recorrida remeteu para a Ficha Técnica apresentada pela mesma na sua proposta – fls. 4, do Documento n.º 5, junto com a Petição Inicial – para evidenciar que a mesma não faz referência à “Sensibilidade Funcional”, que é o conceito consagrado pelo Anexo III (Requisitos Mínimos – Adequação mínima dos reagentes ao volume de trabalho por hora), do Caderno de Encargos, relativamente ao Lote 2, mas reporta-se, outrossim, ao “Limite de Quantificação”, que é um conceito distinto do de “Sensibilidade Funcional”.
62) Neste sentido, o douto Tribunal a quo também foi claro ao concluir que “a ficha técnica que instruiu a proposta da contrainteressada reporta-se ao conceito de quantificação” e não ao de sensibilidade funcional, que a contrainteressada reportou ao Estudo que também instruiu a proposta para o fornecimento do lote 2 do procedimento.” (vide fls. 15, da Sentença).
63) Assim, demonstrou-se que a Autora laborando em erro na interpretação dos conceitos de “Limite de Quantificação” e de “Sensibilidade Funcional”, que são distintos, pretendeu (propositadamente) induzir em erro o douto Tribunal a quo, e, porque o douto Tribunal a quo não considerou procedente a sua pretensão, veio agora a Recorrente tentar à força imputar alegados erros de julgamento à douta Decisão Recorrida, impelindo este Venerando Tribunal Superior a revoga-la, bem como a substituí-la por outra decisão que proceda ao exame de todas as questões que constituem objecto do litigio, conhecendo de facto e de direito, realizando, para isso, as diligência instrutórias necessárias, tudo para que no fim condene a Entidade Requerida a adjudicar o Lote 2 à Proposta apresentada pela Recorrente.
64) Todavia, demonstrou-se que a tese propugnada pela Recorrente é completamente improcedente, pelo que o douto Tribunal a quo não incorreu em qualquer erro de julgamento quanto à matéria de facto, pois que o critério de “Limite de Quantificação” da Ficha Técnica apresentada pela Recorrida e o critério de “Sensibilidade Funcional” são realmente distintos, sobretudo tecnicamente.
65) Atento o exposto, concluiu a Recorrida que a Decisão recorrida não merece qualquer censura ou reparo, na medida em que falece de qualquer sentido a tese apresentada pela Recorrente de incumprimento do requisito de que o Teste Tacrolimus apresente uma sensibilidade funcional inferior a 1,0ng/ml explanado na Ficha Técnica apresentada pela Recorrida, pois que essa Ficha Técnica não se debruça sobre a “Sensibilidade Funcional”, mas sim sobre o “Limite de Quantificação”.
66) Por outras palavras, não se retira da referida Ficha Técnica um incumprimento da “precisão exigida nos documentos do concurso”, como a Recorrente pretendeu fazer crer na sua Petição Inicial e agora no seu Recurso Jurisdicional, isto porque, pura e simplesmente, essa Ficha Técnica não se reporta à “Sensibilidade Funcional”, mas sim ao “Limite de Quantificação” – como bem decidiu o douto Tribunal a quo na decisão recorrida.
67) Com efeito, a “Sensibilidade Funcional” foca-se na precisão (reprodutibilidade dos resultados) com CV<20%, ou outro pré-definido, logo, é apenas precisão, e, o “Limite de Quantificação”, é um indicador que, para além da precisão, também considera a exactidão, ou seja, a proximidade ao valor de referência e/ou real.
68) Neste sentido, demonstrou-se que a Recorrente pretende à força fazer perpassar a ideia de que o conceito de “Sensibilidade Funcional” equivale ao conceito de “Limite de Quantificação”, e que, nessa medida, se retira da Ficha Técnica que a Recorrida não cumpre com o requisito de que o Tacrolimus apresente uma sensibilidade funcional inferior a 1,0ng/ml, quanto o Exmo. Júri do Concurso não teve dificuldade em perceber que a aquela apresentava uma tese que assentava na deturpação de conceitos em seu benefício, fazendo uma leitura enviesada da Ficha Técnica da Recorrente, que em momento algum se reporta à “Sensibilidade Funcional”, razão pela qual desconsiderou essa sua tese.
69) Com efeito, e conforme se evidenciou, não pode o cumprimento de um requisito ser apurado com base num documento – Ficha Técnica – que não é aquele onde a Concorrente procurou demonstrar esse cumprimento, mas é isso que a Recorrente, sem pejo, se apresentou a fazer perante o douto Tribunal a quo, e agora se apresenta perante este Venerando Tribunal Superior. A Ficha Técnica do reagente Tacrolimus da Recorrida atesta, sim, que o “Limite de Quantificação” é = 1ng/ml, com um erro relativo total admissível ≤20%, o que nada tem que ver com o requisito mínimo de “Sensibilidade Funcional”.
70) Com efeito, evidenciou-se que só no entendimento da Autora/Recorrente é que esses conceitos são idênticos e porque tal convém aos intuitos da presente impugnação, pois que não se acredita que os seus técnicos não saibam a diferença, principalmente “qualquer técnico com um mínimo de experiência no fabrico e comercialização de reagentes.”
71) Com efeito, sobre a “Sensibilidade Funcional” do Tacrolimus, a Recorrida apresentou um Estudo, designado “Multi-center analytical evaluation of a novel automated tracolimus immunoassay”, Documento probatório admitido pelo artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do Programa do Procedimento, o qual, sobre a epígrafe “Documentos que constituem a proposta”, é claro ao estatuir que o Concorrente pode apresentar, para além da Ficha Técnica, “outras informações que o concorrente considere indispensáveis”, e ainda, relativamente aos requisitos mínimos indicados no Anexo III, do Caderno de Encargos, como é o caso do Tacrolimus, “documentação oficial ou fontes de prova que comprovem cada um dos requisitos mínimos indicados no Anexo III ao Caderno e Encargos”, pois que a Ficha Técnica apresentada pela Recorrida relativamente ao reagente Tacrolimus não faz referência à Sensibilidade Funcional, por este consubstanciar um parâmetro em desuso.
72) Nesta sequência, mais sublinhou a Recorrida, que a mesma se rege por protocolos contemporâneos de avaliação de desempenho analítico desde 2007, que considera o LoB, LoD, LoQ, o que se traduz numa maior robustez estatística dos dados, pelo que são completamente despiciendas as considerações da Recorrente relativamente à aptidão, ou não, da Ficha Técnica para efeitos de apuramento do cumprimento do requisito de que o Tacrolimus apresente uma sensibilidade funcional inferior a 1,0ng/ml, pelo que falece qualquer razão a tese da Autora/Recorrente, não merecendo a Decisão Recorrida qualquer censura ou reparo, e nem sendo necessária a realização de quaisquer diligências instrutórias por parte deste Venerando Tribunal Superior ao abrigo do disposto do artigo 149.º, do CPTA.
73) Por conseguinte, e no âmbito do subcapítulo ii. Do (Alegado) Erro de Julgamento quanto à Matéria de Direito, a Recorrida procedeu à divisão do mesmo em 2 (dois) subcapítulos, designadamente: B) Erro na interpretação e aplicação do artigo 6.º, n.º 2 do Programa de procedimento, e C) Erro de julgamento na apreciação pelo Tribunal “a quo” da atendibilidade do estudo apresentado pela Roche para comprovar o preenchimento do requisito da sensibilidade funcional do teste Tacrolimus.
74) A propósito do subcapítulo B) Erro na interpretação e aplicação do artigo 6.º, n.º 2 do Programa de Procedimento, a Recorrida evidenciou que, no entender da Recorrente no que diz respeito à questão a) por si invocada na sua Petição Inicial, o douto Tribunal a quo havia incorrido em erro de Julgamento na interpretação e aplicação do artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do Programa do Procedimento do Concurso Público em causa.
75) Compulsada a argumentação utilizada pela Recorrente, a Recorrida veio demonstrar que a mesma reconhece não só que é “um dado indiscutível” que o que resulta do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do Programa do Procedimento, é que os Concorrentes podem apresentar documentação oficial “ou fontes de prova que comprovem cada um dos requisitos mínimos indicados no anexo III ao caderno de encargos”, como também que nunca sustentou que esses meios de prova se circunscrevessem “em toda e qualquer circunstância, à documentação oficial que constitui a ficha técnica do reagente”.
76) Por outras palavras, evidenciou-se que a Recorrente vem admitir – num verdadeiro rasgo de bom senso – que do supra mencionado artigo do Programa de Procedimento resulta que os Concorrentes poderiam apresentar outros meios de prova que não a Ficha Técnica do Reagente, sendo que esta (ainda que consubstancie um Documento Oficial) não delimita e ou circunscreve a panóplia de meios que poderiam ser apresentados pelos Concorrentes para demonstrarem o cumprimento dos requisitos mínimos indicados no anexo III ao caderno de encargos, i.e., os Concorrentes poderiam apresentar quer o Documento Oficial (Ficha Técnica), quer qualquer outra documentação que demonstrasse/atestasse o cumprimento desses requisitos mínimos, conforme o fez a Recorrida ao apresentar o Estudo, designado “Multi-center analytical evaluation of a novel automated tracolimus immunoassay”.
77) Não obstante, a Recorrida veio evidenciar também que esta não foi, contudo, a posição assumida pela Recorrente na sua Petição Inicial – ainda que o quisesse agora fazer crer – pois que a mesma sempre sustentou que a Ficha Técnica do Reagente, era, segundo o disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do Procedimento, o documento fundamental para aferir do cumprimento dos requisitos técnicos impostos pelas regras do concurso (cf. artigos 45.º e 58.º, da Petição Inicial), fazendo crer, na altura, que o Estudo Cientifico apresentado pela Autora como meio de prova, não era apto a satisfazer a exigência do supra mencionado preceito.
