Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07226/11
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:02/24/2011
Relator:CRISTINA DOS SANTOS
Descritores:AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA POR RAZÕES HUMANITÁRIAS
Sumário:1.A autorização de residência por razões humanitárias é concedida designadamente quando no país da nacionalidade do interessado ocorra uma situação de sistemática violação dos direitos humanos – cfr. artº 7ºda Lei nº 27/08, de 30 de Junho.

2. Caso dos factos relatados no depoimento do autor resulte claro que a motivação de saída e não regresso ao seu país de origem se funda em razões de procura de uma vida melhor em termos profissionais, embora tais razões sejam, em abstracto, legítimas, todavia reportam a factualidade que não é subsumível na condição de refugiado por forma a constituir na sua esfera jurídica o direito de protecção subsidiária consagrado no artigo 7º da Lei nº 27/08.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Diallo ………………., com os sinais nos autos, inconformado com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, dela vem recorrer, concluindo como segue:

1. Ao contrário da douta sentença proferida, não está provado que o Recorrente tenha viajado para Portugal por motivos económicos;
2. Os motivos que levaram a que o aqui Recorrente tivesse que fugir do seu país de origem, a Guiné Conacri, não foram de razão económica ou para trabalhar, mas sim o fundado receio que tinha de ser preso e ser perseguido,
3. e que de contra si fossem cometidos crimes de ameaça grave contra a sua vida ou contra a sua integridade física (destaque nosso), como já tinha visto suceder ao seu irmão, que, inclusivamente, foi assassinado em Setembro de 2009.
4. Aliás, tal como decorre das informações recolhidas pela Autoridade Administrativa, aqui Recorrida, o Recorrente afirmou ser estudante fazer a sua vida normal, estando empenhado no processo de democratização do seu país, o que o levou, inclusivamente, à presidência da juventude de um partido político no seu país.
5. Ora, nenhum cidadão se envolve politicamente na luta pela democracia no seu país, para um mês depois abandonar o mesmo para vir trabalhar para a Europa por não ter condições de sobrevivência (sublinhado nosso).
6. O Recorrente levava na Guiné Conacri, onde residia com a sua tia, uma vida estável, tendo a mesma contribuído, inclusive, com fundos monetários para a sua fuga clandestina do país,
7. pelo que, não se poderá nunca deduzir, salvo o devido respeito por opinião contrária, tendo em conta a totalidade do relato do Requerente, que consta no depoimento que foi prestado á Autoridade Administrativa, que o objectivo da sua fuga fosse o de procurar uma vida melhor na Europa, como concluiu, o Tribunal à quo.
8. O Recorrente limitou-se afirmar que na Guiné Bissau, país por onde passou antes de chegar ao território nacional, não dispunha de meios que garantissem a sua sobrevivência, o que corresponde inteiramente à verdade.
9. Ora, o país de origem do recorrente não é a Guiné Bissau e nem esse país dispõe de uma situação estável que possa garantir as condições de asilo que o Recorrente procurou e requereu em Portugal.
10. Foi, de resto, essa a razão que levou o Recorrente a não permanecer na Guiné Bissau e decidisse partir para Portugal, com a ajuda de familiares e amigos e não pelas alegadas razões económicas que serviram de fundamento à decisão proferida.
11. Contudo, como qualquer pessoa, o requerente necessita de meios para sobreviver, razão pela qual precisa ter uma autorização de residência válida em Portugal sob pena de, sendo forçado a regressar ao seu país, a sua vida correr grave e irremediável perigo.
12. Por outro lado, não resulta provado que o Recorrente possa regressar à Guiné-Conacri sem que possa garantir-se a ausência de perigo para a sua vida ou para a sua integridade física.
13. Ora, nos termos do n.° 1 do artigo 20° da Lei n.° 27/2008, de 30 de Junho, referente à admissão dos pedidos de protecção apresentados ao Estado português, procede a Lei n.° 27/2008, de 30 de Junho, por via do seu artigo19°, a uma enumeração taxativa das cláusulas de inadmissibilidade que, quando preenchidas, deverão determinar a inadmissibilidade e consequente indeferimento liminar do pedido de asilo.
14. De acordo com as declarações proferidas pelo Recorrente, deverá aqui apreciar-se a verificação da cláusula de inadmissibilidade prevista na alínea c) do n.° 2 do artigo 19° da Lei n.° 27/2008, de 30 de Junho,
15. ou seja, se concretamente, deverá o pedido de protecção do autor ser "(...) considerado inadmissível e sujeito a tramitação acelerada, quando for evidente que não satisfaz nenhum dos critérios definidos pela Convenção de Genebra e Protocolo de Nova Iorque por: (...) c) O requerente não preencher claramente as condições para ser considerado refugiado (...)".
16. Também sobre os requisitos da concessão do estatuto de refugiado, enunciados pela norma constante do n.° 2 do artigo 3° da Lei 27/2008, de 30 de Junho, relativa à concessão do estatuto de refugiado, determina este preceito, em sintonia com a definição prevista pelo artigo 1-A (2) da Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados e pelo artigo 1 (2) do seu Protocolo de Nova Iorque de 1967 que:
17. "Têm ainda direito à concessão do asilo os estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento ser perseguidos em razão da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual."
18. Constituem requisitos daquele normativo para o reconhecimento do estatuto de refugiados: a. O requerente encontrar-se fora do país da sua nacionalidade; b. Apresentar um receio fundado (de perseguição); c. Perseguição; d. Em razão da raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social; e. Ausência de protecção do Estado
19. Em conformidade com as orientações do ACNUR "o receio de perseguição será fundado se existir uma possibilidade razoável de o requerente de asilo vir a sofrer perseguição na eventualidade de ser devolvido ao país da sua nacionalidade" (destaque nosso).
20. Continua aquele relatório que, "(...) Deve pressupor-se que a pessoa receia com razão ser perseguida se já foi vítima de perseguição por uma das razões enumeradas na Convenção de 1951"(...) "Estas considerações não têm necessariamente que se basear na experiência pessoal do requerente. O que, no caso concreto, aconteceu aos seus amidos e familiares e outros membros do mesmo grupo racial ou social pode também demonstrar que o seu receio de mais cedo ou mais tarde vir a ser vítima de perseguição é fundado." (destaque nosso), como sucedeu com os seus colegas de partido e também com o seu irmão, que foi assassinado.
21. Uma vez que o Recorrente afirma temer ser preso pela FOSSEPEL, em razão da sua participação nos confrontos ocorridos no período pré-eleitoral, em 24 de Junho de 2010, na cidade de Coyah, essas condições que se encontram-se aqui preenchidas na integra.
22. O receio do Recorrente resulta da detenção, comprovada, no dia 28 de Junho de 2010, de um seu camarada do partido que o acompanhava no dia daqueles acontecimentos, parecendo-lhe óbvio, à luz dos sistemáticos abusos dos direitos humanos cometidos pelas autoridades guineenses ao longos do anos, que são, aliás, sistematicamente noticiados peta imprensa internacional, correr o risco de ser sujeito a uma detenção ilegal prolongada, ou até a ser vítima de tortura ou maus-tratos.
23. Tanto mais que o Recorrente presenciou, como já foi referido, a morte do seu que o irmão mais velho que participou e morreu na manifestação organizada pelos partidos da oposição, no Estádio em Conacri, 28 de Setembro de 2009, durante a qual centenas de manifestantes foram mortos, feridos ou sexualmente violentados pelos militares.
24. Por outro lado, à luz dos mais recentes desenvolvimentos sociopolíticos na Guiné Conacri, resulta claro o fundado receio do autor de regressar ao seu país.
25. De facto, a tomada de posse de um governo interino na Guiné Conacri, em Fevereiro de 2010, ocorrida após a tentativa de assassinato do então Presidente D……… C………., parece ter resultado numa aparente pacificação do país, e consequente melhoria das condições gerais de segurança.
26. Por esse motivo participou o Autor activamente na campanha política que decorreu até 25 de Junho de 2010.
