Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:936/11.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/24/2022
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:AJUSTE DE REVENDA
CEDÊNCIAS DE POSIÇÃO CONTRATUAL SUCESSIVAS
DETERMINAÇÃO DA MATÉRIA COLETÁVEL
VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE E DA LEGALIDADE
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
Sumário:I-Nas situações de promessas de compra e venda estatuídas no § 2.º do artigo 2.º do CIMSISD, entende-se verificada a tradição e, consequentemente a sujeição a imposto, se o promitente comprador ajustar a revenda com um terceiro, vindo a escritura a ser outorgada apenas entre o promitente vendedor e este terceiro.

II-Verificados esses pressupostos de facto, cuja demonstração dos factos índice compete à AT enquanto factos constitutivos do direito à liquidação, a lei faz acionar a presunção de que houve tradição do prédio para o promitente comprador.

III-Através do negócio da cessão da posição contratual, o cessionário adquire todos os direitos do promitente-comprador originário, continuando, nessa medida, o contrato de promessa em vigor. Logo, existindo, in casu, um contrato base ou contrato inicial realizado originariamente entre cedente e cedido e ulteriores contratos instrumentos da cessão entre os cedentes e cessionários, através do qual se dá a transmissão, sendo que na última cedência da posição contratual, o promitente adquirente transmite a um terceiro e este realiza a escritura pública, entende-se que estão verificados os pressupostos da tributação, quanto ao adquirente cedente.

IV-Na falta de prova por parte do promitente comprador de inexistência de ajuste de revenda, não se pode considerar ilidida a presunção legal de tradição jurídica do bem, ocorrendo, nessa medida, o facto gerador da obrigação de imposto, pois que o legislador ficciona, a partir daí, a transmissão do imóvel.

V-De harmonia com o consignado no artigo 19.º do CIMSISD o valor a considerar para efeitos de liquidação do Imposto de Sisa é o mesmo para o terceiro comprador e para o promitente-comprador cedente, ambos são sujeitos passivos do respetivo imposto, mas cada um por referência ao negócio celebrado, o terceiro por referência à compra e o cedente por referência ao ajuste de revenda.

VI-O princípio da igualdade só funciona no contexto da legalidade, ou seja, não existe direito à igualdade na ilegalidade.

VII-Não configurando, in casu, a liquidação de SISA, qualquer liquidação adicional mas antes, uma primeira liquidação, é lhe aplicável o prazo de caducidade de oito anos previsto no artigo 92.º do CIMSISSD, e não o prazo de 4 anos constante no artigo §3.º do artigo 111.º do mesmo diploma legal.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO


O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante Recorrente ou DRFP), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra o indeferimento do recurso hierárquico apresentado contra o indeferimento expresso das reclamações deduzidas contra os atos de liquidações de Imposto Municipal de Sisa (SISA), referentes aos anos de 2001 e 2002, nos valores de €22.296,27, €16.884,31 e €12.779,70, perfazendo o valor total €51.960,28, acrescidos dos correspondentes juros compensatórios.

O Recorrente, veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:

“I. No capítulo II da sentença recorrida, subordinado à epígrafe “Saneamento dos Autos” prescreve-se:

O presente recurso vem reagir contra a sentença do Tribunal Tributário que julgou procedente a impugnação judicial e anulou o ato impugnado, liquidação de SISA relativa às transmissões realizadas pela impugnante, das posições contratuais como promitente compradora, relativamente às frações autónomas identificadas pelas letras …, … e … sitas na Alameda dos Oceanos, Empreendimento Torre de São Gabriel, artigo matricial nº … da freguesia de Santa Maria dos Olivais, concelho de Lisboa.

II.A Meritíssima Juiz julgou a impugnação procedente por não se encontrarem preenchidos os pressupostos de facto e de direito, nomeadamente por entender que não se encontra demonstrado o ajuste de revenda no caso concreto, por considerar que na cedência de posição contratual o preenchimento do pressuposto da norma ocorre quando o promitente comprador originário cede a sua posição contratual a terceiro (cessionário) e este terceiro tenha efetiva intervenção como comprador na escritura de compra e venda com o promitente comprador, considerando-se que, verificadas estas duas condições cumulativas, que ocorreu um ajuste de revenda para efeitos de incidência de SISA.

III.A decisão recorrida não faz, salvo o devido respeito, uma correta apreciação da matéria de facto relevante e não faz uma acertada aplicação e interpretação das normas legais aplicáveis ao caso sub judice.

IV.A sentença recorrida dá como assente que a impugnante adquiriu a posição contratual de promitente compradora das frações supra identificadas, tendo cedido a posição contratual adquirida a um terceiro, terceiro esse que veio a celebrar o contrato de compra e venda prometido com a promitente compradora (factos provados 1 a 12).

V.A douta sentença dá ainda como provado que à data da cedência da posição contratual (subentenda-se, pela ora impugnante), as frações …, … e … ainda não se encontravam inscritas na respetiva matriz (facto provado 16 da sentença).

VI.Considera a Fazenda que relativamente ao facto provado nº 16, a douta sentença não é suficientemente precisa, impondo-se aditar aos factos provados que, não obstante, as frações não estivessem inscritas, naquela data havia sido entregue pela sociedade construtora, a declaração modelo 129 para inscrição de prédio na matriz, verificando-se que da declaração modelo 129 entregue em 31-08-20101 consta a data 01-06-2001 como data de conclusão das obras (cf fls 40 do Processo Administrativo Tributário, PAT).

VII.Considera a Fazenda Pública que é facto assente que a impugnante assumiu a posição contratual de promitente compradora num contrato promessa de compra e venda em que é promitente compradora a sociedade T…, tendo por objeto as referidas frações do empreendimento T….

VIII.Relativamente aos “Factos Não Provados”, a Fazenda Pública não aceita que “Não resulta provado que a impugnante tenha efetuado algum ajuste de revenda no âmbito da cedência da sua posição contratual referente às frações”.

IX.A douta sentença não fez a correta apreciação da matéria de facto e de direito porquanto a impugnante foi promitente compradora e cedeu a sua posição contratual a terceiro, tendo este celebrado o contrato prometido.

X.Com efeito, em 26-02-1999, a ora impugnante adquiriu a posição contratual de promitente compradora da fração … e da fracção …, ambas do artigo matricial nº … da freguesia de Santa Maria dos Olivais (empreendimento …), ficando assim investida na posição de promitente compradora com todos os direitos e deveres que assistiam aos anteriores titulares.

XI.E, em 22-10-2001, a impugnante adquiriu a posição contratual para aquisição da fracção … no mesmo imóvel (empreendimento …), artigo matricial nº …, ficando assim investida na posição de promitente compradora com todos os direitos e deveres que assistiam aos anteriores titulares.

XII.A impugnante cedeu as referidas posições contratuais de promitente compradora por contrato de cedência de posição contratual.

XIII.A posição contratual de promitente compradora correspondente à fracção … foi cedida pela impugnante em 22-10-2001 “a J…, vindo esta última a outorgar a escritura de compra e venda com a sociedade promitente vendedora” (nº 15 da p.i., sublinhado nosso);

XIV.A posição contratual de promitente compradora correspondente à fracção … foi cedida pela impugnante em 22-10-2001 “a J…, vindo este último a outorgar a escritura de compra e venda com a promitente vendedora” (nº 12 da p.i., sublinhado nosso);

XV.A posição contratual de promitente compradora correspondente à fracção … foi cedida pela impugnante em 04-02-2002 “a M…, vindo este a outorgar a escritura de compra e venda com o promitente vendedor” (nº 9 da p.i., sublinhado nosso).

XVI.O facto de a impugnante não ter celebrado qualquer contrato promessa de compra e venda não obsta à tributação porquanto o artigo 2º, § 2 refere-se ao promitente comprador e não ao outorgante do contrato promessa.

XVII.A douta sentença incorre assim em erro de facto e de direito ao julgar relevante que o promitente comprador seja o outorgante originário, sendo manifesto que tal requisito não resulta da norma.

XVIII.Pelo contrário, como resulta da norma de incidência do artigo 2º, § 2 do CIMSISSD: “Nas promessas de venda entende-se também verificada a tradição se o promitente comprador ajustar a revenda com um terceiro e entre este e o primitivo promitente vendedor for depois outorgada a escritura de venda”.

