Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09626/16
Secção:CT
Data do Acordão:06/09/2016
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
Sumário:I - O benefício da dispensa de garantia está dependente de dois pressupostos alternativos: ou a existência de prejuízo irreparável decorrente da prestação da garantia ou a falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida.
II - Porém, tal dispensa não depende apenas da verificação de um destes dois pressupostos, sendo necessário o preenchimento de um outro pressuposto cumulativo: que a insuficiência ou inexistência dos bens não seja da responsabilidade do executado que pretende a isenção.
III – O executado que pretenda ser dispensado de prestar garantia deve dirigir o pedido ao órgão da execução fiscal, devidamente fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária [artigo 170º, n.ºs 1 e 3 do CPPT]. Com efeito, do regime geral de repartição do ónus da prova [artigo 342º do CC e artigo 74º, nº 1 da LGT] e, bem assim, do referido artigo 170º, nº 3 do CPPT, resulta que a prova dos pressupostos para a dispensa da prestação de garantia incumbe ao executado, uma vez que se trata de factos constitutivos do direito que este pretende ver reconhecido.
IV - O ónus de alegação e prova de factualidade pertinente à demonstração do requisito correspondente à não responsabilidade do executado que pretende a isenção na insuficiência ou inexistência dos bens não se satisfaz com a mera junção de documentos. Os documentos servem para provar os factos invocados, não substituindo tal alegação. Era à requerente, ora Recorrente, que competia invocar e (obviamente) provar factos e não deixar à AT, ou ao Tribunal, a tarefa de eleger os factos relevantes que resultem da documentação junta com vista à prova de um pressuposto que a Requerente se limitou a afirmar (conclusivamente) verificado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:T…, LDA., apresentou reclamação nos termos do artigo 276.° e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), contra o despacho proferido pelo Director de Finanças de , que lhe indeferiu o pedido de isenção de prestação de garantia que formulou no processo de execução fiscal n.º e apensos, no qual requerera o pagamento em prestações da quantia exequenda.

Alegou, em síntese, que não lhe foi dada a oportunidade de exercer o direito de audição antes da tomada de decisão e, ainda, que é manifesta a sua insuficiência económica para prestar garantia, insuficiência essa que não lhe é imputável.

Terminou pedindo que a reclamação judicial fosse julgada procedente e, em consequência, fosse anulado, por ilegal, o indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia.

O Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Ponta Delgada julgou improcedente a reclamação apresentada.

Considerou o Tribunal a quo que, no caso, não era aplicável a exigência decorrente do artigo 60º da Lei Geral Tributária (LGT), mais considerando que a reclamante, ora Recorrente, não havia alegado e demonstrado a ausência de responsabilidade na diminuição do seu activo, não se verificando, assim, os pressupostos legais de que depende a dispensa de garantia, previstos no n.º 4 do artigo 52.º da LGT.

Inconformada com tal sentença, a Reclamante interpôs recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões:

A - Os artigos 52.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária e 170.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário determinam que a Administração Tributária poderá isentar o executado da prestação de garantia sempre que se demonstre a insuficiência de bens para prestar garantia e se prove que esta insuficiência não seja da responsabilidade do Executado;

B - No caso em apreço, provou-se pela documentação apresentada que se encontram reunidos, in casu, os pressupostos legais para aplicação do regime previsto no artigo 52.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária e 170.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, de dispensa de prestação de garantia por parte da Recorrente para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal n.º e Apensos;

C - Efetivamente, no que se refere à verificação dos pressupostos da dispensa de prestação de garantia não foi contestada a evidente falta de meios económicos, da Recorrente, para a prestação de garantia e pagamento da dívida exequenda, nem o prejuízo irreparável que poderia resultar para esta, o prosseguimento das diligências de execução no âmbito do processo de execução acima identificado;

D - Pelo que, no âmbito dos presentes autos, apenas está em causa apurar a responsabilidade da Recorrente pela manifesta insuficiência de bens para prestar garantia e proceder ao pagamento da dívida exequenda;

E - Como resulta dos documentos juntos ao com o requerimento de dispensa de prestação de garantia enviado para o Serviço de Finanças de Ponta Delgada, e ao contrário do que entendeu a a Mm.ª Juiz a quo, a Recorrente não teve qualquer responsabilidade na insuficiência dos bens para suspensão do processo de execução fiscal subjacente aos presentes autos, na medida em que dos referidos documentos resulta que, pelo menos desde 2012, não foram tomadas quaisquer decisões passiveis de dissipar o seu património com vista a frustrar os créditos dos seus credores ou do Estado.