27. Porém, apesar de já realizadas as eleições onde foi confirmada a vitória de A………. Conde obteve 52,52% dos votos (1.474.973 votos), contra 47,48% de Cellou ………….. (1.333.66 votos), a verdade é que duas semanas após o anúncio da vitória provisória de Conde que foi acompanhado de violências político - étnicas brutalmente reprimidas no feudo do perdedor, Diallo, de etnia Peule, pelo que, apesar dos apelos à paz levados a cabo pelo candidato perdedor, será certamente precipitado pugnar por uma alteração suficientemente significativa e duradoura do contexto de segurança na Guiné Conacri que, essa sim, teria podido fundamentar a natureza pretérita do receio de perseguição alegado.
28. Assim, no caso concreto, o Autor deverá ser enquadrado nos critérios de concessão da protecção subsidiária, e mais concretamente os constantes da alínea c) do artigo 7° da Lei n.° 27/2008, de 30 de Junho. Estabelece o referido normativo: "1 - É concedida autorização de residência por razões humanitárias aos estrangeirose aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3. ° e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave. 2 — Para efeitos do número anterior, considera -se ofensa grave, nomeadamente: a) A pena de morte ou execução; b) A tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante do requerente no seu país de origem; ou c) A ameaça grave contra a vida ou a integridade física do requerente, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos. (...) " (destaque nosso),
29. Como já foi dito o Recorrente receia que um eventual regresso à Guiné Conacri possa colocar em perigo a sua integridade física ou até conduzir à sua morte.
30. Resulta do supra citado diploma relativo à protecção subsidiária que o acolhimento do pedido de protecção internacional do requerente exigirá a demonstração de uma impossibilidade objectiva de regresso ao seu pais de origem, em consequência de ameaça grave contra a sua vida ou integridade física, resultante da violação generalizada e indiscriminada dos direitos humanos no seu país de origem (destaque nosso).
31. A disposição em questão resulta da transposição, para a ordem jurídica nacional, operada pelo artigo 7° da Lei n.° 27/2008, de 30 de Junho, do regime contido na directiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de Abril de 2004.
32. A sua interpretação deverá, em consequência, atender ao espírito das normas comunitárias que lhe subjazem, concretamente aos artigos 2° alínea e) e 15° alínea c) daquele diploma.
33. Como foi referido no artigo 53° do presente recurso, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) afirma que " (...) a existência de uma ameaça grave e individual contra a vida ou a integridade física do requerente da protecção subsidiária não está subordinada à condição de este fazer prova de que é visado especificamente em razão de elementos próprios da sua situação pessoal; a existência de tal ameaça pode excepcionalmente ser dada como provada quando o grau de violência indiscriminada que caracteriza o conflito armado em curso, apreciado pelas autoridades nacionais competentes que devam pronunciar-se sobre um pedido de protecção subsidiária ou pelos órgãos jurisdicionais de um EstadoMembro chamados a apreciar uma decisão de indeferimento de tal pedido, seja de um nível tão elevado que existem motivos significativos para acreditar que um civil expulso para o país em causa ou, eventualmente, para a região em causa poderia correr, pelo simples facto de se encontrar no território destes, um risco real de sofrer tal ameaça.
34. Ora, no actual contexto socio-político da Guiné-Conacri, que como é sabido, continua a dar origem numeroso abusos dos direitos humanos não apenas de reconhecidos opositores políticos do Estado, mas igualmente de cidadãos comuns, é absolutamente credível que o Recorrente corra o risco de sofrer ofensa grave na eventualidade de um regresso ao país de origem.
35. Nos termos do n.° 3 do artigo 18° da Lei n.° 27/2008, de 30 de Junho, "Constitui um indício sério (...) do risco de sofrer ofensa grave, o facto de o requerente já ter (...) sofrido ou sido directamente ameaçado de ofensa grave, excepto se existirem motivos fundados para considerar que os fundamentos dessa perseguição ou ofensa grave cessaram e não se repetirão." A manutenção da instabilidade política na Guiné-Conacry contribuem de forma determinante para o mérito do pedido de protecção do Recorrente e a exclusão da cláusula de inadmissibilidade ora apreciada.
36. Mais, o Recorrente transitou por Bissau, onde permaneceu cerca dois meses, tendo decidido não pedir asilo naquele país por não dispor de quaisquer perspectivas de sobrevivência, mas sobretudo por não ser este também um país estável que ofereça perspectivas de segurança e integração local no longo prazo.
37. Também aqui se exige a aplicação ao Autor da cláusula de inadmissibilidade prevista no parágrafo ii) da alínea d) do n.° 2 do artigo 19° da Lei n.° 27/2008, de 30 de Junho, ou seja, se deverá o seu pedido de protecção ser "(...) considerado inadmissível e sujeito a tramitação acelerada, quando for evidente que não satisfaz nenhum dos critérios definidos pela Convenção de Genebra e Protocolo de Nova Iorque por: (...) d) O pedido de asilo ser considerado infundado porque: (...) O país que não é um Estado membro é considerado país terceiro seguro para o requerente;" (destaque nosso).
38. Sobre a definição de "país terceiro seguro", constante da alínea n) do artigo 2° da Lei n.° 27/2008, de 30 de Junho, cumpre ressaltar - sem transigir, contudo, quanto a um provável respeito pelos direitos humanos e pelo princípio do non refoulement (nomeadamente indirecto) pela Guiné Bissau na eventualidade do afastamento do Recorrente para aquele país - que a sua aplicação exige a existência de uma "ligação entre o requerente de asilo e o país terceiro em causa que permita, em princípio, que essa pessoa se dirija para esse país;" (v. parágrafo i) da alínea n) do n.° 1 do artigo 2° da Lei n.° 27/2008, de 30 de Junho).
39. A interpretação do conceito de "país terceiro seguro", e a natureza da ligação exigida entre o Recorrente e o país terceiro em causa com vista à sua aplicação, foi objecto de apreciação como se refere no ponto 52 do presente recurso, refere que "A responsabilidade [internacional] primária pela concessão de protecção incumbe ao Estado onde o pedido é apresentado.
40. A transferência de responsabilidade apenas deverá ser ponderada entre Estados com sistemas de protecção comparáveis, e tendo por base um acordo que defina claramente as respectivas responsabilidades. (...) O requerente deverá apresentar uma ligação genuína ou laços estreitos com o país terceiro. Tal ligação deverá ser mais intensa do que a ligação que este mantém com o Estado onde apresentou o pedido de asilo. (...) O Estado terceiro deverá concordar expressamente com a readmissão do requerente no seu território e com a análise do mérito do pedido em sede de um procedimento justo. (...) Exemplos de ligações que poderão legitimamente relevar [para efeitos de aplicação do conceito de país terceiro seguro] incluem a existência de vínculos familiares, (...), anteriores estadias tais como visitas ou estudos, bem como elos linguísticos ou culturais. (...), (destaque nosso) o que, claramente, não é aqui o caso.
41. Ora, na ausência de um qualquer acordo entre a Portugal e a Guiné-Bissau relativa à repartição de responsabilidades pela análise de pedidos de protecção internacional, e não existindo qualquer ligação relevante que justifique a sua transferência somos do entendimento que a aplicação desta cláusula de inadmissibilidade deverá ser afastada neste caso concreto.
42. Assim sendo, e em face do que vem exposto, encontram-se totalmente preenchidos os pressupostos que justificam a admissão do pedido de asilo apresentado pelo Recorrente ao Estado Português, uma vez que é altamente provável que este corra um risco de sofrer ofensa fisica grave, na eventualidade de um regresso à Guiné-Conacri.
43. Está sim provado que o Recorrente reúne as condições de admissibilidade de asilo, nos termos do artigo 28° da Lei n° 27/2008 de 30 de Junho, na modalidade de protecção subsidiária, nos termos do artigo 7° do mesmo diploma.