XIX.A norma de incidência aplicável não deixa quaisquer dúvidas quanto à sujeição a SISA nos casos sub judice tanto mais que os adquirentes das posições contratuais que ficaram investidos no lugar da ora impugnante vieram (todos três) a celebrar as respetivas escrituras de compra em cumprimento dos respetivos contratos promessa.

XX.Importa ainda realçar que a própria norma refere como requisito que o contrato de compra e venda venha a ser celebrado com o “primitivo promitente vendedor” nada referindo quanto à obrigatoriedade de o promitente comprador ser ou não o primitivo.

XXI.

A dificuldade de interpretação poderá porventura resultar do facto de a norma de incidência ter como requisito que o contrato de compra e venda venha a ser celebrado com o cessionário que adquiriu a posição contratual, facto que exclui da incidência os cedentes de sucessivas de posições contratuais porquanto se o promitente comprador (por aquisição de posição) cede novamente a sua posição, não se verificará a condição prevista na última parte da citada norma do artigo 2º, § 2.

XXII.Contudo, no caso sub judice, a condição prevista na última parte da citada norma, verificou-se porque a impugnante, na qualidade de promitente compradora cedeu a sua posição contratual a terceiro (cessionário) que veio a celebrar o contrato prometido, preenchendo-se assim a norma de incidência.

XXIII.A figura da cessão da posição contratual encontra-se prevista nos artigos 424º a 427º do Código Civil.

XXIV.O adquirente da posição contratual ocupa o lugar antes ocupado pelo cedente da posição assumindo todos os direitos e obrigações do anterior titular. É pois manifesto que a ora impugnante assumiu o lugar de promitente compradora. Com efeito, não outorgou contrato promessa com o promitente vendedor, mas interveio nos contratos promessa como promitente compradora quando ocupou o lugar que lhe foi transmitido pelos cedentes das posições contratuais.

XXV.Ficam assim dissipadas as dúvidas. Com efeito, existe um contrato promessa de compra e venda cuja relação jurídica se mantém não obstante a mudança de titularidade na posição de promitente comprador. E existe um contrato de cedência de posição, que é um contrato instrumento que visa a mudança de titularidade da relação jurídica anteriormente estabelecida.

XXVI.E, a ora impugnante, quando investida no lugar de promitente compradora ajustou a revenda com terceiros através da cedência das suas posições contratuais preenchendo assim indiscutivelmente a primeira parte do artigo 2º, § 2 do CIMSISSD.

XXVII.E preencheu igualmente a segunda parte na medida em que os terceiros que adquiriram a si as respetivas posições contratuais outorgaram as respetivas escrituras de compra com a sociedade que outorgou os contratos promessa como promitente vendedora.

XXVIII.Quando o promitente comprador cede a sua posição a um terceiro (como fez o impugnante), ou seja, se ajustar a venda com um terceiro, considera-se verificada a tradição nos termos do § 2 do artigo 2, quando este celebra o contrato de compra e venda prometido.

XXIX.A douta sentença recorrida afasta a norma de incidência para o caso concreto, considerando que a impugnante não é o promitente comprador originário, deduzindo-se que, apenas estava sujeito o primitivo promitente comprador que cedia a posição contratual.

XXX.Este não é no entanto, o melhor entendimento da norma. Com efeito, aquela interpretação não encontra correspondência na lei na medida em que o supra citado artigo 2º, § 2 do CIMSISSD não refere nunca o primitivo promitente comprador, mas o promitente comprador tout court. Fá-lo porém relativamente ao promitente vendedor, referindo expressamente que a sujeição ocorre logo que entre o promitente comprador e o primitivo promitente vendedor seja outorgado a escritura de venda

XXXI.Fica assim amplamente evidenciado que o promitente comprador pode ser o sujeito da relação jurídica contratual de promessa de compra e venda que, entretanto, tenha sido investido naquela posição.

XXXII.Contudo, ao contrário do decidido na douta sentença recorrida, quando existam cedências sucessivas de posição contratual, a sujeição não ocorre no primeiro cedente da posição contratual, mas sim no último – ou seja, no caso concreto, na própria impugnante, por força da última parte do artigo 2º, § 2 do CIMSISSD.

XXXIII.Com efeito, como já foi referido, decorre da norma de incidência que a sujeição pela cedência de posição ocorre desde que seja celebrada a escritura de venda. Assim, a sujeição ocorre se e quando for celebrado o contrato prometido, ou seja, se afinal o adquirente da posição contratual tiver exercido o seu direito e cumprido a sua obrigação de celebrar o contrato promessa esgotando-se assim os efeitos do contrato promessa.

XXXIV.Fica assim amplamente demonstrado que estão preenchidos os dois requisitos cumulativos de que depende a incidência da SISA: 1 – O promitente comprador cedeu a sua posição contratual a terceiro (cessionário); 2 – O mesmo terceiro (cessionário) teve intervenção como comprador na escritura de compra e venda com o primitivo promitente vendedor.

XXXV. Verificadas estas duas condições considera-se que existiu um ajuste de revenda para efeitos de incidência de imposto de SISA.

XXXVI.Em suma, encontra-se demonstrada o preenchimento das normas de incidência de SISA.

XXXVII.Atento o exposto, a douta sentença mostra-se proferida em erro de julgamento de facto e de direito com violação das normas contidas nos artigos 2º e artigo 2º, § 2 do CIMSISSD, bem como do artigo 74º da LGT.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente.

Porém, V. Exªas decidindo, farão a costumada JUSTIÇA.”


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A recorrida, devidamente notificada para o efeito, apresentou contra-alegações com o seguinte teor:

Conclusões:

I. A decisão recorrida não enferma de erro de julgamento da matéria de facto e de direito.

II. Quanto à matéria de facto a decisão recorrida deu como provado que em nenhum dos contratos de promessa de compra e venda, a impugnante ocupou a posição de primitivo promitente comprador, não tendo em nenhum deles, outorgado com a T…, naquela qualidade – a de primitiva promitente compradora.

III. A decisão recorrida deu igualmente como provado que a impugnante não interveio em nenhum dos contratos como “compradora” não tendo outorgado nessa qualidade com a T… o contrato prometido de compra e venda.

IV. A impugnante e ora recorrida não interveio nem no inicio – outorga do contrato de promessa de compra e venda – nem no fim – outorga do contrato prometido.

V. A impugnante interveio na cadeia de sucessivas cedências de posição contratual.

VI. Aqueles factos – sucessivas cedências de posição contratual – não configuram “ajustes de revenda”, já que estes só se verificam em relação ao primitivo promitente comprador.

VII. Aqueles factos – sucessivas cedências de posição contratual – não cabiam na norma de incidência prevista do § 2.º do art.º 2.º do Código da SISA.

VIII. Aqueles factos - sucessivas cedências de posição contratual – não estavam previstos, não faziam parte, das normas de incidência do imposto sobre a transmissão dos imoveis.

IX. Se não estavam previstos nas normas de incidência da SISA, a sua liquidação e exigência é ilegal, por violação do princípio da legalidade.

X. Determina o art.º 103.º da CRP que “os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (n.º 2) e,

XI. “Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”.

XII. Os factos – as sucessivas cedências de posição contratual – não estavam previstas nas normas de incidência (cfr, preambulo do Codigo do IMT aprovado pelo Dec Lei n.º 287/2003 de 12 de Novembro, onde o legislador refere de forma expressa que «…o novo Código não se limita a reproduzir o anterior e ….. vem alargar a base de incidência a negócios jurídicos que, embora anteriores ou mesmo laterais à formalização dos contratos translativos de imóveis tem um resultado económico equivalente mas que passam ao lado de qualquer tipo de tributação. É o caso das cedências sucessivas de posição contratual de promitentes adquirentes nos contratos de promessa de compra e venda …..»

XIII. E ainda que “(…) a celebração dos contrato-promessa em que seja clausulado que o promitente adquirente poderá ceder a sua posição contratual a terceiro, bem como essas mesmas cedências, passam a integrar a incidência (…)”

XIV. As cedências sucessivas de posição contratual de promitentes adquirentes nos contratos de promessa de compra e venda não estavam abrangidas pelas regras da incidência da SISA.