78) Assim, e depois de confrontada com a Contestação apresentada pela Contra-Interessada/Recorrida e com a Decisão Recorrida, a Recorrente veio admitir/reconhecer que afinal a Ficha Técnica do Reagente não é o documento único/fundamental para os Concorrentes demonstrarem o cumprimento dos requisitos mínimos indicados no anexo III ao caderno de encargos, chegando ao ponto de alegar que o sempre esteve em causa/discussão foi “saber se, a partir do momento em que um concorrente apresenta a ficha técnica de um determinado reagente e esta atesta que este não cumpre um determinado requisito técnico, o júri pode simplesmente desconsiderar esse elemento e atender a um outro documento para considerar verificado esse requisito”, para concluir que “a resposta a esta pergunta é, evidentemente, que o júri – e a entidade adjudicante – não o podem fazer”, e que “ao sustentar posição diversa, o douto Tribunal a quo “incorreu num erro de julgamento na interpretação e aplicação do artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do Programa do Procedimento do concurso em causa.”
79) Em face do exposto, a Recorrida retirou 2 (duas) importantes ilações.
80) Como primeira ilação, concluiu a Recorrida que a Recorrente apresenta-se agora, perante este Venerando Tribunal Superior, com uma tese diferente – e até contraditória – daquela com que se apresentou junto do douto Tribunal a quo, o que é passível de consubstanciar uma conduta em Litigância de Má Fé, por se encontrar a fazer uso manifestamente reprovável do processo, com o fim de conseguir protelar, sem fundamento sério, o transito em julgado da decisão recorrida (cf. artigo 542.º, n.º 2, alínea d), do CPC), pois que compulsado o teor da Petição Inicial instaurada pela Autora, ora Recorrente, facilmente se constata que a mesma constrói toda uma teoria de incumprimento por parte da Contra-Interessada, ora Recorrida, dos requisitos mínimos exigidos no Caderno de Encargos, a propósito do teste Tracolimus, porquanto da Ficha Técnica – documento considerado fundamental – apresentada por esta, alegadamente não atestava que a “sensibilidade funcional” do reagente fosse <1,0ng/ml, conforme era exigido sob causa de exclusão da Proposta.
81) Desta forma, e para a Recorrente, a Ficha Técnica do Reagente era o documento fundamental para se aferir do cumprimento dos requisitos mínimos do Anexo III ao Caderno de Encargos.
82) A este propósito, a Recorrida recordou que foi perentória na sua Contestação (artigos 138.º a 144.º), ao evidenciar que do referido artigo, não descortinava de onde a Autora/Recorrente retirava a sua ideia de que a Ficha Técnica era, para a Entidade Adjudicante/Entidade Recorrida, o documento fundamental para aferir do cumprimento do referido requisito técnico, pois que da redacção do referido artigo não resulta(va) qualquer referência e/ou consideração de que a Ficha Técnica é o documento fundamental para aferir desse (in)cumprimento – antes pelo contrário.
83) Nesta sequência, demonstrou-se que da redacção do referido artigo resulta(va) claro, que os Concorrentes deviam apresentar, sob pena de exclusão, a Ficha Técnica de cada reagente, sem prejuízo de outras informações que considerassem indispensáveis, devendo tratar-se de “documentação oficial ou fontes de prova que comprovem cada um dos requisitos elencados no Anexo III ao Cadernos de Encargos” (cf. artigo 6.º, n.º 2, alínea b), e respectiva NOTA, do Programa do Procedimento).
84) Mais evidenciou a Recorrida que Recorrente apenas tentava procurar convencer da sua tese, quando a mesma não tinha qualquer apoio nos Documentos Concursais, traduzindo-se antes numa interpretação divergente, consubstanciando um juízo de desconformidade de decisão do Júri do Concurso com os Documentos Concursais, quando a mera discordância em relação à Análise das Propostas, naturalmente eivada de um juízo subjectivo, nunca poderia ter a virtualidade para permitir ao douto Tribunal a quo a imiscuir-se na margem de livre decisão administrativa.
85) Assim foi com surpresa que a Recorrida teve conhecimento desta posição da Recorrente, quanto essa questão foi formulada por esta, num segundo plano, e na alternativa de o douto Tribunal a quo considerar – como de facto veio acontecer – que os Concorrentes poderiam juntar outra documentação sem ser a Ficha Técnica do Reagente, para demonstrarem o cumprimento do “requisito mínimo” de “sensibilidade funcional” exigida para o teste Tacrolimus. Neste caso, havendo alegadamente 2 (dois) meios de prova contraditórios, então dever-se-ia optar pela prevalência do documento oficial/fundamental que era a Ficha Técnica do Reagente, ou caso assim não se entendesse, desconsiderar ambas, segundo as “normas aplicáveis em matéria de interpretação de propostas” (cf. artigos 101.º a 104.º, da Petição Inicial).
86) A ser assim, evidenciou-se que o que está em causa não é uma interpretação do artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do Programa do Procedimento, mas antes a identificação de uma solução a dar a 2 (dois) meios de prova apresentados pelo Concorrente que são alegadamente contraditórios entre si – o que levou a Recorrida à sua segunda ilação.
87) Nesta sequência, e como segunda ilação, demonstrou a Recorrida que da previsão do artigo 6.º, n.º 2, alínea b) e respetiva “NOTA”, do Programa de Procedimento, não resulta(va) nenhuma hierarquia entre documentos a apresentar, como também não era indicada qual a solução que deve ser dada para os casos em que os Concorrentes apresentem documentação alegadamente contraditória, i.e., não resulta(va) que na existência de documentos alegadamente contraditórios, em que um deles seja a Ficha Técnica, o Exmo. Júri do Concurso deva dar prevalência a esta, ou que se devam desconsiderar ambos, por aplicação das “normas aplicáveis em matéria de interpretação de propostas”, pois o que o artigo realmente (e tão só) estabelece, é que os Concorrentes podem apresentar documentação oficial “ou fontes de prova que comprovem cada um dos requisitos mínimos indicados no anexo III ao caderno de encargos”. Assim que era sobre estes termos que o douto Tribunal a quo se deveria pronunciar quando julgasse do cumprimento ou incumprimento, por parte da Recorrida, do artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do Programa do Procedimento – conforme bem decidiu o douto Tribunal a quo (cf. fls. 15 a 16, da Sentença).
88) Por conseguinte, demonstrou-se que a decisão do douto Tribunal a quo não merece qualquer censura ou reparo, sendo que o mesmo não incorreu em qualquer erro de julgamento na interpretação e aplicação do artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do Programa do Procedimento, porquanto o mesmo, analisando o escopo da referida norma, não só a interpretou como aplicou correctamente – i.e., decidiu que do escopo daquela resultava que os Concorrentes poderiam apresentar outras fontes de prova que comprovassem o requisito elencado no anexo III ao Caderno de Encargos no que diz respeito ao fornecimento do reagente Tacrolimus no Lote 2, e que a Contra-Interessada/Recorrida poderia apresentar o Estudo «Multi- center analytical evaluation of a novel automated tacrolimus immunoassay» para efeitos de demonstração desse cumprimento,
89) Sendo que esta era (e continua a ser) a interpretação e aplicação correcta da norma, e não a que a Recorrente agora pretendia fazer perpassar de que a verdadeira questão no que diz respeito à interpretação e aplicação do artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do Programa do Procedimento, é “saber se, a partir do momento em que um concorrente apresenta a ficha técnica de um determinado reagente e esta atesta que este não cumpre um determinado requisito técnico, o júri pode simplesmente desconsiderar esse elemento e atender a um outro documento para considerar verificado esse requisito.”
90) Com efeito, demonstrou-se que a Recorrente é useira e vezeira nesta “arte” de constantemente fazer as suas muito próprias interpretações de conceitos técnicos, confundindo-os a seu bel-prazer, para daí retirar supostos incumprimentos dos demais Concorrentes, assim obtendo a tão almejada posição adjudicatória que o simples (de)mérito das suas Propostas não logra alcançar, e, que esse seu desiderato não tem tido o acolhimento dos nossos Tribunais – de que a Decisão Recorrida constitui prova –, os quais, ou imediatamente identificam a incoerência lógico- jurídica das teses da mesma e sancionam as Acções com a imediata improcedência, ou, ao invés, e em sede de Audiência de Julgamento, vêm as suas teses e sub-teses ruírem em face da manifesta incapacidade de, de forma séria, se defender pessoalmente e com testemunhos bastantes aquilo que só o papel aceita.
91) Nestes termos, demonstrou-se também ser comum à Recorrente constantemente se esquecer da sua posição de Concorrente e procurar ocupar as funções de Júri do Concurso e nortear a sua actuação, já tendo sido censurada pelos nossos Tribunais – de que a Decisão recorrida constitui prova – em face dessas permanentes tentativas de conduzir os Procedimentos Concursais a seu bel-prazer e em face daquilo que são as suas interpretações das exigências concursais. Sendo que cá têm estado os Tribunais – de que é exemplo o douto Tribunal a quo, que já teve conhecimento, em primeira mão de 7 (Acções) instauradas pela ora recorrente, desde 2016 – para pôr cobro a esta actuação da Recorrente, sancionando-a veemente.
92) Por conseguinte, a Recorrida evidenciou que a Recorrente também labora numa manifesta confusão de conceitos, procurando por essa via que seja acolhida a sua tese, incorrendo de novo, neste expediente de considerar que o Exmo. Júri do Concurso incorreu em erro porquanto não interpretou os documentos concursais segundo a interpretação feita da maneira que a mesma considera ser a correcta – maneira essa, entenda-se, distinta (como tem sido habitual) da dos peritos especialistas na matéria, e agora também do douto Tribunal a quo –. Assim, também a sua tese de alegada prevalência da Ficha Técnica do Reagente sobre os outros elementos de prova – que no seu Recurso Jurisdicional parece querer encapotar –, é (mais) uma construção fantasiosa da Autora/Recorrente, que não foi atendida pelo douto Tribunal a quo, e que nem deve ser atendida – com todo o respeito que é muito – por este Venerando Tribunal Superior.
