Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05989/12
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:12/04/2012
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:CITAÇÃO. NOÇÃO.
NULIDADE DA CITAÇÃO NÃO CONSTITUI FUNDAMENTO DE OPOSIÇÃO A EXECUÇÃO FISCAL.
FALSIDADE DO TÍTULO EXECUTIVO.
REQUISITOS DE EXISTÊNCIA NO PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL.
FISCALIZAÇÃO CONCRETA DA CONSTITUCIONALIDADE POR PARTE DOS TRIBUNAIS.
PRINCÍPIO DA TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA.
ARTº.188, Nº.1, DO C.P.P.T.
Sumário:1. A citação é o acto pelo qual se chama a juízo o réu numa dada acção, dando-lhe conhecimento dos termos da mesma e concedendo-lhe prazo para se defender (cfr.artº.228, do C.P.Civil; artºs.35, nº.2, e 189, do C.P.P.Tributário).

2. A nulidade da citação não constitui fundamento possível de processo de oposição a execução fiscal (ressalvado o seu conhecimento a título incidental), antes sendo causa de pedir a examinar no âmbito de reclamação de decisão do órgão de execução fiscal, espécie processual prevista no artº.276 e seg. do C.P.P.Tributário.

3. A nulidade da citação não figura, insofismavelmente, nas oito primeiras alíneas do artº.204, nº.1, do C.P.P.T. Só na al.i) poderia pretender-se que ela coubesse, quando o legislador consagra “quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria da exclusiva competência da entidade que houver extraído o título”. Mas os fundamentos aqui, indiscriminadamente, previstos devem consubstanciar-se, como vem entendendo a jurisprudência, em factos modificativos ou extintivos da dívida, ou que afectem a sua exigibilidade, importando a sua verificação, consequentemente, a impossibilidade de prosseguimento da instância executiva, ao menos, nos precisos termos em que foi instaurada, mais sendo passíveis somente de prova documental. Porém, não abrangem as nulidades cometidas na execução, que só no próprio processo executivo podem ser arguidas, como já supra mencionado

4. A falsidade do título executivo encontra-se prevista no artº.204, nº.1, al.c), do C.P.P. Tributário (cfr.anterior artº.286, nº.1, al.c), do C.P.Tributário), enquanto fundamento de oposição a execução fiscal.

5. No que diz respeito à falsidade documental, a lei substantiva só prevê a possibilidade da sua invocação quanto a tipos de documentos aos quais atribui eficácia probatória plena. Tal conclusão resulta, de forma evidente, do confronto entre os artºs.346 e 347, do C. Civil. Somente o artº.347, do C. Civil, exige a prova do contrário, incumbindo o respectivo ónus (através do incidente de falsidade) a quem se quiser opôr à prova plena resultante do documento.

6. No processo de execução fiscal o título executivo consiste numa certidão ou em qualquer outro documento a que, por lei especial, seja atribuída força executiva (cfr.artº.162, do C.P.P.Tributário), estando os respectivos requisitos consagrados no artº.163, do C.P.P.Tributário.

7. A falsidade do título executivo que pode servir de fundamento à oposição a execução fiscal não é a intelectual, consistente em certificar uma obrigação alegadamente inexistente por o opoente nada dever. A falsidade do título susceptível de suportar a oposição consiste, antes, na desconformidade do seu conteúdo face à realidade certificada, não sendo falso o título que reflecte correctamente o suporte de onde foi extraído, ainda que o conteúdo desse suporte seja, porventura, inverídico. Este fundamento de oposição não deve, portanto, confundir-se com a inveracidade dos pressupostos de facto da liquidação.

8. Prevê a lei a possibilidade de suprimento de qualquer deficiência do título executivo através de prova documental junta ao processo (cfr.artº.165, nº.1, al.b), do C.P.P.Tributário).

9. Nos termos do artº.268, nº.4, da C.R.Portuguesa, é garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, e a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos. Na mesma linha, no artº.9, nº.1, da L.G.Tributária, garante-se o acesso à justiça tributária para a tutela plena e efectiva de todos os direitos ou interesses legalmente protegidos. O direito a uma tutela jurisdicional efectiva consubstancia-se como o direito a obter, em prazo razoável, decisões que apreciem, com força de caso julgado, as pretensões regularmente deduzidas em juízo (isto é, as pretensões que forem apresentadas na observância dos pressupostos processuais de cujo preenchimento depende, nos termos da lei, a obtenção de uma pronúncia judicial sobre o respectivo mérito) e a possibilidade de fazer executar essas decisões.