XV. Não estando abrangidas pelas regras da incidência da SISA, os actos tributários controvertidos são inconstitucionais por violação do n.º 2 do art. 103.º da CRP.

XVI. Os actos tributários controvertidos na medida em que exigem da impugnante e ora recorrente um imposto indevido são inconstitucionais por violação do n.º 3 do art.º 103.º doa CRP.

XVII. A decisão do Tribunal a quo não padece do vício de erro de julgamento da matéria de facto e de direito.

XVIII. A decisão do Tribunal a quo não está em contradição com a decisão proferida pelo TCAS ( Ac. de 21-04-2010, processo nº 0924/09 (www.dgsi.pt)) a que a Recorrente apelou para sustentar a tese de erro de julgamento imputada a decisão recorrida, porque naquele, foi dado como provado que a impugnante tinha ocupado (tinha intervindo) no contrato de promessa de compra e venda como promitente compradora originária;

XIX. No caso dos autos, foi dado como provado que a impugnante interveio na cadeia sucessiva de cedências de posição contratual, não tendo intervindo nem no início – como primitiva promitente compradora – nem no fim como compradora no contrato prometido de compra e venda.

XX. Em suma, a impugnante e ora recorrida nunca outorgou com a promitente vendedora.

XXI. A impugnante e ora Recorrida não ajustou a revenda em nenhum dos contratos de promessa de compra e venda.

XXII. A decisão prolatada porque fez uma correcta apreciação dos factos e uma correcta interpretação e aplicação da lei, não merece censura devendo manter-se na ordem jurídica com as legais consequências.

Termos em que, deve ser negado provimento ao recurso e em consequência deve ser mantida na ordem jurídica a sentença recorrida com todas as consequências legais, assim se fazendo a tão acostumada JUSTIÇA! “


***


O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul proferiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Compulsados os autos e analisada a prova documental apresentada, encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a presente decisão:

1. Em 26/06/1998, A..., na qualidade de promitente comprador, outorgou contrato de promessa de compra e venda da fração autónoma a contruir, indicada com o nº …, referente ao imóvel em regime de propriedade horizontal, identificado pelas letras “...”, do empreendimento T…, localizado na Alameda dos Oceanos, Santa Maria dos Olivais, Lisboa – cfr. fls. 167 a 175 dos autos;

2. O promitente comprador, identificado no ponto anterior, cedeu a sua posição contratual à imobiliária M…, Lda., que, por sua vez, em 22/10/2001, cedeu a sua posição contratual à impugnante - cfr. fls. 176 e 177 dos autos;

3. Em 04/02/2002, a impugnante cedeu a sua posição contratual a M…, através do seguinte documento:

«Imagem no original»

– cfr. fls. 178 dos autos;

4. Em 14/03/2002, M…, outorga escritura pública de compra e venda, com a promitente vendedora, T…, SA. – cfr. fls. 154 a 166 dos autos;

5. Em 23/06/1998, J… e J…, na qualidade de promitentes compradores, outorgam contrato de promessa de compra e venda da fração autónoma a construir, indicada com o nº ……., referente ao imóvel em regime de propriedade horizontal, identificado pelas letras “…”, do empreendimento T…, localizado na Alameda dos Oceanos, Santa Maria dos Olivais, Lisboa – cfr. fls. 136 a 144 dos autos;

6. Em 26/02/1999, os promitentes compradores, identificados no ponto anterior, cederam a sua posição contratual à impugnante, assim comunicada:

«Imagem no original»

– cfr. fls. 146 a 149 dos autos;

7. Em 22/10/2001, a impugnante cedeu a sua posição contratual a J…, assim comunicada:

«Imagem no orginal»

– cfr. fls. 150 dos autos;

8. Em 29/04/2002, J…, outorgou escritura pública de compra e venda com a promitente vendedora “T…, SA.”, referente ao imóvel em regime de propriedade horizontal, identificado pelas letras “…”, do empreendimento T…., localizado na Alameda dos Oceanos, Santa Maria dos Olivais, Lisboa – cfr. fls. 131 a 135 dos autos;

9. Em 06/1998, J… e A…, na qualidade de promitentes compradores, outorgam contrato de promessa de compra e venda da fração autónoma a construir, indicada com o nº ……., referente ao imóvel em regime de propriedade horizontal, identificado pelas letras “…”, do empreendimento T….., localizado na Alameda dos Oceanos, Santa Maria dos Olivais, Lisboa – cfr. fls. 186 a 193 dos autos;

10. Em 26/02/1999, os promitentes compradores, identificados no ponto anterior, cederam a sua posição contratual à impugnante, como a seguir se enuncia:

«Imagem no original»

– cfr. fls. 195 a 197 dos autos;

11. Em 26/10/2001, a impugnante cedeu a sua posição contratual a J…, como a seguir se enuncia:

«Imagem no original»

– cfr. fls. 199 dos autos;

12. Em 12/09/2002, J…, outorgou escritura pública de compra e venda com a promitente vendedora – cfr. fls. 181 a 185 dos autos;

13. A coberto da Ordem de Serviço Interna nº …………, foi efetuada ação inspetiva em nome de M… e H…, para efeitos de tributação em sede de Imposto Municipal de SISA, a qual foi despoletada por a A.T. ter detetado, no decorrer de procedimento de inspeção à sociedade T…, SA., elementos suscetíveis de tributação em CIMSISSD – cfr. fls. 204 a 208 dos autos;

14. Da ação inspetiva, efetuada à impugnante, resultaram as seguintes constatações e conclusões “ (…)

«Imagem no original»

«Imagem no original»

«Imagem no original»

- cfr. fls. 204 a 208 dos autos;

15. No âmbito da ação inspetiva, levada a cabo à ora impugnante, A.T. veio a concluir que, por via da cedência da posição contratual efetuada à impugnante das frações “…”, “…” e “…” do art. …… da matriz predial urbana da freguesia de Santa Maria dos Olivais, se operou a tradição daquelas frações nos termos “arts. 1º e 2º, nº 2, §2 do CIMSISSD” – cfr. fls. 204 a 208 dos autos;

16. À data da cedência da posição contratual, as frações “…”, “…” e “…” do art. 4068 da matriz predial urbana da freguesia de Santa Maria dos Olivais, ainda não se encontravam inscritas na respetiva matriz predial urbana, tendo sido determinado o seu valor patrimonial, para efeitos de cálculo do imposto de SISA, com base na percentagem de acabamento das frações, à data em que ocorreram as cedências – cfr. fls. 204 a 208 dos autos;

17. Em 10/08/2009, a A.T. emitiu notificações à impugnante, dando conta das liquidações do imposto de SISA, seguintes:

Ø Liquidação nº 5/2009, ano de 2002, (contrato de cedência posição contratual de 04/02/2002) artigo 4068-fração “…”-freguesia de Santa Maria dos Olivais, pelo valor de € 22.296,27 acrescido de juros compensatórios no valor de € 7.206,89;

Ø Liquidação nº 4/2009, ano de 2001, (contrato de cedência posição contratual de 22/10/2001) artigo 4068-fração “…”-freguesia de Santa Maria dos Olivais, pelo valor de € 16.884,31, acrescido de juros compensatórios no valor de € 5.308,61;

Ø Liquidação nº 6/2009, ano de 2001, (contrato de cedência posição contratual de 22/10/2001) artigo 4068-fração “…”- freguesia de Santa Maria dos Olivais, pelo valor de € 12.779,70, acrescido de juros compensatórios no valor de € 3.684,75.

- cfr. fls. 15 a 20 dos autos;

18. A, ora, impugnante apresenta reclamações graciosas para cada uma das liquidações, enunciadas no ponto anterior, com os nºs …….., …….. e ………., as quais obtiveram despacho de indeferimento de 27/11/2009 – cfr. processos de reclamação graciosa que constam do processo instrutor em apenso aos autos;

19. Em 04/12/2009, do indeferimento das reclamações graciosas, foram deduzidos recursos hierárquicos que vieram a ser indeferidos pela Subdiretora-Geral dos Impostos, por Subdelegação - cfr. processos de recurso hierárquico que constam do processo instrutor em apenso aos autos;

20. Por meio de correio registado, de 27/04/2011, dá entrada neste Tribunal p.i. que consubstancia a presente impugnação – cfr. fls. 3 a 33 dos autos.


