Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05006/11
Secção:CT 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/05/2012
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. IRC. PRESCRIÇÃO. TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA. CHEQUES-AUTO.
Sumário:Doutrina que dimana da decisão:
1. Não se verifica o decurso do prazo prescricional relativo a IRC do exercício do ano de 1994 quando, muito antes dele se completar veio a contribuinte a prestar garantia e a deduzir impugnação judicial, desta forma obviando a que execução fiscal prosseguisse;
2. A tributação autónoma prevista no art.º 4.º do Dec-Lei n.º 192/90, apenas tem lugar quando é desconhecido o destino dado a tais cheques;
3. Assim, não há lugar a tal tributação, se se prova que os mesmos foram entregues a funcionários da impugnante, quando se deslocavam ao seu serviço e nos veículos desta.

O Relator
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A..._ Vidros e Embalagens, SA e a Fazenda Pública, dizendo-se inconformados com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, na parte em que, respectivamente, a decisão lhes foi desfavorável, vieram da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


i) Da impugnante:
I - Porque se afigura relevante para a boa decisão da causa, guardado o devido respeito, deveria a Meret.ª Juiz do Tribunal a quo ter dado como provado que "O processo esteve parado entre 02-10-2001 e 14-12-2009 por motivo não imputável
à Impugnante".
II - Ao decidir como decidiu, a Meret.ª Juiz do Tribunal a quo violou o disposto no artigo 515.º do CPC e 49.º da LGT).
III - A data da prolação da sentença, as dívidas já se encontravam prescritas.
IV - O tribunal pode tomar conhecimento da prescrição, na impugnação judicial da liquidação, para retirar dela, não a procedência da impugnação e a anulação da liquidação, mas a declaração de extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide.
V - No caso em apreço, os tributos correspondem aos anos de 1994, 1995 e 1996, pelo que o prazo de prescrição se iniciou em 1 de Janeiro de 1995 e 1 de Janeiro de 1996 e 1 de Janeiro de 1997, respectivamente, nos termos do CPT.
VI - Por força da impugnação, nos termos do CPT, o decurso do prazo de prescrição foi interrompido em 23 de Fevereiro de 2000 - pelo que, até à data tinham decorrido 5
anos e 53 dias relativamente ao IRC de 1994, 4 anos e 53 dias relativamente ao IRC de 1995 e 3 anos e 53 dias relativamente ao IRC de 1996.
VII - Por força da paragem do processo, por motivo não imputável à Recorrente, em 02-10-2002 iniciou-se novamente a contagem do prazo de prescrição, devendo ser adicionado todo o tempo decorrido até à data da autuação.
VIII - Assim, à data da sentença, tinham decorrido mais 8 anos e 180 dias e consequentemente relativamente ao IRC de 1994 decorreram 13 anos e 233 dias, relativamente ao IRC de 1995 decorreram 12 anos e 233 dias e relativamente ao IRC de 1996, decorreram 11 anos e 233 dias.
IX- Desta forma, guardado o devido respeito, ao decidir como decidiu, o Meret.º Juiz violou o disposto no artigo 34.º do CPT.
X - Mesmo que se considere ser aplicável a LGT, constata-se que, também por esta via os tributos se encontravam prescritos dado que, desde a data da retoma da
contagem do prazo até à data da prolação da douta sentença recorrida já tinham decorridos mais de 8 anos.
Assim, ao decidir como decidiu, guardado o devido respeito, o Meret.º Juiz do Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 48.º e 49.º da LGT.
XI - Ainda que assim não se entenda, e se considere que a interrupção se verificou com a instauração dos processos executivos, temos que, o processo relativo à execução dos tributos aqui em crise foi instaurado em 14/12/1998- pelo que, até à data tinham decorrido 3 anos e 347 dias relativamente ao IRC de 1994, 2 anos e 347 dias relativamente ao IRC de 1995 e 1 ano e 347 dias relativamente ao IRC de 1996.
X - Assim, aplicando, mutatis mutandis, o supra alegado, temos que, à data da sentença, tinham decorrido mais 8 anos e 180 dias e consequentemente relativamente ao IRC de 1994 decorreram 12 anos e 162 dias, relativamente ao IRC de 1995
decorreram 11 anos e 162 dias e relativamente ao IRC de 1996, decorreram 10 anos e 162 dias.
XI - Pelo que, mesmo contando a interrupção da prescrição a partir da data da instauração da execução, independentemente de ser aplicável o regime da LGT ou do CPT, os tributos já estavam prescritos à data da prolação da douta sentença recorrida.
XII - Desta forma resulta do supra exposto que os tributos ora impugnados se encontram prescritos o que desde já se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