10. O artº.188, nº.1, do C.P.P.T., norma que corresponde ao anterior artº.272, do C.P.T., estatui que o órgão de execução fiscal deve ordenar a citação do executado, no prazo de vinte e quatro horas, após o recebimento do título executivo (ou títulos) que origina a instauração do processo executivo. O não cumprimento deste prazo, se feito deliberadamente com o intuito de atrasar o processo de execução fiscal, poderá fazer incorrer os responsáveis pelo incumprimento em responsabilidade subsidiária, nos termos do artº.161, nº.1, al.a), do C.P.P.T. No entanto, este despacho, que constitui o momento da instauração da execução, não tem, actualmente, o relevo que tinha no domínio de vigência do C.P.T., pois o momento da instauração da execução não é, à face da L.G.T., um facto interruptivo da prescrição da obrigação tributária, como acontecia naquele Código.

11. A jurisprudência e a doutrina, com a qual concordamos, vêm entendendo que não é materialmente inconstitucional a possibilidade de instauração de execução fiscal durante a pendência de impugnação judicial e, designadamente, que tal possibilidade não é incompatível com o artº.268, nº.4, da C.R.P.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
“ORGANIZAÇÕES …………………., L.DA.”, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Loulé, exarada a fls.90 a 98 do processo, através da qual julgou totalmente improcedente a oposição a execução fiscal com o nº………………., instaurada contra a recorrente no Serviço de Finanças de ………………., visando a cobrança coerciva de dívidas de I.R.C. e juros compensatórios, referentes ao ano de 2006 e no valor total de € 571.911,53.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.157 a 165 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-A presente execução de que a oponente foi citada, não vinha acompanhada do respectivo título executivo que pudesse legalmente justificar a exigência da quantia exequenda reclamada nos presentes autos. A remessa do título executivo com a nota de citação era fundamental para o executado perceber a origem da execução, bem como para verificar a veracidade desse título;
2-A oponente, não compreendeu, atendendo à informação constante do documento recebido, quais os fundamentos e a razão de ser da execução instaurada contra si, pelo Chefe do Serviço Local de Finanças de …………..;
3-Da nota de citação constava ainda a menção do nº. documento, origem ou nº. de liquidação campo preenchido com uma descrição numérica que corresponderia a um documento que também não foi junto com a nota de citação e do qual se desconhece o conteúdo;
4-A oponente foi notificada de uma liquidação adicional de I.R.C. referente ao ano de 2006, realizada na sequência de uma inspecção tributária, no entanto o valor da execução ora instaurada contra a oponente não corresponde ao valor da liquidação que foi notificada, nem o nº. da liquidação é o mesmo, pelo que a oponente desconhece a que se refere a presente execução. A oponente desconhece, sem culpa sua, se esta execução se refere ou não à liquidação notificada em 20 de Julho de 2010;
5-Assim ou estamos perante uma situação em que o oponente foi citado para uma execução cuja liquidação não foi efectivamente feita ou perante uma falsidade material do título executivo, por não corresponder à verdade do valor em dívida;
6-A exequente veio tentar apresentar justificação quanto à disparidade de valores arguida nos autos, atribuindo-a à cobrança de juros compensatórios, no entanto tal argumento também não poderá colher, uma vez que a possibilidade de exigir ao contribuinte o pagamento de juros compensatórios, depende sempre da prova de que o retardamento da liquidação é imputável a esse contribuinte (nº.1, do artº.35, da L.G.T.) o que no caso concreto não se verifica, nem foi remetido para a oponente ou junto aos autos qualquer documento que fundamente a liquidação dos juros compensatório, no caso concreto;
7-Nada disto levou em conta a douta sentença que considerou, sem mais considerações, terem sido acrescidos à dívida exequenda juros moratórios, que não são devidos, não tendo considerado, como devia, existir uma falsidade material do título;
8-A oponente impugnou a legalidade da liquidação adicional de I.R.C., referente ao ano de 2006, correndo o processo termos na 2ª. Unidade Orgânica Fiscal do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, com o nº.793/10.7BELLE, onde deduziu os factos que, no seu entender e certamente, implicarão a anulação da liquidação em questão;
9-A prossecução da presente execução antes de decisão do processo de impugnação supra identificado prejudica seriamente os direitos da oponente, bem como os seus bens, podendo levar à inutilidade da impugnação da liquidação. A prematuridade da decisão da presente execução constituiria uma flagrante violação dos direitos do contribuinte;
10-A oponente tem sérias dúvidas quanto à constitucionalidade da norma do artº.188, do Código de Procedimento e Processo Tributário, que obriga a instauração da execução no prazo de 24 horas, após o recebimento do título executivo, sem haver decorrido o prazo de impugnação, por violação expressa do artº.268, nº.4, da Constituição da República Portuguesa;
11-A douta sentença alega não existir qualquer violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, uma vez que sempre poderá o contribuinte impugnar a legalidade da dívida exequenda, através do legal meio contencioso ou gracioso, prestando a respectiva garantia bancária que lhe permita sustar a execução;
12-Sucede que tal regime provoca uma enorme disparidade entre a proteção legal que possui quem tem saúde financeira que lhe permita defender os seus direitos contra a Administração Fiscal e, por outro lado, a fragilidade de quem não tem capacidade para prestar garantia e, embora de igual forma tenha impugnado a legalidade da dívida, vê as execuções findarem antes que consiga fazer valer a legalidade que lhe assiste;
13-O accionamento das execuções fiscais, ainda em prazo de impugnação da dívida exequenda, coloca em clara desproteção quem não pode prestar garantias, impedindo-o, na realidade de poder exercer convenientemente e com possibilidades de sucesso a sua pretensão legal e, assim, de fazer valer os seus direitos, consistindo, assim, uma clara violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, prevista no artº.268, nº.4, C.R.P.;
14-Termos em que, deverá o presente recurso ser julgado procedente e anulada a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé. Assim se fará JUSTIÇA!”
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr.fls.176 a 179 dos autos), no qual pugna por que se negue provimento ao recurso e se mantenha a sentença recorrida na ordem jurídica.
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.181 do processo), vem o processo à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.93 e 94 dos presentes autos):
1-Em 24/06/2010, a Administração Fiscal emitiu a liquidação de I.R.C. referente ao exercício de 2006, da qual resultou o montante de € 571.957,11 de imposto a pagar (cfr.documento junto a fls.44 dos autos, donde se extrai com interesse para a decisão):