93) Para o caso de assim não se entender – o que apenas se acautelou por dever de patrocínio – concluiu a Recorrida que através da presente tese, a Recorrente pretende – sob o instituto do erro de julgamento quanto à matéria de direito na interpretação e aplicação do supra mencionado artigo –, encapotar a sua verdadeira pretensão, que é a de que o poder judicial – neste caso, este Venerando Tribunal Superior, porquanto o douto Tribunal a quo não o fez (e bem) – se imiscua na reserva de discricionariedade administrativa, que sabe ser (ou assim se supõe) insindicável contenciosamente, pois que saber se a i) Ficha Técnica de um Reagente atesta ou não o cumprimento dos requisitos mínimos; se o ii) Estudo Cientifico apresentado pela Contra-Interessada/Recorrida atesta ou não o cumprimento dos requisitos mínimos; se a iii) Ficha Técnica do Reagente e o Estudo Científico estão em contradição; e se, porventura, iv) o Exmo. Júri pode dar prevalência a qualquer documentação em preterição de outra, é matéria de índole iminentemente técnica, que se situa na reserva de discricionariedade administrativa, e que, por isso é contenciosamente insindicável.
94) Por tudo o exposto no presente capitulo, evidenciou-se que a tese apresentada agora pela Recorrente é desprovida de qualquer razão, não podendo ser outro o seu destino que não o da total improcedência, conforme se requereu com todas as demais consequências legais.
95) A propósito do subcapítulo C) Erro de julgamento na apreciação pelo Tribunal “a quo” da atendibilidade do estudo apresentado pela Roche para comprovar o preenchimento do requisito da sensibilidade funcional do teste Tacrolimus, começou a Recorrida por evidenciar, que no entender da Recorrente, o douto Tribunal a quo havia incorrido em erro de Julgamento quando considerou que a questão de saber se o Estudo Cientifico apresentado pela Contra-Interessada/Recorrida é um elemento apto à demonstração do cumprimento do requisito da “Sensibilidade Funcional” do Teste Tacrolimus, envolve um “juízo exclusivamente discricionário”.
96) Não obstante, compulsada a linha e raciocínio da Recorrente, resulta, que a mesma faz uma errada interpretação da Decisão recorrida, no que diz respeito à delimitação efectuado pelo douto Tribunal a quo da área de reserva administrativa atribuída ao Exmo. Júri do Concurso, pois que a Recorrente vem alegar que o douto Tribunal a quo considerou que quer a aferição da atendibilidade do Estudo Cientifico apresentado pela Recorrida como elemento apto demonstração do cumprimento do “requisito mínimo” de “Sensibilidade Funcional”, quer a alegada permissão de junção de esclarecimentos e documentação nova para essa demonstração, encontram-se no âmbito da discricionariedade administrativa.
97) A este propósito, a Recorrida demonstrou que esse entendimento não se encontra correcto, pois que aquilo que o douto Tribunal a quo decidiu foi que o “júri considerou esta fundamentação técnica correcta” pelo que “considera improcedente a pretensão da Abbott e considera que a concorrente Roche cumpre com o requisito mínimo em causa, pelo que a sua proposta não deve ser excluída”, sendo, que essa análise é que se insere no âmbito da discricionariedade administrativa inerente às funções do Exmo. Júri do Concurso, e não qualquer considerando de que se trata de uma conduta discricionária o facto de o Exmo. Júri do Concurso ter alegadamente permitido “de forma ilegal, que o concorrente prestasse esclarecimentos e juntasse novos documentos para demonstrar que o equipamento em que foi efectuado o referido estudo é supostamente idêntico ao equipamento a fornecer”. Pelo que falece a tese apresentada pela Recorrente de que “esta conduta do júri do concurso não é uma conduta discricionária, que implique a formulação de valorações próprias da função administrativa, mas sim uma decisão em que a Administração atua vinculada por normas e princípios jurídicos cujo cumprimento o Tribunal pode e deve sindicar.”
98) Para o caso de assim não se entender – o que apenas se acautelou por patrocínio – a Recorrida demonstrou que esse entendimento propugnado pela Recorrente, era desprovido de qualquer razão, porquanto a Recorrente persiste na tentativa de fazer perpassar a ideia (errada) de que a Contra-Interessada/Recorrida respondeu aos esclarecimentos solicitados pelo Júri do Concurso por intermédio da junção de um novo documento, que deveria alegadamente instruir originariamente a Proposta, suprindo as omissões de que a mesma alegadamente padecia, e que foi através da junção dessa documentação que o Exmo. Júri do Concurso aferiu da atendibilidade do Estudo Científico apresentado pela mesma para demonstrar o cumprimento do “requisito mínimo” da “sensibilidade funcional” exigida para o teste Tacrolimus.
99) Não obstante, demonstrou-se que a tese da Recorrente é – conforme demonstrado pela Contra-Interessada/Recorrida na sua Contestação – desprovida de qualquer sentido, não podendo a mesma proceder, pois que o Júri do Concurso não teve dificuldade em apreciar a Proposta da mesma, nem em considerar que a esta cumpria com o requisito mínimo de sensibilidade funcional imposto relativamente ao teste Tacrolimus – tanto é assim que, em sede de Relatório Preliminar, a Entidade Demandada/Entidade Requerida propôs, desde logo, a adjudicação da Proposta apresentada pela Contra-Interessada/Recorrida, e só a Autora/Recorrente é que teve dúvidas quanto à admissibilidade da Proposta apresentada pela Contra-Interessada/Recorrida, tendo plasmado essas dúvidas em sede de Audiência Prévia (tendo sido, perante essas dúvidas da Autora/Recorrente – que não eram dúvidas da Entidade Demandada/Entidade Requerida –, que esta dirigiu um Pedido de Esclarecimentos à Contra-Interessada/Recorrida).
100) Por outras palavras, o Pedido de Esclarecimentos foi dirigido à Contra- Interessada/Recorrida para dar resposta às interrogações da Autora/Recorrente e não às interrogações do Exmo. Júri do Concurso que conforme se evidenciou logo em sede de Relatório Preliminar concluiu pela conformidade da Proposta apresentada pela Contra- Interessada/Recorrida, i.e., já nesse momento do Procedimento o Júri do Concurso havia concluído que a Proposta apresentada pela Contra-Interessada/Recorrida continha todos os elementos indispensáveis à sua admissibilidade e nenhuma dúvida teve de que estava cumprido, pela Contra-Interessada/Recorrida, o requisito mínimo de sensibilidade funcional imposto relativamente ao teste Tacrolimus.
101) Pelo que, e contrariamente ao então alegado pela Autora nos artigos 83.º a 89.º, da Petição Inicial, e agora em pp. 13 a 19, do presente Recurso Jurisdicional, a Contra-Interessada/Recorrida não se serviu da Resposta ao Pedido de Esclarecimentos para suprir omissões da sua Proposta, nem demonstrar algo que antes não havia demonstrado, falecendo a tese da Recorrente de que “o júri do concurso, permitiu, de forma ilegal, que o concorrente prestasse esclarecimentos e juntasse novos documentos para demonstrar que o equipamento em que foi efectuado o referido estudo é supostamente idêntico ao equipamento a fornecer.”
102) Com efeito, a demonstração exigida já havia sido feita anteriormente e resultava dos documentos da Proposta apresentada pela Contra- Interessada/Recorrida, sendo que foi apenas por dever de ofício que a Entidade Demandada/Entidade Requerida dirigiu o Pedido de Esclarecimentos à Contra-Interessada/Recorrida, para que dúvidas não subsistissem quanto à falência da tese da Autora/Recorrente, pelo que a interpretação que a Autora/Recorrente fez (e continua a fazer) da referida “Resposta aos Esclarecimentos” é absolutamente descabida e infundada.
103) A este propósito, a Recorrida evidenciou que da referida “Resposta aos Esclarecimentos”, resulta que a mesma se limita a clarificar aquilo que já resultava dos Documentos que haviam instruído a sua Proposta e que só suscitaram dúvidas na Autora/Recorrente, já que o Júri do Concurso – entidade experiente nestas lides e que conhece os equipamentos em causa – nenhuma dúvida teve em apurar e concluir pelo cumprimento do “requisito mínimo” de sensibilidade funcional imposto – conforme reconhecido, e bem, pelo douto Tribunal a quo, na Decisão Recorrida.
104) Nesta sequência, sublinhou a Recorrida que – ao contrário do qua a Recorrente quer agora fazer perpassar – não estamos perante uma daquelas situações escola em que o Júri do Concurso tem dúvidas relativamente a um determinado ponto de uma Proposta e solicita ao Concorrente um Esclarecimento, vindo este, na Resposta ao Esclarecimento, procurar aditar elementos novos à sua Proposta, pois que no caso vertente, o Exmo. Júri do Concurso considerou suficientes e bastantes os documentos juntos pela Contra-Interessada/Recorrida para efeitos de demonstração do cumprimento do “requisito mínimo” de sensibilidade funcional imposto relativamente ao teste Tacrolimus, tendo, inclusive, e como reconhecido pela Autora/Recorrente no artigo 27.º, da Petição Inicial, proposto a exclusão de um Concorrente – a ... – que não demonstrou o cumprimento desse requisito mínimo, o que demonstra e atesta que esta foi uma matéria a que o Júri do Concurso deu particular atenção na sua tarefa de Análise das Propostas.