Termos em que deve a sentença recorrida ser revogada e
substituída por outra que declare prescritos os tributos alegadamente em dívida e consequentemente declare a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
SÓ ASSIM SE FARA JUSTIÇA!


ii) Da Fazenda Pública:
A) Entendeu a sentença sob recurso que a AF não havia satisfeito os requisitos de prova que se lhe impunham quanto às correcções respeitantes a tributação autónoma dos valores relativos a aquisição de cheques-auto, vindo a concluir pela ilegalidade parcial das liquidações de IRC dos anos de 1994, 1995 e 1996, por falta de fundamentação que suportasse a correcção efectuada, determinando, em consequência, a anulação das liquidações de imposto na parte correspondente.
­B) Contudo, com todo o respeito, a verdade material dos autos em apreço não se encontra atingida, razão pela qual recorre a RFP.
C) Resulta demonstrado pelo acervo documental trazido aos autos pela AF que a impugnante adquiriu nos anos em causa as importâncias de 20.122.500$, 23.020.000$ e 23.020.000$, referentes à aquisição de cheques-auto ao BPSM, contabilizando-as numa conta da classe de custos.
D) Ora, a aquisição de cheques-auto apenas pode ter como destino final a aquisição e pagamento de combustível às entidades fornecedoras de tal bem.
E) Mas, no caso vertente, a impugnante não logrou documentar a efectiva aquisição e pagamento de combustível com os cheques auto adquiridos.
F) Tal incapacidade probatória verificou-se em sede inspectiva, prosseguiu no âmbito do procedimento de reclamação graciosa e manteve-se na presente.
G) E a tal demonstração não resulta a prova testemunhal produzida pela impugnante como suficiente ou conclusiva, uma vez que as testemunhas por si arroladas detêm consigo relações de emprego, estando sob a sua autoridade e direcção, situação que lhes proporciona, ou é susceptível de proporcionar, interesse e que compromete a isenção dos respectivos depoimentos.
H) Deste modo, a situação dos autos remete para o completo desconhecimento do destino dos cheques auto adquiridos, não se conseguindo estabelecer se foram utilizados na aquisição de combustível ou se tiveram qualquer outro destino, havendo que relevá-la no sentido de lhe ser atribuída a qualificação de despesa confidencial, uma vez que se ignora qual o destino que foi dado a esses meios de pagamento.
I) Não podendo ser exigido à AF que comprove que os cheques-auto não foram utilizados na aquisição e pagamento de combustível - prova de facto negativo, porque sempre competiu à impugnante a demonstração de tal facto pela positiva, ou seja, que havia efectivamente adquirido e pago combustível com os cheques-auto que evidenciou contabilisticamente ter adquirido.
J) Assim, da consideração do acervo documental trazido aos autos pela AF e da falta de prova positiva da impugnante, à luz do quadro legal vigente - alínea h} do n° 1 do art. 41° do CIRC e art. 4° do DL n° 192/90, de 9 de Junho, resultam legais as correcções efectuadas e subsequente liquidações de imposto.
K) Entendimento em que julgamos acompanhados pelo STA, nomeadamente, Acórdão de 28­6-2006, processo n° 055/06 e Acórdão de 2010-07-07, processo nº0204/10.
L) Assim, com todo o respeito, e é muitíssimo, pela decisão proferida pelo Tribunal a quo, porque a verdade material dos autos não se encontra atingida, a RFP não se pode conformar com a ponderação e avaliação da prova produzida nos autos, com o percurso de facto e de direito efectuado, as conclusões estabelecidas e, no fim, com o sentido da mesma.
M) A sentença sob recurso não pode manter-se por deficiente avaliação da prova e das regras do ónus da prova e por errada interpretação e aplicação do art. 41°/1-h) do CIRC, do art. 4° do DL 192/90, de 9 de Junho