Consultar Demonstração de Liquidação - Detalhe
Contribuinte: …………..- ORGANIZACOES …………………. LDA
Identificação da Liquidação: ……………………..
Data de Liquidação: 2010-06-24
Período de Tributação: 2006-01-01 a 2006-12-31
Identificação da Compensação: 2010 5500433
Ano dos Rendimentos: 2006
Tipo de Imposto: IRC
Data de Compensação: 2010-07-15
Regime Geral: 324.899,22
Tributações Autónomas: (Valores da liquidação anterior: 1.438,20) (Valores corrigidos: 512.223,70)
Juros Compensatórios: 61.156,96
Juros de Mora: (Valores da liquidação anterior: 0,00) (Valores corrigidos: 14,65)
Pagamento de Autoliquidação: 1.433,91
Valor a Pagar €: -571.957,11

2-O prazo para pagamento voluntário terminou em 23/08/2010 (cfr.documento junto a fls.13 dos presentes autos);
3-Com base na certidão de dívida nº……………, emitida em 15/09/2010, a Administração Fiscal instaurou o processo de execução fiscal nº…………………….., contra a oponente para cobrança coerciva de dívidas de I.R.C. do ano de 2006, no montante de € 571.911,53, que inclui juros compensatórios (cfr.documento junto a fls.13 dos autos, donde se extrai com interesse para a decisão):



4-A Oponente foi citada em 24/09/2010, com vista ao pagamento da dívida exequenda de € 571.911,53, acrescida de juros de mora no montante de € 11.438,24 e custas na quantia de € 1.482,85, tudo no montante total de € 584.832,62 (cfr.documentos juntos a fls.13 e 15 dos apresentes autos; informação exarada a fls.11 dos presentes autos; factualidade admitida pela opoente no artº.1 da p.i.);
5-A petição inicial foi enviada por correio registado para o Serviço de Finanças de Albufeira em 25/10/2011 (cfr.documento junto a fls.23 dos presentes autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Para a decisão da causa, sem prejuízo das conclusões ou alegações de matéria de direito produzidas, de relevante, nada mais se provou…”.
X

Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Todos os factos têm por base probatória, os documentos referidos em cada ponto…”.
X
Levando em consideração que a factualidade em análise nos presentes autos se baseia em prova documental, este Tribunal julga provados mais os seguintes factos que se reputam relevantes para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.712, nºs.1, al.a), e 2, do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
6-A diferença, para menos, entre o montante da liquidação a pagar constante do nº.1 supra (€ 571.957,11) e o montante da liquidação dado à execução identificado no nº.3 do probatório (€ 571.911,53) deriva da existência de um estorno a favor do sujeito passivo na quantia de € 45,58 (cfr.documento junto a fls.43 dos presentes autos).
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida, em síntese, julgou totalmente improcedente a oposição que originou o presente processo.
X
Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.685-A, do C.P.Civil; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente discorda do decidido sustentando antes de mais, como supra se alude, que a presente execução de que a oponente foi citada, não vinha acompanhada do respectivo título executivo que pudesse legalmente justificar a exigência da quantia exequenda reclamada nos presentes autos. Que a remessa do título executivo com a nota de citação era fundamental para o executado perceber a origem da execução, bem como para verificar a veracidade desse título. Que a oponente, não compreendeu, atendendo à informação constante do documento recebido, quais os fundamentos e a razão de ser da execução instaurada contra si, pelo Chefe do Serviço Local de Finanças de …………. Que da nota de citação constava ainda a menção do nº. documento, origem ou nº. de liquidação campo preenchido com uma descrição numérica que corresponderia a um documento que também não foi junto com a nota de citação e do qual se desconhece o conteúdo (cfr.conclusões 1 a 3 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo consubstanciar, segundo entendemos, erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão recorrida comporta tal pecha.
O recorrente alega a irregularidade/nulidade da citação como fundamento do recurso.
A decisão recorrida entendeu que tal factualidade não constitui fundamento de oposição, pelo que dela não conheceu.
A citação é o acto pelo qual se chama a juízo o réu numa dada acção, dando-lhe conhecimento dos termos da mesma e concedendo-lhe prazo para se defender (cfr.artº.228, do C.P.Civil; artºs.35, nº.2, e 189, do C.P.P.Tributário).
Presentemente, a regulamentação nuclear da matéria relativa à citação, e respectivas formalidades a respeitar, no âmbito dos processos de execução fiscal, acha-se vertida nos artºs.188 a 194, do C.P.P.T. (cfr.artºs.272 a 278, do anterior C.P.Tributário).
No entanto, a nulidade/irregularidade da citação não constitui fundamento possível de processo de oposição a execução fiscal (ressalvado o seu conhecimento a título incidental), antes sendo causa de pedir a examinar no âmbito de reclamação de decisão do órgão de execução fiscal, espécie processual prevista no artº.276 e seg. do C.P.P.Tributário (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/4/2008, proc.2273/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/11/2012, proc.5991/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, 6ª. edição, 2011, pág.369 e seg.).
Assim é, porque a oposição a execução fiscal é espécie processual onde os fundamentos admissíveis definidos na lei se encontram consagrados no artº.204, nº.1, do C. P. P. Tributário (cfr.artº.286, do anterior C.P.Tributário), preceito que consagra uma enumeração legal taxativa dado utilizar a expressão “...a oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos...”. Tal regime de fundamentação da oposição a execução fiscal, o qual já se encontrava consagrado nos artºs.84 e 86, do Código das Execuções Fiscais de 1913, visa, em princípio, evitar o protelamento excessivo da cobrança coerciva dos créditos do Estado. O legislador teve, por isso, a preocupação de limitar as possibilidades de defesa em processo de execução fiscal aos casos de flagrante injustiça (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 15/3/95, rec.18898, Ap.D.R., 31/7/97, pág.781 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª.Edição, Almedina, 1996, pág.449; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.322 e seg.).
