Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1799/13.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/07/2022
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:JUSTO VALOR
VARIAÇÕES PATRIMONIAIS NEGATIVAS
INSTRUMENTOS FINANCEIROS
IRC
Sumário:I - Em regra, os ajustamentos decorrentes do justo valor são fiscalmente irrelevantes, sendo, no entanto, previstas exceções, designadamente a constante do art.º 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC.
II - O art.º 45.º, n.º 3, do CIRC deve ser interpretado no sentido de, na sua previsão, não se incluírem os gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros, que relevem para a formação do lucro tributável nos termos do art.º 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 31.03.2017, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por L..., SGPS, SA (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), do exercício de 2010.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

I. Constitui objeto do presente Recurso a douta Sentença proferida nos autos acima melhor identificados, que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida pela Impugnante – “L..., SGPS, SA” – contra a liquidação de IRC n.º 2013 8500002930, relativa ao exercício de 2010, de valor nulo, na qual foram reduzidos os prejuízos fiscais ao valor de €2.106.745,01, emitida em concretização das correções efetuadas no âmbito do procedimento inspetivo levado a cabo ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI201203113, considerando não assistir razão à Recorrente no que concerne ao entendimento segundo o qual as perdas resultantes das variações do justo valor em instrumentos financeiros, que relevam para a formação do lucro tributável nos termos da alínea a) do nº 9 do artigo 18º do Código do IRC, são consideradas em apenas metade do seu valor, nos termos do n.º 3, do artigo 45.º, do CIRC (na redação em vigor à data dos factos).

II. No que concerne à delimitação do objeto da impugnação, e face ao aduzido na Sentença recorrida, nomeadamente nos factos dados como provados (alínea J) da qual resulta a conclusão de que a autoliquidação resultante da declaração de substituição se firmou na ordem jurídica), decidiu o Tribunal a quo limitar-se a sua apreciação à anulação da liquidação adicional de IRC acima mencionada, e não à correção de qualquer erro na autoliquidação que resultou da apresentação da declaração de substituição, tal como confirmado pela Impugnante, sendo que, no que tange à reposição dos prejuízos fiscais, no valor de €15.980.947,82, apurados na primeira declaração do Contribuinte, determinou o Tribunal a quo não ser competente para conhecer de tal pedido, aliás em conformidade com o valor da causa fixado (correções à matéria tributável contestadas, que perfazem o valor total de €6.666.824,35).

III. No que respeita à nulidade da sentença, tendo a Impugnante peticionado, para além da anulação da liquidação adicional de IRC n.º 2013 8500002930, relativa ao exercício de 2010, a reposição de prejuízos, no valor de €15.980.947,82, declarados na primeira declaração entregue e atendendo a que o Tribunal a quo declarou não ser da sua competência conhecer deste último pedido (reposição de prejuízos), afigura-se-nos que a sentença a proferir nunca poderia ser de procedência total do pedido.

IV. Assim, entendemos que a Sentença proferida padece, por isso, de nulidade, ao não ter decidido, expressa e indubitavelmente, no sentido da improcedência do pedido de reposição dos prejuízos fiscais apurados na primeira declaração entregue, determinando a absolvição da Fazenda Pública da instância nesta parte e, por conseguinte, a procedência parcial do pedido formulado, apenas na parte relativa à anulação da liquidação adicional de IRC que concretiza as correções levadas a cabo pelos serviços de inspeção que são objeto de impugnação, ou seja, aquelas que se prendem com as variações patrimoniais negativas de participações sociais decorrentes de ajustamentos de transição nos termos do artigo 5.º do Decreto-Lei nº 159/2009, de 13 de Julho e as perdas ocorridas no período com variações do justo valor das mencionadas participações sociais.

V. Com efeito, não obstante aquela fundamentação relativa ao pedido de reposição de prejuízos , no dispositivo da sentença determinou-se julgar a impugnação judicial procedente e, em consequência, anular-se o ato de liquidação impugnado, o que se nos afigura capaz de configurar uma causa de nulidade da sentença, nos termos do artigo 125.º, n.º 1, do CPPT e da alínea c), do n.º 1, do artigo 615.º, do CPC, ex vi alínea e), do artigo 2.º, do CPPT, de acordo com a qual a sentença é nula quando “Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou ob scuridade que torne a decisão ininteligível;”.

VI. Na verdade, julgamos que, no dispositivo, e em conformidade com os fundamentos invocados relativamente ao pedido de reposição de prejuízos fiscais resultantes da primeira declaração entregue pelo sujeito passivo, que o Tribunal considerou não lhe caber conhecer, deveria ter sido expressamente determinada, em relação a esta parte do pedido, a respetiva improcedência e, por conseguinte, a procedência parcial da impugnação, apenas na parte relativa à anulação da liquidação adicional que concretiza as correções que aqui são impugnadas e a que acima fizemos alusão, conclusão esta que, com o devido respeito que é muito, não se retira da formulação da decisão adotada na Sentença recorrida, considerando-se assim ocorrer a referida “oposição” dos fundamentos com a decisão proferida, que conduz, outrossim, à “ambiguidade” a que se refere o mencionado normativo legal.

VII. Por outro lado, consideramos que, estando em causa nos autos a alegada ilegalidade das correções efetuadas ao lucro tributável resultantes da aplicação do disposto no n.º 3, do artigo 45.º, do CIRC, às variações patrimoniais negativas de participações sociais decorrentes de ajustamentos de transição nos termos do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, e às perdas ocorridas no período com variação do justo valor das mesmas participações sociais, o Tribunal a quo não se pronunciou expressamente sobre aquela correção incidente sobre as variações patrimoniais negativas de participações sociais decorrentes de ajustamentos de transição nos termos do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, padecendo, por isso, a sentença proferida de nulidade, de acordo com o disposto no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT e na alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º, do CPC, ex vi alínea e), do artigo 2.º, do CPPT.

VIII. No entanto, e caso assim não se entenda, o que sem conceder se admite, consideramos, ainda, pelos restantes motivos expostos ao longo das presentes Alegações, que a Douta Sentença de que se recorre padece de erro de julgamento, devendo ser revogada.

IX. Por outro lado, consideramos ter, outrossim, a Sentença proferida incorrido em erro na fixação da matéria de facto, ao ter dado como provado, na alínea I), que “[r]elativamente à relevação da variação positiva/negativa do valor das participações sociais registadas ao justo valor, ocorridas no próprio exercício de 2010, a impugnante inscreveu no quadro 7, campo 768 da declaração de substituição referida na alínea antecedente – “50% de outras perdas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio (art.º 45º, º 3, parte final)” – o valor de €5.875.089,75 (…)”.

X. É que, como resulta da consulta à declaração modelo 22 junta como Doc. 2 da Contestação, o campo que diz respeito a tal descrição e no qual foi inscrito o mencionado valor não é o campo 768, mas antes o campo 737, do quadro 07, da Declaração Modelo 22 entregue, devendo tal erro ser retificado, nos termos do artigo 614.º do CPC ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT, sendo a matéria de facto alterada em consonância.

XI. Consideramos, outrossim, com o devido respeito, que é muito, ter o Tribunal a quo incorrido em erro de julgamento por errada aplicação das disposições legais vigentes, em violação do disposto no n.º 3, do artigo 45.º do CIRC, ao ter julgado a presente impugnação procedente por considerar não assistir razão à Autoridade Tributária e Aduaneira no que diz respeito à interpretação advogada e relativa ao artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC (na redação vigente à data dos factos) no que respeita às perdas resultantes das variações do justo valor em instrumentos financeiros, considerando padecer a liquidação adicional impugnada “(…) de erro sobre os pressupostos de direito, por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 45º, nº 3 do Código do IRC, o que constitui vício de violação de lei, determ inante da sua anulação (…)”.

XII. Ora, desde já se diga, a este propósito, que estando subjacentes, na verdade, a tal norma legal (artigo 45.º. n.º 3, do CIRC), motivações que se prendem com o combate à evasão e fraude fiscais, a evidência das motivações que estiveram subjacentes à criação de tal norma não podem, pelos motivos que mais à frente referiremos, fazer concluir pela inaplicabilidade da mesma às perdas resultantes das variações do justo valor em instrumentos financeiros.

XIII. Decorre do disposto na alínea a) do n.º 9, do artigo 18.º, do CIRC que, com exceção dos casos em que estão preenchidos os pressupostos aí previstos e em que tais ajustamentos têm relevância fiscal, os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo que tal opção legislativa teve por base uma tentativa de aproximação entre a contabilidade e a fiscalidade, a qual foi claramente assumida no preâmbulo do DL n.º 159/2009, de 13/07.

XIV. Posto isto, refira-se que na factualidade aqui em causa, as participações financeiras enquadram-se na exceção prevista na alínea a), do número 9, do artigo 18.º do CIRC, concorrendo as respetivas alterações do justo valor para a formação do lucro tributável, por força do disposto também na alínea i), do número 1, do artigo 23.º, à semelhança do que sucede ao nível contabilístico, sendo, contudo, necessário atender ao preceituado na parte final, do número 3, do artigo 45.º, do supramencionado diploma legal, segundo o qual as perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor, residindo aqui o motivo das correções a este respeito efetuadas e mediatamente impugnadas.

XV. Ora, face ao exposto, desde já se diga que a interpretação que a Impugnante e o Tribunal a quo fazem da norma legal em apreço (n.º 3, do artigo 45.º, do CIRC) viola, ao que julgamos, o disposto em tal normativo legal, incorrendo, por isso, a Sentença recorrida em erro de julgamento por violação de lei, porquanto, e desde logo, a norma em apreço, na redação vigente à data dos factos, era de facto abrangente ao ponto de incluir as perdas que aqui estão em causa, decorrendo a sua aplicação de uma interpretação conjugada das normas legais aplicáveis.

XVI. Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor são fiscalmente relevantes quando respeitem os requisitos prescritos na supracitada alínea a), do n.º 9, do artigo 18.º, por força do disposto nos artigos 20.º, n.º 1, alínea f), 23.º, n.º 1, i) e 45.º, n.º 3, não podendo servir para afastar a aplicação do disposto no n.º 3, do artigo 45.º, do CIRC, aos mesmos, a argumentação de que este normativo legal apenas se aplica às perdas efetivas e não às perdas potenciais, repita-se, por resultar da lei ter sido intenção do legislador dar relevância fiscal a tais perdas nos mesmos moldes em que relevam fiscalmente as perdas efetivas que dependem de uma atuação voluntária correspondente à realização das mesmas; se bem vemos, caso não tivesse sido esta a intenção do legislador, tê-lo-ia dito expressamente, o que não sucedeu.