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de Vossas Ex.as, deverá ser concedido provimento ao presente, com o que se fará como sempre JUSTIÇA


Foram admitidos ambos os recursos para subirem imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Fazenda Pública veio ainda apresentar as suas contra-alegações relativamente ao recurso ao impugnante, as quais igualmente na íntegra, se reproduzem:


A) Vem a sociedade aqui recorrente propugnar o decurso do prazo de prescrição quanto aos impostos impugnados, em cobrança coerciva no PEF 1392199801024990, instaurado em 1998-12-14.
B) Contudo os presentes autos não contêm elementos probatórios suficientes que permitam conhecer a questão prescricional suscitada, importando a eventual ampliação da matéria de facto.
C) Não obstante, atendendo a que a prescrição é de conhecimento oficioso - art. 175° do CPPT, diga-se que o fundamento não procede por uma dupla ordem de razões: por um lado, perante a sucessão de diferentes prazos aplicáveis e atendendo à disciplina do art. 297° do CC, será aplicável ao caso vertente o prazo de 8 anos acolhido no art. 48° da LGT, contado a partir de 1999-01-01 e, por outro, em matéria de determinação da prescrição, e nos termos do disposto no art. 12° do CC, importa atender a todos os interruptivos ou suspensivos previstos na lei em vigor no momento em que os factos ocorram.
D) No caso vertente, enquanto facto interruptivo teremos então a instauração da impugnação judicial, em 2000, já na vigência da LGT e do respectivo art. 49°/1 que prevê tal situação enquanto causa de interrupção da prescrição.
E) Mas não vem referida qualquer causa suspensiva, nomeadamente, a prestação de garantia nos autos executivos, com vista a sua suspensão até à decisão do pleito, ou seja, a decisão da presente impugnação judicial interposta.
F) Verificando-se a sua prestação e consequente suspensão, importará apurar, estabelecer e ampliar o probatório nesse sentido, sob pena de uma decisão deficientemente apoiada numa matéria de facto insuficientemente dada como provada.
G) Pois que a prestação de garantia determina a suspensão do processo executivo instaurado até à decisão final da actual Impugnação Judicial (artigos 52º/1 da LGT e 169°/1 do CPPT.) e, verificando-se a suspensão daquele, terá de concluir-se pela suspensão do prazo prescricional, tal como resulta do art. 49°/3 da LGT, já vigente à data da prestação da garantia (em 1999), uma vez que o credor tributário, legalmente, ficou impedido de exercer o seu direito à cobrança daquele crédito tributário.
H) Ou seja, suspenso o processo de execução fiscal, também, suspensa ficará a contagem do prazo de prescrição até ao trânsito em julgado da decisão da presente impugnação.
I) Assim, e de qualquer modo, não podem proceder as alegações deixadas pela recorrente porque insuficientemente fundamentas e sem fundamento legal (artigos 48° e 49° da LGT e 12º do C. Civil).