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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Não resulta provado que a impugnante tenha celebrado com a sociedade T…, SA. algum “contrato promessa de compra e venda”, nem tenha outorgado “escritura pública de compra e venda”, referente às frações designadas pelas letras “…”, “…” e “…”, do art. ..., da matriz predial urbana da freguesia de Santa Maria dos Olivais.

Não resulta provado que a impugnante tenha efetuado algum ajuste de revenda no âmbito da cedência da sua posição contratual referente às frações designadas pelas letras “…”, “…” e “…”, do art. …., da matriz predial urbana da freguesia de Santa Maria dos Olivais.

Não existem outros factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados.”


***


A motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:

“A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos não impugnados, juntos aos autos e, expressamente, referidos no probatório supra.”


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Elimina-se o facto não provado com o seguinte teor:

“Não resulta provado que a impugnante tenha efetuado algum ajuste de revenda no âmbito da cedência da sua posição contratual referente às frações designadas pelas letras “…”, “…” e “…”, do art. 4068, da matriz predial urbana da freguesia de Santa Maria dos Olivais.”, porquanto a mesma mais não representa que uma conclusão, inteiramente concatenada com a questão de direito em discussão nos autos, donde insuscetível de integrar o acervo fático.

In casu, o que tem de integrar o probatório são as ocorrências da vida real, devidamente contextualizadas e substanciadas espácio-temporalmente, que permitam ao Tribunal, da sua interpretação conjugada, concluir pela existência ou não um ajuste de revenda e não a conclusão de direito assumida da sua concreta valoração e ponderação.

Com efeito, “As afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado(1)”.


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Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II), em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração (2), e bem assim para melhor substanciação espácio-temporal e ulterior expurgo da conclusão de direito constante na parte final do facto e decorrente da fundamentação constante no RIT.

Nesse seguimento, procede-se à alteração da redação do facto que infra se identifica, por referência à sua enumeração efetuada em 1.ª instância:

16. A 04 de fevereiro de 2002, 22 de outubro de 2001, e 26 de outubro de 2001, concretamente na data da outorga das cedências das posições contratuais, melhor evidenciadas em 3), 7) e 11) as respetivas frações autónomas não se encontravam inscritas na matriz, estando pendente pedido para o efeito (cfr. fls. 204 a 208 dos autos e cfr. fls. 40 do PAT apenso);


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Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

21. A 28 de janeiro de 2009, foi remetida carta registada com a indicação alfanumérica RM07……PT, endereçada para o domicílio da Impugnante, tendente à notificação do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária respeitante às correções decorrentes da ação inspetiva credenciada pela Ordem de Serviço OI…, identificada em 13) (cfr. fls.202 e 203 dos autos e facto que se extrai do teor de toda a consulta ao respetivo PA);

22. A Impugnante, na sequência da notificação referida no ponto antecedente, não exerceu o respetivo direito de audição prévia (facto expressamente consignado no RIT junto ao PA instrutor, e não impugnado e facto que se extrai do teor de toda a consulta ao respetivo PA);

23. Os ofícios de notificação das liquidações evidenciados em 17), foram expedidos por carta registada com aviso de receção, endereçados para o domicílio da Impugnante e recebidos a 19 de agosto de 2009 (cfr. ofícios e respetivos avisos de receção a fls. 16 e 17, 17 e 18 e 18 e 19 dos respetivos processos de reclamação graciosa);


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, o Recorrente, não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida, contra as liquidações de SISA referentes aos anos de 2001 e 2002, nos valores de €22.296,27, €16.884,31 e €12.779,70, perfazendo o valor total €51.960,28, acrescidos dos correspondentes juros compensatórios.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir:

Ø Se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento de facto na medida em que não reputou factualidade relevante para a lide, e computou como factualidade não provada realidade que não devia ser computada enquanto tal.

Ø Se a decisão recorrida padece de erro de julgamento por errada interpretação do artigo 2.º, § 2.º do Código do Imposto Municipal de Sisa e Imposto sobre Sucessões e Doações (CIMSISSD), competindo, para o efeito, aferir se o Tribunal a quo valorou adequada e acertadamente a factualidade constante do probatório para efeitos de preenchimento dos pressupostos de incidência real do imposto liquidado, aferindo, assim, se a AT provou os factos índice, concretamente, a existência de ajuste de revenda.

Ø Procedendo a prova do ajuste de revenda, importa conhecer das seguintes questões julgadas prejudicadas:

o Preterição de Formalidades essenciais quanto à quantificação da base de incidência;

o Violação do princípio da igualdade;

o Violação do princípio da legalidade;

o Caducidade dos factos tributários;

Comecemos, então, pelo erro de julgamento de facto.

A Recorrente aduz, desde logo, que relativamente ao facto provado nº 16, a decisão não é suficientemente precisa, impondo-se, por isso, aditar um facto que consubstancie o seguinte: “não obstante, as frações não estivessem inscritas, naquela data havia sido entregue pela sociedade construtora, a declaração modelo 129 para inscrição de prédio na matriz, verificando-se que da declaração modelo 129 entregue em 31-08-2001 consta a data 01-06-2001 como data de conclusão das obras”, convocando, para o efeito, o documento constante de fls. 40 do PA.

No atinente a este facto, importa, desde já, relevar que não obstante se encontrem cumpridos os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC, na medida em que é evidenciado o concreto aditamento por complementação por reporte ao respetivo meio probatório, a verdade é que a redação supra expendida não pode figurar no acervo probatório da forma sugerida pela Recorrente, porquanto a mesma apresenta um teor opinativo, e valorativo. No entanto, e por se poder afigurar relevante para a descoberta da verdade material a factualidade atinente à declaração modelo 129, o Tribunal ad quem procede ao aditamento do facto com o teor que infra se descreve:

23. A 31 de agosto de 2001, a sociedade denominada T…, SA, procedeu à entrega junto do 14.º Bairro Fiscal de Lisboa de declaração para “inscrição ou alteração de inscrição de prédios urbanos na matriz” designada Modelo 129, atinente ao bem imóvel integrante do empreendimento T…, localizado na Alameda dos Oceanos, Santa Maria dos Olivais, Lisboa, o qual integrava, designadamente, as frações “…”, “…”, e “…”, e contemplava no quadro 10 epigrafado de “outros elementos”, a seguinte menção: “data da conclusão das obras 01/06/01” (cfr. fls. 40 do PAT apenso, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);

Prosseguindo.

No atinente aos “Factos Não Provados”, contesta a asserção de que “Não resulta provado que a impugnante tenha efetuado algum ajuste de revenda no âmbito da cedência da sua posição contratual referente às frações”, no entanto, relativamente a esta alegação a mesma encontra-se prejudicada na medida em que o Tribunal ad quem, no âmbito dos seus poderes de cognição e atento o seu caráter conclusivo já procedeu à sua competente eliminação.


***


Aqui chegados, uma vez estabilizada a matéria de facto, atentemos, então, se a decisão recorrida padece de erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

Apreciando.

A Recorrente defende que a decisão recorrida não fez a correta apreciação da matéria de facto e de direito porquanto a Impugnante, ora Recorrida, foi promitente compradora e cedeu a sua posição contratual a terceiro, tendo este celebrado o contrato prometido com a primitiva promitente vendedora.

Esclarecendo, neste particular, que atentando na letra do artigo 2º, § 2, do CIMSISD o requisito reporta-se ao contrato de compra e venda que venha a ser celebrado com o “primitivo promitente vendedor” nada referindo quanto à obrigatoriedade de o promitente comprador ser ou não o primitivo ou originário comprador.

Logo, o promitente comprador pode ser o sujeito da relação jurídica contratual de promessa de compra e venda que, entretanto, tenha sido investido naquela posição.

Dissente a Recorrida, relevando que não outorgou qualquer contrato de promessa com a promitente vendedora, não assumindo, assim, a qualidade de primitiva promitente compradora.