F - Constata-se, portanto, que existe uma insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido no âmbito dos indicados autos de execução fiscal, não imputável à sociedade, e efetiva ocorrência de um prejuízo irreparável para a Recorrente, caso venha a ser forçada a proceder à penhora de determinados bens que detém e integram o respectivo ativo, curiais para garantir a respectiva viabilidade financeira e solvabilidade;

G - A decisão recorrida viola, assim, o disposto nos artigos 52.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária e 170.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, devendo ser anulada.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deverá ser dado provimento ao presente Recurso, por provado e, em consequência, ser anulada a decisão recorrida, com as legais consequências”.


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste TCA emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

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Com dispensa de vistos, atenta a natureza urgente dos autos, vem o processo submetido à conferência para julgamento do recurso.


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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

“Com interesse para a decisão da presente reclamação, e de acordo com os documentos juntos aos autos, não impugnados, consideram-se provados os seguintes factos:

1) Corre termos no Serviço de Finanças de o processo de execução fiscal n.º , e apensos, aquele instaurado contra a reclamante para cobrança de créditos fiscais diversos, juros e acréscimos legais, no valor global de € 64.480,31 – Cft. fls. 110 do Processo Instrutor anexo aos presentes autos;

2) À requerente foi deferido o pedido de pagamento da dívida exequenda em prestações – Cft. fls. 98 do Processo Instrutor anexo aos presentes autos;

3) A reclamante requereu subsequentemente a dispensa da prestação de garantia – Cft. fls. 101 do Processo Instrutor anexo aos presentes autos;

4) A reclamante instruiu o requerimento de dispensa de prestação de garantia com cópias do seu plano especial de revitalização, da sentença que o homologou, da notificação da decisão que a autorizou a pagar em prestações a dívida exequenda, da descrição predial e inscrição matricial de imóvel de que é titular, dos seus balancetes dos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014, e do mapa das suas mais-valias e menos-valias – Cft. docs. De fls. 113 e ss. do Processo Instrutor anexo aos presentes autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos;

5) Esse requerimento foi indeferido por despacho de 4 de Novembro de 2015, com fundamento na não verificação “do pressuposto da irresponsabilidade da atuação empresarial ou da respetiva administração na génese da situação de insuficiência ou inexistência de bens” Cft. fls. 176 e ss. do Processo Instrutor anexo aos presentes autos;

6) A reclamante não foi ouvida sobre o projeto dessa decisão – por acordo.


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FACTOS NÃO PROVADOS

Inexistem outros factos alegados cuja não prova releve para a decisão da causa.


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MOTIVAÇÃO

O Tribunal fundou a sua convicção na análise crítica dos documentos referidos em cada ponto do probatório supra, não impugnados, no alegado pelas partes, tendo também em conta os artigos 72.º a 76.º da Lei Geral Tributária, e 342.º do Código Civil.”


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2.2. De direito

Em causa no presente recurso jurisdicional está a sentença do TAF de Ponta Delgada que, julgando improcedente a reclamação apresentada ao abrigo do artigo 276º e ss do CPPT, confirmou o despacho proferido, em 04/11/15, pelo director de Finanças de , que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia formulado pela ora Recorrente no processo de execução fiscal nº e aps, o qual corre termos no Serviço de Finanças de .

A questão que se coloca é, pois, a de saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao ter concluído pela legalidade do despacho que indeferiu o pedido de dispensa de garantia, violando, segundo a Recorrente, o disposto no artigo 52°, n° 4 da LGT e no artigo 170º do CPPT. Mais concretamente, a questão a apreciar e decidir reconduz-se, como a Recorrente não deixou de assinalar nas conclusões que formulou, ao juízo feito na sentença recorrida quanto à responsabilidade da Executada pela manifesta insuficiência de bens para prestar garantia e proceder ao pagamento da dívida exequenda.