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de Vossas Ex.as, não deverá ser concedido provimento ao fundamento que sustenta o recurso da impugnante, com o que se fará como sempre JUSTIÇA.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso da impugnante na medida em que os autos não fornecem os necessários elementos para apreciar e decidir tal questão da prescrição das dívidas, e quanto ao recurso da Fazenda Pública, pronuncia-se pelo seu provimento por a impugnante não ter provado a quem foram atribuídos tais cheques-auto, cujos montantes assim devem ser tributados como despesas confidenciais.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se as dívidas das liquidações impugnadas se encontram prescritas; E não se encontrando, se a AT logrou preencher os pressupostos de que depende o direito à tributação autónoma, previsto no art.º 4.º do Dec-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
1. A impugnante tem o NIF 500 158 096 e dedica-se à actividade principal de “Fabricação de Vidro e Embalagens“ o CAE 26131- cfr. fls. 48 dos autos.
2. Na sequência de uma acção inspectiva levada a efeito pelo Serviço de Prevenção e Inspecção Tributária da Direcção Distrital de Finanças de Leiria, aos exercícios de 1993, 1994, 1995 e 1996 da aqui impugnante, motivada por dúvidas decorrentes da análise interna Decl. Mod. 22, Código PAIT 22322, foi elaborado o correspondente relatório que mereceu despacho de concordância exarado pelo Chefe de Divisão, por delegação, de 3/6/98, do qual se extrai o seguinte (transcrição parcial):
“(...)
V. Descrição dos factos analisados com relevância fiscal
(...)
4.2. Abate do Forno
O forno adquirido cem 1987 e 1988 (apenas um valor residual}, pelos montantes de 581.318.465$00 e ­831.676$00, respectivamente, foi reavaliado ao abrigo do Dec. Lei n.º 49/91, sendo o seu valor actualizado para 802.219.481$00 e 1.056.228$00.
No exercício de 1995, este forno é abatido (anexo 7, fls 103) não tendo porém sido regularizada a parte do valor líquido contabilístico correspondente à reavaliação efectuada, nos termos do art. 16.º do Dec. Reg. de 12 de Janeiro e art. 8.º n.º 1, alínea b) do dec. Lei 49/91, e que ascende a 79.876.842$00.
­Cálculos efectuados:
V. aquisição V. aquis. após Reint. V. Líq. s/ V. Líq. V. Líq.parte
Reavaliação acumuladas v. aquisição v. reavaliado corr.Reav.
581.318465 802.219.481 512.955.900 209.611.291 289.263.580 79652.290
831.676 1.056.228 555.787 275.889 500.441 224.552
(...)
4.5. CHEQUES AUTO
O sujeito passivo contabilizou indevidamente na conta "6202010205 - FST - Outros Combustíveis”, a aquisição de cheques-auto efectuadas ao Banco Pinto Sotto Mayor.
As importâncias em causa não são aceites como custos por se tratarem de encargos não devidamente documentados, nos termos do art.º 41.º, n.º 1, alínea h) do CIRC.
Para além disso, são ainda tributadas autonomamente, nos termos do Dec. Lei 192/90, de 9 de Junho, art. 4.º, as seguintes taxas:
Exercício de 1994- taxa de 10% (Redacção do Dec. Lei 192/90, de 9/06)
Exercício de 1995 e 1996 - taxa de 25% (Redacção da Lei 39-B/94, de 27/12
Conforme anexo n.º 10, fls 121 a 156 o valor dos cheques-auto nestas circunstâncias ascendem em
1994 a 20.122.500$00;
1995 a 23.020.000$00;
1996 a 23.760.000$00.
Imposto a pagar derivado da tributação autónoma das despesas não devidamente documentadas:
Exercício de 1994: 2.012.250$00
Exercício de 1995: 5.755.000$00
Exercício de 1996: 5.940.000$00
(...)
VI. Conclusões e Propostas
(...)
Correcções ao resultado Fiscal
Exercício de 1995­
(...)
Correcção a que se refere o ponto 4.2 - 79.876.842 Correcção a que se refere o ponto 4.5 - 23.020.000
(...)
Prejuízo fiscal corrigido (238.597.120)
Exercício de 1996­
(...)
Correcção a que se refere o ponto 4.5 ---20.122.500 Prejuízo fiscal corrigido --- - - - - (14.058.537)
Exercício de 1994
(...)
Correcção a que se refere o ponto 4.5 -23.760.000
Prejuízo fiscal corrigido -------(244.038.266)
(...)”.
Tudo conforme fls, 48 e seguintes dos autos.
3. A Impugnante adquiriu nos anos de 1994, 1995 e 1996 cheques auto, ao Banco Pinto & Sotto Mayor conforme consta dos documentos junto aos autos de fls. 149 a 192, onde consta a respectjva numeração quantidade e valor e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
4. No ano de 1994 a sociedade Impugnante detinha ao seu serviço 24 viaturas ligeiras e pesadas – conforme resulta de prova testemunhal produzida, não contestado.
5. Os cheques auto eram entregues pela tesouraria da empresa aos seus funcionários quando estes se deslocavam em serviço - conforme resulta de prova testemunhal produzida

Factos não provados
Quanto aos factos não provados importa registar os que foram alegados pela Fazenda Pública na contestação nos artigos.