A nulidade/irregularidade da citação invocada pelo recorrente não figura, insofismavelmente, nas oito primeiras alíneas do citado artº.204, nº.1, do C.P.P.T. Só na al.i) poderia pretender-se que ela coubesse, quando o legislador consagra “quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria da exclusiva competência da entidade que houver extraído o título”.
Mas os fundamentos aqui, indiscriminadamente, previstos devem consubstanciar-se, como vem entendendo a jurisprudência, em factos modificativos ou extintivos da dívida, ou que afectem a sua exigibilidade, importando a sua verificação, consequentemente, a impossibilidade de prosseguimento da instância executiva, ao menos, nos precisos termos em que foi instaurada, mais sendo passíveis somente de prova documental. Porém, não abrangem as nulidades cometidas na execução, que só no próprio processo executivo podem ser arguidas, como já supra mencionado (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, 6ª. edição, 2011, pág.498 e seg.).
Concluindo, não vislumbra o Tribunal “ad quem” que a sentença recorrida padeça do examinado erro de julgamento de direito, sendo forçoso julgar improcedente este fundamento do recurso.
O recorrente dissente do decidido sustentando, igualmente e como supra se alude, que foi notificado de uma liquidação adicional de I.R.C. referente ao ano de 2006, realizada na sequência de uma inspecção tributária, no entanto, o valor da execução ora instaurada contra o oponente não corresponde ao valor da liquidação de que foi notificado, nem o nº. da liquidação é o mesmo, pelo que o oponente desconhece a que se refere a presente execução. Que estamos perante uma situação em que o oponente foi citado para uma execução cuja liquidação não foi efectivamente feita ou perante uma falsidade material do título executivo, por não corresponder à verdade do valor em dívida. Que a exequente veio tentar apresentar justificação quanto à disparidade de valores arguida nos autos, atribuindo-a à cobrança de juros compensatórios, no entanto tal argumento também não poderá colher, uma vez que a possibilidade de exigir ao contribuinte o pagamento de juros compensatórios, depende sempre da prova de que o retardamento da liquidação é imputável a esse contribuinte (nº.1, do artº.35, da L.G.T.) o que no caso concreto não se verifica, nem foi remetido para o oponente ou junto aos autos qualquer documento que fundamente a liquidação dos juros compensatórios, no caso concreto. Que nada disto levou em conta a douta sentença recorrida que considerou, sem mais considerações, terem sido acrescidos à dívida exequenda juros moratórios, que não são devidos, não tendo considerado, como devia, existir uma falsidade material do título (cfr.conclusões 4 a 7 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo, supõe-se, consubstanciar mais um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
No exame do presente fundamento do recurso, desde logo, se dirá que a arguida ilegalidade da liquidação de juros compensatórios também não pode constituir fundamento do presente processo. Assim é, visto que tal matéria se reconduz à alegada discussão da ilegalidade concreta ou relativa da dívida exequenda. Nestes termos, não pode constituir fundamento do processo de oposição a execução fiscal, salvo se a lei não assegurar (o que não é o caso) meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação, conforme é jurisprudência e doutrina assentes (cfr.artºs.236 e 286, nº.1, al.g), do C.P.Tributário; artº.204, nº.1, al.h), do C.P.P.Tributário; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/4/86, Acórdãos Doutrinais, nº.298, pág.1200 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 8/3/95, rec.14175, Ap. D.R., 31/7/97, pág.633 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 15/3/95, rec.18898, Ap.D.R., 31/7/97, pág.781 e seg.; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.592; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.366 e seg.).
Passando à alegada falsidade do título executivo, encontra-se esta prevista no artº.204, nº.1, al.c), do C.P.P.Tributário (cfr.anterior artº.286, nº.1, al.c), do C.P.Tributário), enquanto fundamento de oposição a execução fiscal.
A falsidade pode apresentar-se sob diversos aspectos no que diz respeito ao direito processual. Pode, em primeiro lugar, ser objecto de acção declarativa. Em segundo lugar, pode servir de fundamento ao recurso de revisão (cfr.artº.771, al.b), do C.P.Civil). Em terceiro lugar, pode servir de fundamento à dedução de embargos de executado (cfr.artº.813, al.b), do C.P.Civil). Por último e no que em concreto nos interessa, pode surgir como incidente, o que pressupõe a pendência de uma acção declarativa ou executiva ou como fundamento de oposição a execução fiscal (cfr.artº.546, do C.P.Civil; artºs.166, nº.2, e 204, nº.1, al.c), do C.P.P.Tributário).