Com efeito, no entendimento da ora Recorrente, “dos documentos juntos com o requerimento de dispensa de prestação de garantia enviado para o Serviço de Finanças de , e ao contrário do que entendeu a a Mm.ª Juiz a quo, a Recorrente não teve qualquer responsabilidade na insuficiência dos bens para suspensão do processo de execução fiscal subjacente aos presentes autos, na medida em que dos referidos documentos resulta que, pelo menos desde 2012, não foram tomadas quaisquer decisões passíveis de dissipar o seu património com vista a frustrar os créditos dos seus credores ou do Estado. Por conseguinte, prossegue a Recorrente, “constata-se, (…), que existe uma insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido no âmbito dos indicados autos de execução fiscal, não imputável à sociedade, e efetiva ocorrência de um prejuízo irreparável para a Recorrente, caso venha a ser forçada a proceder à penhora de determinados bens que detém e integram o respectivo ativo, curiais para garantir a respectiva viabilidade financeira e solvabilidade.

Subentende-se, pois, que tivesse o Tribunal a quo ponderado devidamente os elementos documentais oportunamente juntos e teria o mesmo Tribunal concluído pela irresponsabilidade da Executada “na insuficiência dos bens para suspensão do processo de execução fiscal subjacente aos presentes autos”.

Vejamos, então.

O primeiro aspecto que importa salientar é que, lidas as conclusões da alegação de recurso, não se vislumbra um ataque explícito à matéria de facto, razão pela qual é no circunstancialismo de facto desenhado pelo Tribunal a quo que se levará a cabo a apreciação que se segue.

Com efeito, apesar de a Recorrente se reportar à prova documental que apresentou, não indica os factos que foram incorrectamente julgados ou que deviam constar do probatório e não constam, limitando-se, em sede de conclusões, a defender – repete-se - que, em face do acervo documental junto aos autos, a conclusão a retirar pelo Tribunal a quo, relativamente à sua não responsabilidade na insuficiência/ diminuição do património, deveria ter sido outra.

Ora, esta forma de atacar a sentença revela-se, atento o fim visado, insuficiente, o que resulta claro da leitura conjugada do disposto no artigo 640º do CPC (do qual decorre que a impugnação da matéria de facto obedece a regras que não podem deixar de ser observadas) e do teor das conclusões da alegação de recurso,

Isto dito, avancemos.

Comecemos por deixar claro o quadro legal em que nos movemos na decisão do presente recurso jurisdicional.

Assim:

Nos termos do artigo 52º, nº 4 da LGT, a Administração Tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou de manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.

Quer isto dizer que o benefício da isenção fica assim dependente de dois pressupostos alternativos: ou a existência de prejuízo irreparável decorrente da prestação da garantia ou a falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida. Porém, tal dispensa não depende apenas da verificação de um destes dois pressupostos, sendo necessário o preenchimento de um outro pressuposto cumulativo: que a insuficiência ou inexistência dos bens não seja da responsabilidade do executado que pretende a isenção.

Como é sabido, o executado que pretenda ser dispensado de prestar garantia deve dirigir o pedido ao órgão da execução fiscal, devidamente fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária [artigo 170º, n.ºs 1 e 3 do CPPT]. Com efeito, do regime geral de repartição do ónus da prova [artigo 342º do CC e artigo 74º, nº 1 da LGT] e, bem assim, do referido artigo 170º, nº 3 do CPPT, resulta que a prova dos pressupostos para a dispensa da prestação de garantia incumbe ao executado, uma vez que se trata de factos constitutivos do direito que este pretende ver reconhecido. Em suma, quer a dispensa da prestação de garantia assente na ocorrência de prejuízo irreparável, quer na manifesta falta de meios económicos do executado, é sobre o requerente que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos para tal dispensa, incluindo a prova de que não houve dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores.

Feito este enquadramento, deixemos devida nota daquele que foi o discurso argumentativo alinhado na sentença recorrida e que suporta a decisão de improcedência da reclamação. Aí se lê, no que para o caso importa, que:

“(…)

In casu, alega a reclamante que é manifesta a sua insuficiência económica para constituir hipoteca, dar penhor ou constituir garantia bancária, e que essa insuficiência não lhe é imputável, porquanto não houve dissipação de bens com o intuito de diminuir a garantia dos credores, o que considera resultar provado dos documentos apresentados, nomeadamente os documentos contabilísticos relativos aos exercícios de 2011 a 2014.