105) Com efeito, o Exmo. Júri do Concurso, conhecedor do modus operandi da Autora/Recorrente, e perante a Audiência Prévia por esta exercida, dirigiu um Pedido de Esclarecimentos à Contra-Interessada/Recorrida, mas não relativamente a dúvidas próprias suas, mas sim para evitar que a Autora viesse invocar um défice instrutório por não solicitação de esclarecimentos a um Concorrente perante as dúvidas de (i)legalidade por si invocadas.
106) Mas mais. O Exmo. Júri do Concurso, para além das evidências documentais juntas pela Contra-Interessada/Recorrida, é conhecedor dos equipamentos em causa, razão pela qual não teve qualquer dúvida em concluir pela demonstração do cumprimento do “requisito mínimo” de sensibilidade funcional imposto relativamente ao Tacrolimus. Mas não foi só o Exmo. Júri do Concurso a não ter dúvidas de que a documentação junta pela Contra-Interessada/Recorrida atestava o cumprimento daquele “requisito mínimo”, pois que também a Autora demonstrou, na sua Petição Inicial, reconhecer que do Estudo apresentado pela Contra-Interessada/Recorrrida resulta, de forma clara, que existe cumprimento do requisito mínimo da “sensibilidade funcional” do teste Tacrolimus, pois que, se assim não fosse, não existiria a invocada contradição entre a Ficha Técnica do Reagente e o Estudo Científico, invocada por aquela.
107) Neste mesmo sentido decidiu o douto Tribunal a quo ao considerar que:
“Aliás, em ponto algum a autora coloca em causa/ dúvida o teor do estudo entregue pela contrainteressada, nomeadamente, o que dele se extrai para efeitos de demonstração do cumprimento do requisito de que o Tacrolimus apresente uma sensibilidade funcional inferior a 1,0ng/ml. O que não foi posto em causa pela Autora, com a alegação de factos onde pudesse sustentar qualquer erro, sequer, grosseiro do Estudo” – consideração esta sobre a qual a Recorrente não se pronunciou ou insurgiu no presente Recurso Jurisdicional, sendo que a mesma apenas reitera a sua tese de que o Exmo. Júri do Concurso não deveria ter atendido à Resposta ao Pedido de Esclarecimentos fornecida pela Contra-Interessada/Recorrida, porquanto da mesma resultava a junção de documentação nova “para demonstrar que o equipamento onde foi efectuado o referido estudo é supostamente idêntico ao equipamento a fornecer.”
108) Por conseguinte, e pelo facto de estarmos perante a apreciação de uma matéria de índole iminentemente técnica – juízo formulado pelo Exmo. Júri do Concurso da documentação junta com a Proposta da Contra-Interessada/Recorrente a propósito do cumprimento com o “requisito mínimo” da “sensibilidade funcional” do teste Tacrolimus –, que se situa no âmbito da reserva de discricionariedade administrativa, e sobre a qual o Tribunal não dispõe de conhecimentos especializados, então, tal matéria só poderia ser sindicável contenciosamente se a mesma padecesse de erro notório ou desvio de poder, o que no presente caso não se verifica, e nem a Autora/Recorrente o invocou.
109) Por tudo o exposto, não se pode senão concluir que o douto Tribunal a quo não incorreu em erro de julgamento por ter decidido em sentido contrário, pelo que falece, por completo, a presente tese apresentada pela Recorrente, não podendo ser outro o seu destino, que não o da improcedência, o que requereu com todas as demais consequências legais.
110) No âmbito do subcapítulo iii. Da (Alegada) Decisão a proferir por este Tribunal, começou a Recorrida por evidenciar que a Recorrente dedica um capitulo a uma alegada Decisão a proferir por este Venerando Tribunal Superior, consubstanciada na anulação da Decisão Recorrida, e na subsequente condenação da Entidade Recorrida a adjudicar o Lote 2 à Proposta apresentada pela Recorrente.
111) Neste sentido, a Recorrida demonstrou que compulsado o teor o supra mencionado segmento das Alegações da Recorrente, facilmente se concluía, que se por um lado a Recorrente pretendia que os erros de julgamento invocados por si fossem julgados procedentes e que a Decisão recorrida fosse revogada, por outro lado, pretendia que este Venerando Tribunal Superior, se substituísse ao douto Tribunal a quo, procedendo às diligências instrutórias que alegadamente foram preteridas pelo mesmo, e que permitiriam demonstrar a veracidade do facto alegado pela Recorrente – i.e., que o requisito do “Limite de Quantificação” a que se refere a Ficha Técnica apresentada pela Contra-interessada/Recorrida é uma realidade equivalente ao requisito de “Sensibilidade Funcional” que resulta do Anexo III ao Caderno de Encargos, e que, por isso, aquela não cumpre com o “requisito mínimo” exigido –, de forma a constatar que a “proposta da Recorrente é a única que se afigura como válida relativamente ao Lote 2” para condenar, a final, a Entidade Demandada a adjudicar-lhe o Lote 2.
112) A este propósito, a Recorrida veio evidenciar que a Recorrente falha estrondosamente com o seu ónus de indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, bem como os concretos meios probatórios, constantes do processo, que na sua perspectiva imporiam decisão de facto diversa da Decisão Recorrida – cfr. artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CPC –, não bastando para o efeito afirmar que alegou na sua Petição Inicial que os referidos critérios era idênticos/sinónimos e solicitar a este Venerando Tribunal Superior que proceda às diligências necessárias ao seu esclarecimento, motivo pelo qual tal pedido formulado pela Recorrente não pode ter outro destino que não a improcedência.
113) Para o caso de assim não se entender – o que apenas se acautelou por dever de patrocínio –, a Recorrente veio também demonstrar que toda a argumentação utilizada, subsidiariamente, pela Recorrente para tentar demonstrar que a Proposta da Recorrida deveria ser excluída por violar um aspecto da execução do contrato não submetido à concorrência (artigo 70.º, n.º 2, alínea b) e 146.º, n.º 2, alínea o), do CCP), e que se imporia, por conseguinte, a adjudicação da sua Proposta ao Lote 2, é desprovida de qualquer fundamento e constitui uma reprodução do alegado por si na sua Petição Inicial, pelo que não poderia ser outro o seu destino que não a total improcedência, como bem decidiu o douto Tribunal a quo.
114) Assim, perante os três argumentos utilizados pela Recorrente para tentar demonstrar que a Proposta da Recorrida deveria ser excluída, a Recorrida começou por recordar, a titulo prévio, que demonstrou-se ser evidente e manifesto que o Exmo. Júri do Concurso nenhuma dificuldade teve em dar por verificado o cumprimento do “requisito mínimo” apenas com base na documentação apresentada pela Contra-Interessada/Recorrida, sendo que, a existir alguma dúvida, essa foi (sempre) única e exclusivamente da Autora/Recorrente.
115) Por conseguinte, e exercendo o contraditório ao primeiro argumento, a Recorrida evidenciou que já havia demonstrado que os conceitos de “Limite de Quantificação” e “Sensibilidade Funcional” são distintos e que não se confundem, sendo que da Ficha Técnica apresentada pela mesma não se retira qualquer elemento que permita concluir pelo incumprimento do “requisito mínimo” que resulta do Anexo III ao Caderno de Encargos. A este propósito, também referiu que já havia demonstrado que não existe qualquer hierarquia da Ficha Técnica do Reagente sobre os demais documentos probatórios, sendo claro que o que resulta das normas do concurso é uma equiparação entre todos elementos probatórios destinados a demonstrar o cumprimento do referido “requisito mínimo”.
116) Em contraditório ao segundo argumento, a Recorrida evidenciou que também já havia comprovado que o equipamento proposto pela Recorrida no âmbito do Concurso Público em apreço, é idêntico àquele sobre o qual se debruçou o Estudo Científico apresentado pela mesma – daí ter apresentado esse mesmo Estudo – e, nessa medida, as conclusões aí alcançadas em matéria de cumprimento do requisito mínimo do teste Tacrolimus serem-lhe aplicáveis in totum.
117) Por fim – e em contraditório ao terceiro argumento –, a Recorrida evidenciou que também já havia demonstrado que não há qualquer contradição entre a Ficha Técnica e o Estudo Científico apresentados, pois que não se reportando a Ficha Técnica ao conceito de “Sensibilidade Funcional”, então, nessa medida, não se pode considerar como contraditória/oposta ao Estudo.
118) Em face do exposto, Recorrida concluiu ser evidente que, in casu, não existiu qualquer violação dos artigos 70.º, n.º 2, alínea b), e 146.º, n.º 2, alínea o), do CCP, pelo que a Decisão Recorrida não merece qualquer censura e/ou reparo, sendo que a verdade era que a Recorrente – apesar de o tentar mascarar sob a égide de incumprimento do requisito do Anexo III do Caderno de Encargos, e consequentemente do Programa do Procedimento – procurava apreciar uma questão que não é de (in)cumprimento do Caderno de Encargos, nem do Programa do Procedimento, mas sim de Execução do Contrato, e, por isso e nessa medida, não poderia ser apreciada por este Venerando Tribunal (porque pertencente a fase posterior à a adjudicação e a um Contrato que não se acha, sequer, celebrado).
119) Por conseguinte, conclui também a Recorrida que a “questão fática” formulada pela Recorrente, e considerada pela mesma como “determinante para a boa decisão da causa”, não deveria ser atendida – não só porque a mesma falecia de qualquer fundamento, mas também porque a mesma falhava estrondosamente com o seu ónus de indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, bem como os concretos meios probatórios, constantes do processo, que na sua perspectiva imporiam decisão de facto diversa da Decisão Recorrida – cfr. artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CPC –, motivo pelo qual não se impunha a este Venerando Tribunal Superior a realização de demais diligências instrutórias necessárias ao esclarecimento de tal questão (cf. n.º 4, do artigo 149.º, do CPTA).