Também nada se refere quanto à forma como foram efectuados os registos contabilísticos dos valores referentes à aquisição dos cheques auto e bem assim se estes encontram ou não, correspondência em documentos de aquisição de combustível.

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.

No tocante aos factos provados, a convicção do Tribunal no estabelecimento deste quadro factológico, fundou-se, em primeira linha, na prova documental junta aos autos, em concreto no teor dos documentos indicados em cada uma das alíneas supra, nomeadamente da informação constante do relatório da inspecção e ainda na prova testemunhal produzida.
No que respeita aos factos dados por não provados, foram assim considerados por se tratarem de factos conclusivos sem qualquer tipo de apoio documental ou factual.
Na verdade a Fazenda Pública não invoca o circunstancialismo em que se funda para assim concluir nem o mesmo resulta do relatório da acção inspectiva que suporta as correcções efectuadas, uma vez "que deste apenas consta apenas que “o sujeito passivo contabilizou indevidamente na conta "6202010205- FST- Outros Combustíveis”, a aquisição de cheques-­auto efectuadas ao Banco Pinto Sotto Mayor, sem gue ali se faça qualquer referência à forma de aquisição do combustível ou à sua utilização.

A que, nos termos da alínea a) do n.º1 do art.º 712.º do Código de Processo Civil (CPC), se acrescentam ao probatório mais os seguintes números em ordem a dele constar a factualidade relevante para o conhecimento da prescrição das obrigações tributárias impugnadas:
6. As execuções fiscais para cobrança coerciva das liquidações (adicionais) impugnadas relativas ao IRC dos exercícios de 1994, 1995 e 1996, foram instauradas todas em 14-12-1998, tendo posteriormente sido apensadas – cfr. fls 1 e 15 do PI apenso;
7. Para garantir o pagamento das quantias exequendas das mesmas no montante total de 203.136.090$, a impugnante e ora recorrente, prestou garantia bancária em 25-2-1999 – cfr. fls 16 a 22 dos mesmos autos e fls 209 destes autos;
8. Por sentença de 31-12-2009, transitada em julgado, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria declarou verificada a caducidade da garantia prestada, tendo ordenado a sua devolução à ora impugnante – cfr. fls 39 e 40 dos mesmos autos;
9. A presente impugnação judicial encontrou-se parada, sem qualquer tramitação entre 13-2-2002 e 31-12-2003 e entre 27-1-2004 e 20-2-2008 – cfr. fls 204 a 207 destes autos;
10. A ora recorrente deduziu as impugnações judiciais com vista à anulação das quantias em causa, todas em 23-2-2000 – cfr. carimbo aposto em cada uma das petições das mesmas impugnações.


4. Tendo sido interpostos dois recursos da mesma sentença recorrida, com partes que se sobrepõem em ambos, importa desde logo decidir qualquer deles deverá ser conhecido em primeiro lugar, tendo em vista a melhor harmonização da decisão a proferir em ordem ao seu racional e lógico resultado, de molde a que se não conheça num deles o que depois no outro, face à decisão sobre ele proferida, quede prejudicado ou inútil.

Assim, porque o recurso da impugnante abrange todas as liquidações adicionais em causa relativas aos exercícios de 1994, 1995 e 1996, importa começar por deste conhecer em primeiro lugar, porque a proceder, com a consequente extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nada mais haveria a conhecer no presente recurso, designadamente do recurso da Fazenda Pública, por prejudicado.

Ainda que tal prescrição não tenha sido conhecida na sentença ora recorrida, o seu conhecimento não se encontra vedado neste momento, por o mesmo ser de conhecimento oficioso, mesmo na impugnação judicial, ainda que a norma do art.º 175.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPTT) expressamente o não refira nesta forma de processo, como constitui jurisprudência corrente(1), tendo subjacente o entendimento que, é inútil continuar a discutir a legalidade de uma dívida tributária ainda não paga, cuja prescrição já tenha ocorrido, quando depois, se torna impossível proceder à sua cobrança coerciva, por o decurso do prazo prescricional implicar que o beneficiário tem a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito, nos termos do n.º1 do art.º 304.º do Código Civil.