XVII. Com efeito, não pode colher o argumento de que a perda em causa é meramente potencial, pelo que não se observando o princípio da realização, tal normativo legal não será de aplicar, estando, desse modo, a discriminar-se o que o legislador não discriminou, olvidando-se a relevância fiscal que lhes foi conferida, não obstante assumir-se o caráter excecional face àqueloutro princípio da realização que assiste a esta opção legislativa, no sentido da relevância fiscal destes ajustamentos derivados da aplicação do justo valor.

XVIII. Assim, no entendimento da AT e na esteira do determinado na ficha doutrinária emitida no âmbito do processo n.º 39/2011, com despacho de 24/02/2011, do Sr. Diretor-Geral dos Impostos, as reduções do justo valor das partes de capital em causa são qualificadas como perdas fiscalmente relevantes, devendo, como tal, ser consideradas em apenas metade do seu valor, nos termos do n.º 3 do artigo 45.º, do CIRC.

XIX. Na verdade, é possível concluir ter sido este entendimento aceite também pela Doutrina nacional, face à manutenção da redação do preceito legal em análise (artigo 45.º, n.º 3, do CIRC) que no mesmo se incluíam as perdas resultantes das variações do justo valor em instrumentos financeiros.

XX. Com efeito, e uma vez que, nas sucessivas alterações legislativas levadas a cabo ao CIRC, o legislador não estabeleceu, no n.º 3, do artigo 45.º, qualquer exceção relativa, tanto às perdas apuradas pelos ajustamentos de transição decorrentes da alteração do normativo contabilístico, como às perdas aceites fiscalmente decorrentes da redução do justo valor através de resultados, o mesmo normativo continuou a aplicar-se a todas as perdas com relevância fiscal verificadas em partes de capital, nomeadamente perdas potenciais, como será o caso das variações no justo valor.

XXI. Pelo que, face ao sistema jurídico-fiscal vigente à data dos factos, não poderá entender-se que as perdas abrangidas por tal normativo legal e pela limitação aí prevista são apenas aqueloutras que ocorrem por força de uma efetiva transmissão e em relação às quais tenha existido um efetivo encaixe financeiro; com efeito, se a vontade do legislador tivesse sido a de manutenção do princípio da realização em toda a sua amplitude (sem aquela exceção), não teria procedido à distinção operada no n.º 9 do artigo 18.º, e nos artigos 23.º e 20.º, todos do CIRC, e não teria, pois, permitido a possibilidade de tributação e de relevância fiscal de tais variações decorrentes da aplicação do justo valor nos instrumentos financeiros independentemente da respetiva transmissão efetiva.

XXII. Na verdade, só pode entender-se que o facto de, aquando da entrada em vigor do SNC, operada pelo Decreto-Lei 158/2009, em sequência da qual foram efetuadas alterações substanciais ao CIRC no sentido de proceder à sua harmonização com o novo sistema contabilístico (Decreto-Lei n.º 159/2009), se ter, no entanto, mantido a redação do n.º 3, do artigo 45.º, quer significar ter-se considerado que aquela norma legal acautelava já a nova realidade concernente aos instrumentos financeiros mensurados ao justo valor.

XXIII. Com a introdução do SNC, aprovado pelo D.L. n.º 158/2009, de 13/07, o Código do IRC foi, como é consabido, alterado e sujeito a republicação, operada pelo D.L. n.º 159/2009, de 13/07, de modo a adaptar as regras de determinação do lucro tributável ao novo normativo contabilístico nacional, entendeu-se, na tentativa de aproximar a fiscalidade à contabilidade, consentir, também em sede fiscal e em certas circunstâncias, no apuramento do lucro tributável, as alterações do “justo valor” evidenciadas na contabilidade, ou seja, aquelas que se encontram refletidas no resultado líquido (contabilístico) do período, desde que a determinação desse “justo valor” fosse sustentada em elementos em princípio fiáveis, o que deverá suceder com os instrumentos financeiros admitidos à negociação em mercados devidamente regulamentado e aqueles cuja percentagem de detenção não influenciasse significativamente (em princípio, como mais adiante veremos) a estrutura do capital da entidade detida (representasse, no máximo, 5%).

XXIV. Todavia, manteve-se inalterada a redação do n.º 3 do art.º 42.º, sujeitando-a somente a renumeração (o art.º 42.º passou a ser o art.º 45.º), mantendo-se, por isso, no ordenamento jurídico fiscal, a estatuição que limita a aceitação de quaisquer perdas com partes de capital a apenas metade do seu valor.

XXV. Sucede que, muito embora a ratio legis do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC visasse ab initio somente limitar a dedução da diferença negativa entre as mais e menos valias de partes de capital, não é possível desatender ao prescrito no preâmbulo do Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, no qual se atribui relevância fiscal aos instrumentos financeiros referidos na alínea a), do n.º 9, do artigo 18.º do CIRC.

XXVI. Aliás, uma interpretação conjugada das sucessivas alterações legislativas operadas, bem como do tratamento fiscal que passou a ser conferido aos ganhos/perdas decorrentes das variações do justo valor, nos instrumentos financeiros, leva a questionar o motivo pelo qual não haveria, face ao estatuído na norma legal em causa na redação vigente à data dos factos, de se aplicar às mesmas variações negativas o regime do n.º 3 do artigo 45.º, ainda que as mesmas possam efetivamente ser reversíveis.

XXVII. Com efeito, muito embora as referidas perdas possam ser suscetíveis de reversão, pode suceder que, num instrumento financeiro, se venha a verificar um ganho ou uma perda que se mantenha até à altura da sua alienação, não ocorrendo a anulação entre perdas e ganhos referida na decisão arbitral em que se baseou a Sentença, sendo que se, por seu turno, vier a existir a referida anulação, facto é que tal tributação das perdas se operará por força do expressamente disposto na lei (no n.º 3, do artigo 45.º, do CIRC), nos termos já expostos.

XXVIII. Na verdade, aceitando-se estarem subjacentes a tal opção legislativa razões de combate à fraude e evasão fiscal, não poderá ser despiciendo que é esse o entendimento expressamente vertido na lei e que, por outro lado, verificando-se uma possível alienação, e aquando da mesma, não será já de aplicar o regime das mais e menos valias, por força da exclusão operada pela alínea b), do n.º 1, do art.º 46.º do CIRC.

XXIX. Posto isto, julgamos não poder ser também de atender à argumentação aduzida na Douta Sentença recorrida quando se diz que “(…) julgamos que a regra fiscal aplicável à valorização do justo valor tem de ser igual à da desvalorização do activo, sob pena de se criar uma assimetria fiscal do justo valor, violadora dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva. Com efeito, se o justo valor positivo é totalmente tributado (nunca se lhe aplica o regime das mais e menos-valias), então ao justo valor negativo tem de ser conferido um tratamento igual, assumindo-o como um custo total do exercício. (…)” (os sublinhados são nossos), porquanto, como tem vindo a decidir o Tribunal Constitucional, “(…) o princípio constitucional da igualdade entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, circunscreve-se à ideia geral de proibição de arbítrio. À luz deste critério são, pois, apenas censuráveis, com base na violação do princípio da igualdade, as medidas legislativas que estabeleçam desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objectiva e racional.” (cfr. Acórdãos n.º 451/2002 e n.º 57/95, in www.tribunalconstitucional.pt. Os sublinhados são nossos).

XXX. Ora, na matéria que aqui nos ocupa, quer as razões que presidiram à criação desta norma legal, quer a sua manutenção no sistema jurídico-fiscal durante vários anos, até à Reforma do Código do IRC, aprovada pela Lei n.º 2/2014, entre outros aspetos que em seguida se alegarão, demonstram que a regra fiscal aplicável à valorização do justo valor não tem de ser igual à da desvalorização do ativo, não existindo assim qualquer violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva.

XXXI. Na verdade, não poderá deixar de se ter presente que a igualdade que deve enformar as relações jurídico-tributárias há-de ser aquela igualdade material, que não meramente formal, de acordo com a qual se deverá tratar por igual o que é igual e desigualmente o que é desigual, sendo que, nos casos em apreço, tal diferença de tratamento encontra justificação na letra da lei e na opção legislativa tomada no sentido da relevância fiscal de tais perdas.

XXXII. Tendo em conta as sucessivas alterações legislativas operadas no artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, e as razões de combate à fraude e evasão fiscal lhes subjazem, deve entender-se que o objetivo perseguido não foi abranger apenas as situações que resultam da transmissão onerosa de partes de capital, motivo pelo qual estendeu a aplicação do preceito (“bem como”) a “outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares”.

XXXIII. Decidiu, ainda, o Tribunal a quo que “(…) se os proveitos do justo valor são totalmente tributados, também os gastos devem ser aceites na sua totalidade, não se vislumbrando razões fiscais ou extrafiscais que justifiquem a disparidade na tributação das componentes positivas e negativas do justo valor, potenciando, um tal tratamento diferenciado, um regime fiscal mais injusto do que o modelo da realização.” (os sublinhados são nossos).

XXXIV. Ora, no encalço do que vem sendo dito, na análise da questão aqui controvertida, não podemos deixar de ter presente o facto de estarmos perante realidades materialmente diferentes, sendo os respetivos pressupostos de tributação, também eles, diferentes, visto que os instrumentos financeiros mensurados ao justo valor através de resultados, cujas alterações de valor são admitidas no resultado fiscal (lucro tributável), não se encontram já sujeitos ao regime das mais e menos -valias aquando da respetiva alienação, ao contrário do que sucede com os demais instrumentos financeiros, os quais, não veem reconhecido, no resultado fiscal, as alterações do seu justo valor, estando, na alienação, sujeitos ao regime das mais e menos-valias.

XXXV. Ora, foi o próprio legislador que, expressamente, consagrou, na lei, tratamento diferenciado para as situações mencionadas, o que, só por si, justifica a diferença de resultados.

XXXVI. A defesa da inaplicabilidade do n.º 3 do artigo 45.º às perdas que aqui estão em causa redundaria, isso sim, e de acordo com uma interpretação a contrario sensu, num tratamento mais desfavorável às situações em que se aplicasse o método do custo, pois que, a menos-valia verificada com a alienação efetiva apenas seria tida em conta em metade do seu valor, ao passo que a perda verificada nas participações sociais mensuradas ao justo valor não sofreria qualquer limitação, sendo totalmente considerada para efeitos de apuramento da matéria coletável.