Pelo órgão de execução fiscal foi entendido que pela reclamante não foi provado não ser esta responsável pela insuficiência ou inexistência de bens.
(…)
À face destas regras, é de concluir que é sobre o executado, que pretende a dispensa de garantia, invocando explícita ou implicitamente o respectivo direito, que recai o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, pois trata-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido.
Aliás, mesmo que se entenda que se está perante uma situação de dúvida, terá de considerar –se todos os factos de que depende a prestação de garantia como constitutivos do direito do executado, por força do disposto no n ° 3 do citado art . 342. 0 do CC”.

Era, assim, à reclamante que competia alegar e provar os pressupostos do direito que pretende fazer valer (ou seja, uma situação de inexistência de bens ou sua insuficiência para pagamento da dívida exequenda e do acrescido; que essa inexistência ou insuficiência não seja imputável ao executado; que a prestação da garantia cause prejuízo irreparável ao executado ou que seja manifesta a sua falta de meios económicos).

Ora, é manifesto que a requerente não alegou, no requerimento que foi indeferido, qualquer facto concreto que revelasse que a insuficiência de bens não lhe é imputável. Na verdade, a reclamante não faz mais do que uma declaração de princípios, ao afirmar que não os dissipou com vista a frustrar os créditos das entidades a quem era devedora.

É facto que juntou balancetes dos anos de 2011 a 2014, do qual resulta uma diminuição do seu ativo. Mas na ausência de qualquer justificação exterior à reclamante para essa diminuição, não pode deixar de se considerar que a mesma resulta da gestão que foi levada a cabo pela reclamante, logo, da sua responsabilidade.

Sendo certo que sobre a reclamante recaia o ónus de alegar e provar factos demonstrativos da ausência de responsabilidade do executado, ora reclamante, na insuficiência de tais bens, nada tendo sido demonstrado a este respeito, não se pode considerar que a mesma tenha cumprido com o ónus da prova que sobre si recaia.
(…)
Pelo que, e em suma, não tendo a reclamante logrado alegar e demonstrar a ausência de responsabilidade na diminuição do seu ativo, não se verificam os pressupostos legais de que depende a dispensa de garantia, previstos no n.º 4 do artigo 52.º da Lei Geral Tributária”.

Pelas razões que seguidamente se explicitarão, adianta-se, desde já, que, no caso que nos ocupa, resulta claro que a ora Recorrente não deu cumprimento ao legalmente exigido, em termos de alegação e prova dos pressupostos que a si, enquanto Requerente, inegavelmente competia.

Vejamos as razões para assim entendermos, importando não perder de vista o requerimento de dispensa de prestação de garantia que inicialmente foi dirigido à AT, ao qual se referem os pontos b), c) e d) dos factos provados, sem desconsiderar, também, que ao mesmo foram juntos os documentos que se mostram identificados na alínea d) da matéria de facto.

Tenhamos isto em conta, na consideração de que a análise de tais elementos deve ser efectuada à luz do quadro legal aplicável a que fizemos devida referência anteriormente.

Ora, lido atentamente o requerimento dirigido à AT, através do qual foi requerida a dispensa de prestação de garantia, temos, no que ao pressuposto correspondente à não responsabilidade do executado que pretende a isenção na insuficiência ou inexistência dos bens - único cuja (não) verificação aqui está em causa – que a Requerente, ora Reclamante, se limitou a alegar o seguinte:

“Acresce que, a Requerente não se colocou em situação de manifesta insuficiência económica para evitar a prestação da garantia e, em momento algum, a Requerente dissipou bens do seu património com vista a frustrar os créditos dos seus credores ou do Estado, o que resulta evidente dos mapas de imobilizado, referentes aos exercícios de 2011, 2012, 2013 e 2014, assim como os mapas de mais-valias e menos-valias referentes aos mesmos exercícios”.

Ora, tal alegação pouco mais é que uma afirmação conclusiva, sendo absolutamente insuficiente do ponto de vista da invocação de um circunstancialismo de facto que, uma vez provado, permitisse ao Tribunal concluir precisamente o que se afirma, ou seja, “que, a Requerente não se colocou em situação de manifesta insuficiência económica para evitar a prestação da garantia”.