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O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, ora Recorrido, contra-alegou, concluído como segue:

1. A Decisão impugnada satisfaz todos os requisitos legais, não existindo qualquer vício susceptível de gerar a invalidade do acto administrativo praticado.
2. A autoridade recorrida deu pleno cumprimento às normas imperativas vigentes em matéria de Asilo e Refugiados, enquadrando de forma adequada a situação fáctica do recorrente.

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Com substituição legal de vistos pela entrega das competentes cópias aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência – artºs. 36º nºs. 1 e 2 CPTA e 707º nº 2 CPC, ex vi artº 140º CPTA.

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Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:

A. Elhadje ……….. nasceu em 11 de Setembro de 1991 em Conacri, Guiné Conacri. Cfr. documentos de folhas l e 35 do processo administrativo.
B. Elhadje ………….. compareceu no posto de fronteira do aeroporto de Lisboa, proveniente de Bissau, Guiné Bissau, no voo TP 200, em 26 de Agosto de 2010, pelas 0Sh00. Cfr. documentos de folhas 5 e 22 do processo administrativo.
C. Era portador do passaporte da República da Guiné n.°RO318871, emitido aos 16/08/2010 e válido até 15/08/2015 em nome de Mamadou ………… e título de residência suíço com o n.°l ………… também em nome de Mamadou …………….. Cfr. documentos de folhas 5 e 8 do processo administrativo.
D. Elhadje ……………… foi interceptado, em virtude de se terem suscitado dúvidas quanto à autenticidade do título de residência, pelo que foi o documento analisado pelo UIPD, tendo este departamento concluído que o título de residência apresentava fortes indícios de fraude por substituição de fotografia e alteração de dados. Cfr. documento de folhas 5 do processo administrativo.
E. A Elhadje …………. foi recusada a entrada em território nacional português "por não ser titular de visto válido e adequado à finalidade da deslocação, ao abrigo do artigo 32.°, n.°l, alínea a) conjugado com o artigo 10.° da Lei n.°23/2007, de 4 de Julho".Cfr. documento de folhas 4 a 6 dos autos.
F. Em 26 de Agosto de 2010 pelas 16 horas foi Elhadje …………o notificado daquela decisão de recusa de entrada em território nacional tendo então revelado que a sua verdadeira identidade era Elhadje …………. e não Mamadou ……………….. Cfr. folhas 7 do processo administrativo.
G. Em 27 de Agosto de 2010 pelas 02hOO Elhadje ……….. apresentou junto do posto de Fronteira do Aeroporto de Lisboa pedido de asilo.Cfr. documentos de folhas 21 e 22 do processo administrativo.
H. Em 31 de Agosto de 2010 foi no Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras elaborado auto de declarações de Elhadje ………….. Com o seguinte teor:"Aos 31 de Agosto de 2010, pelas 10 horas e 10 minutos, no Aeroporto de Lisboa, compareceu perante mim, Manuel A. …………, Inspector-Adjunto Principal, o cidadão que se identificou como Elhadj Mohamed …………., nascido a 11-09-1991 em Conacry, nacional da Guiné Conacry, filho de pai Alpha ……… e de Oumou …….., estando também presente o cidadão português João …………… do Cartão do Cidadão n.°………., válido até 07-11-2014 como intérprete da língua francesa falada pelo requerente, o qual respondeu do seguinte modo às questões que lhe foram colocadas. 1. Questionado sobre a sua identidade verdadeira, disse ser a agora fornecida e não a que utilizou para tentar entrar em território nacional; 2. Questionado sobre se tinha documentos comprovativos da sua identidade verdadeira e da sua nacionalidade, disse que não; 3. Questionado sobre o local onde residia quando saiu da Guiné Conacri, disse residir na Comunidade de Ratoma, à beira de uma estrada nacional, não possuindo nome de rua nem número; 4. Questionado sobre a sua etnia e religião, disse ser de etnia Peule e professar a religião muçulmana; 5. Questionado sobre a sua profissão, disse que era estudante; 6. Questionado sobre se vivia com os pais, disse que vivia com uma tia com o nome Djenabou ………, comerciante em Conacri; 7. Questionado sobre os pais, disse que a sua mãe faleceu em 2007 e que não sabe do seu pai desde esse ano; 8. Questionado sobre as razões pelas quais saiu da Guiné Conacri, disse: a. Que, quando dos acontecimentos do dia 28 de Setembro de 2009, foi participar na manifestação que estava a ter lugar no estádio de futebol, onde se encontravam milhares de pessoas; b. Que essa manifestação tinha por objectivo fazer com que a democracia fosse introduzida no país; c. Que era também objectivo dessa manifestação dissuadir o capitão Dadis …………. de se candidatar à presidência, uma vez que esta candidatura não era bem aceite no país nem agradava aos restantes partidos políticos; 9. Questionado sobre se se encontrava dentro do estádio, disse que não, que se encontrava nas imediações do estádio; 10. Questionado sobre o sucedido, disse que: a. Que quando o exército chegou, começou a disparar e gerou-se a confusão nas pessoas que se encontravam nas imediações, tentando fugir ao tiroteio; b. Que durante a fuga, caiu e partiu a clavícula, sendo depois levado pela Cruz Vermelha para o Hospital de Donka em Conacri, onde foi tratado; 11. Questionado sobre o sucedido depois deste acontecimento, disse que continuou normalmente a sua actividade como estudante no Instituto Superior Tecnológico (Instute Superieur Tecnologique) frequentando o curso de "Conception et fabrication Mechanique (CFM) - Concepção de Fabricação Mecânica"; 12. Questionado sobre se após os acontecimentos de 28 de Setembro, ou se durante os próprios acontecimentos tinha tido algum problema com a polícia ou com o exército, disse que não; 13. Questionado sobre os acontecimentos que efectivamente o levaram a sair do país, disse: a. Que após o atentado de que foi vítima o Capitão D…….. C…….. e após o que foi levado para Marrocos e posteriormente para o Burkina Faso, ficou em seu lugar o General Sekouba …….., que prometeu restabelecer a democracia no país; 14. Questionado sobre a data em que o Capitão D…… C……. foi alvo do atentado a que acima se refere, disse não saber mas terá acontecido em Dezembro de 2009 ou Janeiro de 2010; 15. Questionado sobre o sucedido após a saída de D……… C…….., disse que o mesmo começou a tomar medidas para restabelecer a democracia; 16. Questionado novamente sobre medidas concretas disse apenas que implementou a democracia; Que juntamente com o vice presidente da Juventude e Menores Abdoulay ………, o secretário Moussa ……………, o tesoureiro Fatoumata ………. e um outro rapaz de nome Mamadou ………., começaram a participar na campanha para as eleições de 27 de Junho; b. Que tinham por função receber tudo o que era brinde de campanha, nomeadamente Tshirts, bonés, pequenas bandeiras e lenços, entregues pelo partido UDF que posteriormente distribuíam junto da população; c. Que a campanha eleitoral se iniciou em 01 de Junho de 2010; d. Que o partido se apresentou às eleições com o candidato Cellou ………….. para o lugar de presidente da Guiné Conacri; 19. Questionado sobre se a lista apenas continha o nome de Cellou …………., respondeu de forma vaga, manifestando algum desconhecimento sobre a composição da lista; 20. Questionado sobre os problemas que tinha tido durante a campanha, disse que a campanha correu bem até ao dia 24 de Junho; a. Que no dia 24 de Junho, quando se deslocavam para Forecariah, a cerca de 60 quilómetros de Conacri, quando passavam na localidade