XXXVII. A interpretação advogada pelo Tribunal a quo promove a discriminação negativa dos ajustamentos contabilísticos de transição decorrentes da introdução do SNC aqui em causa e das perdas resultantes da variação do justo valor das partes de capital, face à aplicabilidade do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, à diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante transmissão onerosa de partes de capital, que é consensualmente aceite.

XXXVIII. Por outro lado, e no que concerne à argumentação aduzida pelo Tribunal a quo segundo a qual “Acresce que ao justo valor negativo também nunca subjaz uma motivação de evasão fiscal , porquanto a tributação do justo valor se cinge, reitera-se, aos activos transaccionados em mercado regulamentado, onde a cotação do activo e, portanto, a sua valorização e desvalorização, é completamente alheia à vontade fiscal do contribuinte” (os sublinhados são nossos), refira-se não podermos, mais uma vez, concordar com a mesma, dado que a aplicação do justo valor não afasta de forma alguma as razões de prevenção da fraude e evasão fiscal.

XXXIX. Ou seja, o facto de se entender estarem abrangidas no normativo legal que ora analisamos as perdas aqui em análise, não contraria nem colide com o facto de subjacentes à criação e manutenção do n.º 3, do artigo 45.º, do CIRC, estarem motivações de combate à evasão e fraude fiscais, na tentativa de obstar à erosão da base tributável, contrariando a decisão proferida no acórdão do CAAD no processo n.º 25/2015-T, de 24/09/2015, bem como o voto vencido declarado no Acórdão do CAAD proferido no processo n.º 30/2015-T (transcritos nas alegações), uma qualquer conclusão no referido sentido, a que acresce o facto de, relembre-se, se ter assumido no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13/07, que os casos em que se atribuiu relevância às variações do justo valor nos instrumentos financeiros são aqueles em que “em princípioa fiabilidade e determinação do justo valor estejam asseguradas.

XL. Ora, se bem vemos, resulta daquelas decisões que as razões que estão na base do entendimento advogado pelo Tribunal a quo são assim, na nossa visão das coisas e face ao que vem sendo dito, perfeitamente infirmadas, chegando até a afirmar-se, nos acórdãos acima referidos, que continuam a poder verificar-se, nestes casos em que as variações do justo valor são fiscalmente relevantes, situações de manipulação e planeamento fiscal cujo combate, aquela norma do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, desde sempre visou.

XLI. Assim, não poderá deixar de se sublinhar que, para além das decisões arbitrais em que se basou a Sentença recorrida, tendo em vista “(…) obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr. artigo 8º, nº 3 do Código Civil) (…)”, têm vindo a ser proferidas outras decisões que, sobre a mesma questão, decidem em sentido diverso, como acima se foi demonstrando, só podendo concluir-se que a corrente de entendimento que esteve na base da decisão proferida não é sequer uniforme na jurisprudência do CAAD.

XLII. Se fosse intenção do legislador excluir do âmbito de aplicação do art.º 45.º, n.º 3, do CIRC, renumerado pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, as perdas apuradas pelos ajustamentos de transição decorrentes da alteração do normativo contabilístico, bem como as perdas aceites fiscalmente decorrentes da redução do justo valor através de resultados, certamente tê-lo-ia deixado claro na lei, promovendo, para o efeito, a devida exceção/alteração à norma em presença.

XLIII. Assim sendo, e não se tendo verificado uma qualquer alteração legislativa nesse sentido, ter-se-á de observar o prescrito na lei a esse respeito, como se refere no acórdão do CAAD proferido no Processo n.º 90/2016-T, de 26/10/2016 (transcrito em alegações), em observância do princípio da legalidade tributária, padecendo a Sentença recorrida de erro de julgamento por violação de lei.

XLIV. Em face do exposto, resulta que, tratando-se de instrumentos financeiros com os requisitos definidos no art.º 18.º, n.º 9, alínea a) do CIRC mensurados ao justo valor em resultados (i.e., com as alterações do seu valor refletidas no resultado líquido), o respetivo titular saberá que, em cada período de relato (no final de cada exercício económico), o ganho refletido na contabilidade será também totalmente considerado para efeitos fiscais e a perda refletida na contabilidade só será considerada para efeitos fiscais em metade do seu valor, nos termos do art.º 45.º, n.º 3, do CIRC (na redação vigente à data dos factos).

XLV. Ou seja, o legislador adotou procedimentos fiscais distintos, tendo, no caso das mais-valias e menos-valias, concedido relevância fiscal única (one-off) às partes de capital, enquanto nos casos em apreço lhes concedeu relevância fiscal continuada, devendo, porém, a respetiva tributação efetuar-se com vista à produção dos mesmos efeitos, ou seja, serem, em ambos os casos, as perdas consideradas em metade do seu valor.

XLVI. Daí resulta que este regime excecional, concretizado na consideração das variações do justo valor das participações sociais, num determinado exercício, não padece, a nosso ver, de qualquer contradição, uma vez que as sucessivas flutuações verificadas vão sendo tributadas numa perspetiva de “continuum”, não configurando sempre, como se refere na Sentença recorrida, um tratamento mais desfavorável para o Contribuinte do que aquele que resulta da aplicação do princípio da tributação efetiva, como já antes referimos.

XLVII. Pelo contrário, e com base no que antes ficou dito, a interpretação segundo a qual as perdas por justo valor aqui em causa se subsumem no âmbito de previsão do art.º 45.º n.º 3 do CIRC preconiza, por um lado, um tratamento mais igualitário relativamente às mais-valias e menos-valias, uma vez que, sob certas circunstâncias, estas contribuem também para o apuramento do lucro tributável em apenas 50% do seu valor, e, por outro lado, concretiza um tratamento mais equitativo das perdas decorrentes de todas as operações que envolvem partes de capital, de forma, a não distinguir, apenas as resultantes de transmissão onerosa.

XLVIII. Desta feita, julgamos que a interpretação advogada pela AT não ofende quer o princípio da igualdade, quer, como sua concretização, o princípio da capacidade contributiva, não violando, outrossim, aquela norma, o princípio da tributação do rendimento real plasmado no artigo 104.º da CRP, como foi, aliás, decidido pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 85/2010 (in www.tribunalconstitucional.pt) e Acórdão do STA de 15-02-2007, proc.0959/06 (in www.dgsi.pt).

XLIX. Concludentemente, e no que se refere à aplicação do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, na redação vigente à data dos factos, não poderia ser outra a opção preceituada na lei, de acordo com uma visão unitária e global do sistema jurídico-fiscal existente, pois, não faria sentido que, nas situações em que se admite o modelo do justo valor, não operasse de igual forma a referida limitação, que permite somente a aceitação fiscal de metade do valor da perda em cada período económico.

L. De facto, a aplicabilidade do art.º 45.º, n.º 3, do CIRC não depende da circunstância das perdas terem sido, ou não, efetivamente realizadas, mas antes da circunstância de tais perdas constituírem gastos do período.

LI. Por outro lado, e como já se foi adiantando, julgamos que a diferente terminologia (gastos e perdas respetivamente) adotada nos artigos 18.º, n.º 9 e 23.º, n.º 1, alínea i) e 45.º, n.º 3, todos do CIRC, não é capaz de infirmar as conclusões que vêm sendo por nós aduzidas e que fundamentam o entendimento advogado pela AT a este respeito, pois que, aplicando-se o n.º 3 do artigo 45.º a todas as perdas relativas a partes de capital, incluindo as previstas na alínea a), do n.º 9, do artigo 18.º, importante será esclarecer que a terminologia adotada pelo legislador nos mencionados normativos só pode ter, por razões óbvias e atendendo àquele princípio já antes focado da dependência parcial da fiscalidade face à contabilidade, o mesmo enquadramento semântico que lhe é atribuído nos parágrafos § 76, §77 e § 78 da Estrutura Conceptual do SNC, ao que acresce o facto de as realidades aqui em presença estarem contabilisticamente evidenciadas, na respetiva conta SNC 66, sob a designação de “Perdas por reduções de justo valor”.

LII. Por conseguinte, as alterações no valor dos ativos decorrentes da aplicação do justo valor que forem reconhecidas na demonstração de resultados constituem, de acordo com a terminologia adotada no SNC, perdas (não realizadas) que integram e se encontram incluídas nos gastos do período.

LIII. De facto, ainda sem conceder e não obstante tudo o que ficou dito, não se nos afigura relevante a alusão feita pela lei fiscal a gastos e perdas nas duas normas em apreciação (art.º 18.º n.º 9 al. a) e art.º 45.º n.º 3, ambos do CIRC), porquanto, na noção de gastos e na enunciação dos mesmos efetuada a título exemplificativo nas diversas alíneas do art.º 23.º do CIRC, o legislador refere-se a gastos e perdas, não permitindo, o mero argumento relativo à referência a perdas feita no n.º 3 do art.º 45.º do CIRC, a conclusão de que o legislador não pretendeu aí abranger tais gastos e de que todos os gastos previstos no n.º 9 do art.º 18.º do CIRC se encontram excluídos daquela limitação à dedutibilidade para efeitos fiscais, conclusão essa que só pode ter-se por inadmissível e desprovida de qualquer fundamento.

LIV. Desta feita, só poderá concluir-se que a Sentença recorrida, ao afirmar que o art.º 45.º n.º 3 do CIRC não inclui no seu âmbito os factos qualificáveis como “gastos” (artigo 23.º, n.º 1, alínea i)), viola expressamente quer o estatuído naquela Estrutura Conceptual a que nos temos referido, quer o disposto no art.º 8.º, n.º 2, alínea f), do D.L. n.º 159/2009.

LV. Por conseguinte, em face do disposto no art.º 45.º n.º 3 do CIRC, cuja letra da lei está, pelo que julgamos e com base em tudo o que vem sendo dito, em concordância com o espírito do legislador, estão incluídas naquele preceito legal todas as perdas relativas às partes de capital, quer a diferença entre as mais-valias e as menos-valias realizadas, quer outras perdas potenciais, como por exemplo, as perdas resultantes da aplicação do justo valor, tal como decidiu o CAAD no processo n.º 90/2016- T, de 26/10/2016 ao reafirmar “(…) que gasto e perda são conceitos estanques e distintos é, no entendimento do presente Tribunal, falacioso. Com efeito, a perda é uma tipologia de gasto. (…) observa que gastos é um conceito que, em contabilidade, já incluí as perdas (…) Em face do exposto, fica claro que a dedutibilidade daquela perda, que é, naturalmente, um gasto, deverá ser analisa à luz do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC, com vista a apurar até que ponto poderá cair no escopo daquela norma. “.