Mesmo a alegação, isolada, de que não dissipou bens do património, não permite, nem de perto, nem de longe, concluir no sentido pretendido pela Requerente, ora Recorrente, ou seja, quanto à sua falta de responsabilidade na “insuficiência económica para evitar a prestação da garantia”, pois que, como se percebe, mesmo a alienação de património não é por si só determinante de uma intenção de prejudicar credores.

Ou seja, como a sentença recorrida afirmou, “é manifesto que a requerente não alegou, no requerimento que foi indeferido, qualquer facto concreto que revelasse que a insuficiência de bens não lhe é imputável. Na verdade, a reclamante não faz mais do que uma declaração de princípios, ao afirmar que não os dissipou com vista a frustrar os créditos das entidades a quem era devedora.

Importa não esquecer que o ónus de alegação e prova de factualidade pertinente à demonstração do requisito correspondente à não responsabilidade do executado que pretende a isenção na insuficiência ou inexistência dos bens não se satisfaz com a mera junção de documentos. Os documentos servem para provar os factos invocados, não substituindo tal alegação. Era à requerente, ora Recorrente, que competia invocar e (obviamente) provar factos e não deixar à AT, ou ao Tribunal, a tarefa de eleger os factos relevantes que resultem da documentação junta com vista à prova de um pressuposto que a Requerente se limitou a afirmar (conclusivamente) verificado.

Note-se, aliás, que é em sede de recurso jurisdicional que a Requerente alega factualidade, por referência aos documentos juntos, tendente à demonstração do requisito concernente à sua falta de responsabilidade na insuficiência ou inexistência dos bens.

Com efeito, é nesta sede que a Requerente alega que teve uma redução abrupta da facturação relacionada com os contratos de prestação de serviços celebrados, designadamente com a N, cujo pagamento não era suficiente para cobrir os custos fixos da Recorrente necessários para satisfação das prestações contratadas; que sofreu uma diminuição nas suas vendas; que procedeu à consequente redução dos seus custos com pessoal e, bem assim, dos gastos referentes a fornecimentos e serviços externos. Ora, é de todo este circunstancialismo e, bem assim, da invocada não dissipação de bens do património, que a ora Recorrente pretende que se conclua pela sua não responsabilidade na insuficiência ou inexistência dos bens.

Ora, não restam dúvidas que se trata de factualidade que não foi alegada, invocada perante a AT, pelo que, cingindo-se o despacho recorrido ao que foi inicialmente alegado, não há como censurar a sentença que sobre tal despacho decidiu, no sentido de “que a reclamante não cumpriu com o ónus de prova que sobre si recaia, nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária e 342.º do Código Civil” e que, nessa medida, “não tendo a reclamante logrado alegar e demonstrar a ausência de responsabilidade na diminuição do seu ativo, não se verificam os pressupostos legais de que depende a dispensa de garantia, previstos no n.º 4 do artigo 52.º da Lei Geral Tributária”.

Por conseguinte, repete-se, a parcimónia na alegação não deixa margem para decisão diversa daquela que foi administrativamente proferida e judicialmente confirmada.

Ora, aquela obrigação - exigência de alegação e prova dos factos enformadores dos pressupostos previstos no artigo 52º da LGT - cabia inegavelmente à Requerente, que, nos termos peticionados, pretende lhe seja reconhecido o direito à isenção da prestação de garantia com vista à suspensão do processo executivo. Isto mesmo decorre das regras gerais do ónus da prova, maxime do disposto nos artigos 342º do CC e 74º, nº1 da LGT – “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.” ou “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração Tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”. Se a Requerente pretende a isenção de garantia alegando tal direito, é sobre ela, repete-se, que recai a obrigação de provar que se mostram preenchidas todas as condições de que depende tal isenção, pois que daquilo que se trata é de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido.