No caso, tendo em conta a data da ocorrência dos respectivos factos tributários, o prazo de prescrição iniciou-se quanto ao IRC mais antigo, em 1-1-1995, por força do disposto no art.º 34.º, n.º2 do então vigente CPT, desta forma tendo decorrido até 13-12-1998, 3 anos, 11 meses e 13 dias, do total de 10 anos que então constituía o prazo de tal prescrição, muito longe pois, do mesmo se ter completado.

A instauração da execução fiscal constituía então, um facto a que a lei atribuía relevância para fazer interromper o decurso de tal prazo, nos termos do n.º3 do mesmo art.º 34.º, que o caso teve por efeito inutilizar todo o tempo decorrido anteriormente porque tais execuções nunca estiveram paradas por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte, desta forma, em 15-12-1998, novo prazo de prescrição se iniciou que contudo também se não chegou a completar e nem se chegou a transmudar em suspensivo porque antes de um ano dele se alcançar a mesma veio a prestar garantia, em 25-2-1999, o que desde logo teve por efeito o de levar à suspensão do decurso desse prazo ao abrigo do n.º3 do art.º 49.º da LGT, sendo irrelevante para este efeito que, depois, em 23-2-2000, pudesse também vir a ficar abrangido pela sua suspensão, por a ora recorrente ter intentado as presentes impugnações judiciais, que igualmente teriam por efeito essa suspensão, já que então, o mesmo se não encontrava em curso mas sim suspenso, e que só se pode completar com o tempo que entretanto, eventualmente, venha a decorrer após o trânsito em julgado da decisão que puser fim a tais impugnações, por força também do disposto no n.º4 do art.º 49.º da LGT, na redacção introduzida pelo art.º 89.º da Lei n.º 53.º-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007), desta forma sendo manifesto que tal prazo prescricional nunca se chegou a completar e sendo irrelevante que a impugnação judicial se tenha encontrado parada naqueles períodos supra, por a mesma ser irrelevante para efeitos de suspensão do decurso desse prazo, apenas relevando no que à sua interrupção diz respeito – cfr. n.º2 do citado art.º 49.º - e enquanto se manteve em vigor, até 31-12-2006.

Aliás, embora a M. Juiz do Tribunal “a quo” não tenha conhecido expressamente do decurso do prazo de prescrição na sentença recorrida, foi, certamente, por o considerar não completado que o não fez, já que no despacho de fls 207 dos autos manifestou dúvidas quanto ao decurso de tal prazo, tendo ordenado a instrução dos autos em ordem a dele poder conhecer, e que por essa instrução, de fls 209 e segs, facilmente se pode concluir que o mesmo jamais se completou, na obrigação tributária mais antiga, o que, pelo menos, vale por igual, para as obrigações mais recentes.


Improcede assim, toda a matéria das conclusões das alegações do recurso, sendo de lhe negar provimento e de não decretar a prescrição das obrigações tributárias impugnadas.


5. Para julgar procedente a impugnação judicial no tocante à tributação autónoma e sobre que versa o presente recurso interposto pela Fazenda Pública, considerou a Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que a AT não fundamentou que tais montantes assim tributados relativos a despesas com a aquisição de cheques-auto adquiridos ao Banco Pinto e Sotto Mayor tinham a natureza de despesas confidenciais, já que a empresa possuía 24 viaturas e tais cheques eram entregues aos respectivos funcionários quando estes se deslocavam ao seu serviço.

Para a recorrente Fazenda Pública é contra esta fundamentação que vem a esgrimir argumentos tendentes a este Tribunal exercer um juízo de censura conducente à sua revogação, pugnando que a impugnante/recorrida não provou a aquisição e pagamento de combustível com tais cheques-auto, sendo que a prova testemunhal produzida não é suficiente ou conclusiva, já que as testemunhas inquiridas são todas empregadas da impugnante o que compromete a isenção dos depoimentos prestados, pelo que tal despesa deve ser qualificada como de confidencial, desta forma havendo lugar a tal tributação autónoma, que assim é legal.