LVI. Ademais, em consonância com o decidido pelo CAAD, nos processos n.ºs 87/2016-T, de 29/10/2016, e 25/2015-T, de 24/09/2015 (os quais foram já parcialmente transcritos) e ainda tendo presente o voto de vencido proferido no processo n.º 30/2015-T, de 11/12/2015, entendemos, de igual modo, que a Sentença proferida “sobrevaloriza a dicotomia dos termos “gastos” e “perdas””.

LVII. Com efeito, e neste encalço, não poderá acolher-se a argumentação aduzida no acórdão arbitral de 25/11/2013, proferido no processo n.º 108/2013-T, seguida de perto na Sentença recorrida, no que a esta parte diz respeito.

LVIII. Assim, reafirmando-se que não pode proceder a argumentação aduzida a este respeito na decisão arbitral em que se baseou, também, a Sentença recorrida, resta acrescentar afigurar-se-nos algo “contraditório” que toda a argumentação aduzida no sentido da não inclusão das variações do justo valor em instrumentos financeiros fiscalmente relevantes nos termos da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC, no regime constante do n.º 3 do artigo 45.º, tenha na sua base uma interpretação sistemática, histórica e teleológica, confluente no facto de estar subjacente à mesma uma motivação que visa obstar a comportamentos de fraude e evasão fiscais que aqui alegadamente não se verificam, assim se relegando para um segundo plano o elemento literal da norma e a observância do aí estatuído em conformidade como princípio da legalidade fiscal, para se vir depois, nesta parte relativa ao que se deva entender como perdas ou gastos para os efeitos aqui em discussão, lançar mão de um argumento puramente literal que desatende a toda e qualquer interpretação sistemática e teleológica.

LIX. De facto, não podemos olvidar que, por força da introdução do SNC, foram efetuadas alterações profundas no CIRC, passando, inclusivamente, a estar contemplados no artigo 23.º, na alínea i), do seu n.º 1, os acima referidos “gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros”, os quais passaram assim a ter relevância fiscal, por força deste normativo legal em conjugação com o disposto na alínea a), do n.º 9, do artigo 18.º, tendo sido, contudo, mantida a redação do n.º 3, do artigo 45.º, do CIRC existente à data dos factos.

LX. Em conclusão, cremos que a interpretação a conferir ao n.º 3, do artigo 45.º, do CIRC, conforme ao estatuído na lei e tendo em conta a unidade do sistema de tributação em sede de IRC, deverá ir no sentido de que as perdas decorrentes da aplicação do justo valor nos instrumentos de capital, que foram incluídas no cômputo do lucro tributável por força do disposto na alínea a), do n.º 9, do artigo 18.º, do CIRC e do artigo 5º do Decreto-Lei Nº 159/2009, de 13/07 (regime transitório) têm enquadramento nas “outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ”, a que se refere aquele primeiro normativo legal, devendo concorrer para a formação do lucro tributável apenas em metade do respetivo valor, em razão de ser esse o sentido da norma, sem esquecer que este acolhe um tratamento mais equitativo das perdas relativas às operações que envolvem partes de capital, de forma, a não distinguir, apenas as resultantes da transmissão onerosa.

LXI. Pelo que se devem considerar legítimas e legais as correções efetuadas pelos serviços de inspeção aqui impugnadas, bem como a liquidação de IRC que as concretizou.

LXII. Com efeito, consideramos que a interpretação advogada pela AT a este respeito não padece da sentenciada ilegalidade, não sendo, pelo que antes ficou dito, violadora dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, devendo entender-se que aquela norma deve incluir todas as perdas independentemente do modelo de mensuração que seja adotado, assim se observando o claramente previsto na lei fiscal (parte final do n.º 3, do artigo 45.º, do CIRC).

LXIII. E neste sentido, com base em toda a argumentação aduzida neste Recurso, afigura-se-nos dever ser, a Sentença proferida nos presentes autos, revogada, por padecer de erro de julgamento, devendo, por conseguinte, manter-se na ordem jurídica a liquidação de IRC impugnada, sendo a presente impugnação judicial julgada totalmente improcedente.

LXIV. Requer-se, ainda, que, caso se considerem preenchidos os pressupostos constantes do n.º 7, do artigo 6.º, do Regulamento das Custas Processuais, como cremos estarem, seja dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pela interposição do presente Recurso. Atento o exposto, nestes termos e nos demais de direito que V.

Exas. doutamente suprirão, deve:

a) Ser declarada a nulidade da Sentença recorrida, nos termos expostos, com os devidos efeitos e, caso assim não se entenda, o que sem conceder se admite;

b) Ser concedido provimento ao presente Recurso Jurisdicional, por provado, revogando-se a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, por padecer de erro de julgamento nos termos expostos, para todos os devidos efeitos legais, julgando-se totalmente improcedente a impugnação apresentada;

c) Desde já se requerendo a V. Exas., em virtude do valor da causa ser superior a €275.000,00, que, nos termos do n.º 7, do artigo 6.º, do Regulamento das Custas Processuais, seja dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pelo Recurso.

Pois só assim se fará a costumada JUSTIÇA!”.

A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

I. Está em causa neste processo a liquidação n.º 2013 8500002930, do IRC de 2010, que originou a redução dos prejuízos fiscais apurados nesse exercício para € 2 106 745,01, cuja anulação foi peticionada, não havendo qualquer “ambiguidade” na sentença quanto à decisão proferida, que possa suscitar a sua nulidade.

II. A Fazenda Pública invoca ainda a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, e aponta à referida sentença um erro de julgamento, tendo como questão fundamental, em ambos os casos, a interpretação do disposto no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, não lhe assistindo razão.

III. No que se refere ao erro de julgamento, discute-se neste processo a aplicação do disposto no nº 3 do artigo 45º do Código do IRC às variações negativas decorrentes da aplicação do justo valor.

IV. Entende a Recorrida, tal como foi reconhecido na sentença do Tribunal a quo, que a tais ajustamentos não pode ser aplicada a predita norma, com fundamento nas mais elementares regras de interpretação da lei, e, com base em exemplos que põem a descoberto a incoerência da interpretação feita pela Fazenda Pública, com base, exclusivamente, no elemento literal.

V. A ora Recorrida sustenta a interpretação que fez da norma com base também nos elementos teleológico, sistemático e histórico, como determinam as regras de interpretação da lei.

VI. Com base no elemento histórico conclui-se que o universo mais amplo de perdas que a norma pretende abranger tem, em todos os casos, subjacente a transmissão onerosa ou extinção da parte de capital, e, de forma alguma, - por mais “inspirado” que pudesse estar o legislador - teve como finalidade contemplar os ajustamentos de justo valor, cuja consagração legislativa apenas ocorre 5 anos depois.

VII. Recorda-se que a alteração legislativa efetuada em 2005 foi, como sucede frequentemente, reativa, porque a administração fiscal perante situações que a jurisprudência vinha considerando não estarem abrangidas pela norma em causa na sua redação inicial, tratou, através do legislador, de alargar a sua previsão, “às perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares”.

VIII. Todavia, tal alargamento da previsão da norma não foi feito para abranger quaisquer perdas não realizadas ou ocorridas fora da transmissão onerosa ou extinção das partes de capital.

IX. Consequentemente, não se pode, como a Fazenda Pública pretende, concluir que esse alargamento visou abranger outras perdas não decorrentes da transmissão onerosa ou extinção das partes de capital, já que, à data, nenhum facto, no quadro do custo de aquisição, era suscetível de produzir perdas ou variações patrimoniais negativas à sociedade participante.

X. Também, face ao elemento sistemático, se conclui que a alteração do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC não deve ter qualquer relevância em matéria de ajustamentos de justo valor.

XI. É certo que de acordo com as alterações ao Código do IRC no que se refere à periodização do lucro tributável (artigo 18.º) passaram os rendimentos e os gastos por ajustamentos de justo valor a ter relevância fiscal, por força da aproximação da fiscalidade à contabilidade.

XII. Todavia, pese embora estarmos perante rendimentos ou gastos potenciais, a sua tributação é neutra, se não for aplicável o n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, como pretende a AT.

XIII. Com efeito, tendo os rendimentos e os gastos idêntica relevância fiscal (ambos concorrem a 100% para a formação do lucro tributável) as alterações apenas antecipam ou postcipam a sua tributação, sendo que, quando a participação for efetivamente vendida, o ganho ou a perda (efetiva) está refletida na contabilidade, ainda que distribuída ao longo do período de detenção da participação social.

XIV. É esta necessária identidade de tratamento entre rendimentos e gastos que o Tribunal a quo também julga necessária, mas que a AT rejeita com a interpretação que faz do n.º 3 do artigo 45.º, conduzindo a uma sui generis tributação de “perdas trazidas e levadas pelo vento”, que geram imposto por meio das variações negativas de justo valor.

XV. Foi essa absurda “tributação” de perdas potenciais reversíveis, que resulta da interpretação que a AT faz do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, que a ora Recorrida procurou demonstrar com exemplos constantes da sua Petição Inicial, e cuja consequência é a tributação de rendimentos “inexistentes”.

XVI. É que, como então se demonstrou, a limitação da dedutibilidade de perdas reversíveis gera “tributação”, passando o IRC a “incidir” não sobre os lucros, mas sobre perdas potenciais.

XVII. Ora, ao contrário do que defende a Fazenda Pública, bem se compreende que o Tribunal a quo tenha afirmado que “(…) se os proveitos do justo valor são totalmente tributados, também os gastos devem ser aceites na sua totalidade, não se vislumbrando razões fiscais ou extrafiscais que justifiquem a disparidade na tributação das componentes positivas e negativas do justo valor, potenciando, um tal tratamento diferenciado, um regime fiscal mais injusto do que o modelo da realização…”.

XVIII. Com efeito, tem sido sempre essa a opção do legislador, em diversas normas, como acontecia com o n.º 4 do artigo 48.º do CIRC, o n.º 2 do artigo 32.º do EBF e, atualmente, com o artigo 51.º-D do CIRC que estabelece o mesmo tratamento fiscal para as mais-valias e para as menos-valias: “Não concorrem para a determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC com sede ou direção efetiva em território português as mais-valias e menos-valias realizadas mediante transmissão onerosa…”.