Mais sublinhando que, atenta a factualidade provada apenas resulta que a Recorrida interveio na cadeia de sucessivas cedências de posição contratual, sendo que estas não são passíveis de qualificação como “ajustes de revenda”, na medida em que estes só se verificam em relação ao primitivo promitente comprador.

Logo, os atos tributários controvertidos na medida em que exigem da Impugnante e ora Recorrida um imposto indevido são inconstitucionais por violação do n.º 3 do artigo 103.º doa CRP, logo a decisão do Tribunal a quo não padece do vício de erro de julgamento da matéria de facto e de direito.

Comecemos por convocar o quadro normativo que releva para o caso dos autos.

Preceituava o artigo 2.° do CIMSISSD, a propósito da incidência real que se encontram sujeitas a imposto de SISA as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade sobre bens imóveis.

Consignando, por seu turno, o § 1.º, 2º, do citado normativo que:

“Consideram-se, para este efeito, transmissões de propriedade imobiliária:

2.º As promessa de compra e venda ou de troca de bens imobiliários, logo que verificada a tradição para o promitente-comprador ou para os promitentes permutantes, ou quando aquele ou estes estejam usufruindo os bens;

(...) § 2.º Nas promessas de venda entende-se também verificada a tradição se o promitente-comprador ajustar a revenda com um terceiro e entre este e o primitivo promitente vendedor for depois outorgada a escritura de venda.”

Importa, desde já, relevar que não obstante o imposto de SISA vise tributar a transmissão onerosa de bens imóveis, em regra, determinada pela noção civilística da transmissão do direito de propriedade ou de figuras parcelares sobre o mesmo, existem, no entanto, situações em que o legislador optou por tributar operações jurídicas tal como se se tratassem de transmissões onerosas, recorrendo à ficção jurídica.

Tal é o que sucede com a sujeição a SISA dos contratos de promessa de compra e venda de imóveis sempre que suceda uma operação jurídica que se configure como um ajuste revenda com terceiro com o qual o promitente vendedor venha a celebrar a escritura de venda do imóvel, caso em que a lei presume ter existido uma tradição do imóvel para o cedente, com a consequente transmissão económica ou fiscal do imóvel.

Da letra do citado normativo resulta que o CIMSISSD não tipificava a celebração do contrato-promessa de compra e venda de imóveis como facto sujeito a imposto, donde, nenhum dos promitentes tinha que pagar imposto por mero efeito desse contrato, ressalvava, porém, as situações em que tivesse havido tradição do bem.

Neste particular, é preciso ter presente que se o promitente adquirente cedesse, a sua posição contratual a um terceiro, e este outorgasse, a final, a escritura pública de compra e venda o CIMSISSD sujeitava-o a imposto na previsão normativa constante do § 2.° do artigo 2.° do CIMSISSD.

O sujeito passivo do imposto, neste caso era o cedente e a determinação do valor tributável seguia a regra geral do imposto. O terceiro que adquiriu a posição contratual não pagava qualquer imposto por esse facto, só ficando a ele sujeito na data da celebração da escritura pública de transmissão do imóvel. Era também nessa data que o cedente pagaria o imposto (3).”

Em sentido idêntico doutrinam F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes(4):

“O legislador contentou-se com a tradição jurídica dos bens. A teleologia deste preceito é sujeitar a sisa a revenda ou agenciação de bens alheios feita pelo promitente comprador ao negociar ou ceder a sua posição contratual, entendendo-se que se dá, nestas circunstâncias, uma tradição fiscal do imóvel, embora aquele não intervenha na escritura, uma vez que a sua intervenção no acto é escamoteada.

É também no momento da celebração da escritura que se verifica a transmissão contemplada neste p. 2º. É evidente que havendo tradição efectiva não há que lançar mão deste dispositivo legal, sendo a sisa devida nos termos já ali referidos. O campo de aplicação deste preceito restringe-se, pois, à situação do promitente-comprador, que não entrou na posse do imóvel, ajusta a revenda com um terceiro, sendo a escritura celebrada entre este último e o promitente vendedor.”

Com efeito, nas situações de promessas de compra e venda estatuídas no normativo que vimos analisando, entende-se verificada a tradição e, consequentemente a sujeição a imposto, se o promitente comprador ajustar a revenda com um terceiro, vindo a escritura a ser outorgada apenas entre o promitente vendedor e este terceiro, estabelecendo-se, assim, uma traditio ficta.

Assim, verificados que estejam estes pressupostos de facto, cuja demonstração dos factos índice compete à AT enquanto factos constitutivos do direito à liquidação, a lei faz acionar a presunção de que houve tradição do prédio para o promitente comprador.

Neste particular, importa chamar à colação o Aresto do STA, proferido em Plenário, no processo nº 0895/11, de 02 de maio de 2012, do qual se extrai que:

“IV-O § 2.º do artigo 2.º do CIMSISD estabelece é que, nos casos em que ocorra um ajuste de revenda nas promessas de compra de bens imobiliários, se tem de presumir legalmente que existiu uma prévia tradição jurídica do bem para aquele que realizou o ajuste, sendo a partir daí que a lei ficciona a ocorrência da transmissão (económica) do imóvel sujeita a imposto.

V – Para afastar essa presunção legal de tradição (presunção juris tantum por força do artigo 73.º da LGT), o sujeito passivo terá de provar que, não obstante a celebração da escritura do promitente vendedor com terceiro, não existiu entre si e este qualquer ajuste de revenda, sendo indiferente, para a referida ilisão, a prova da falta de posse material e efectiva do bem, pois o preceito não abrange estas situações de tradição efectiva, que caem, antes, no âmbito de incidência do § 1.º, n.º 2 do artigo 2.º do CIMSISD.”

Aqui chegados, atentemos no recorte probatório dos autos e vejamos, então, se o Tribunal a quo, decidiu acertadamente a falta de verificação dos pressupostos que legitimam a liquidação de SISA.

A 26 de junho de 1998, foi outorgado contrato de promessa de compra e venda da fração autónoma a contruir, indicada com o nº …., referente ao imóvel em regime de propriedade horizontal, identificado pelas letras “…”, do empreendimento T…, entre A… e T…, SA.

Por seu turno, A…, cedeu a sua posição contratual à Imobiliária M…., Lda, que, por sua vez, a 22 de outubro de 2001, cedeu a sua posição contratual à Impugnante, ora Recorrida.

Dimanando, outrossim, provado que a 04 de fevereiro de 2002, a Recorrida cede a sua posição contratual a M…, outorgando este a 14 de março de 2002, a escritura pública da aludida fração com a promitente vendedora, T…, SA.

No atinente à fração autónoma designada com o nº ……, referente ao imóvel em regime de propriedade horizontal, identificado pela letra “…”, do empreendimento T…, resulta que a 23 de junho de 198, foi celebrado contrato promessa entre J… e J…, e T…, SA, sendo que a 26 de abril de 1999 ocorreu a cedência de posição contratual destes à ora Recorrida, a qual, por sua vez, a 22 de outubro de 2001, cedeu a sua posição contratual a J…, tendo este, in fine, outorgado em 29 de abril de 2002, escritura pública de compra e venda com a promitente vendedora, T…, SA.

No concernente à fração autónoma designada com o nº ……., referente ao imóvel em regime de propriedade horizontal, identificado pelas letras “…..”, do empreendimento T……., resulta que a 07 de julho de 1998, foi celebrado contrato promessa entre J… e A… e T…, SA, sendo que a 26 de fevereiro de 1999 ocorreu a cedência de posição contratual de J… e A…, à ora Recorrida, a qual, por sua vez, a 26 de outubro de 2001, cedeu a sua posição contratual a J…, tendo esta, in fine, outorgado em 12 de setembro de 2002, escritura pública de compra e venda com a promitente vendedora, T…, SA.

Ora, tendo presente o supra exposto resulta, efetivamente, que não foi, formalmente, outorgado um contrato de promessa de compra e venda entre a Recorrida e o terceiro que realiza, efetivamente, a escritura pública, existindo, tão-só, a formalização de várias cedências de posições contratuais, sendo que a última delas foi celebrada entre a Recorrida e o terceiro o qual, por sua vez, outorgou a escritura pública de compra e venda.