No que diz respeito à falsidade documental, a lei substantiva só prevê a possibilidade da sua invocação quanto a tipos de documentos aos quais atribui eficácia probatória plena. Tal conclusão resulta, de forma evidente, do confronto entre os artºs.346 e 347, do C. Civil. Somente o artº.347, do C. Civil, exige a prova do contrário, incumbindo o respectivo ónus (através do incidente de falsidade) a quem se quiser opôr à prova plena resultante do documento (cfr.José Lebre de Freitas, A Falsidade no Direito Probatório, Almedina, Coimbra 1984, pág.123 a 125).
No processo de execução fiscal o título executivo consiste numa certidão ou em qualquer outro documento a que, por lei especial, seja atribuída força executiva (cfr.artº.162, do C.P.P.Tributário), estando os respectivos requisitos consagrados no artº.163, do C.P.P.Tributário.
A falsidade do título executivo pode consistir na desconformidade entre a certidão e o original certificado. Pode, igualmente, consistir na certificação de um facto que na realidade se não verificou. Ocorrerá, ainda, falsidade do título se na certidão de relaxe constar, por lapso, uma quantia em dívida superior à do conhecimento relaxado (viciação do contexto). São estes os casos de falsidade passíveis de ocorrer face ao título executivo que fundamenta uma execução fiscal (cfr.A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, 2000, pág.490 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.357 e seg.).
Por outro lado, diremos que a falsidade do título executivo que pode servir de fundamento à oposição a execução fiscal não é a intelectual, consistente em certificar uma obrigação alegadamente inexistente por o opoente nada dever. A falsidade do título susceptível de suportar a oposição consiste, antes, na desconformidade do seu conteúdo face à realidade certificada, não sendo falso o título que reflecte correctamente o suporte de onde foi extraído, ainda que o conteúdo desse suporte seja, porventura, inverídico. Este fundamento de oposição não deve, portanto, confundir-se com a inveracidade dos pressupostos de facto da liquidação (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 17/4/96, Acs. Douts., nº.419, pág.1287; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/2/2000, Acs. Douts., nºs.464/465, pág.1084; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2012, proc.5593/12; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.596).
Por último, prevê a lei a possibilidade de suprimento de qualquer deficiência do título executivo através de prova documental junta ao processo (cfr.artº.165, nº.1, al.b), do C.P.P.Tributário; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, 2000, pág.411; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.112).
“In casu”, o recorrente não alega qualquer fundamento válido de falsidade do título executivo, antes se limitando a aludir ao facto do valor da execução instaurada, alegadamente, não corresponder ao valor da liquidação de que foi notificado. Ora, conforme igualmente se retira do probatório, a discrepância ao nível da liquidação de I.R.C. deriva do facto do montante de imposto dado à execução (€ 510.785,50), levar em consideração que o sujeito passivo já tinha autoliquidado o montante de € 1.438,20 relativo a custos sujeitos a tributação autónoma (cfr. € 510.785,50 + € 1.438,20 = € 512.223,70 - nºs.1 e 3 da matéria de facto provada). Quanto ao resto, o valor da dívida exequenda corresponde ao valor do imposto e juros compensatórios a pagar (€ 571.911,53) a que se soma o acrescido: juros de mora (€ 11.438,24) e custas (€ 1.482,85), mais se tendo que levar em consideração o valor do estorno de € 45,58 (cfr.nº.6 do probatório).
Concluindo, o título executivo que deu origem à execução fiscal nº.1007-2010/109395.9 não sofre do vício de falsidade que lhe é imputado pelo recorrente, nesta medida se confirmando a decisão recorrida.
Por último, alega o recorrente que impugnou a legalidade da liquidação adicional de I.R.C., referente ao ano de 2006. Que a prossecução da presente execução antes de decisão do processo de impugnação prejudica seriamente os direitos do oponente, bem como os seus bens, podendo levar à inutilidade da impugnação da liquidação. Que tem sérias dúvidas quanto à constitucionalidade da norma do artº.188, do Código de Procedimento e Processo Tributário, que obriga a instauração da execução no prazo de 24 horas, após o recebimento do título executivo, sem haver decorrido o prazo de impugnação, por violação expressa do artº.268, nº.4, da Constituição da República Portuguesa. Que o accionamento das execuções fiscais, ainda em prazo de impugnação da dívida exequenda, coloca em clara desproteção quem não pode prestar garantias, impedindo-o, na realidade, de poder exercer convenientemente e com possibilidades de sucesso a sua pretensão legal e, assim, de fazer valer os seus direitos, consistindo, assim, uma clara violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, prevista no citado artº.268, nº.4, C.R.P. (cfr.conclusões 8 a 13 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo, supõe-se, consubstanciar mais um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece deste vício.