XIX. O que a Fazenda Pública advoga, na interpretação que faz do n.º 3 do artigo 45.º, é exatamente o oposto que decorre das citadas normas, ao pretender que a mesma seja aplicável a situações para as quais não foi criada, que não estavam no espírito do legislador, nem era, à data da sua introdução no ordenamento jurídico, previsível que pudessem verificar-se.

XX. É certo que, por força da aproximação da fiscalidade à contabilidade, houve que alterar normas do Código do IRC, como é o caso do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC, introduzindo exceções ao princípio da realização nos termos em que vinha sendo adotado.

XXI. Mas a limitação da aceitação de determinados gastos como encargos dedutíveis para efeitos fiscais não tem qualquer relação com a aproximação da fiscalidade à contabilidade.

XXII. Aliás, como é reconhecido pela Fazenda Pública nas suas Alegações, a introdução desta norma tinha subjacente razões de prevenção e combate à evasão e fraude fiscais, constituindo esta a sua ratio legis.

XXIII. Ora, no caso dos gastos por ajustamento do justo valor, não há, como referimos, qualquer necessidade de moralização, de neutralidade ou de combate à evasão fiscal dado que as perdas por ajustamento do justo valor são definidas por variação das cotações em bolsa.

XXIV. Efetivamente, sendo estas variações determinadas por acontecimentos alheios à vontade do contribuinte, sobre os quais este não pode atuar, não se justificam quaisquer medidas de moralização, prevenção ou de combate à fraude, dado que, neste caso, não há qualquer hipótese de fraude suscetível de justificar a limitação da dedução destes gastos, como o Tribunal a quo reconhece.

XXV. Com efeito, não colhem neste âmbito as Alegações da Fazenda Pública quando pretende demonstrar com citações descontextualizadas com um hipotético risco de adoção do justo valor na normalização contabilística “pela facilitação que dele decorre da manipulação de informação contabilística”, quando o que está em causa é, apenas e tão só, se existe ou não risco de fraude quando a valorização é feita com base nas cotações em bolsa.

XXVI. E, assim, não estando na ratio legis da norma a sua aplicação a perdas potenciais, tendo sido adotado o modelo de justo valor na normalização contabilística, os seus efeitos deveriam ficar expressos no n.º 3 do artigo 43.º do CIRC, se essa fosse a intenção do legislador.

XXVII. Com efeito, ao contrário do que resulta das Alegações da Fazenda Pública, a Recorrida considera que, se o legislador pretendesse aplicar a norma às perdas apuradas pelos ajustamentos de justo valor, deveria ter consagrado tal intenção na redação do n.º 3 do artigo 45.º.

XXVIII. De facto, deve ter-se em conta que o legislador foi deliberadamente prudente na aceitação, em sede de IRC, da regra do justo valor para mensuração dos ativos, e aceitou-a apenas em casos perfeitamente delimitados, e teve igualmente o cuidado de regulamentar as consequências da adoção do justo valor, considerando que não constituem mais-valias ou menos-valias (artigo 46º, nº 1, alínea b) do CIRC).

XXIX. E, se teve tal cuidado, por maioria de razão, teria explicitado se o n.º 3 do artigo 45.º passava a ser aplicado a perdas potenciais, que não cabiam no seu âmbito de previsão.

XXX. E, não o fez porque nenhum legislador, que é suposto consagrar as soluções mais acertadas e saber exprimir o seu pensamento em termos adequados, criaria uma norma que desconsidera para efeitos fiscais, de forma irreversível, uma perda que é reversível.

XXXI. É certo que o Tribunal Constitucional considerou que não viola preceitos constitucionais “um regime fiscal que se traduza numa menor ponderação, para efeitos tributários, de determinadas menos valias contabilizadas pelas empresas”, mas, no caso, não é isso que está em causa.

XXXII. O que está em causa é a pretensão de conferir efeitos fiscais definitivos ao apuramento de uma perda que ainda não é definitiva.

XXXIII. Invoca ainda a Fazenda Pública a nulidade da sentença por alegada falta de pronúncia, não lhe assistindo razão.

XXXIV. Como é jurisprudência firmada, de que é exemplo o Acórdão do STA, de 07.11.2012, no Processo 01109/12, só ocorre nulidade da sentença se “da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio”.

XXXV. É certo que a ora Recorrida questionou nos artigos 36.º a 63.º da sua Petição Inicial que a redução de 50% deveria ser aplicada à soma algébrica, quando negativa, das variações de justo valor da carteira de títulos, já que a inspeção tributária considerou no seu Relatório, a páginas 23, que são apenas as perdas que concorrem em 50% para a formação do lucro tributável e não a diferença negativa entre ganhos e perdas.

XXXVI. Demonstrou a ora Recorrida que com tal interpretação, mesmo que uma empresa não tenha qualquer lucro, é tributada sobre um inexistente “rendimento”, ou, dito de outra forma, passa a ser tributada sobre as perdas potenciais.

XXXVII. Ora, a, aliás, douta sentença sob recurso considerou que o n.º 3 do artigo 45.º não era aplicável aos ajustamentos de justo valor, pelo que está manifestamente prejudicada a decisão quanto à questão de saber se deve ser aplicado só às variações negativas ou à diferença negativa entre variações positivas e negativas.

XXXVIII. A, aliás, douta decisão proferida, nos termos em que o foi, determinou, pois, a inutilidade da apreciação do sentido e alcance da norma em causa relativamente à matéria em julgamento.

XXXIX. Não tem, pois, fundamento, a invocada omissão de pronúncia, não sofrendo, por tal motivo, de nulidade, a aliás, douta sentença recorrida.

Atento o exposto, nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser mantida a Sentença recorrida, pois só assim se fará a costumada JUSTIÇA!”.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) A sentença recorrida padece de nulidade, ao não ter decidido expressa e indubitavelmente no sentido da improcedência do pedido de reposição de prejuízos?

b) A sentença recorrida padece de nulidade, por omissão de pronúncia?

c) Há erro na decisão proferida sobre a matéria de facto?

d) Verifica-se erro de julgamento, por ser, in casu, aplicável o disposto no então art.º 45.º, n.º 3, do CIRC?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto (considerando a sentença proferida e o despacho de 14.07.2017 de retificação de erro material):

“A) A impugnante é uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS), encontrando-se enquadrada, em sede de IRC, no regime geral de tributação (cfr. relatório de inspecção tributária (RIT), a fls. 47 a 61 v do PAT apenso aos autos);

B) Em 31 de Dezembro de 2009 a impugnante detinha, no âmbito da sua actividade legal de sociedade de gestão de participações sociais, as seguintes participações financeiras em diversas sociedades, inferiores a 5% do respectivo capital social das participadas, e que se encontravam, nessa data, mensuradas nas suas demonstrações financeiras ao respectivo custo de aquisição, num total de €204.679.646,16, nos termos do Plano Oficial de Contabilidade (POC):


«Imagem no original»

(cfr. RIT, a fls. 47 a 61 v do PAT apenso aos autos);

C) Na transição para o Sistema de Normalização Contabilística (SNC), aprovado pelo Decreto-Lei nº 158/2009, de 13 de Julho, a impugnante alterou o registo contabilístico das participações sociais referidas na alínea antecedente em conformidade, passando, nas suas demonstrações financeiras, a mensurar as participações detidas pelo justo valor, de acordo com a Norma Contabilística e de Relato Financeiro 27 (NCRF 27), verificando-se uma variação patrimonial positiva de €23.769.764,82 (correspondente à diferença entre o valor de aquisição de uma das sociedades e da sua cotação no mercado regulamentado, que fez relevar nas rubricas de capitais próprios), e uma variação patrimonial negativa de €37.092.751,12 (correspondente à diferença entre o valor de aquisição de três outras sociedades e da sua cotação oficial), que igualmente fez relevar nas rubricas de capitais próprios, tendo efectuado o seguinte registo contabilístico das referidas variações:


«Imagem no original»

(cfr. RIT, a fls. 47 a 61 v do PAT apenso aos autos);

D) No exercício de 2010, a impugnante registou, relativamente à cotação das participações detidas nas sociedades referidas na alínea antecedente em 31 de Dezembro de 2010, os seguintes ajustamentos positivos e negativos, relativos aos ganhos por aumento do justo valor e perdas por reduções do justo valor, por reporte comparativo à cotação do início do período:


«Imagem no original»

(cfr. RIT, a fls. 47 a 61 v do PAT apenso aos autos);

E) Relativamente ao exercício de 2010, a impugnante apresentou, em 31 de Maio de 2011, uma primeira declaração periódica de rendimentos modelo 22 de IRC, na qual inscreveu no quadro 7, campo 703 – “variações patrimoniais positivas - regime transitório previsto no art.º 5º, nºs 1, 5 e 6 do DL 159/2009, de 13/7” - o montante de €4.753.952,96, correspondente ao reconhecimento de 1/5 do valor do ajustamento positivo decorrente da transição para o método do justo valor (€23.769.764,82 – cfr. C) que antecede), e no campo 705 – “variações patrimoniais negativas – regime transitório previsto no art.º 5º, nºs 1, 5 e 6 do DL 159/2009, de 13/7” – o montante de €7.418.550,22, correspondente ao reconhecimento de 1/5 do valor do ajustamento negativo decorrente da transição para o método do justo valor (€37.092.751,12 – cfr. C) que antecede) (cfr. declaração, a fls. 1 7 7 a 1 83 dos autos, e RIT, a fls. 47 a 61 v do PAT apenso aos autos);

F) A impugnante não inscreveu qualquer valor no quadro 7, campo 768 da declaração periódica de rendimentos referida na alínea antecedente – “50% da menos-valia fiscal resultante de mudanças no modelo de valorização (art.º 46º, nº 5, al. b) e art.º 45º, nº 3, parte final) e 50% da diferença negativa entre as mais e menos-valias fiscais de partes de capital ou outras componentes do capital próprio (art.º 45º, nº 3, 1ª parte)”, e apurou um prejuízo fiscal para o exercício de €15.980.947,74 (cfr. declaração, a fls. 177 a 183 dos autos, e informação nos termos do artigo 1 1 1 º, nº 2 do CPPT, a fls. 62 a 67 v do PAT apenso aos autos);