Vejamos então.
Nos termos do disposto no art.º 41.º, n.º1, alínea h) do CIRC, na redacção e numeração de então, não constituem custos do exercício os encargos de não devidamente documentados e as despesas de carácter confidencial, sendo que estes ainda se encontravam sujeitos a tributação autónoma, nos termos do disposto no art.º 4.º do Dec-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho, a taxas que vieram a variar ao longo dos anos, tendo ao longo dos anos da vigência do CIRC sido perfeitamente delimitada a materialidade fáctica subsumível a tal norma por via jurisprudencial, como bem nos dá conta a M. Juiz do Tribunal “a quo”, na sentença recorrida, designadamente quanto à questão da aquisição e utilização dos referidos cheques-auto, enquanto meios documentais previamente adquiridos e que posteriormente permitem a aquisição de combustível.

Entre eles figura o de 18-2-2009, proferido no recurso n.º 600/08, do Pleno da Secção do STA, onde reserva tal tributação autónoma, apenas para os casos, em que seja desconhecido o destino dado a tais cheques-auto, sem possibilidade de se conhecer a sua posterior utilização, doutrina que também tem sido seguida por este TCAS, nas decisões proferidas sobre tal matéria(2), e que também por nós tem sido seguida, como iremos seguir no presente caso, já que nenhum argumento foi avançado ou se nos suscite, que nos levem a rejeitá-la.

Assim, face às matéria constante nos pontos 3., 4. e 5. do probatório, bem como à não provada, constante da matéria da contestação dos artigos 10.º a 13.º, relativamente à invocada não prova relativas às aquisições de combustíveis às entidades fornecedoras dos mesmos e à sua utilização pelas viaturas da ora recorrida, tal requisito de desconhecimento da posterior utilização de tais cheques-auto não se verifica, já que os mesmos eram entregues a funcionários da impugnante quando estes se deslocavam ao seu serviço, pelo que não se mostra provado tal requisito e logo, a liquidação consequente, padece de erro sobre o preenchimento de tal pressuposto, que assim tem de continuar anulada, como bem se decidiu na sentença recorrida.

É certo que a ora recorrente coloca em causa tal julgamento desta matéria fáctica, mas não o faz da forma legal e devida, nos termos do disposto no art.º 690.º-A do CPC (redacção de então e a aplicável), nem dos autos se vislumbra outra que, oficiosamente, nos termos da alínea a) do bn.º1 do art.º 712.º do CPC, a infirme, pelo que a mesma se tem de manter.

Aliás, não se vê que a ora recorrente na audiência de inquirição de testemunhas, cuja acta consta de fls 41/42 dos autos, tenha suscitado qualquer questão relativa à idoneidade das testemunhas inquiridas, como a que ora veio fazer no presente recurso, e nem das suas alegações pré-sentenciais constantes de fls 196/198 o havia feito, mal se percebendo que só agora tenha vindo invocar tal falta de idoneidade.

Por outro lado, como igualmente bem se fundamentou na sentença recorrida, a AT não trouxe para os autos os necessários elementos factuais que permitissem qualificar tais despesas como de confidenciais, tendo-se limitado a assim concluir, sem a menção de quaisquer factos-índices que o revelassem, como do relatório da acção inspectiva se pode colher, do seu ponto 4.5., constante da matéria do ponto 2. do probatório da sentença recorrida, pelo que desde logo, por falta dos pressupostos de que depende o direito a tal tributação autónoma também a presente impugnação, nesta parte, não poderia deixar de proceder.


Improcede assim, a matéria das conclusões das alegações do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso a ambos os recursos e em confirmar a sentença recorrida.


Custas pela impugnante e sem custas a Fazenda Pública, por força da isenção de que então gozava.


Lisboa, 05/06/2012

EUGÉNIO SEQUEIRA
ANÍBAL FERRAZ
PEDRO VERGUEIRO


1- Cfr. neste sentido entre outros, os acórdãos do STA de 9-2-2011 e de 10-3-2011, recursos n.ºs 857/10 e 1004/10, respectivamente.

2- Cfr. neste mesmo sentido os acórdãos deste TCAS de 25-3-2003, de 15-6-2005 e de 24-4-2007, recursos n.ºs 7236/02, 563/05 e 1611/07, respectivamente, tendo aqueles dois primeiros como relator o do presente.