de Coyah, que dista cerca de 50 quilómetros de Conacri, se cruzaram com os militantes do partido Union de Forces Republicanes (UFR), que tinha como candidato à presidência Sidia ……….; b. Que os militantes deste partido são de etnia Sou-Sous, etnia predominante quer em Forecariah quer em Coyah; c. Que quando passaram pelos militares do partido UFR, começaram a ser apedrejados; d. Que o seu vice presidente, Aboulaye ………contactou telefonicamente a polícia, designada FOSSPEL que tinha como função garantir a normalidade da campanha e das eleições; e. Que esta força policial não usava armas, apenas bastões; f. Que depois deste acontecimento, continuaram a viajem até Forecariah, onde o candidato do partido Cellou ………… ia fazer um comício, explicando ao povo o que pretendia fazer se ganhasse as eleições; g. Que após o comício, todo o cortejo regressou a Conacri, tendo o candidato Cellou ………… passado Coyah sem qualquer problema; h. Que quando o requerente e outros militantes do UFDG estavam a passar por Coyah, foram novamente apedrejados pelos militantes da UFR, atacando inclusivamente as viaturas com as enxadas; i. Que nesta altura o cortejo se dividiu em 2, tendo o requerente e os militares que se encontravam com ele sido impedidos de passar por causa da confusão que se instalou; j. Que posteriormente a FOSSPEL interveio novamente sendo que quando chegou ao local encontraram seis pessoas mortas, sendo 4 da UFDG e 2 da UFR, havendo ainda vários feridos; Que o carro onde o requerente seguia, conduzido por ele próprio foi também vandalizado; 1. Que ainda nesse dia chegou a Conacri, tendo os dias até às eleições decorrido com normalidade, assim como as eleições; m. Que no dia 28 de Junho começaram a correr os inquéritos para apurar o que se tinha passado em Coyah; n. Que quem estava encarregue destes inquéritos era a FOSSPEL; o. Que no dia 29 de Junho estava previsto a FOSSPEL deslocar-se às instalações da Juventude e Menores em Ratoma, onde o requerente era presidente, recebeu um telefonema de Eladj ……………….., o qual era vice presidente da Juventude e Menores da UFDG no bairro de Daresalam, situado também na Comuna de Ratoma, dizendo-lhe que o presidente daquela secção tinha sido preso pela FOSSPEL, na sequência dos acontecimentos havidos no dia 24 de Junho; p. Que nesse dia, a tesoureira da Juventude e Menores da UFDG, lhe deu cerca de 200.000 Francos Guineenses, retirados das contas do partido para que pudesse fugir; q. Que com o dinheiro, partiu a pé até Dubreka, que dista mais ou menos a cerca de 23 quilómetros de Conacri; r. Que a partir daí partiu num carro, tendo pago cerca de 150.000 Francos Guineenses, para a Guiné Bissau, onde chegou no dia 02 de Julho de 2010; s. Que na Guiné Bissau contactou alguns amigos do partido a que pertencia, nomeadamente o seu vice presidente, dizendo-lhe este que a FOSSPEL apenas queria prender os presidentes das secções de jovens dos partidos que estiveram envolvidos nos acontecimentos de 24 de Junho; t. Que este inclusivamente tinha já saído de Conacri; u. Quer permaneceu na Guiné Bissau em casa de um amigo de infância residente em Bissau, de nome Moussa …………; v. Que não sabe a rua onde o seu amigo vivia, permanecendo sempre em casa deste em Bissau; w. Que viajou para a Guiné Bissau. 21. Questionado sobre a razão pela qual não permaneceu na Guiné Bissau, disse que não ficou naquele país porque não tinha documentos que lhe permitissem trabalhar e ganhar dinheiro para sobreviver; a. Que o seu amigo também não tinha muitos recursos para o poder sustentar, tendo então decidido vir para Portugal para poder ter uma vida normal e poder estudar; b. Questionado sobre como conseguiu o dinheiro para vir para Portugal, nomeadamente para comprar a passagem aérea e o passaporte com que tentou entrar no país, disse, de forma vaga e confusa ter contactado telefonicamente a sua tia e alguns elementos da Juventude e Menores da UFDG onde era vice presidente, tendo-lhe estes feito chegar 500.000 francos CFA; 22. Questionado sobre como tinham feito chegar este dinheiro até ele, de forma vaga que tinham feito chegar o dinheiro até uma localidade designada Gabu na Guiné Bissau, tendo-se o seu amigo M…….. C………. deslocado ao local para recolher o dinheiro; a. Que na posse do dinheiro, juntamente com o seu amigo, no dia 25 de Agosto se deslocaram para o Aeroporto de Bissau, tendo o seu amigo tratado de tudo para a viagem para Portugal, nomeadamente da passagem aérea e o passaporte; b. Que não sabe como ele fez nem com quem falou para tratar da viagem para Portugal; 23. Questionado sobre o que pensa que lhe poderia ter acontecido se permanecesse na Guiné Conacri, disse apenas que não queria ser preso; 24. Questionado sobre se durante os acontecimentos de 24 de Junho em Coyah se tinha envolvido em confrontos físicos com os militantes do outro partido, disse de forma vaga e pouco precisa que efectivamente tinha lutado com alguns elementos, sem no entanto ter ficado ferido não tendo também ferido ninguém; 25. Questionado sobre se tinha algo mais a declarar, quis acrescentar que o seu irmão B……… D………., foi morto durante a manifestação de 28 de Setembro de 2009, quando se encontrava dentro do estádio; 26. Questionado sobre como tinha o seu irmão sido morto, disse não saber exactamente como sucedeu, tendo apenas imagens do mesmo num CD que pretende apresentar como prova; 27. Que esse CD se vende em Conacri e foi por si adquirido, tendo depois visto que se encontra nesse uma imagem do seu irmão já morto; 28. Questionado sobre se podia identificar essa imagem no vídeo, - o qual foi visionado neste momento - disse que as imagem se encontravam mais ou menos aos 35 minutos do filme, tendo então identificado o seu irmão na imagem que se encontra ao minuto 34 e 56 segundos; 29. Questionado sobre se o vídeo tinha mais imagens do seu irmão, disse que não; 30. Questionado sobre se se tinha deslocado para a manifestação juntamente com o seu irmão, disse que não, que este tinha ido na companhia de outros amigos; 31. Questionado sobre se para além dos problemas referidos tinha algo mais a acrescentar, disse que não; 32. Questionado sobre se era a primeira vez que vinha à Europa, disse que sim e que aqui não tinha qualquer familiar (.. .)."Cfr. documento de folhas 35 a 39 do processo administrativo
I. No Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras foi com data de 2 de Setembro de 2010 elaborada a Informação n.° 289/GAR/10 com o seguinte teor: (...) 6. Dos factos 1. O ora requerente apresentou-se no posto de fronteira do aeroporto de Lisboa (PF001) aos 26-08-2010, proveniente de Bissau, no voo TP200, sendo portador do passaporte da República da Guiné com o n.°R0318871 e um título de residência Suíço com o n.°……….; 2. Quando do controlo documental, foi interceptado e conduzido à Unidade de Apoio do Posto de Fronteira, por suspeitas de uso de documento falso ou falsificado; 3. Face às dúvidas suscitadas, foram os referidos documentos (passaporte e Título de Residência), presentes junto da Unidade de Identificação e Peritagem Documental deste Serviço junto do PF001, constatando-se que o Título de Residência apresentava fortes indícios de fraude por substituição de fotografia e alteração de dados; 4. Nestes termos, em virtude de não ser titular de documento de viagem válido e após cumpridas todas as formalidades legais foi-lhe recusada a entrada em território nacional nos termos dos artigos 9.° e 32.° n.