De resto, é o próprio nº 3 do artigo 170º do CPPT que aponta claramente neste sentido, ao determinar que “o pedido a dirigir ao órgão da execução fiscal deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária”, sendo exigida, por conseguinte, a prova da verificação dos pressupostos para o deferimento do pedido de isenção formulado.
Não obstante, e em face das conclusões da alegação de recurso, impõe-se reiterar aquilo que a sentença recorrida não deixou também de ponderar, fazendo-se aqui apelo ao acórdão do STA (do Pleno da Secção de Contencioso Tributário), de 17/10/12 (Processo nº 414/12), no qual se traçou o seguinte entendimento que aqui se acolhe:

“(…)… é de concluir que é sobre o executado, que pretende a dispensa de garantia, invocando explícita ou implicitamente o respectivo direito, que recai o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, pois trata-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido.

Aliás, mesmo que se entenda que se está perante uma situação de dúvida sobre este ponto (e a jurisprudência contraditória do Tribunal Central Administrativo Sul recomenda que se considere a questão como duvidosa), terão de considerar-se todos os factos de que depende a prestação de garantia como constitutivos do direito do executado, por força do disposto no n.º 3 do citado artº. 342.º do CC.

Para além disso, o texto do n.º 3 do artº. 170.º do CPPT aponta no mesmo sentido, ao estabelecer que o pedido deve ser instruído com a prova documental necessária, o que pressupõe que toda a prova relativa a todos os factos que têm de estar comprovados para ser possível dispensar a prestação de garantia seja apresentada pelo executado, instruindo o seu pedido, pois a prova de todos esses elementos é necessária para o deferimento da sua pretensão.

A eventual dificuldade que possa ter o executado em provar o facto negativo que é a sua irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens não é obstáculo à atribuição ao executado do ónus da prova respectivo, pois essa dificuldade de prova dos factos negativos em relação à dos factos positivos não foi legislativamente considerada relevante para determinar uma inversão do ónus da prova, como se conclui das regras do art. 344.º do CC. (Neste sentido, pode ver-se ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 451, nota (2) (página 467, na 2.ª edição), em que se refere que «já se tem entendido, erroneamente, que a extrema dificuldade de prova do facto pode inverter o critério legal de repartição do ónus da prova».)

É certo que por força do princípio constitucional da proibição da indefesa, que emana do direito de acesso ao direito e aos tribunais reconhecido no artº. 20.º, n.º 1, da CRP, não serão constitucionalmente admissíveis situações de imposição de ónus probatório que se reconduzam à impossibilidade prática de prova de um facto necessário para o reconhecimento de um direito.

Mas, por um lado, no caso em apreço não se está perante uma situação de impossibilidade prática desse tipo, pois a prova do facto negativo que é a irresponsabilidade do executado pode ser efectuada através da prova de factos positivos, por via da demonstração das causas de tal insuficiência ou inexistência de bens.

Por outro lado, a acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina «iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur». (Essencialmente neste sentido, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, página 203, cujos ensinamentos são seguidos no Assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/83, de 11-7-1983, publicado no Diário da República, I Série, de 27-8-1983.)

Estas regras, nesta situação, conduzirão, no mínimo, a dever-se considerar provada a falta de culpa quando o executado demonstrar a existência de alguma causa da insuficiência ou inexistência de bens que não lhe seja imputável e não se fizer prova positiva da concorrência da sua actuação para a verificação daquele resultado.

(…)” (negritos nossos).

É esta, também, a posição seguida na doutrina, nomeadamente por Jorge Lopes de Sousa, Diogo Leite Campos e Benjamim Rodrigues, in Lei Geral Tributária, anotada e comentada, 4ª edição, 2012, Editora Encontro de Escrita, págs. 427 e 428.

Ora, no caso concreto, como está bem de ver, face ao teor do requerimento inicialmente dirigido à AT e sobre o qual recaiu o despacho reclamado, há que concluir, com a sentença, que a requerente não alegou factos, nem (consequentemente) os demonstrou, que permitissem concluir pela verificação da sua não responsabilidade na insuficiência ou inexistência dos bens.

Termos em que, sem necessidade de nos alongarmos mais, concluímos pela improcedência de todas as conclusões da alegação de recurso.

Deve permanecer, pois, a sentença recorrida que, com acerto, manteve na ordem jurídica o despacho objecto de reclamação judicial.


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3 - DECISÃO

Em face do exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do TCA Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 9/6/16.


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Bárbara Teles)

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(Pereira Gameiro)