120) No âmbito do Capitulo IV. Decisão Liminar do Objecto do Recurso, a Recorrida veio evidenciar que atento o exposto nas presentes Contra-Alegações de Recurso Jurisdicional, não se poderia deixar de concluir, nos termos do disposto no artigo 656.º, do CPC, no sentido de manifesta ausência de fundamento do/no Recurso interposto pela Recorrente, pelo que deveria ser proferida Decisão Liminar Sumaria de Indeferimento do mesmo, pelo Exmo. Juiz Relator, ao abrigo do disposto no artigo 652.º, n.º 1, alínea c), do CPC.
*
O digno magistrado do M.P. junto deste tribunal foi notificado para se pronunciar em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, como previsto no nº 1 do art. 146º.
Nada disse.
*
Por se entender relevante para a decisão da presente causa e por despacho de fls. 707, foram as partes convidadas a se pronunciare sobre os conceitos de “sensibilidade funcional” e de “limite de quantificação”.
Em resposta a tal convite, a Recorrente veio reiterar o já afirmado em sede de alegações de recurso, afirmando, a propósito dos conceitos suprarreferidos, “que na dimensão técnica que aqui está em causa”, os mesmos são expressões sinónimas.
Por sua vez, o Réu e Recorrido, e a Contra-interessada reiteraram também o afirmado em sede das respetivas contra-alegações, afirmando, todavia, que os conceitos de “sensibilidade funcional” e de “limite de quantificação” não são sinónimos.
*
Face à pronúncia emitida por cada uma das partes, e por se reportar útil à boa decisão da presente impugnação jurisdicional, solicitou-se ao I… os seguintes esclarecimentos:
- no âmbito dos reagentes e seus equipamentos, o conceito ou noção “limite de quantificação” maior ou menor de …ng/ml é um conceito ou noção diferente ou igual a “sensibilidade funcional” maior ou menor de …ng/ml?
- no mesmo âmbito, os equipamentos Cobas e601, e602 e e611 são ou não semelhantes, iguais ou equivalentes entre si, quanto aos resultados que produzem?
O I… respondeu a este pedido de colaboração, afirmando, designadamente, o seguinte:
- “Embora o termo "sensibilidade funcional" não seja definido na legislação aplicável, é utilizado, por vezes, no contexto de concentrações baixas de analito como medida de precisão do ensaio.
De acordo com o artigo "Limit of Blank, Limit of Detection and Limit of Quantitation", publicado em Clin Biochem Rev Vol 29 Suppl (i) August 2008 de Armbruster. D e Pry.T a "sensibilidade funcional" é definida como a concentração mais baixa do analito que pode ser medida com um coeficiente de variação 20% (ou outro valor de precisão predeterminado) e sem ter em consideração a exatidão.
O mesmo artigo define o "limite de quantificação" como a concentração mais baixa para a qual o analito não é apenas detetável, mas em que determinadas metas para a exatidão e imprecisão preestabelecidas são alcançadas.
Tendo por base as definições, pode-se concluir que não existe uma correspondência de conceitos entre "limite de quantificação" e "sensibilidade funcional". Contudo, em teoria e em determinadas condições, poderão coincidir.”
- “Após a realização de uma pesquisa na Base de Dados do I…, l.P., foi apenas possível encontrar registo dos modelos COBAS 601 e 602.
Nesse contexto, foi verificado que, na generalidade, os dois modelos utilizavam os mesmos reagentes.
Considerando que os resultados obtidos dependem quer do equipamento quer dos reagentes, é previsível que, perante uma mesma amostra, utilizando o mesmo reagente, os dois modelos ofereçam resultados equivalentes dentro dos critérios de desempenho funcional estabelecidos (sensibilidade, precisão, repetibilidade). Serão, contudo, espectáveis pequenas variações dentro de um coeficiente de variação (imprecisão) aceitável entre ensaios, equipamentos ou mesmo entre laboratórios.”
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Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.
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DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cabe, ainda, sublinhar que os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido e respetivos fundamentos, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso (cfr. artigos 144º/2 e 146/4 do CPTA, 5º, 608º/2, 635º/4/5, e 639º do CPC/2013, “ex vi” artigos 1º e 140º do CPTA), alegação que apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas.
Por esta razão, não se conhecerá da posição expressa pela Recorrente em sede de alegações (e não de conclusões) quando afirmou que “quanto à questão c), o Tribunal “a quo” simplesmente não se pronunciou” (pág. 7 das alegações, ponto 4 in fine).
Por outro lado, nos termos do artigo 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem”, em sede de recurso de apelação, não se limita a cassar a decisão judicial recorrida, porquanto, ainda que a revogue ou declare nula, deve decidir o objeto da causa apresentada ao tribunal “a quo”, conhecendo de facto e de direito, reunidos que se mostrem no caso os pressupostos e condições legalmente exigidos.
As questões a resolver neste recurso são, pois, as identificadas no ponto II.2, onde as apreciaremos.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. FACTOS PROVADOS
O tribunal “a quo” deu como provada a seguinte matéria de facto
A - Por anúncio publicado no DR, II série, de 2.9.2016, o Centro Hospitalar de Lisboa Central (CHLC) tornou público o lançamento do Concurso Público Internacional nº 1 – 1 – 5001/ 17 – fornecimento de reagentes para Bioquímica, Hematologia, Imunologia e demais bens necessários para a realização das análises clínicas – ver doc nº 1 junto com a p.i., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
B - Tal procedimento tem por objeto principal o fornecimento de um conjunto de reagentes utilizados na realização de análises clínicas – listados e quantificados no anexo I ao Caderno de Encargos e dos demais bens necessários para a realização das análises (calibradores e consumíveis, controlos de qualidade internos, realização de confirmações de resultados duvidosos e ou discordantes a laboratórios externos e controlos de qualidade externos, por lote) – ver doc nº 2 junto com a p.i., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
C - Englobando ainda a colocação, instalação e montagem, pelo prazo de vigência do contrato, dos equipamentos a que se refere o anexo II a este Caderno de Encargos, e respetivas ações de manutenção preventiva e corretiva, bem como a realização das ações de formação ao pessoal do C…C indispensáveis a utilização dos equipamentos – ver doc nº 2 da p.i., cláusula 1ª do CE).
D - Um dos bens a fornecer – a que se refere o lote 2 do Concurso – é o reagente Tacrolimus – ver doc nº 2 – anexo I ao CE, pág. 20).
E - O ensaio Tacrolimus é um imunoensaio que serve para a determinação quantitativa de Tacrolimus em sangue total humano – por acordo.
F - Constituindo um auxiliar fundamental para a gestão clínica de doentes – por acordo submetidos a transplantes renais e hepáticos e que estejam a fazer terapêutica com Tacrolimus – por acordo.
G - O anexo III ao Caderno de Encargos, que previa os requisitos mínimos a cumprir pelos bens a fornecer, estabelecia, como requisito para o lote 2 – imunossupressores, o seguinte: sensibilidade funcional do teste Tacrolimus <1,0ng (nanograma) /ml (mililitro) de forma a garantir precisão nos doseamentos de doses terapêuticas baixas conforme definido pelo Consenso Europeu (ver doc nº 3 da p.i., pág. 35 do anexo III, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
H - O imunossupressor Tacrolimus é utilizado nos doentes submetidos a transplantes renais e hepáticos para reduzir a probabilidade de rejeição do órgão – por acordo.
I - Sabendo-se que a utilização de Tacrolimus está associada a efeitos secundários tóxicos graves, principalmente nefrotoxicidade – por acordo.
J - O teste Tacrolimus, que permite quantificar a presença de Tacrolimus no sangue total, é utilizado pelas equipas médicas para adequarem a dose a prescrever ao paciente – por acordo.
K - Sendo que, se a dose for excessivamente elevada, o fármaco pode causar graves danos à saúde ou mesmo pôr em risco a vida dos doentes, tendo em conta a toxicidade do fármaco em causa – por acordo.
L - E se, pelo contrário, for demasiado reduzida, não é apta a cumprir a relevante finalidade para que o fármaco está vocacionado, que é a de evitar a rejeição pelo organismo do órgão transplantado, podendo igualmente pôr em risco a saúde ou a vida do doente – por acordo.
M - O art 6º do Programa de procedimento, relativo aos documentos que constituem a proposta, previa, no seu nº 2, al b), que sob pena de exclusão
... as propostas deverão ainda conter: ficha técnica de cada reagente que integra os lotes para os quais o concorrente concorre, indicando: ... iv) ... todas as especificações técnicas necessárias para a aferição do cumprimento ... v) bem como dos requisitos mínimos indicados no Anexo III do Caderno de Encargos (cfr grelha referida na NOTA seguinte) – ver doc nº 4 junto com a pi, cujo teor aqui se da por integralmente reproduzido.
N - Lê-se na NOTA seguinte: para efeitos do ponto (V) da al b) e do ponto III da al c) do nº 2 do presente artigo, os concorrentes devem apresentar documentação oficial ou fontes de prova que comprovem cada um dos requisitos mínimos indicados no Anexo III do Caderno de Encargos. (...).
O - Para o lote 2 apresentaram proposta a autora, a R… e a S…, H…, Lda. – ver DOCs. juntos aos autos.
P - A proposta da R… contém três documentos, sobre o teste Tacrolimus, são eles:
i. A ficha técnica do teste Tacrolimus Tacrolimus (doc. 5 da p.i.);
ii. O Estudo multi-center analytical evaluation of a novel automated Tacrolimus immunoassay, de Shipkova M. et al, publicado no Clinical Biochemistry, nº 47 (2014) (doc nº 6 da p.i.);
iii. E um documento contendo uma tradução de excertos do Estudo referido na al anterior (doc nº 7 da p.i.).