°l alínea a) da Lei n.°23/2007; 5. Em 27.08.10 efectuou pedido de asilo; 6. Em cumprimento do disposto no n.°l do artigo 16.° da Lei n.°27/08, de 30 de Junho, foi o requerente ouvido quanto aos fundamentos do seu pedido de asilo, tendo prestado as declarações, que se resumem no seguinte: 6. l. O requerente professa a religião muçulmana e é de etnia Peule, encontrando-se à data da sua saída da Guiné Conacri a frequentar o curso de Concepção e Fabricação Mecânica junto do Instituto Superior Tecnológico em Conacri; 6.2. Ser residente na Comunidade de Ratoma em Conacri, vivendo com uma tia sua, de nome Djenabou ………….., comerciante de Conacri; 6.3. Que, no dia 28 de Setembro de 2009 participou na manifestação realizada no Estádio 28 de Setembro, tendo essa manifestação como objectivo exigir a introdução da democracia no país e evitar que o capitão D…… C…….. se candidatasse ao cargo de Presidente da Guiné; 6.4. Que quando os militares começaram a disparar sobre a multidão, se encontrava nas redondezas do estádio, tendo-se gerado o pânico entre a multidão que começou a fugir; 6.5. Que nessa altura caiu ao chão, tendo partido a clavícula, sendo levado pela Cruz Vermelha para o Hospital de Donka em Conacri, onde foi submetido a tratamento médico; 6.6. que nessa manifestação foi morto o seu irmão mais velho com o nome Boubacar ………. tendo apresentado um vídeo com os acontecimentos de 28 de Setembro de 2009 que foi visionado no momento da entrevista, indicando o requerente que ali se encontravam imagens do seu irmão morto, imagem essa que disse ser a que consta ao minuto 34 e 56 segundos e que se anexa ao processo; 6.7. Que após os acontecimentos de 28 de Setembro, continuou a sua vida com normalidade; 6.8. Que em Abril de 2010 foi eleito como Presidente da Juventude e Menores do Partido Político "Union dês Forces democratique de Guiné", (com a sigla UFDG), junto do bairro onde residia em Ratoma; 6.9. Que após ser eleito como Presidente da Juventude e Menores, a sua missão, juntamente com o Vice-Presidente, Secretário e Tesoureiro, era a de receber do partido a que pertenciam, os brindes de campanha, nomeadamente Bonés, Tshirts, Lenços e Bandeiras, para posteriormente distribuírem pela população; 6.10. Que participou na campanha eleitoral iniciada a 01 de Junho de 2010, tendo em vista as eleições a 27 de Junho; 6.11. Que o candidato do partido a que pertencia - UFDG - foi Cellou …………; 6.12. Que a campanha eleitoral decorreu com normalidade até ao dia 24 de Junho; 6.13. Que neste dia, quando se deslocavam em "caravana política" para assistir a um comício que se iria realizar em Forecariah onde estaria presente o candidato à presidência do partido a que pertence, ao passarem pela localidade de Coyah, foram apedrejados pelos militantes do Partido Union de Forces Republicanes; 6.14. Que continuaram a viagem até Forecariah, onde se realizou o comício do partido a que o requerente pertence, tendo este decorrido com normalidade; 6.15. Que no regresso, a caravana política se envolveu novamente em incidentes com os militantes do partido UFR, resultando destes confrontos 6 mortos, 4 pertencentes ao UDFG e 2 ao UFR, tendo a situação sido controlada pela FOSSPEL, força de segurança criada para garantir que a campanha eleitora decorria com normalidade e em segurança; 6.16. que no dia imediatamente a seguir às eleições, a FOSSPEL iniciou um inquérito para averiguar o que se tinha passado em Coyah; 6.17. Que no dia 29 de Junho, estava prevista uma deslocação da FOSSPEL à sede da Juventude e Menores do UFDG onde o requerente exercia as funções de presidente; 6.18. Que nesse dia recebeu uma chamada telefónica do Elhadje ………….., vice presidente da Juventude e Menores no bairro de Daresalam, também na Comuna de Ratoma, dizendo-lhe que o presidente daquela secção tinha sido detido pela FOSSPEL; 6.19. Que nesse dia a tesoureira da secção onde exercia as funções de presidente lhe deu 200 000 CF A, retirados das contas do partido, para que fugisse do país; 6.20. Que foi a pé até Dubreka - localidade que dista cerca de 23 quilómetros de Conacri-, tendo depois continuado viagem de carro até Bissau, pagando a quantia de 150 000 CF A pela viagem; 6.21. Que já na Guiné-Bissau contactou alguns amigos e membros do partido, dizendo-lhe estes que a FOSSPEL queria prender os presidentes daJuventude e Menores no âmbito dos acontecimentos de 24 de Junho; 6.22. Que em Bissau permaneceu em casa de um amigo de infância seu, M…….. C………., residente naquela localidade; 6.23. Que não ficou em Bissau em virtude de, estando ilegal naquele país, não tinha documentos que lhe permitissem trabalhar, razão pela qual decidiu abandonar o país para a Europa onde poderia ter uma vida melhor; 6.24. Que a sua tia e alguns membros da Juventude e Menores a que pertencia lhe fizeram chegar cerca de 500 000CFA com que adquiriu a passagem para Portugal e os documentos que tentou entrar em Portugal; 6.25. Que foi o seu amigo quem tratou da obtenção dos documentos necessarios para a viagem;
7. Da apreciação do pedido:
Da análise das declarações do requerente, constata-se que o mesmo fundamenta o seu pedido de asilo em virtude de temer ser preso pela FOSSPEL, na sequência dos confrontos entre os militantes dos partidos UFR e UFDG, na localidade de Coyah - Guiné Conacri, durante a campanha eleitoral para as eleições de 27 de Junho de 2010. Não resulta também das suas declarações qualquer outro facto que motivasse a sua saída do país. Com efeito, muito embora o requerente tenha participado na manifestação de 28 de Setembro, onde, segundo declarou o seu irmão foi morto, verifica-se que o mesmo continuou a sua vida normal até 24 de Julho de 2010, sem que tenha tido qualquer problema quer de ordem política quer de ordem religiosa; No que se refere aos acontecimentos de 24 de Junho, o mesmo descreve-os de forma vaga e imprecisa, referindo apenas ter havido confrontos entre os militantes dos dois partidos, tendo os militantes do UFR apedrejado a caravana da UFDG e brandindo em ameaça algumas enxadas que tinham nas mãos; Com efeito, o requerente afirmou que daqueles confrontos resultou a morte de 6 pessoas, sendo que, de acordo com várias notícias recolhidas (...) apenas foram registadas duas a três mortes demonstrando desta forma um desconhecimento do que efectivamente se passou, indiciando que não terá presenciado ou vivido tais factos; Ainda de acordo com as suas declarações, tais confrontos foram de imediato debelados com a intervenção da FOSSPEL, podendo desta forma dizer-se que o governo tomou as medidas necessárias e concretas para por fim à situação que se tinha verificado; Não resulta assim que tenha havido por parte do governo, nomeadamente das forças de segurança, passividade quanto ao que estava a suceder, não havendo também relatos que a FOSSPEL tivesse um desempenho negativo como garante da estabilidade e segurança da campanha e acto eleitoral. De acordo com as declarações do representante do Ministro da Defesa, Tenente Coronel Bandeh, esta força de Segurança composta por cerca de 10 000 elementos, foi criada especificamente para garantir a segurança do acto eleitoral, tendo o seu desempenho sido elogiado por todos os participantes no acto eleitoral. Conforme também já acima mencionado, o relato do requerente foi efectuado de forma vaga e imprecisa quanto a alguns factos e pormenores, nomeadamente no que se refere às circunstâncias em que decorreu a sua fuga do país, bem