E a questão que, ora, se coloca é se o normativo citado apenas abrange enquanto facto tributário qualificado como ajuste de revenda, as situações em que exista, formalmente, a celebração de um contrato de promessa de compra e venda e uma única cedência de posição contratual a um terceiro da qual derive uma ulterior venda com o primitivo promitente vendedor, conforme ajuizou o Tribunal a quo, ou se face, desde logo, ao teor literal do normativo e à própria natureza, âmbito e extensão da cedência de posição contratual é defensável que não obstante existirem no mediar do circuito negocial das sucessivas cedências de posição contratual a última, pelo facto do terceiro cessionário realizar a escritura com o primitivo promitente vendedor, se subsume no citado preceito legal.

E a verdade é que, entendemos que o Tribunal a quo, não terá interpretado da melhor forma o normativo em contenda, não só tendo em consideração o seu teor literal, mas também a ratio legis que lhe subjaz.

Mas, expliquemos porque assim o entendemos.

Comecemos pelo alcance da letra, na medida em que deve ser sempre o ponto de partida para qualquer interpretação jurídica. Com efeito, em ordem ao consignado no artigo 9.º, nº2, do CC e seguindo os ensinamentos de BAPTISTA MACHADO, ter-se-á de ter como assente que o texto da lei, constitui o ponto de partida do processo hermenêutico e também um seu limite, na medida em que não é possível considerar aqueles sentidos que não tenham nas palavras da lei qualquer apoio, “um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.(5)”

Sendo certo que, “[a] letra da lei tem duas funções: a negativa (ou de exclusão) e positiva (ou de selecção). A primeira afasta qualquer interpretação que não tenha uma base de apoio na lei (teoria da alusão); a segunda privilegia, sucessivamente, de entre os vários significados possíveis, o técnico-jurídico, o especial e o fixado pelo uso geral da linguagem. Temos de pensar que o legislador soube exprimir correctamente o seu pensamento e se serviu do vocábulo jurídico adequado e que o legislador se dirige a todos os cidadãos, sendo necessário que o entendam (sobre esta matéria cfr. i.a.: Cabral de Moncada, Lições de Direito Civil, pág. 163; Castanheira Naves, Interpretação Jurídica, págs. 362/363; Baptista Machado, Introdução ao Direito, pág. 182; Oliveira Ascensão, O Direito, págs. 406/407; Santos Justo, Introdução ao Estudo de Direito, 4ª ed., págs. 334 e ss.) (6).”

Assim, tendo por base o supra aludido e como norteador que interpretar a lei é fixar o seu sentido e o alcance com que ela deve valer, ou seja, determinar o seu sentido e alcance decisivos (7), aquiesce-se que da sua letra a seguinte interpretação:

A letra da lei tipifica enquanto facto tributário, como visto, ficcionado, “as promessas de venda”, estabelecendo depois como pressupostos legais:

Ø “o promitente-comprador ajustar a revenda com um terceiro”

Ø “e entre este e o primitivo promitente vendedor for depois outorgada a escritura de venda”

Ora, do supra expendido retira-se, desde logo, que o legislador usou a nomenclatura promessas de venda e no atinente ao promitente comprador não utiliza, contrariamente ao realizado quanto ao promitente vendedor (8) a expressão “primitivo”.

Logo, infere-se que a letra da lei se coaduna com a solução propugnada pela Recorrente, não se retirando do seu teor literal que apenas pretenda abranger as situações de outorga formal de um único contrato de promessa e ulterior cedência de posição contratual.

Com efeito, como doutrina José Maria Fernandes Pires em análise ao normativo expendido, “[s]empre que o promitente adquirente de um imóvel cedesse a sua posição contratual a um terceiro antes da celebração da escritura de compra e venda, ficcionava a Lei a tradição do prédio do promitente vendedor para o agora cedente. O promitente adquirente que cedeu a posição contratual a terceiro ficava sujeito a imposto como se tivesse adquirido a propriedade do prédio (9).”

Note-se que o objeto do contrato de promessa de compra e venda de imóveis é o estabelecimento de um vínculo contratual entre as partes, traduzido na obrigação de celebrar o contrato prometido, sendo que, por seu turno, com a celebração do contrato de cedência da posição contratual, se transmite com consentimento, o complexo dos direitos e obrigações que lhe advieram do contrato base, dessa forma se operando a substituição de um dos titulares da relação contratual básica, saindo o cedente, entrando para o seu lugar o cessionário e mantendo-se o contraente cedido.

Com efeito, a cessão da posição contratual regulada no artigo 424.º do Código Civil, consubstancia um negócio em que um dos contraentes (cedente), num contrato de contrato bilateral ou sinalagmático, transmite a um terceiro (cessionário), com o consentimento do outro contraente (cedido), o complexo dos direitos e obrigações que lhe advieram desse contrato (contrato base).

Logo, a outorga do mesmo apenas implica uma modificação subjetiva dos sujeitos da relação contratual, que permanece objetivamente a mesma, sendo que para o cessionário é transmitida a posição contratual no seu todo, ou seja, a posição global do cedente existente no momento da eficácia do negócio.

Daí que, a transmissão da posição contratual produz a liberação do cedente em face do cedido, no momento em que foi notificada ao cedido ou a aceitou, pois a partir daí o cessionário passa a ocupar o lugar do cedente no contrato inicial, com o complexo de direitos e obrigações. Donde, através do negócio da cessão da posição contratual, adquire todos os direitos do promitente-comprador originário, continuando, nessa medida, o contrato de promessa em vigor.

Como doutrinado em Aresto do STJ, prolatado no âmbito do processo nº 13688/16.1TBPRT.P1.S1, datado de 07 de março de 2019: “O seu efeito típico principal consiste na transferência da posição contratual, com a extinção subjectiva da relação contratual, quanto ao cedente, passando todas as situações subjectivas, activas e passivas, cujo complexo unitário, dinâmico e funcional, constitui a chamada relação contratual, a figurar na titularidade do cessionário [Mota Pinto, Cessão da Posição Contratual, 1982, págs. 72 e 450 e Menezes Cordeiro, obra citada, pág. 251] Tem por conteúdo a totalidade da posição contratual, no seu conjunto de direitos e obrigações [Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 3.ª edição, revista e actualizada, 1982, pág. 372.], transferindo-se para o terceiro cessionário os direitos e obrigações indissociáveis da posição contratual do cedente (…)”.

In casu, existe, efetivamente, um contrato base ou contrato inicial realizado originariamente entre cedente e cedido e ulteriores contratos instrumentos da cessão entre os cedentes e cessionários, através do qual se dá a transmissão, sendo que na última cedência da posição contratual, o promitente adquirente transmite a um terceiro e este realiza a escritura pública, logo entende-se que estão verificados os pressupostos da tributação.

Acresce que, a ratio legis desta tributação em sede de CIMSISSD radicava no facto de os contratos promessa de compra e venda de imóveis terem deixado de ser, “progressivamente, com o desenvolvimento da actividade económica, meros negócios preparatórios de contratos de compra e venda, passando a ser utilizados como instrumentos de realização de investimentos e de especulação imobiliária, que têm por base uma transmissão puramente económica dos bens, proporcionadora de rendimentos (10).”

Note-se que a defender-se a posição inversa estar-se-ia a permitir o contorno da situação legal, bastando para o efeito existir mais do que uma cedência de posição contratual, para obviar à tributação o que, como visto, não foi, de todo, a intenção do legislador.