G) Com origem na Ordem de Serviço nº OI201203113, os Serviços de Inspecção Tributária (SIT) da Direcção de Finanças de Lisboa realizaram uma acção inspectiva interna à sociedade ora impugnante, de âmbito parcial, com incidência no exercício de 2010, e o objectivo de, além do mais, aferir da assumpção como gasto fiscal do valor dos ajustamentos decorrentes da utilização do justo valor (nº 3 do artigo 45º e nº 9 do artigo 18º, ambos do Código do IRC) e dos ajustamentos contabilísticos decorrentes da introdução/adopção do SNC, no âmbito do regime transitório previsto no artigo 5º do Decreto-Lei nº 159/2009, de 13 de Julho, tendo por base o cruzamento dos valores evidenciados no quadro 7 da declaração de rendimentos modelo 22 para o exercício em causa com a informação relevada nos elementos contabilísticos facultados pela impugnante, e tendo, a final, sido elaborado o competente relatório de inspecção tributária (RIT) (cfr. RIT, a fls. 47 a 61 v do PAT apenso aos autos);

H) No decurso da acção inspectiva referida na alínea antecedente, a impugnante apresentou, em 26 de Março de 2012, relativamente ao exercício de 2010, uma segunda declaração periódica de rendimentos modelo 22 de IRC – declaração de substituição -, na qual inscreveu no quadro 7, campo 705 – “variações patrimoniais negativas - regime transitório previsto no art.º 5º, nºs 1, 5 e 6 do DL 159/2009, de 13/7” - o montante de €1.332.298,63, correspondente ao reconhecimento de metade de 1/5 da diferença negativa entre a variação patrimonial positiva e a variação patrimonial negativa dos ajustamentos, ou seja, de €2.664.597,26, efectuado à luz do regime transitório conjugado com o disposto no nº 3 do artigo 45º do Código do IRC, de acordo com os seguintes cálculos:


«Imagem no original»

(cfr. declaração, a fls. 184 a 190 dos autos, e RIT, a fls. 47 a 61v do PAT apenso aos autos);

I) Relativamente à relevação da variação positiva/negativa do valor das participações sociais registadas ao justo valor, ocorridas no próprio exercício de 2010, a impugnante inscreveu no quadro 7, campo 737 da declaração de substituição referida na alínea antecedente - “50% de outras perdas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio (art.º 45º, nº 3, parte final)” - o valor de €5.875.089,75, evidenciado nos seguintes cálculos:


«Imagem no original»

(cfr. declaração, a fls. 184 a 190 dos autos, e RIT, a fls. 47 a 61v do PAT apenso aos autos); [redação decorrente da correção do erro material efetuada pelo Tribunal a quo – cfr. despacho de 14.04.2017]

J) A declaração de substituição referida nas alíneas antecedentes, na qual a impugnante apurou um prejuízo fiscal para o exercício de €8.773.559,36, deu origem à (auto)liquidação nº 2012 2 50 0005614, relativamente à qual a impugnante não apresentou a competente reclamação graciosa (cfr. declaração e print extraído do SIGEPRA, a fls. 1 84 a 191 dos autos, e informação elaborada nos termos do artigo 111º, nº 2 do CPPT, a fls. 62 a 67 v do PAT apenso aos autos);

K) No relatório de inspecção tributária referido em G) que antecede, datado de 21 de Maio de 2013, foram propostas correcções de natureza meramente aritmética, perfazendo o montante de €6.666.814,35, ao lucro tributável do exercício de 2010 apurado pela impugnante na declaração de substituição apresentada, na qual foram inscritos os seguintes montantes:

No campo “703 – Variações Patrimoniais Positivas (regime transitório)” foi inscrito o montante de €4.753.952,96, “Respeitante (…) a 1/5 do valor da variação patrimonial positiva (€23.769.764,82), verificada com a participação social detida na sociedade GALP, decorrente dos ajustamentos de transição, ocorridos na alteração, de 2009 para 2010, do método de mensuração do custo de aquisição para o do justo valor (cfr. parte final do nº 1 do artigo 5º do DL 159/2009)”, tendo correspondido o montante corrigido ao valor inscrito no DC, visto o sujeito passivo não ter declarado, no aludido campo, qualquer valor;

No campo “705 – Variações Patrimoniais Negativas (regime transitório)” foi inscrito o valor de €3.709.275,11, “Respeitante (…) a 1/5 da variação patrimonial negativa (€37.092.751,12) registada nas participações sociais detidas na sociedade E…, na sociedade E... e na sociedade I…, decorrente dos ajustamentos de transição ocorridos na alteração, de 2009 para 2010, do método de mensuração do custo de aquisição para o justo valor; Porquanto se trata de uma perda (no sentido de gasto – al. i) do nº 1 do artigo 23º do CIRC), convocou-se, como supra fundamentado, a limitação estatuída pelo legislador, na parte final do nº 3 do artigo 45º do CIRC, suso transcrito, de somente fazer concorrer para a formação do lucro tributável metade de 1/5 da variação patrimonial negativa (1/5 x €37.092.751,12 = €7.418. 550, 22, sendo metade igual a €3.709. 275,11”, sendo que, uma vez que o sujeito passivo tinha já declarado no referido campo o montante de €1.332.298,63, a correcção efectuada foi de €2.376.976,48;

Foi inscrito no campo “737 – 50% de outras perdas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio” o valor de €10.164.927,62 “Resultante (…) na desconsideração de metade do valor da perda incorrida com a desvalorização da cotação das ações detidas pelo SP na sociedade E..., na sociedade E… e na sociedade I…”, por aplicação da parte final do nº 3 do artigo 45º do Código do IRC, sendo que, uma vez que o sujeito passivo tinha já declarado neste campo o valor de €5.875.089,75, a correcção efectuada foi de €4.289.837,87 (cfr. RIT e informação nos termos do artigo 111 º, nº 2 do CPPT, a fls. 47 a 67 v do PAT apenso aos autos);

L) Tais correcções de natureza meramente aritmética à matéria tributável de IRC do exercício de 2010 foram efectuadas com base nos seguintes fundamentos extraídos dos termos do “Ponto 3 – Da Fundamentação Legal”, do “Capítulo III – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável” do relatório de inspecção tributária referido na alínea antecedente:

«(…) Decorrente das obrigações de Portugal, junto da UE, por via legislativa, foi em 2009, introduzido o Sistema de Normalização Contabilística, no ordenamento jurídico nacional, preconizado via Decreto-Lei nº 159/2009, de 13 de Julho.

Da leitura do preambulo do diploma citado [...] Ainda no domínio da aproximação entre contabilidade e fiscalidade, é aceite a aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, cuja contrapartida seja reconhecida através de resultados, mas apenas nos casos em que a fiabilidade da determinação do justo valor esteja em princípio assegurada. Assim, excluem-se os instrumentos de capital próprio que não tenham um preço formado num mercado regulamentado. Além disso, manteve-se a aplicação do princípio da realização relativamente aos instrumentos financeiros mensurados ao justo valor cuja contrapartida seja reconhecida em capitais próprios, bem como às partes de capital que correspondam a mais de 5 % do capital social, ainda que reconhecidas pelo justo valor através de resultados.

Da introdução deste novo regime, subsistiu no ordenamento contabilístico nacional a necessidade das Entidades ajustarem na sua contabilidade a relevação dos seus factos patrimoniais.

Com a aceitação do modelo do justo valor, em detrimento do do custo histórico, as entidades, tiveram de, numa primeira fase, início de 2010, ajustar as suas demonstrações financeiras, relevando em capitais próprios, os valores (positivos ou negativos) decorrentes dos ajustamentos efectuados.

Atento a esta realidade, e de forma a minorar o impacto, a nível fiscal, dos mesmos, o legislador preconizou, por via da assumpção de um regime transitório, que os mesmos concorressem em partes iguais, para a formação do lucro tributável do primeiro período de tributação em que se apliquem aquelas normas e dos quatro períodos de tributação seguintes (nº 1 do artigo 5º do Dec. Lei 159/2009).

Dispondo o nº 9 do artigo 18º do CIRC que:

9 - Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados, excepto quando:

a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando -se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5% do respectivo capital social. (bold nosso)

Sendo que, em face do disposto no nº 3 do artigo 45º do CIRC, as perdas ou as variações patrimoniais negativas, relativas quer a partes de capital ou a outras componentes do capital próprio, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.

Neste sentido e assente na informação ínsita, corroborada com a plasmada na ficha doutrinária, emitida pela AT, (proc. 39/2011, relativa ao tratamento fiscal da perda apurada por SGPS em resultado da aplicação do modelo do justo valor, bem como nas instruções – Manual de preenchimento, em linha, relativa à declaração modelo 22 quadro 7 , somos a concluir, como se infere, que o SP deve, em sede de relevação na declaração de rendimentos modelo 22, fazer a discriminação nos campos respetivos dos valores (decorrente dos ajustamentos de transição).

Sendo de registar no campo 703 a quantia correspondente a 1/5 do valor positivo dos efeitos nos capitais próprios, resultante das alterações na respectiva mensuração que decorram da adopção, pela primeira vez, do SNC.

E no campo campo 705 a quantia correspondente a 1/5 do valor negativo dos efeitos nos capitais próprios, resultante das alterações na respectiva mensuração que decorram da adopção, pela primeira vez, do SNC. Aplicando-se subsidiariamente, o nº 3 do artigo 45º do CIRC, no que tange, aos valores negativos (perdas), estas concorrem para o lucro tributável em apenas metade do seu valor: 50%.

Quanto ao valor das perdas relativas a partes de capital (campo 737 da modelo 22)

Relativamente a esta matéria, a questão, estamos em crer, anteriormente suscitada pelo SP, aquando do preenchimento da declaração modelo 22 de substituição, assentou na ponderação interpretativa, se a este regime de perdas, se aplicaria ou não o mesmo regime preconizado para as mais valias.

No que tange a este raciocínio lógico-interpretativo, o legislador na redação do nº 3 do artigo 45º do circ, estatui uma clara autonomia entre as duas realidades autónomas: o regime das menos valias e o regime de perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital.

Autonomia esta que se materializou na uso da expressão “bem como”.