como à forma como conseguiu obter o dinheiro com que pagou a viagem para Portugal. Quando questionado sobre a razão pela qual o requerente não tinha permanecido na Guiné Bissau, onde não corria o risco de, segundo afirma, ser preso, referiu não ter continuado naquele país pois que se encontrava ilegal e não podia trabalhar, o que indicia logo uma motivação económica subjacente a este pedido de asilo; Face aos facto supra descritos, não se encontram preenchidos os requisitos que permitam concluir que a fundamentação do seu pedido de asilo se baseia em medidas de carácter individual de natureza persecutória de que tenha sido vítima em consequência de actividades por si desenvolvidas em favor do Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz humana entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana. No que se refere à identidade do requerente, esta não se encontra devidamente comprovada, na medida em que não foi apresentado qualquer documento que ateste a sua verdadeira identidade e nacionalidade, subsistindo assim dúvidas quanto à verdadeira origem do requerente; Não foi também invocado pelo requerente o receio de perseguições em virtude de raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, na acepção dos n.°s l e 2 do artigo 3° da Lei n.°27/2008, de 30.06. No ponto 204, o Manual de Procedimentos do ACNUR refere que o benefício da dúvida deverá, contudo, apenas ser concedido quando todos os elementos de prova disponíveis tenham sido obtidos e confirmados e quando o examinador esteja satisfeito no respeitante à credibilidade geral do requerente. As declarações do requerente deverão ser coerentes e plausíveis e não deverão ser contraditórias face à generalidade dos factos conhecidos. Ora, face ao que acima se descreve, não é o caso, pelo que se entende não ser de conceder ao requerente o benefício da dúvida. Acresce ainda a este facto que o requerente, tendo sido sujeito a controlo documental logo à sua chegada ao Aeroporto de Lisboa, cerca das 08HOO do dia 26, apenas pelas 02HOO do dia 27 solicitou protecção ao estado português, não se compreendendo a razão pela qual o não fez de imediato; Desta forma, face ao que acima se encontra exposto, entendemos que se trata de um pedido de asilo infundado, por não satisfazer nenhum dos critérios definidos pela Convenção de Genebra e Protocolo de Nova Iorque com vista ao reconhecimento do Estatuto de Refugiado.
8. Da autorização de residência por motivos humanitários.
O artigo 7.° da Lei n.°27/2008 de 30.06, atribui aos estrangeiros que não se enquadram no âmbito de aplicação do direito de asilo previsto no artigo 3.°, a possibilidade de obterem uma autorização de residência por razões humanitárias, quando estão impedidos ou se sentem impossibilitados de regressar ao seu pais de origem ou de residência habitual, devido a situações de sistemática violação dos direitos humanos ou por se encontrarem em risco de sofrer ofensa grave. Na aplicabilidade do regime previsto no art. 7.°, há que ter em conta o caso concreto, ou seja, analisar até que ponto podem os requerentes invocar com razão que se encontram impossibilitados de regressar ao seu país de origem, devido a uma situação de sistemática violação dos direitos humanos ou por aí se encontrarem em risco de sofrer ofensa grave. Elemento determinante na análise da aplicabilidade deste regime é a comprovação da nacionalidade do requerente já que o que está em causa é precisamente a avaliação, face ao caso concreto se o requerente pode invocar com razão que ele próprio se encontra impossibilitado de regressar devido a qualquer um dos pressupostos acima descritos. Ora, no presente caso tal não acontece, uma vez que o requerente não apresentou qualquer elemento de prova credível relativamente à identidade e nacionalidade por si invocadas. Tendo em linha de conta as circunstâncias em que o pedido veio a ser apresentado e os motivos expostos no ponto 7 da presente informação, afigura-se, que por via do disposto no artigo 34.° da Lei n.°27/08, de 30.06, que manda aplicar às situações previstas no artigo 7.°, as disposições constantes das secções I, II, III, IV do capítulo I, também a concessão de autorização de residência por razões humanitárias pode ser liminarmente indeferida nos casos previstos no n.°19, da mesma lei. Ora, face aos factos apreciados atrás, resulta claro que as mesmas cláusulas de inadmissibilidade se aplicam à apreciação para efeitos de concessão de autorização de residência por razões humanitárias. De acordo com o Acórdão do STA 46.115 de 14.12.00, "sobre o requerente que incide o ónus da alegação e de comprovação dos factos concretos tendentes ao preenchimento dos pressupostos essenciais com vista à concessão de autorização de residência por razões humanitárias, de modo a permitir à Administração a aplicação do direito e a correcta subsunção desses factos ao direito aplicável."
9. Proposta
Face aos factos atrás expostos, consideramos o pedido de asilo infundado, por não se enquadrar em nenhuma das disposições previstas na Convenção de Genebra e no Protocolo de nova Iorque, com vista ao reconhecimento do estatuto de refugiado, sendo esta circunstância causa de inadmissibilidade do pedido previstas nas alíneas b) e c) e h) do n.°2 do artigo 19° da Lei n.°27/08 de 30.06. Tendo em conta o exposto no ponto 8 da presente informação, consideramos igualmente que o caso não é subsumível de enquadramento no regime de protecção subsidiária previsto no artigo 7º da mesma lei. Assim, submete-se à consideração do Exmo. Director Nacional do SEF a não admissão do pedido de asilo, nos termos das alíneas b), c) do n.°2 do artigo 19.°, e n.°4 do artigo 24.°, ambos da Lei n.°27/08, de 30 de Junho."Cfr. documento de folhas 40 a 46 do processo administrativo.
J. Pelo Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras foi em 3 de Setembro de 2010 proferida decisão com o seguinte teor:"Considerando do disposto nas alíneas b), c) do n.°2 do artigo 19.° e n.°4 do artigo 24.°, ambos da Lei n.°27/08, de 30 de Junho, com base na informação n.°289/GAR/10 do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, recuso o pedido de asilo apresentado pelo cidadão que se identificou como Elhadj ……….., nacional da Guiné Conacri. Com base na mesma informação e nos termos das disposições legais acima citadas, aplicáveis por força do disposto no artigo 34.° da Lei n.°27/08, de 30 de Junho, considero não se enquadrar este caso no regime previsto no artigo 7.° da supra citada lei e, por isso, não admitir o pedido para efeitos de concessão de autorização de residência por razões humanitárias ao cidadão acima identificado. Notifique-se o interessado nos termos do n.°5 do artigo 24.°, da Lei n.°27/08, de 30 de Junho."Cfr. documento de folhas 48 do processo administrativo.
K. Elhadje ……………… foi notificado daquela decisão em 3 de Setembro de 2010. Cfr. documento de folhas 51 do processo administrativo.
L. Elhadje …………….. requereu apoio judiciário em 6 de Setembro de 2010.Cfr. documento de folhas 57 a 60 do processo administrativo.
M. A situação política, militar e de segurança na Guiné Conacri (onde se realizaram já este mês de Novembro de 2010, a segunda volta das eleições presidenciais) tem sido pelo menos no último ano, bastante instável, tendo ocorrido vários confrontos entre militantes partidários, entre militares e a população civil, por vezes com mortos e feridos. Cfr. documentos de folhas 38 a 41 dos autos.