É certo que como defende a Recorrida, o preâmbulo do CIMT consigna, expressamente, que:

“o novo Código não se limita a reproduzir o anterior e, além de proceder a uma reformulação da linguagem normativa e de reestruturar o seu articulado, vem alargar a base de incidência a negócios jurídicos que, embora anteriores ou mesmo laterais à formalização de contratos translativos de imóveis, têm um resultado económico equivalente mas que passam ao lado de qualquer tipo de tributação. É o caso das cedências sucessivas da posição contratual de promitentes adquirentes nos contratos-promessa de compra e venda que, sendo frequentemente utilizados por alguns promotores imobiliários com o objectivo legítimo de antecipar o financiamento da construção e por investidores com o objectivo de obter alguns lucros, mas que, na maioria das vezes, não são declarados, quer para efeitos de tributação do rendimento quer para efeitos de tributação da transmissão. Assim, a celebração dos contratos-promessa em que seja clausulado que o promitente adquirente poderá ceder a sua posição contratual a terceiro, bem como essas mesmas cedências, passam a integrar a incidência, ainda que, em obediência ao princípio da neutralidade, a tributação seja feita apenas pela parte do preço paga em cada um destes contratos, aplicando-se a taxa que corresponder à totalidade do preço acordado e, por outro lado, sempre que o promitente adquirente ou cessionário venha a celebrar o contrato definitivo, o imposto já pago por ele será levado em conta na liquidação final.”, mas daí não retiramos que a situação sub judice não estivesse já regulamentada no lei, concretamente, no citado normativo.

Note-se que, no caso não se discute uma cedência de posição contratual tout court, ou seja, uma cedência de posição em que o promitente comprador cede a um terceiro e este por sua vez cede a outro, ou seja, não estamos a defender que as sucessivas cedências de posição contratual são passíveis de tributação. No caso, o que importa ter presente é que a cedência da Recorrida a um terceiro culmina na outorga de escritura pública deste com o promitente vendedor.

Note-se que, o CIMT, no seu artigo 2.º, n.º 3, alínea e) manteve a sujeição a imposto dos contratos de promessa de compra e venda de imóveis sempre que ocorra a “cedência de posição contratual ou ajuste de revenda, por parte do promitente adquirente num contrato-promessa de aquisição e alienação, vindo o contrato definitivo a ser celebrado entre o primitivo promitente alienante e o terceiro”, ficcionando, nessas situações, uma transmissão onerosa para efeitos de incidência do imposto.

Tendo, outrossim, alargado, ainda, a incidência do imposto, conforme resulta expresso do citado normativo n.º 3, alíneas a) e b) às situações em que seja clausulado, no contrato promessa ou posteriormente, que o promitente adquirente pode ceder a sua posição contratual a terceiro e à cessão da posição contratual no exercício do direito conferido por esses contratos.

Como doutrinado por José Maria Fernandes Pires (11) a propósito do regime do ajuste de revenda plasmado no CIMSISD em confronto com o regulado no CIMT que: “Este regime é em tudo idêntico ao que já existia no Imposto Municipal de Sisa para o ajuste de revenda. O legislador do CIMT só conferiu uma maior precisão conceptual à norma de incidência, alargando-a expressamente à cessão de posição contratual e mantendo o conceito de ajuste de revenda.”

Assim, “Estando assente a cessão da posição contratual e a realização da venda do imóvel entre o promitente vendedor e o terceiro, há uma presunção de tradição entre o promitente vendedor e o cedente, presunção essa que decorre da redacção do artº 2º, parágrafo 2º do CIMSISSD (12)” (destaque e sublinhado nosso).

Pelo que, tendo, in casu, a AT provado os factos índice legitimadores do ato de liquidação, competia à Recorrida fazer a competente contraprova, o que não logrou fazer nos autos.

Com efeito, nada dimanando do probatório que permita inferir que não existiu ajuste de revenda, não se pode considerar ilidida a presunção legal de tradição jurídica do bem, ocorrendo, nessa medida, o facto gerador da obrigação de imposto, pois que o legislador ficciona, a partir daí, a transmissão do imóvel.

E por assim ser, não secundamos a posição do Tribunal a quo, ajuizando, face a todo o exposto, que inexiste o apontado vício de violação de lei, incorrendo, assim, em erro de julgamento, pelo que deve ser substituída por decisão que não acolha o presente fundamento de impugnação.

Aqui chegados, importa conhecer as questões que resultaram prejudicadas e que infra se identificam:

Ø Preterição de Formalidades essenciais quanto à quantificação da base de incidência;

Ø Violação do princípio da igualdade;

Ø Violação do princípio da legalidade;

Ø Caducidade dos factos tributários.

Vejamos então.

Comecemos pela Preterição de Formalidades essenciais quanto à quantificação da base de incidência.

A Impugnante, ora Recorrida, sustenta, desde logo, que a AT considerou para base de incidência o preço constante da escritura outorgada entre a promitente vendedora - a T…, SA - e o outorgante da escritura pública de compra e venda (o comprador) ajustado em função do grau (percentagem) de acabamento da obra que presumidamente se verifica à data da cedência do direito por parte da aqui impugnante.

Sustenta, no entanto, que, por um lado, tal grau de percentagem de acabamento se encontra fundamentado numa uma folha de cálculo, alegadamente, facultada pela T…, SA, sem quaisquer elementos demonstrativos dessa realidade, e por outro lado que à Impugnante não foi concedido o direito de se pronunciar sobre o alegado grau de acabamento.

Concluindo, assim, que a fixação do valor de incidência dos atos tributários de liquidação da SISA impugnados estão inquinados de preterição de formalidades essenciais violando os normativos constantes nos artigos 268.° da CRP, 77.° da LGT e 125.° do CPA.

Vejamos, então, se ocorre a aludida preterição de formalidades essenciais.

Para o efeito comecemos por atentar no teor do Relatório de Inspeção Tributária, e analisemos a fundamentação jurídica atinente ao efeito.

Neste particular, encontra-se consignado no aludido Relatório o seguinte:

“Em consonância com o artigo 19.º do mesmo Código, o Imposto Municipal a SISA incide sobre o preço convencionado pelos contraentes, pelo que neste caso incidiria sobre 168.843,08 euros, 222.962,66 euros e 148.641,77 euros (valores constantes dos Contratos Promessa de Compra e Venda), relativamente às fracções ..., ... e ..., relativamente.”

Concretizando, depois, que “De todo o modo entende-se que, no que concerne a edifícios ainda em construção, a incidência do imposto deve limitar-se à parte já edificada aquando da cessão de posição contratual. Assim sendo, e de acordo com elementos facultados pela empresa vendedora, em 22-10-01, 04-02-02 e 22-10-01, data da cessão de posição contratual, das fracções …, … e …, a percentagem/grau de acabamento da obra era de 100%.”

Concluindo, nessa medida, que “[t]omou-se o valor das fracções à data das cessões, considerando o grau de acabamento nessa data, o qual foi determinada pela T… SA”, logo o valor a computar cifrou-se em €168.843,08, €222.962,66, €148.641,77, relativamente às frações “…”, “…” e “…”, respetivamente.

De relevar, desde já, que contrariamente ao evidenciado pela Recorrida, está formalmente fundamentada a forma de cálculo percecionando-se o iter cognoscitivo em que se estribaram as liquidações de SISA, sendo que se as razões nele externadas estão corretas e permitem legitimar os atos impugnados já não se prende com a falta de fundamentação formal, mas sim substancial.

Não logrando, outrossim, provimento a alegação de que não teve oportunidade de se pronunciar sobre a aludida percentagem de cálculo, na medida, em que conforme resulta do probatório a Recorrida foi notificada, expressamente, do teor do projeto de Relatório de Inspeção Tributária, podendo/devendo contraditar as razões nele expendidas, mormente, o aludido grau de percentagem em sede de audição prévia.

Mais importa relevar que, avançando a AT com elementos obtidos juntos da Entidade Alienante, competia à Recorrida demonstrar que os mesmos padeciam de erro sobre os pressupostos de facto, com a respetiva alegação fática e mediante a junção da competente prova documental atinente ao efeito, o que não sucedeu no caso vertente.

Acresce, outrossim, que do probatório resulta, igualmente, que foi declarado na modelo 129 que as obras foram concluídas em 01 de junho de 2001, logo data anterior à concretização das cedências da posição contratual, sub judice, estando, inclusive, tais realidades referenciadas no teor das respetivas escrituras públicas.

Não se vislumbrando, assim, qualquer erro substancial, quanto à concreta determinação da matéria coletável na medida em que respeitou o artigo 19.º do CIMSISD, tendo o ato de liquidação tido por referência os valores de €168.843,08, €222.962,66, €148.641,77, conformes com o valor escriturado o qual, in casu, é igual ao estipulado no contrato de promessa de compra e venda.