Q - A ficha técnica do teste Tacrolimus da R… especifica que o limite de quantificação do teste é o seguinte: limite de quantificação = 1.0ng/ml, com um erro relativo total admissível < 20% - ver doc nº 5 da p.i., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
R - Esclarecendo que o limite de quantificação é definido como sendo a quantidade mais baixa de analito de uma amostra que pode ser quantificada com exatidão com um erro relativo total admissível < 20% - ver doc nº 5 da p.i, pág. 4.
S - O Estudo entregue versa sobre a sensibilidade funcional do Tacrolimus – ver docs. 6 e 7 da p.i.
T - O Estudo entregue foi promovido e financiado pela R… D… G… G… – ver docs. nº 6 e 7 da p.i.
U - Data de 2014 – ver DOCs. nº 6 e 7 da p.i.
V - Os testes sobre a sensibilidade funcional do Tacrolimus que estão documentados no estudo foram realizados em equipamentos, cobas e411 e cobas e602 – ver DOCs. 5 a 7 da p.i.
W - A R… concorreu ao lote 2 com o equipamento Cobas 6000, modelo e601– ver doc nº 15 junto com a pi.
X - A 29.11.2016 o júri elaborou o relatório preliminar relativo ao lote 2 e propôs a exclusão da proposta da S…, por esta não contemplar o requisito mínimo «sensibilidade funcional do teste Tacrolimus <1,0ng/ml – ver doc nº 8 da p.i, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
Y - E, considerando inexistir qualquer causa de exclusão das propostas da autora e da contrainteressada, procedeu à sua avaliação – ver doc nº 8 da p.i.
Z - Tendo o relatório preliminar sido submetido a audiência prévia, a autora veio pronunciar-se no sentido de que a proposta da R… deveria ser excluída, por não cumprir o requisito respeitante à sensibilidade funcional do teste Tacrolimus <1,0ng/ml, que constitui um aspeto da execução do Contrato não submetido à concorrência, uma vez que:
i. A ficha técnica do este Tacrolimus que é apresentada pela R… atesta que a sensibilidade funcional do seu reagente é =1.0ng/ml, com um erro relativo total admissível < 20%, reconhecendo assim que tal teste não garante a precisão exigida nos documentos do concurso;
ii. Os testes sobre a sensibilidade funcional do Tacrolimus que estão documentados no Estudo foram realizados em equipamentos de leitura distintos daquele que a R… se propõe fornecer no âmbito deste concurso (modelo Cobas e601), pelo que tais resultados (que supostamente atestam uma sensibilidade funcional <1,0ng/ml) não podem ser considerados pelo júri;
iii. Em qualquer caso, a informação constante da ficha técnica teria sempre de prevalecer, em caso de contradição, sobre os elementos constantes de estudos fornecidos pelos concorrentes, uma vez que aquela ficha, submetida aquando do registo do reagente pela R… para aprovação pelo Infarmed, é que constitui o documento que oficialmente atesta as características dos dispositivos médicos para diagnóstico in vitro, reunindo todos os resultados dos estudos que foram considerados credíveis e relevantes – ver doc nº 9 junto com a pi, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
AA - Na sequência, o júri solicitou à R… um esclarecimento sobre a seguinte questão:
No requisito mínimo para o teste Tacrolimus a sensibilidade funcional deve ser <1.0ng/ml e a A… alega que o artigo que a R… apresenta como fonte de prova (de Shipkova M et al, 2004, multi-center analytical evaluation of a novel automated Tacrolimus immunoassay) não deveria ser considerado pelo júri, atendendo a que não apresenta valores de sensibilidade funcional «do teste realizado no equipamento e601 (...) precisamente o equipamento com que a Roche concorre ao presente concurso». A Abbott alega ainda que, nesse artigo, «não há qualquer referência a resultados obtidos no Cobas e601 apresentado ao concurso pela R…, mas apenas a resultados obtidos nos equipamentos e411 e Cobas e602.
Face ao exposto, solicita-se esclarecimento à concorrente R… sobre se os dois equipamentos Cobas e601 e Cobas e602 são analiticamente iguais – ver doc nº 10 junto com a pi, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
BB - Em resposta a R… pronunciou-se no sentido de que os módulos Cobas e601 e Cobas e602 são módulos analíticos idênticos, juntando uma declaração do fabricante destinada a comprovar esse facto – ver doc nº 11 junto com a pi, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
CC - Acrescenta ainda que consultando os folhetos informativos dos diversos reagentes, nomeadamente do Tacrolimus, se pode confirmar que o desempenho analítico dos parâmetros é idêntico, uma vez que essa ficha técnica elucida que o teste pode ser realizado, com os resultados que nessa ficha são atestados, em vários sistemas, incluindo o Cobas e601 e o Cobas e602 – ver DOCs. nº 11 e 5 (canto superior direito da pág. 1) juntos com a pi.
DD - A 9.2.2017 o júri elaborou o relatório final, pronunciando-se sobre o vício da proposta da R… invocado pela autora. O júri sustenta que se pode considerar que os valores de sensibilidade funcional apresentados no artigo científico para o Cobas e602 são válidos também para o Cobas e601, uma vez que a fundamentação técnica apresentada pela R… para suportar essa formação é correta e, como tal, os equipamentos e601 e e602 são idênticos, não existindo qualquer diferença entre eles – ver doc nº 12 junto com a pi, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
EE - O júri propôs a adjudicação do lote 2 à proposta da R… – ver doc nº 12 da p.i.
FF - Ato impugnado: por deliberação de 23.2.2017 o Conselho de Administração da C… aprovou o relatório final e adjudicou à proposta da R… o Contrato relativo ao lote 2 – ver doc nº 13 junto com a pi, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
GG - A 24.2.2017 a decisão foi notificada à autora – ver doc nº 14 da pi.
*
II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO
Aqui chegados, há, pois, condições para se compreender esta apelação e para, num dos momentos da verdade do Estado de Direito (o do controlo jurisdicional), ter omnipresentes, “inter alia”, os seguintes princípios jurídicos fundamentais: (i) juridicidade e legalidade da administração pública, ao serviço do bem comum; (ii) igualdade de tratamento material axiológico de todas as pessoas humanas, que têm todas a mesma dignidade; (iii) certeza e segurança jurídicas; e (iv) tutela jurisdicional efetiva dos direitos das pessoas.
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O recurso demanda que se resolva o seguinte:
1 - O Tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento de facto, ao considerar que o “limite de quantificação”, a que se refere a Ficha técnica do teste Tracolimus, é uma realidade distinta do requisito da “sensibilidade funcional”, que resulta do Anexo III ao Caderno de Encargos?
2 - O Tribunal “a quo”, ao considerar que o Júri do concurso, para comprovar o preenchimento de requisitos técnicos do reagente a adquirir, pode utilizar qualquer meio probatório, mesmo quando a ficha técnica desse reagente ateste que um determinado requisito não é cumprido, incorreu num erro de julgamento na interpretação e aplicação do artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do Programa de procedimento?
3 - A Entidade Demandada não podia atender ao estudo científico apresentado pela R…, porque os testes que o sustentam foram realizados em equipamentos de leitura distintos daquele que a R… se propõe fornecer no âmbito deste concurso (modelo Cobas e601)?
4 – O júri de concurso atuou de forma ilegal, ao permitir que a concorrente contra-interessada prestasse esclarecimentos e juntasse novos documentos para demonstrar que o equipamento em que foi efetuado o estudo por si apresentado é supostamente idêntico ao equipamento a fornecer?
5 - Ao considerar que a questão - de saber se o estudo científico apresentado pela contrainteressada R… é um elemento apto à demonstração do requisito da sensibilidade funcional do teste Tacrolimus é uma questão que envolve um juízo exclusivamente discricionário, e logo próprio e exclusivo da função administrativa - o Tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento?
6 – A recorrente litigou com má-fé, nas suas alegações de recurso, conforme referido pela contra-interessada nas conclusões 50 e 80 das suas contra-alegações?
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Vejamos.
1 – Sobre a correta aplicação dos conceitos técnicos não jurídicos e a chamada discricionariedade administrativa
1.1.
Ao imputar à sentença sob recurso um erro de julgamento da matéria de facto, a Recorrente vinculou-se a cumprir os ónus que sobre si incidem, nos termos do artigo 640º do CPC:
“Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
Não o tendo feito, não poderia este Tribunal conhecer do suposto erro.
1.2.
Todavia, parece-nos que, em vez de um suposto erro de facto, se está antes perante uma confusão de conceitos e o problema da sua boa aplicação, num contexto de complexa tecnicidade dos conceitos envolvidos.
Por isso, decidiu este Tribunal solicitar a colaboração do I…, o qual, na sua informação de fls. 748 e 749 (supratranscrita no que releva para este processo), afirmou que estamos perante conceitos diferentes, só passíveis de coincidência em teoria e em determinadas condições.
1.3.
Na chamada discricionariedade da atividade de administração pública há o poder-dever jurídico de escolher a medida ótima do ponto de vista da salvaguarda do bem comum. É um espaço de liberdade, funcional e materialmente jurídico. Nada tem a ver com arbítrio ou com o princípio da liberdade (dos particulares).
Corresponde a casos em que a norma jurídica que prevê a competência concreta a exercitar (i) tem uma natureza facultativa ou permissiva, (ii) em que a estatuição dessa norma permite optar por diferentes alternativas, (iii) em que essa norma é atuante mediante certos conceitos indeterminados, vagos ou técnicos, ou (iv) em que essa norma atribui prerrogativas de avaliação.
Mas já não cabem na discricionariedade administrativa os conceitos classificatórios, ou seja, já não há discricionariedade administrativa na interpretação-aplicação de conceitos que podem ser precisados através (i) de regras de experiência comum (ex.: urgência imperiosa), (ii) de conhecimentos técnico-científicos ou prova pericial (ex.: material tóxico), de conhecimentos de Direito (ex.: cônjuge) ou (iii) de considerações baseadas nos chamados usos da terra. Ali não há liberdade administrativa.