Encontramo-nos perante alegados vícios de inconstitucionalidade material e que buscam uma fiscalização concreta e com características oficiosas (cfr.artºs.204 e 280, nº.1, da C.R.Portuguesa; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.940 e seg.).
Nos termos do artº.268, nº.4, da C.R.Portuguesa, é garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, e a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos. Na mesma linha, no artº.9, nº.1, da L.G.Tributária, garante-se o acesso à justiça tributária para a tutela plena e efectiva de todos os direitos ou interesses legalmente protegidos. O direito a uma tutela jurisdicional efectiva consubstancia-se como o direito a obter, em prazo razoável, decisões que apreciem, com força de caso julgado, as pretensões regularmente deduzidas em juízo (isto é, as pretensões que forem apresentadas na observância dos pressupostos processuais de cujo preenchimento depende, nos termos da lei, a obtenção de uma pronúncia judicial sobre o respectivo mérito) e a possibilidade de fazer executar essas decisões (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 5/6/2012, proc.5445/12; J.J.Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.827 e seg.; Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao C.P.T.A., Almedina, 3ª.edição, 2010, pág.30 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.651).
“In casu”, não vislumbra o Tribunal como pode a norma do artº.188, do C.P.P.T., por violação expressa do artº.268, nº.4, da C.R.P., ter violado o princípio da tutela jurisdicional efectiva em qualquer das suas dimensões, a declarativa ou a executiva.
O mencionado artº.188, nº.1, do C.P.P.T., norma que corresponde ao anterior artº.272, do C.P.T., estatui que o órgão de execução fiscal deve ordenar a citação do executado, no prazo de vinte e quatro horas, após o recebimento do título executivo (ou títulos) que origina a instauração do processo executivo.
O não cumprimento deste prazo, se feito deliberadamente com o intuito de atrasar o processo de execução fiscal, poderá fazer incorrer os responsáveis pelo incumprimento em responsabilidade subsidiária, nos termos do artº.161, nº.1, al.a), do C.P.P.T. No entanto, este despacho, que constitui o momento da instauração da execução, não tem, actualmente, o relevo que tinha no domínio de vigência do C.P.T., pois o momento da instauração da execução não é, à face da L.G.T., um facto interruptivo da prescrição da obrigação tributária, como acontecia naquele Código (cfr.artº.49, nº.1, da L.G.T., artº.34, nº.3, do C.P.T.).
Mais se expressará que a jurisprudência e a doutrina, com a qual concordamos, vêm entendendo que não é materialmente inconstitucional a possibilidade de instauração de execução fiscal durante a pendência de impugnação judicial e, designadamente, que tal possibilidade não é incompatível com o artº.268, nº.4, da C.R.P. (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 8/3/2001, rec.25683; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 4/7/2001, rec.25499; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, 6ª. edição, 2011, pág.360).
Por último, sempre se dirá que estando o processo de execução instaurado, o contribuinte pode, previamente à instauração do meio de reacção visando impugnar o acto tributário dado à execução, nos termos dos artºs.169, e 170, do C.P.P.T., através de requerimento onde declare a intenção de apresentar meio gracioso ou judicial para discussão da legalidade ou da exigibilidade da dívida exequenda, requerer a suspensão do processo executivo, mediante a prestação de garantia adequada ou pedido de dispensa da sua prestação, estando reunidos os pressupostos do mesmo (cfr.artº.52, nº.4, da L.G.T.).
Sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente este último alicerce do recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, a qual não padece dos vícios que lhe são assacados pelo recorrente, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 4 de Dezembro de 2012

(Joaquim Condesso - Relator)

(Lucas Martins - 1º. Adjunto)

(Aníbal Ferraz - 2º. Adjunto)