DO DIREITO


Atentas as conclusões de recurso verifica-se que o Recorrente se limita a apresentar do item 2 ao item 42 o respectivo entendimento jurídico contrário a toda a fundamentação jurídica exposta na sentença do Tribunal a quo, sendo certo que não controverte a matéria de facto levada ao probatório, que, por sua vez, assenta nas suas próprias declarações constantes da documentação inserta no procedimento administrativo.
Todo o entendimento jurídico sustentado pelo Recorrente parte sempre do mesmo pressuposto, como referido no item 34 das conclusões de recurso,”(..) no actual contexto sócio-político da Guiné-Conacri, que como é sabido, continua a dar origem numeroso abusos dos direitos humanos não apenas de reconhecidos opositores políticos do Estado, mas igualmente de cidadãos comuns, é absolutamente credível que o Recorrente corra o risco de sofrer ofensa grave na eventualidade de um regresso ao país de origem. (..)”.
Ou seja, o Recorrente reitera as suas declarações tomadas em sede de procedimento administrativo e constantes da petição inicial, com apelo a expressões de natureza genérica, por exemplo a expressão “como é sabido”, no que respeita a um conjunto de factos que, todavia, não constam do probatório, em ordem a considerar provados os pressupostos de admissão do pedido de asilo.
O que significa que se limita a insistir sobre um complexo de factos referentes ao seu País de origem, factos esses que não constam do probatório da sentença sob recurso - sendo certo que relativamente ao probatório desta não apresenta qualquer tipo de controvérsia quanto ao meio probatório que lhes serve de suporte -, apenas entende que esses factos, sobre os quais insiste, se devem considerar provados, tanto no que respeita ao seu país de origem, a Guiné Conacri, como ao País donde saiu com destino a Portugal, a Guiné Bissau que imputa de não ser “um país estável que ofereça perspectivas de segurança e integração local no longo prazo”, item 36 das conclusões.
Em segundo lugar significa que não vem controvertido o discurso jurídico fundamentador em sede de sentença que releva no tocante ao objecto do recurso fixado pelas conclusões, e que explicita a razão de ser da subsunção dos factos provados nas disposições legais julgadas aplicáveis, como segue:
“(..) O artigo 7.° da Lei n.° 27/2008, de 30 de Junho, com a epígrafe "Protecção subsidiária" estatui designadamente o seguinte:
"1- É concedida autorização de residência por razões humanitárias aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3.° e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave.
2- Para efeitos do número anterior, considera-se ofensa grave, nomeadamente: a) A pena de morte ou execução; b) A tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante do requerente no seu país de origem; ou c) A ameaça grave contra a vida ou a integridade física do requerente, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos."
A autorização de residência por razões humanitárias é concedida designadamente quando no país da nacionalidade do interessado ocorra uma situação de sistemática violação dos direitos humanos.
Esta tem lugar nomeadamente quando ocorra uma situação de violência indiscriminada e de conflito interno.
Está provado que Elhadje …………….. é cidadão da Guiné Conacri.
Está também provado que a situação política, militar e de segurança na Guiné Conacri (onde se realizaram já este mês de Novembro de 2010, a segunda volta das eleições presidenciais) tem sido pelo menos no último ano, bastante instável, tendo ocorrido vários confrontos entre militantes partidários, entre militares e a população civil, por vezes com mortos e feridos.
A concessão de autorização de residência por razões humanitárias só pode ser conferida, ainda, a quem efectivamente se sinta afectado por uma situação de instabilidade e de violação reiterada dos direitos fundamentais.
Tal significa que tem que ocorrer um estado objectivo de violação dos direitos humanos que desestabilize a pessoa que pede protecção mas que da mesma maneira, também a afecte psicologicamente.
Por outras palavras, trata-se não apenas de analisar se a situação do país de origem se tornou insustentável a ponto de impossibilitar o requerente de regressar, como ainda de analisar as circunstâncias em que o pedido foi apresentado, a credibilidade e consistência do relato.
Elhadj …………… viajou para Portugal, está provado, de Bissau, Guiné Bissau, e não da República da Guiné Conacri de onde é cidadão nacional. De acordo com o seu depoimento chegou à Guiné Bissau no dia "02 de Julho de 2010".
Na Guiné Bissau "permaneceu (...) em casa de um amigo de infância residente em Bissau, de nome Moussa Camará" e "não permaneceu na Guiné Bissau (...) porque não tinha documentos que lhe permitissem trabalhar e ganhar dinheiro para sobreviver.
Que o seu amigo também não tinha muitos recursos para o poder sustentar, tendo então decidido vir para Portugal para poder ter uma vida normal e poder estudar, (sublinhados nossos).
Questionado sobre como conseguiu o dinheiro para vir para Portugal, nomeadamente para comprar a passagem aérea e o passaporte com que tentou entrar no país, disse (...) ter contactado telefonicamente a sua tia e alguns elementos da Juventude e Menores da UFDG onde era vice presidente, tendo-lhe estes feito chegar 500.000 francos CFA.
Questionado sobre como tinham feito chegar este dinheiro até ele" disse "que tinham feito chegar o dinheiro até uma localidade designada G……., na Guiné Bissau, tendo-se o seu amigo M……. C…….. deslocado ao local para recolher o dinheiro."
Saiu de Bissau para Portugal, está provado, em 26 de Agosto de 2010.
O requerente de asilo não alega que tenha sido objecto de ameaças à sua vida e liberdade quer na Guiné Conacri quer na Guiné Bissau.
Ao invés, o que resulta do seu depoimento, é que se movimentou quer na saída da Guiné Conacri, quer na entrada na Guiné Bissau e na cidade de Bissau sem problemas e dificuldades de maior.
O requerente de protecção subsidiária relata, é certo, confrontos entre militantes partidários no âmbito do conturbado e longo processo eleitoral na Guiné Conacri.
Mas refere-se também à intervenção da polícia.
Não resulta clara a razão da ida para a Guiné-Bissau e do não regresso a Conacri.
A Guiné Bissau tem uma vasta fronteira com a Guiné Conacri, e ambos os países integram, é facto notório, a comunidade económica da África ocidental, tendo designadamente uma moeda comum o franco CFA.
O ora autor conseguiu com facilidade, segundo o seu depoimento, encontrar transporte na Guiné Conacri para a Guiné Bissau, e entrou no país sem dificuldades. Pelo que também, afigura-se, seria fácil regressar.
Em Bissau encontrou amigos e foi residir com um deles.
Conseguiu também de Bissau, entrar em contacto com facilidade com os seus amigos e familiares na Guiné Conacri, que lhe enviaram dinheiro.
Referiu expressamente como razão para sair da Guiné Bissau a dificuldade em "trabalhar e ganhar dinheiro para sobreviver", de se "poder sustentar".