Neste particular, convoque-se o Aresto proferido pelo STA, no âmbito do processo nº 0958/13, de 18 de junho de 2014, do qual se extrata, designadamente, o seguinte:

“Sendo a Sisa um imposto que se destina a tributar o património, a sua matéria colectável é constituída pelo património transmitido e, assim sendo, incidirá sobre o valor pelo qual os bens foram transmitidos -cfr. art 19º do Código da Sisa-, o qual, no caso concreto não poderá deixar de ser o valor real pelo qual o imóvel foi efectivamente transmitido por via da escritura pública entretanto celebrada. Esta conclusão se retira com facilidade da interpretação (artigo 9º do Código Civil) conjugada do disposto neste artigo 19º, § 2º e § 3º.

Portanto, o valor a considerar para efeitos de liquidação do imposto de Sisa é o mesmo para o terceiro comprador e para o promitente-comprador cedente, ambos são sujeitos passivos do respectivo imposto, mas cada um por referência ao negócio celebrado, o terceiro por referência à compra e o cedente por referência ao ajuste de revenda.(…)

Ao equiparar a “transmissão” – ajuste de revenda -, operada entre o promitente-comprador e o terceiro, às transmissões de propriedade imobiliária, o legislador pretendeu fazer incidir o imposto da Sisa sobre tais operações como se de uma verdadeira transferência de propriedade se tratasse (e por isso é que fez depender a tributação de tal operação da efectiva celebração da escritura entre o terceiro e o promitente vendedor), e se assim foi, não faria sentido que o valor a considerar para efeitos de matéria colectável fosse inferior àquele pelo qual o direito de propriedade foi efectivamente transmitido, ou seja, se considerasse um valor diferente do que foi convencionado (§ 2º “...o valor dos bens será o preço convencionado pelos contratantes ou o valor patrimonial, se for maior”).” destaques e sublinhados nossos.

Face ao supra expendido, sendo a matéria coletável constituída pelo património transmitido, tendo a mesma, in casu, incidido, como visto, sobre o valor pelo qual os bens foram transmitidos, em conformidade com o consignado no artigo 19.º do CIMSISD, não se verifica qualquer erro sobre os pressupostos de facto e de direito, nem tão-pouco, qualquer falta de fundamentação, donde, violação dos convocados normativos 268.° da CRP, 77.° da LGT e 125.° do CPA e bem assim do princípio da proporcionalidade.

Atentemos, ora, na violação do princípio da igualdade.

Sufraga a Recorrida que o princípio da igualdade considerado como um direito fundamental pela CRP e acolhido na LGT, obriga a que seja dado tratamento igual a situações iguais, o que não se verifica no caso em apreço, porquanto em processo em tudo idêntico ao dos autos a AT entendeu, em sede de reclamação graciosa, que não havia lugar à incidência em sede de SISA.

In casu, importa, desde já, relevar que inexiste qualquer violação do princípio da igualdade, porquanto se, como visto, e conforme supra expendemos a emissão dos atos de liquidação adicional impugnados se subsumem no citado normativo, ou seja, se inexiste qualquer ilegalidade por existir um facto tributário tipificado na lei, então, independentemente da AT ter decidido em situação similar pela anulação dos atos tal não implica qualquer violação do princípio da igualdade.

É jurisprudência unânime e consolidada que o princípio da igualdade só funciona no contexto da legalidade, ou seja, não existe direito à igualdade na ilegalidade.

Noutra formulação, dir-se-á, que a igualdade não pode imperar na ilegalidade, logo ainda que a AT tenha praticado um ato ilegal, deferindo uma pretensão de um particular, não pode o outro particular pretender impor à AT a prática de um ato ilegal, deferindo o seu pedido.

Assim, sendo o princípio da igualdade apenas invocável no contexto de situações idênticas, mas conformes ao ordenamento jurídico vigente, não logra portanto, in casu, mérito o peticionado pela Recorrida, improcedendo a arguida violação do princípio da igualdade.

No atinente ao princípio da legalidade, entende a Recorrida que a cedência da posição contratual sindicada não constituía um ato sujeito a SISA por não estar abrangido pelas normas de incidência daquele imposto, violando, assim, o princípio da legalidade.

Neste particular, e tendo presente que este Tribunal ad quem já analisou toda a questão inerente à errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, atinentes à própria inexistência do facto tributário, tendo concluído que a questão em contenda se subsume no § 2.° do artigo 2.° do CIMSISSD, estando, por isso, tipificada na lei, remete-se para o já expendido anteriormente, por forma a evitar um raciocínio repetitivo, concluindo-se, sem necessidade de quaisquer considerandos adicionais que inexiste qualquer violação do princípio da legalidade.

Mais importa relevar, outrossim, que inexiste qualquer inconstitucionalidade por violação do artigo 103.º da CRP, na medida em que os factos em apreço se subsumem nas regras de incidência de SISA.

Subsiste por analisar a arguida caducidade das liquidações.

A Recorrida alega a falta de notificação das liquidações dentro do prazo de caducidade, por terem decorrido, à data da notificação, mais de quatro anos sobre a data dos factos tributários.

Porém, também nesta sede não logra provimento a argumentação expendida pela Impugnante, ora Recorrida.

Senão vejamos.

De harmonia com o consignado artigo 92.º do CIMSISSD, na redação vigente à data da prática dos factos tributários, o imposto municipal de SISA só poderia ser liquidado nos oito anos seguintes à transmissão ou à data em que a isenção ficou sem efeito.

Por seu turno, estatuía o §3.º do artigo 111.º do mesmo diploma legal que a notificação adicional de SISA a que se refere o §2.º só podia fazer-se até decorridos quatro anos, contados da liquidação a corrigir.

In casu, conforme dimana inequívoco do probatório não nos encontramos perante atos de liquidação adicionais, mas sim perante primeiras liquidações emitidas na sequência de ação inspetiva, logo contrariamente ao expendido pela Recorrida não é aplicável o prazo de quatro anos mas sim o prazo de oito anos consignado no citado normativo (13), o qual constitui norma especial face ao plasmado no artigo 45.º da LGT.

Assim, transpondo o supra expendido para o caso vertente tendo presente que as transmissões ocorreram em 22 de outubro de 2001, 26 de outubro de 2001 e 04 de fevereiro de 2002, o prazo de caducidade expirava em 22 de outubro de 2009, 26 de outubro de 2009 e 04 de fevereiro de 2010, logo tendo os atos de liquidação impugnados sido notificados, conforme resulta do probatório, em 19 de agosto de 2009, resulta inequívoco que não se verifica a arguida caducidade do direito às liquidações.

Assim, tudo visto e ponderado, improcedem na íntegra os vícios convocados pela Recorrida.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO jurisdicional interposto pela Fazenda Pública, revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar improcedente a impugnação judicial, com todas as legais consequências.

Custas pela Recorrida.

Registe e notifique.



Lisboa, 24 de fevereiro de 2022


(Patrícia Manuel Pires)


(Cristina Flora)


(Luísa Soares)

________________________
(1) Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 11.07.2018, proferido no processo nº 1193/16.1T8PRT.P1
(2) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.
(3) José Maria Fernandes Pires-Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, 2011, Almedina, p.317.
(4) in CIMSISSD, 4ª edição, 1997, pág. 60
(5) Cfr. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, págs. 182, 188 e 189.
(6) In citação no Acórdão do STA, proferido no processo nº 0701/10, de 29.11.2011.
(7) Neste sentido, vide, Manuel Andrade, Ensaio Sobre a Interpretação das Leis, págs. 21 a 26; Pires de Lima e A. Varela , Noções Fundamentais de Direito Civil, pág. 130
(8) E independentemente do acerto da expressão, pouca rigorosa, de primitivo promitente vendedor.
(9) Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 2011, página 265.
(10) Vide neste sentido Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21.04.2010, recurso 924/09, e de 06.06.2012, recurso 903/11
(11) In Ob. Cit, pág. 306.
(12) In Acórdão do STA, 0714/01, de 19.08.2018.
(13) Vide, designadamente, Acórdão do STA, proferido no processo nº 01855/11, de 03.07.2019.