Ora, o controlo jurisdicional da validade da utilização da discricionariedade administrativa em sentido amplo (margem de livre decisão administrativa), sob a égide do princípio da juridicidade, é feito com a aplicação dos seguintes filtros e limites específicos da discricionariedade dos atos administrativos predominantemente discricionários:
1 - a competência legal (cf. princípio da legalidade da A.P. e consequente princípio da competência);
2 - o respeito pelo fim ou objetivo da lei aplicada (sob pena de desvio de poder);
3 - uma fundamentação de facto e de direito, com justificação expressa, clara, coerente e suficiente nos aspetos vinculados do ato e com motivação expressa, clara, coerente e suficiente nos aspetos discricionários do ato;
4 - o acerto nos pressupostos de facto;
5 - o acerto nos pressupostos de direito;
6 - uma apreciação e uma motivação-explicação sem erro notório;
7 - uma concretização de conceitos – não classificatórios - sem erro manifesto;
8 - o respeito pelos direitos-liberdades-e-garantias; e
9 - o respeito pelos princípios gerais da atividade administrativa consagrados no artigo 266º da CRP e nos artigos 3º ss do CPA (especialmente: proibição de discriminação e obrigação de diferenciação, adequação da medida adotada ao fim de interesse público prosseguido, proibição do excesso na escolha e aplicação dessa medida, ponderação expressa e equilibrada dos elementos conducentes à escolha feita, imparcialidade subjetiva, imparcialidade objetiva, proteção da confiança legítima, conformidade material das condutas com os objetivos da ordem jurídica).
Tais filtros e limites são, em rigor, aspetos vinculativos do poder discricionário.
1.4.
Ora, a Recorrente limita-se a advogar a semelhança de conceitos, sem, contudo, haver prova da tese por si defendida.
Mais, se, como afirma, a semelhança entre conceitos podia ser confirmada “por qualquer técnico com um mínimo de experiencia no fabrico ou comercialização de reagentes”, menos se percebe que se tenha conformado com o despacho do Tribunal a quo que decidiu pela dispensabilidade da produção de prova testemunhal. Com efeito, impendia sobre si a prova da tese que expende desde a sua P.I. (artigo 342º/1 do CC).
E, estando-se na presença de conceitos técnicos em matéria não jurídica, e considerando que tanto o Júri do procedimento como o I… (entidades seguramente melhor preparadas para o efeito do que este Tribunal) alinharam pela dissonância entre os conceitos de “limite de quantificação” e “sensibilidade funcional”, não pode este Tribunal, ainda para mais, dado o silêncio da Recorrente quanto à sua necessidade de prova, vir afirmar a coincidência de tais conceitos.
Em conclusão, não só não ocorre o apontado erro de facto, como estamos perante conceitos técnicos diferentes, como entendido pelo júri e pelo I….
Improcede, assim, esta 1ª questão.

2 – Sobre o erro de julgamento na interpretação e aplicação do artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do Programa de procedimento
Dispõe o artigo 6.º do Programa de procedimento, no que para o caso releva:
2)Sob pena de exclusão, mas sem prejuízo de outras informações que o concorrente considere indispensáveis e do previsto na parte final da NOTA 1 da subalínea (i) da alínea b) do n.º 1 do presente artigo (quanto à cominação aí prevista para a falta de informação/documentação para a aferição dos atributos), as propostas deverão ainda conter:
b) Ficha técnica de cada reagente que integra os lotes para os quais o concorrente concorre, indicando a (I) marca comercial, (II) pais de origem, (III) tipo de embalagem com menção expressa do número de unidades por embalagem, e, em geral, (IV) sem prejuízo do previsto na NOTA 2 da subalínea (ii) da alínea b) do n.º l, todas especificações técnicas necessárias para a aferição do cumprimento de todos atributos referentes aos reagentes a que se vinculam (cfr. segunda parte da NOTA 1 da subalínea (ii) da alínea b) do n.º 1), (V) bem como dos requisitos mínimos indicados no Anexo III ao Caderno de Encargos (cfr. grelha referida na NOTA seguinte);
Por sua vez, a NOTA 2 da subalínea (ii) da alínea b) do n.º l estipula:
A informação apresentada no formulário referido na NOTA 1 anterior não vincula a entidade adjudicante, porquanto poderá ser validada pelo Júri com base na informação técnica prevista nas alíneas b) e c) do n.º 2 do presente artigo e, se for o caso, na segunda parte da NOTA anterior, bem como, mediante exclusiva determinação do Júri, com base na informação/documentação adicional que vier a ser exigida, no prazo fixado para o efeito, em sede de análise e avaliação das propostas, a requerer ao abrigo do disposto no artigo 72.º do CCP, sendo que a não prestação/entrega da informação/documentação no prazo fixado é motivo de exclusão da proposta, nos termos da alínea n) do n.º 2 do artigo 146.º do mesmo Código. Para os mesmos efeitos, o Júri poderá, ainda, solicitar, por sua exclusiva determinação, a realização de testes aos equipamentos e ou reagentes propostos, em prazo razoável por si fixado para o efeito, caso em que o concorrente visado deverá providenciar pela realização dos referidos testes em condições adequadas, suportando integralmente os custos respetivos. Nesse caso, será dado conhecimento aos demais concorrentes, com antecedência prévia de pelo menos 5 dias, do local, do dia e da hora da realização dos referidos testes, dos quais será lavrada ata a assinar por todos os presentes. A oposição do concorrente à realização dos testes solicitados ou a não realização dos mesmos no prazo fixado pelo Júri é motivo de exclusão da proposta, nos termos da alínea n) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP;
A segunda parte da NOTA 1 da subalínea (ii) da alínea b) do n.º 1) prescreve:
Adicionalmente, os concorrentes devem apresentar documentação oficial ou fontes de prova que comprovem cada um dos atributos das propostas a que se vinculam no referido formulário. A ausência de tal documentação oficial ou fontes de prova não determina a exclusão da proposta, mas apenas a sua não valorização, obtendo a classificação de O pontos nos atributos em apreço.
Finalmente, a nota seguinte à alínea b) impõe:
Para efeitos do ponto (V) da alínea b) e do ponto (III) da alínea c) do n.º 2 do presente artigo, os concorrentes devem apresentar documentação oficial ou fontes de prova que comprovem cada um dos requisitos mínimos indicados no Anexo III ao Caderno de Encargos. A ausência de documentação comprovativa determina a exclusão da proposta, sem prejuízo do previsto na NOTA 2 à subalínea (ii) da alínea b) do n.º l do presente artigo. Adicionalmente, requer-se que a proposta seja instruída com uma grelha, por lote, com resposta "sim ou não" (a elaborar em termos paralelos ao "Modelo de apresentação dos atributos referentes aos reagentes e equipamentos por Lote" constante do Anexo III) a cada um dos referidos requisitos mínimos, com precisa indicação do respetivo documento comprovativo e, se possível, a sua localização no contexto da proposta em causa.
Transcritas e lidas as partes relevantes do artigo 6º do programa do procedimento, não se retira dali a impossibilidade de um concorrente, ao formular a sua proposta, recorrer a outros elementos que não a ficha técnica, desde que a junte, bem visto.
Pelo contrário, a formulação “(…) apresentar documentação oficial ou fontes de prova que comprovem cada um dos requisitos mínimos indicados no Anexo III ao Caderno de Encargos (…)” aparece repetida diversas vezes.
Do mesmo modo, não se vislumbra uma qualquer hierarquização que determine a prevalência da informação contida na ficha técnica, face à informação contida em outras fontes de prova.
Pelo que não resta outra hipótese que não seja a de concluir pela inexistência do assacado erro de direito na interpretação e aplicação do cit. artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do Programa de procedimento.

3 – Sobre os diferentes equipamentos de leitura
A Recorrente jamais pôs em causa o estudo apresentado pela contra-interessada ou as suas conclusões.
O que vem agora questionar é somente o facto de os testes, que sustentam o estudo, terem sido realizados em equipamentos de leitura distintos daquele que a contra-interessada propôs fornecer no âmbito do concurso.
Outrossim, não impugnou a matéria de facto dada como provada.
Ainda assim, e caso haja evidência de que os resultados não diferem entre os diferentes equipamentos (Cobas e601 e Cobas e602), então perde razão de ser o argumento convocado pela Recorrente.
Ora, à semelhança da distinção entre os conceitos de “limite de quantificação” e “sensibilidade funcional” (questão A), estamos perante uma realidade técnica muito específica.
Por isso, decidiu este Tribunal solicitar a colaboração do I…, o qual, na sua informação de fls. 748 e 749 (supratranscrita no que releva para este processo), apontou que “é previsível que perante uma mesma amostra utilizando o mesmo reagente, os dois modelos ofereçam resultados equivalentes dentro dos critérios de desempenho funcional estabelecidos (sensibilidade, precisão, repetibilidade). Serão, contudo, espectáveis pequenas variações dentro de um coeficiente de variação (imprecisão) aceitável entre ensaios, equipamentos ou mesmo entre laboratórios.”
Trata-se de uma resposta imprecisa, não perentória, no contexto da imprecisão das realidades de que trata.
Considerando (i) que estamos num espaço próprio de valoração administrativo-técnica (não sendo um caso de aplicação de um conceito classificatório) e (ii) que tanto o Júri do procedimento como o I… (entidades seguramente melhor preparadas para o efeito do que este Tribunal) alinharam pela semelhança entre os dois equipamentos e respectivos resultados em condições normais, não se pode concordar com a tese da Recorrente expressa na questão 3, pelo que, tendo ainda presente o artigo 3º/1 do CPTA, se conclui que não tem razão.

4 – Sobre os esclarecimentos acerca das propostas
Dispõe o artigo 72º do CCP:
“Esclarecimentos e suprimento de propostas e candidaturas
1 - O júri do procedimento pode pedir aos concorrentes quaisquer esclarecimentos sobre as propostas apresentadas que considere necessários para efeito da análise e da avaliação das mesmas.