No manual de procedimentos e critérios para determinar a condição de refugiado do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) distingue-se entre migrantes por motivos económicos e refugiados:"um migrante é uma pessoa que, por outras razões que não as mencionadas na definição (de refugiado) deixa voluntariamente o seu país para se instalar algures. Pode ser motivado pelo desejo de mudança ou de aventura, ou por razões familiares ou outras razões de carácter pessoal.
Se é motivado exclusivamente por razões económicas, trata-se de um migrante e não de um refugiado."
Do depoimento do requerente de asilo não resulta indiciado que a violência que existe no processo político em curso na Guiné Conacri o afecte particularmente a não ser na medida em que compromete alguma estabilidade e prosperidade económica.
Que ele procura na Europa, fora daquela zona da África Ocidental.
O que não constitui razão para a concessão da protecção subsidiária (por natureza com fundamento em razões humanitárias).
Sobre o princípio do benefício da dúvida invocado pelo autor, refere-se no manual de procedimentos e critérios a aplicar para determinar o estatuto de refugiado, do ACNUR que "depois do requerente ter feito um esforço genuíno para substanciar o seu depoimento pode existir ainda falta de elementos de prova para fundamentar algumas das suas declarações.
Como explicado antes (parágrafo 196), dificilmente é possível a um refugiado "provar" todos os factos relativos ao seu caso e, na realidade, se isso fosse um requisito, a maioria dos refugiados não seria reconhecida. É, assim, frequentemente, necessário conceder ao requerente o benefício da dúvida.
O benefício da dúvida deverá, contudo, apenas ser concedido quando todos os elementos de prova disponíveis tenham sido obtidos e confirmados e quando o examinador esteja satisfeito no respeitante à credibilidade geral do requerente. As declarações do requerente deverão ser coerentes e plausíveis e não deverão ser contraditórias face à generalidade dos factos conhecidos."1 [1 Manual de procedimentos e critérios a aplicar para determinar o estatuto de refugiado de acordo com a convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao estatuto dos refugiados, Alto Comissariado das Nações unidas Para os Refugiados, Genebra, Janeiro de 1992.]
Ora no caso dos autos, não se afigura que se justifique a aplicação de tal princípio, porquanto do depoimento do ora autor afigura-se claro que a motivação para a sua saída de Bissau (e não regresso a Conacri), foram razões de procura de uma vida melhor em termos profissionais, que se são razões, em abstracto, legítimas (embora, em concreto, com recurso a documentos falsos), não são subsumíveis na condição de refugiado por forma a reconhecer-lhe o direito de protecção subsidiária.
*
O artigo 33° da Convenção de Genebra de 1951, com a epígrafe de proibição de expulsar e de repelir, estatui no n° l, que "nenhum dos estados contratantes expulsará ou repelirá um refugiado, seja de que maneira for, para as fronteiras dos territórios onde a sua vida ou a sua liberdade sejam ameaçados em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas."
Nos termos do artigo 3° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem "Ninguém pode ser submetido a torturas, nem a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes."
Da conjugação do disposto naqueles dois artigos resulta o princípio do "non refoulement", nos termos do qual é assegurada a proibição de quaisquer formas de perturbação da segurança do indivíduo, incluindo o retorno forçado ou a negação do estatuto que o possa colocar em risco e insegurança directa ou indirecta.
O princípio de "non refoulement" significa que ninguém será expulso ou reenviado para um país onde a sua vida ou liberdade estejam ameaçadas.
Aplica-se sempre que alguém se encontra no território, ou nas fronteiras de um determinado país, independentemente de ter sido, ou não, formalmente reconhecido o seu estatuto de refugiado.
Na alínea t) do n.°l do artigo 2.° da Lei n.° 27/2008, de 30 de Junho estatui-se que deve entender-se por "Proibição de repelir" (princípio de não repulsão ou non-refoulement) o princípio de direito de asilo internacional, consagrado no artigo 33.° da Convenção de Genebra, nos termos do qual os requerentes de asilo devem ser protegidos contra a expulsão ou repulsão, directa ou indirecta, para um local onde a sua vida ou liberdade estejam ameaçadas em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas, não se aplicando esta protecção a quem constitua uma ameaça para a segurança nacional ou tenha sido objecto de uma condenação definitiva por um crime ou delito particularmente grave."
No caso dos autos é sabido que existe uma pressão imigratória (por razões económicas) para a Europa, dos cidadãos dos países da África Ocidental (onde se inserem a Guiné Bissau e a Guiné Conacri) e que muito dos cidadãos que viajam para a Europa o fazem por razões económicas. Porém em alguns desses países (e até na Guiné Conacri) têm-se verificado ao longo dos anos situações dramáticas em termos de
violação dos direitos humanos, pelo que em cada caso haverá que aferir se efectivamente o cidadão estrangeiro é elegível à situação de beneficiário de protecção internacional.
No caso dos autos contudo nenhum elemento objectivo conduz a que para o requerente de asilo, ora autor, a cidade de Bissau, seja um lugar pouco seguro, pois é uma cidade onde tem vivido com amigos, e em contacto com familiares e amigos na Guiné Conacri, ao ponto de estes lhe fazerem chegar dinheiro.
Da mesma forma não se vislumbra uma razão humanitária fundada para o não regresso à Guiné Conacri (que é um vasto país, com mais de 240 000 Km2), tanto mais que teve acesso a dinheiro que lhe foi enviado de Conacri.
Razão porque se afigura não ter sido demonstrada a necessidade de protecção subsidiária, e a concessão de autorização de residência por razões humanitárias ao cidadão autora nos presentes autos. (..)”

*
Em síntese, e ao contrário do sustentado no item 28 das conclusões, a matéria de facto levada ao probatório e respeitante ao Recorrente no que tange às condições de vida no seu País de origem Guiné Conacri não permitem evidenciar uma situação de instabilidade e de violação reiterada dos direitos fundamentai com reflexos na sua esfera jurídica, antes evidenciam que o Recorrente saiu do seu País para a Guiné Bissau e deste para Portugal por razões de descontextualização económica, isto é, por não encontrar naqueles países condições sociais para obter uma fonte de rendimento com base na sua força de trabalho em ordem a ganhar a sua vida.
Razões pelas quais improcedem todas as questões trazidas a recurso nos itens 1 a 42 das conclusões.


***

Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença proferida.
Sem custas por isenção tributária objectiva (artº 84º da Lei 27/2008, 30.06).

Lisboa, 24.FEV.2011,


(Cristina dos Santos) .........................................................................................................


(António Vasconcelos) ..................................................................................................


(Paulo Gouveia) ........................................................................................................................, digo Dr. Coelho da Cunha, em substituição.