Neste sentido, se quanto ao regime das mais/menos valias, é a diferença, quando negativa, que concorre somente em metade para a formação do lucro tributável;

No regime estatuído na 2ª parte do citado nº 3 do artigo 45º, são as perdas, e não a diferença negativa entre (ganhos e perdas), que concorrem em metade para a formação do lucro tributável.” (cfr. RIT, a fls. 47 a 61 v do PAT apenso aos autos);

M) Sobre o relatório final parcialmente transcrito na alínea antecedente e subsequentes pareceres recaiu despacho concordante, de 12 de Junho de 2013, do Director de Finanças de Lisboa, tendo o relatório sido notificado à impugnante pelo ofício nº 42181, de 18 de Junho de 2013, que continha a indicação de se tratar de notificação de correcções à matéria tributável e/ao imposto e de que a breve prazo os serviços da AT enviariam notificação da liquidação respectiva, contendo os meios de defesa e prazo de pagamento, se a ele houvesse lugar (cfr. ofício e registo postal e RIT, a fls. 46 a 61 v do PAT apenso aos autos);

N) Em resultado das correcções vertidas no relatório de inspecção referido nas alíneas antecedentes, foi, com recurso à elaboração de uma declaração de correcção oficiosa (DC), reduzido o prejuízo fiscal apurado pela impugnante na declaração de rendimentos de substituição de €8.773.559,36 para €2.106.745,01, e, em consequência, emitida, em 26 de Junho de 2013, a liquidação de IRC nº 2013 8500002930, referente ao exercício de 2010, vertida na demonstração de acerto de contas/ compensação nº 2013 0000689712, de 9 de Julho de 2013, que não deu origem a qualquer pagamento, e na qual se pode ler “Estorno Liq. de 2010 – liquidação 2012 2500005614”, e a indicação de que “Pode reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 137º do CIRC e 70º e 102º do CPPT (…)” (cfr. demonstração de liquidação e de acerto de contas, a fls. 44 e 45 dos autos);

O) Notificada da liquidação identificada na alínea antecedente, a impugnante apresentou contra a mesma, em 14 de Outubro de 2013, a presente impugnação judicial (cfr. p.i., a fls. 2 a 37 dos autos)”.

II.B. Quanto aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida:

“Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão sobre a matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, constantes dos autos, bem como do PAT apenso, conforme referido a propósito de cada alínea supra”.

II.D. Do erro na decisão proferida sobre a matéria de facto

Considera a Recorrente que o facto I) contém um lapso de escrita, na medida em que o campo do quadro 7 da declaração modelo 22 era o campo 737 e não o campo 738.

Atendendo, no entanto, a que, por despacho de 14.07.2017, o Tribunal a quo corrigiu o erro material em causa, no sentido propugnado pela Recorrente, a sua pretensão, nesta parte, já foi satisfeita.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da nulidade da sentença, por ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível

Considera, desde logo, a Recorrente que a sentença recorrida padece de nulidade, por ambiguidade ou obscuridade da mesma, ao não ter decidido, expressa e indubitavelmente, no sentido da improcedência do pedido de reposição dos prejuízos fiscais apurados na primeira declaração entregue, determinando a absolvição da FP da instância.

Vejamos então.

Nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, ex vi art.º 2.º, al. e), do CPPT:

“1 - É nula a sentença quando:

(…) c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível…”.

Com efeito, na sequência da reforma do processo civil de 2013 e da eliminação do incidente de aclaração ou esclarecimento, antes previsto no art.º 669.º, n.º 1, al. a), do CPC/1961, o legislador consagrou uma nova nulidade da sentença, justamente consubstanciada na existência de ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível(1).

Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 08.11.2018 (Processo: 0149/18.3BALSB), “é «obscuro» o que não é claro, aquilo que não se entende; e é «ambíguo» o que se preste a interpretações diferentes. Em qualquer caso, fica o destinatário da sentença ou acórdão sem saber ao certo o que efectivamente se decidiu, ou quis decidir. Mas não é qualquer obscuridade, ou ambiguidade, que é sancionada com a nulidade do acórdão, mas apenas aquela que «torne a decisão ininteligível»”.

Assim, enquadram-se nestas situações os casos em que a fundamentação da sentença não faz dela uma peça processual compreensível.

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

In casu, como resulta da petição inicial, é objeto da impugnação a liquidação de IRC n.º 20138500002930, do exercício de 2010, que originou uma redução dos prejuízos fiscais apurados.

Na mencionada petição inicial, foi formulado o seguinte pedido:

“Nestes termos, nos demais de direito e com o douto suprimento de V. Exa., deve a presente impugnação judicial ser julgada procedente e provada com todas as consequências de lei, por indevida aplicação do n.° 3 do artigo 45.º do Código do IRC, devendo ser reposto o prejuízo fiscal do ano de 2010, de € 15.980.947,82 constante da declaração modelo 22 do IRC inicialmente apresentada, que, respeitando, como se demonstrou, os preceitos legais aplicáveis, deve prevalecer na ordem jurídica”.

Como decorre do pedido formulado, é peticionada a procedência da impugnação, sendo a menção à reposição do prejuízo fiscal autoliquidado feita apenas como consequência dessa mesma procedência.

Não estamos, pois, ao contrário do que extrai a Recorrente, perante dois pedidos, mas sim apenas um, ao qual a Recorrente extrai como consequência a referida.

Ora, não há dúvidas que, em sede de impugnação judicial de ato de liquidação, o que pretende o Impugnante, por inerência a este meio processual, é a sua anulação ou declaração de nulidade, o que, in casu, ocorreu em primeira instância. Como tal, o Tribunal a quo, considerando assistir razão à Impugnante e entendendo que a liquidação em causa era ilegal, decidiu julgar procedente a impugnação, conforme deveria fazer.

Em relação à consequência da anulação do ato de liquidação que a Impugnante densificou no pedido formulado, o Tribunal a quo expressamente refere que a procedência da impugnação implica apenas a anulação do ato de liquidação, não sendo aquele o momento oportuno para aferir das consequências decorrentes de tal anulação (esclarecendo que tal momento é o de execução de julgado anulatório).

Ou seja, clara e inequivocamente o Tribunal a quo esclareceu que a consequência da procedência da impugnação é, neste caso, exclusivamente a anulação do ato, tendo o segmento decisório proferido expressado tal entendimento.

Não há aqui qualquer obscuridade ou ambiguidade, porquanto, como referimos, nunca foi feito um pedido autónomo de reposição de prejuízos, tendo, sim, a Impugnante expressado que consequências entendia decorrerem da anulação do ato e tendo o Tribunal a quo explicado que tais consequências só se consubstanciam, nesta sede, numa decisão anulatória.

Face ao exposto, carece de razão a Recorrente.

III.B. Da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia

Considera, por outro lado, a Recorrente que a sentença recorrida padece de nulidade, por omissão de pronúncia, uma vez que, em seu entender, a mesma não se pronunciou expressamente sobre aquela correção incidente sobre as variações patrimoniais negativas de participações sociais decorrentes de ajustamentos de transição nos termos do art.º 5.º do DL n.º 159/2009, de 13 de julho.

Vejamos.

Nos termos do art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, há omissão de pronúncia, que consubstancia nulidade da sentença, quando haja falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar [cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC].

As questões de que o juiz deve conhecer são ou as alegadas pelas partes ou as que sejam de conhecimento oficioso.

In casu, o que está, desde logo, em causa é a aplicação da norma contida no art.º 45.º, n.º 3, do CIRC às variações negativas do justo valor de participações sociais, questão que foi conhecida pelo Tribunal a quo, que julgou prejudicadas as demais questões suscitadas. Ora, se o conhecimento de outras questões foi considerado prejudicado, não há qualquer omissão de pronúncia.

Como tal, não padece a sentença da mencionada nulidade.

III.C. Do erro de julgamento

Considera, ademais, a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por errada aplicação das disposições legais vigentes, em violação do disposto no n.º 3, do art.º 45.º do CIRC.

Vejamos então.

In casu, aquando da transição do Plano Oficial de Contabilidade (POC) para o Sistema de Normalização Contabilística (SNC), a Impugnante mensurou as participações sociais que detinha e mencionadas em B) do probatório, pelo seu justo valor, o que deu origem a uma variação patrimonial positiva de 23.769.764,82 Eur. e a uma variação patrimonial negativa de 37.092.751,12 Eur.

Foram efetuadas correções, em sede de ação inspetiva, pela administração tributária (AT), no sentido de que, além de se considerar 1/5 da variação patrimonial positiva e 1/5 da variação patrimonial negativa, era ainda de aplicar o disposto no art.º 45.º, n.º 3, do CIRC.

Vejamos então.

O conceito de justo valor, do ponto de vista contabilístico, podia ser encontrado, desde logo, na diretriz contabilística n.º 1, nos seguintes termos: “[j]usto valor é a quantia pela qual um bem (ou serviço) poderia ser trocado, entre um comprador conhecedor e interessado e um vendedor nas mesmas condições, numa transação ao seu alcance”. Este conceito veio ainda a ser desenvolvido na diretriz contabilística n.º 13.

O mesmo consta igualmente do Regulamento (CE) n.º 1126/2008 da Comissão, de 3 de novembro de 2008 (versão à época), regulamento esse que adota determinadas normas internacionais de contabilidade nos termos do Regulamento (CE) n.º 1606/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho.

Assim, considerando os seus anexos, extrai-se, designadamente:

a) Da norma internacional de contabilidade 16 que “[j]usto valor é a quantia pela qual um activo pode ser trocado entre partes conhecedoras, dispostas a isso, numa transacção em que não exista relacionamento entre as mesmas”;

b) Das normas internacionais de contabilidade 2, 17, 18, 19, entre outras, que “[j]usto valor é a quantia pela qual um activo podia ser trocado, ou um passivo liquidado, entre partes conhecedoras e dispostas a isso numa transacção em que não existe relacionamento entre elas”

Este conceito de justo valor permite, de forma imediata, percecionar a mudança de paradigma que representou a transição de um modelo que privilegiava o custo histórico.

Com a passagem do POC para o SNC, tornou-se mais ampla a aplicação do critério do justo valor.

Esta transição e, bem assim, as normais internacionais de contabilidade adotadas pela União Europeia, conduziram a alterações do CIRC, constantes do DL n.º 159/2009, de 13 de julho, aprovado no uso da autorização legislativa concedida pelos n.ºs 1 e 2 do art.º 74.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, alterações essas aplicáveis aos períodos de tributação iniciados em ou após 01.01.2010.