2 - Os esclarecimentos prestados pelos respetivos concorrentes fazem parte integrante das mesmas, desde que não contrariem os elementos constantes dos documentos que as constituem, não alterem ou completem os respetivos atributos, nem visem suprir omissões que determinam a sua exclusão nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º
3 - O júri deve solicitar aos candidatos e concorrentes que, no prazo máximo de cinco dias, procedam ao suprimento das irregularidades das suas propostas e candidaturas causadas por preterição de formalidades não essenciais e que careçam de suprimento, incluindo a apresentação de documentos que se limitem a comprovar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da proposta ou candidatura, e desde que tal suprimento não afete a concorrência e a igualdade de tratamento.
4 - O júri procede à retificação oficiosa de erros de escrita ou de cálculo contidos nas candidaturas ou propostas, desde que seja evidente para qualquer destinatário a existência do erro e os termos em que o mesmo deve ser corrigido.
5 - Os pedidos do júri formulados nos termos dos n.os 1 e 3, bem como as respetivas respostas, devem ser disponibilizados em plataforma eletrónica utilizada pela entidade adjudicante, devendo todos os candidatos e concorrentes ser imediatamente notificados desse facto.”
Dispõe também a NOTA 2 da subalínea (ii) da alínea b) do n.º l do artigo 6º do programa do procedimento (já transcrita, mas que aqui se replica para melhor exposição):
“A informação apresentada no formulário referido na NOTA 1 anterior não vincula a entidade adjudicante, porquanto poderá ser validada pelo Júri com base na informação técnica prevista nas alíneas b) e c) do n.º 2 do presente artigo e, se for o caso, na segunda parte da NOTA anterior, bem como, mediante exclusiva determinação do Júri, com base na informação/documentação adicional que vier a ser exigida, no prazo fixado para o efeito, em sede de análise e avaliação das propostas, a requerer ao abrigo do disposto no artigo 72.º do CCP, sendo que a não prestação/entrega da informação/documentação no prazo fixado é motivo de exclusão da proposta, nos termos da alínea n) do n.º 2 do artigo 146.º do mesmo Código. Para os mesmos efeitos, o Júri poderá, ainda, solicitar, por sua exclusiva determinação, a realização de testes aos equipamentos e ou reagentes propostos, em prazo razoável por si fixado para o efeito, caso em que o concorrente visado deverá providenciar pela realização dos referidos testes em condições adequadas, suportando integralmente os custos respetivos. Nesse caso, será dado conhecimento aos demais concorrentes, com antecedência prévia de pelo menos 5 dias, do local, do dia e da hora da realização dos referidos testes, dos quais será lavrada ata a assinar por todos os presentes. A oposição do concorrente à realização dos testes solicitados ou a não realização dos mesmos no prazo fixado pelo Júri é motivo de exclusão da proposta, nos termos da alínea n) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP;”
Ora, considerando que, não só o próprio comando legal, como a norma do procedimento que a ele alude, permitem os esclarecimentos pedidos pelo Recorrido e fornecidos pela contra-interessada, não se discerne aqui a ilegalidade assacada pela Recorrente ao Júri. É que os esclarecimentos aqui em causa não contrariam os elementos constantes dos documentos que constituem a proposta em causa, não alteram ou completam os respetivos atributos, nem supriram omissões que determinem a exclusão da proposta.
Tanto mais que os esclarecimentos foram solicitados pelo Júri em função de dúvidas expostas pela própria Recorrente em sede de audiência prévia do relatório preliminar.
Recorde-se, ainda, que a Recorrente não impugnou a matéria de facto dada como provada (designadamente a que se reporta aos esclarecimentos prestados e respectivo teor).
Não merece, assim, acolhimento a tese da Recorrente de que estamos perante elementos novos suscetíveis de alterar ou melhorar a proposta apresentada pela contra-interessada. Só esse comportamento do Júri, extravasando os limites impostos pelo artigo 72º do CCP e pelo próprio programa do procedimento, inquinaria de ilegalidade o seu comportamento.

5 – Sobre as fontes de prova utilizáveis pelos concorrentes e pelo júri
Da fundamentação de direito expendida pelo Tribunal a quo não resulta, em nenhum momento, a tese desenvolvida pela Recorrente nas suas conclusões, e que se conformou supra como questão 5.
O mesmo entendemos supra no ponto 2, para onde remetemos.
Mas já resulta da matéria de facto dada como provada, a qual não foi impugnada pela Recorrente, que “a 9.2.2017 o júri elaborou o relatório final, pronunciando-se sobre o vício da proposta da R… invocado pela autora. O júri sustenta que se pode considerar que os valores de sensibilidade funcional apresentados no artigo científico para o Cobas e602 são válidos também para o Cobas e601, uma vez que a fundamentação técnica apresentada pela R… para suportar essa formação é correta e, como tal, os equipamentos e601 e e602 são idênticos, não existindo qualquer diferença entre eles” (facto DD).
Logo, por aqui, improcederia também esta questão.
Efetivamente, e na senda das questões 1 e 3, também aqui estamos perante uma realidade técnica complexa, pelo que, a menos que houvesse um erro grosseiro da apreciação feita pela Administração, é evidente que é a esta, porque melhor preparada e apetrechada do que o Tribunal, que compete avaliar se determinado elemento técnico – não integrável na ciência do Direito – contido em certa proposta dá ou não dá uma resposta satisfatória às exigências do caderno de encargos e do programa do procedimento.
Não existe, nem se invocou, tal erro grosseiro da apreciação feita pela Administração.
Pelo que improcede também esta questão.

6 – Sobre a litigância de má-fé
Nas conclusões 50 e 80 das suas contra-alegações, a contra-interessada acusa a Recorrente de litigância de má-fé, nos seguintes termos:
“50 - Motivo pelo qual não se poderia senão considerar como não séria a alegação da mesma de que inexiste nos presentes autos meios probatórios suficientes para atestar que o “limite de quantificação” a que se refere a Ficha Técnica do Teste Tacrolimus apresentado pela Recorrida, é uma realidade distinta da “sensibilidade funcional” – o que, em último caso, poderá ser passível de consubstanciar uma conduta em Litigância de Má Fé (cfr. artigo 542.º n.º 1, alínea a) e d), do CPC), não só porque a Recorrente sabe que não lhe assiste qualquer razão, mas também porque o presente expediente serve – na verdade, e com todo o respeito – intuitos meramente dilatórios, tudo, numa tentativa vã de arrastar os tramites da presente Acção de Contencioso Pré-Contratual, que sabe serem de natureza urgente, de forma a frustrar os interesses inerentes à celebração do contrato subjacente ao presente Concurso Público em apreço, numa vendeta por a sua Proposta não ter sido a adjudicada.”
“80 - Como primeira ilação, concluiu a Recorrida que a Recorrente apresenta-se agora, perante este Venerando Tribunal Superior, com uma tese diferente – e até contraditória – daquela com que se apresentou junto do douto Tribunal a quo, o que é passível de consubstanciar uma conduta em Litigância de Má Fé, por se encontrar a fazer uso manifestamente reprovável do processo, com o fim de conseguir protelar, sem fundamento sério, o transito em julgado da decisão recorrida (cf. artigo 542.º, n.º 2, alínea d), do CPC), pois que compulsado o teor da Petição Inicial instaurada pela Autora, ora Recorrente, facilmente se constata que a mesma constrói toda uma teoria de incumprimento por parte da Contra-Interessada, ora Recorrida, dos requisitos mínimos exigidos no Caderno de Encargos, a propósito do teste Tracolimus, porquanto da Ficha Técnica – documento considerado fundamental – apresentada por esta, alegadamente não atestava que a “sensibilidade funcional” do reagente fosse <1,0ng/ml, conforme era exigido sob causa de exclusão da Proposta.”
Dispõe o artigo 542º do CPC, aplicável ex vi artigo 1º do CPTA, sob a epígrafe “Responsabilidade no caso de má-fé - Noção de má-fé”, o seguinte:
“1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
3 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé.”
São, assim, duas as imputações de litigância de má-fé feitas pela contra-interessada à Recorrente:
- a de dedução de pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar (alínea a)) e
- a de ter feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão (alínea d)).
As alíneas a) a c) do cit. artigo abordam a relação material da parte, isto é, a forma como a mesma se apresentou perante o Tribunal.
A alínea d) do cit. artigo, por sua vez, visa sancionar o uso indevido do processo.
Quer num caso, quer no outro, é necessário que tais comportamentos estejam informados por dolo ou por uma negligência grave.
Isto é, tem que lhe estar subjacente uma intenção concreta, definida e premeditada ou, então, uma falta de cuidado de tal modo grave que o comportamento da parte seja imediatamente censurável.
Ora, quer o dolo, quer a negligência grave, carecem de ser demonstrados, não podendo ser presumidos.
Aqui chegados, não nos parece que a contra-interessada tenha razão nas imputações que realiza.
Com efeito, dos autos ou do conhecimento comum não resulta, sem margem para dúvidas, que “limite de quantificação” e “sensibilidade funcional” sejam conceitos totalmente diferentes. Ao invés e como se referiu supra, estamos perante realidades técnicas complexas.
E, por outro lado, não vislumbramos na conduta processual da Recorrente um uso manifestamente reprovável do direito ao recurso.
Pelo que não há litigância de má-fé.
*
III. DECISÃO
Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os juizes deste Tribunal Central Administrativo Sul em, negando provimento ao recurso, julgá-lo improcedente.
Custas a cargo da recorrente.
Lisboa, 05-04-2018
(Paulo Pereira Gouveia - relator)


(Catarina Jarmela)


(Conceição Silvestre)