Nessa sequência, nos termos do art.º 18.º do CIRC (redação à época):

“9 - Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados, exceto quando:

a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, direta ou indiretamente, uma participação no capital superior a 5 % do respetivo capital social; ou

b) Tal se encontre expressamente previsto neste Código”.

Portanto, este n.º 9 do art.º 18.º do CIRC dispõe que, em regra, os ajustamentos decorrentes do justo valor são fiscalmente irrelevantes, sendo, no entanto, previstas exceções, designadamente a constante da sua al. a), a que melhor nos referiremos infra.

Nos termos do art.º 20.º do mesmo código:

“1 - Consideram-se rendimentos os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma ação normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente:

(…) f) Rendimentos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros”.

Por seu turno, prescreve o art.º 21.º do CIRC:

“1 - Concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas não refletidas no resultado líquido do período de tributação, exceto:

(…) b) As mais -valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade, incluindo as reservas de reavaliação ao abrigo de legislação de carácter fiscal”.

É ainda de considerar o disposto no art.º 23.º, n.º 1, al. i) do CIRC, nos termos do qual:

“1 - Consideram -se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:

(…) i) Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros”.

Por seu turno, o art.º 45.º, n.º 3, do mesmo código, dispunha que:

“3 - A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor”.

Esta norma restritiva passou a constar do CIRC na sequência das alterações efetuadas, primeiro, pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, ao, na altura, art.º 42.º do CIRC, e, mais tarde, pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2006 – OE/2006), estando reputada, no Relatório relativo ao OE/2006, como uma das medidas legislativas visando o “[c]ombate à evasão e fraude fiscais e outras medidas direcionadas à consolidação orçamental”.

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10.11.2021 (Processo: 02410/14.7BELRS), “[a] norma, em qualquer das suas versões, integra uma medida anti-abuso, na medida em que o legislador terá pretendido (para além do alargamento da base tributável) evitar a manipulação do resultado fiscal”.

É ainda de chamar à colação o regime transitório constante do art.º 5.º do mencionado DL n.º 159/2009, de 13 de julho, nos termos do qual:

“1 — Os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adoção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade adotadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho, que sejam considerados fiscalmente relevantes nos termos do Código do IRC e respetiva legislação complementar, resultantes do reconhecimento ou do não reconhecimento de ativos ou passivos, ou de alterações na respetiva mensuração, concorrem, em partes iguais, para a formação do lucro tributável do primeiro período de tributação em que se apliquem aquelas normas e dos quatro períodos de tributação seguintes” (sublinhado nosso).

Portanto, verifica-se que, no tocante aos ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor, os mesmos, em princípio, não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo, em princípio, imputados no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados.

Representa exceção o caso de determinados instrumentos financeiros, onde se reúnam as seguintes caraterísticas:

a) Serem instrumentos do capital próprio;

b) Terem preço formado num mercado regulamentado;

c) O sujeito passivo não deter, direta ou indiretamente, uma participação no capital superior a 5 % do respetivo capital social.

Logo, nestes casos, a opção do legislador passou pela aceitação do modelo do justo valor, em detrimento do princípio da realização, princípio este regra no regime anterior e ainda aplicável, como vimos, a grande parte das demais situações.

Como se refere no preâmbulo do DL n.º 159/2009, de 13 de julho, “no domínio da aproximação entre contabilidade e fiscalidade, é aceite a aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, cuja contrapartida seja reconhecida através de resultados, mas apenas nos casos em que a fiabilidade da determinação do justo valor esteja em princípio assegurada”.

Nas palavras de Tomás Castro Tavares [«Justo valor e tributação das mais valias de acções de sociedades cotadas : a propósito da interpretação do art. 18.º, n.º 9, al. A) do CIRC», Estudos em memória do Prof. Doutor J. L. Saldanha Sanches, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pp. 1135 e 1136]:

“[P]reenchidos os requisitos legais, o facto tributário deixa de se associar à realização (venda) dos títulos, mas encerra-se na oscilação da sua cotação oficial entre o início e o fim do período de tributação. Não se tributa já uma venda (realização), mas a mera detenção do activo. A mensuração não se encerra no preço, mas revela-se na anual oscilação valorimétrica do activo (cotação oficial do título)”.

Assim, no caso dos autos, em que não é controvertida a reunião dos pressupostos constantes da alínea a) do n.º 9 do art.º 18.º do CIRC, concorreram para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas e negativas em causa, em 1/5 do seu valor, considerando o regime transitório aqui aplicável.

A questão controvertida é se, ainda assim, é de aplicar o já citado art.º 45.º, n.º 3, do CIRC.

Desde já se adiante que se considera ser negativa a resposta.

Com efeito, entende-se que o alcance da norma ali contida não abarca as situações abrangidas pelo art.º 18.º, n.º 9, al. a), do CIRC.

Apelando novamente às palavras de Tomás Castro Tavares (ob. e loc. cit., p. 1143):

“O legislador do IRC é livre de incorporar ou não o justo valor. Não está obrigado a acolhê-lo. Mas, uma vez eleito esse padrão, não possui inteira liberdade de conformação. Tem de respeitar certas regras e princípios. O principal dos quais é o da perfeita simetria fiscal do justo valor, sob pena de violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva. A regra fiscal aplicável à valorização do justo valor tem de ser igual à da desvalorização do activo. Se o justo valor positivo é totalmente tributado - e não há imperativas razões fiscais ou extra fiscais que justifiquem outra solução - então o justo valor negativo merece um tratamento simétrico, assumindo-se como um custo total do exercício.

Esta proposição justifica-se em três considerações.

a) Constatação da igual dignidade do justo valor, positivo ou negativo.

Em termos económicos, ambas possuem idêntica densidade e similar correspondência com a verdade. Ao justo valor negativo nunca subjaz uma motivação de evasão fiscal, por arbitrariedade valorimétrica, pela razão simples de que a tributação do fair value se cinge aos activos transaccionados em mercado organizado, onde a cotação do activo (valorização e desvalorização) se desenraíza, totalmente, da vontade fiscal do contribuinte.

b) A argumentação justificativa da exclusão fiscal parcial dos custos realizados não se estende à tributação do justo valor negativo do art. 18.º , n.º 9, al. a), do CIRC. A vontade do contribuinte nunca molda o facto tributário assente no fair value: desaparece o óbice económico do lock-in (o facto tributário dissocia-se da decisão de venda); se os proveitos do justo valor são totalmente tributados (nunca se lhes aplica o regime das mais e menos valias), os gastos também devem ser aceites na totalidade; e não há, por fim uma assimétrica inclinação para a realização do custo de justo valor, por comparação com o ganho - pela razão simples de que o facto tributário do justo valor (positivo e negativo) dissocia-se, totalmente, da vontade do sujeito passivo.

c) Não existe uma identidade material e económica entre a desvalorização do activo (pelo fair value) e a realização da perda (através da venda). É falso supor que um sujeito, perante uma perda potencial, inclinar-se-ia inelutavelmente para a sua efectivação, através da realização. Há diferenças substanciais entre essas duas realidades. Não é sequer possível estabelecer uma relevante ligação causal entre a potência (desvalorização) e o acto (venda). Nem, além disso, se pode afirmar que ao regime fiscal assimétrico do sistema do justo valor estaria subjacente um hipotético interesse público, de impelir os agentes à realização das perdas potenciais de activos cotados.

Em suma: nada justifica a disparidade na tributação das componentes positivas e negativas do justo valor. Um hipotético tratamento assimétrico - com a não aceitação, total ou parcial, das perdas do justo valor, ao contrário da integral tributação do fair value positivo - cria, bem vistas as coisas, um regime fiscal mais injusto do que o modelo puro da realização, que é, por isso, flagrantemente inconstitucional, porque esta disparidade louva-se apenas na necessidade de preservação da receita - e não em quaisquer razões legitimadoras de base fiscal, económica ou jurídica”.

Aderimos a este entendimento.

Com efeito, a realidade abarcada pelo art.º 45.º, n.º 3, do CIRC distingue-se das situações dos autos, casos que, por força de estarem sujeitos a intensa regulação, justificam a consideração do justo valor nos termos já explanados.

A única interpretação do regime legal vigente, em termos que revelem uma coerência do regime, distingue os casos abrangidos pelo art.º 18.º, n.º 9, al. a), do CIRC dos abrangidos pelo art.º 45.º, n.º 3, do mesmo código.

Neste sentido, vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 06.06.2018 (Processo: 0582/17), de 16.12.2020 (Processo: 01760/15.0BELRS) e de 10.11.2021 (Processo: 02410/14.7BELRS).

Refere-se no primeiro dos mencionados arestos:

“[O] legislador com a norma do artigo 18.º, n.º 9, al. a), para casos como o dos autos, afastou o princípio da realização e aproximou, ainda mais, a regra fiscal à regra contabilística, atribuindo relevância fiscal à variação anual do valor dos instrumentos financeiros, com preço formado em mercado regulamentado, quando aplicadas as regras do Justo Valor, cfr. artigos 20.º, n.º 1, alínea f) e 23.º, n.º 1, alínea i) do CIRC.

Do exposto resulta claramente, ao abrigo do disposto no artigo 9.º do CC, que a norma do artigo 45.º, n.º 3 do CIRC em análise, não se coaduna com a determinação – ao Justo Valor – do valor dos activos sujeitos a mercado regulado por entidades oficiais, porque a razão da sua existência, combate à evasão e elisão fiscal, não tem justificação no caso concreto, o valor dos activos – a posição financeira – acaba por ser “estranho” e alheio à vontade do contribuinte que, em última instância, nada releva para a valorização ou desvalorização do respectivo activo”.

Refere-se ainda no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16.12.2020 (Processo: 01760/15.0BELRS):

“[S]e os proveitos do justo valor são totalmente tributados, também os gastos devem ser aceites na totalidade, não se vislumbrando razões fiscais ou extrafiscais que justifiquem a disparidade na tributação das componentes positivas e negativas do justo valor, potenciando, um tal tratamento diferenciado, um regime fiscal mais injusto do que o modelo da realização”.

Como tal, considera-se inexistir razão à Recorrente, carecendo, por isso, de pertinência a apreciação dos demais argumentos.

Atenta a circunstância de as questões em análise já terem sido objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal Administrativo e a conduta processual das partes, determina-se que haja lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.



IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda os 275.000,00 Eur.;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 07 de abril de 2022

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)


(1) V. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.05.2014 (Processo: 01638/13).