Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:707/14.5BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:01/07/2021
Relator:RICARDO FERREIRA LEITE
Descritores:FÉRIAS (ARTS. 173.º, 175.º E 180.º/1 DO RCTFP)
IDONEIDADE E CONVOLAÇÃO DO MEIO PROCESSUAL
DIREITO DE AÇÃO - TEMPESTIVIDADE
Sumário:I. Um pedido de pagamento de férias vencidas e não gozadas, nos termos dos artigos 173°, 175º e 180°, n° l do Regime de Contrato de Trabalho em Funções Publicas, não implicará o reconhecimento de situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas, mas sim um direito que decorre da emissão de um ato administrativo.

II. Nos termos do artigo 69.º do CPTA, em situações de inércia da Administração, contrariamente ao previsto no nº 2 do artº 58º do CPTA, o direito de ação apenas caduca no prazo de um ano contado desde o termo do prazo legal estabelecido para a emissão do ato ilegalmente omitido.

III. Numa situação em que decorrem 6 (seis) meses desde o termo do prazo legal estabelecido para a emissão do ato ilegalmente omitido e a data em que deu entrada em juízo a ação, não se poderá lançar mão do disposto no nº 2 do artº 38º do CPTA para obstar à convolação da ação na espécie processual devida.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo – Sul:

I. Relatório
J....., Recorrente/Autor, melhor identificado nos presentes autos, em que é Réu/Recorrido o MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, também ele melhor identificado nos autos, interpôs recurso da decisão do TAC de Lisboa, proferida em sede de despacho saneador, datado de 22 de Abril de 2015, que decidiu julgar “(…) procedente a exceção de inidoneidade do meio processual utilizado suscitada pelo R. na sua contestação e impossível a convolação para a forma de processo adequada, por caducidade do direito de acção, absolvendo-se o R. da instância”

O Recorrente formulou as seguintes conclusões:

“1ª O que se encontra em discussão nossa autos é a da forma de processo adequada para fazer valer o direito que o recorrente pretende ver judicialmente tutelado, a saber: a ação administrativa comum ou a ação administrativa especial.
2 ª A sentença recorrida entendeu que a forma de processo adequada é a ação administrativa especial, entendimento com o qual a recorrente discorda porque in casu não se encontram preenchidos os requisitos legalmente exigidos para o efeito.
3ª Com efeito, no caso elos autos, e como ficou demonstrado (cfr. docs. 7 e 8 juntos à p.i.), o recorrente não pretendeu a apreciação da legalidade e a consequente anulação de qualquer ato administrativo, mas obter a condenação da Administração ao cumprimento de deveres de prestação diretamente decorrentes de normas jurídico­administrativas que têm por objeto o pagamento de uma quantia.
4ª Os documentos nºs 7 e 8 juntos à p.i. confirmam, não só que a exposição apresentada pelo recorrente apenas teve como objetivo o pagamento dos créditos decorrentes da cessação de funções por motivo de aposentação, como a resposta que à mesma foi dada não consubstancia um ato de autoridade mas um mero esclarecimento dos serviços.
5ª Ou seja, o que está em causa nos autos não é uma pretensão emergente da prática de um ato administrativo ilegal mas antes o reconhecimento de um direito de crédito do recorrente a que
correspondeu ma obrigação de prestar pela Administração por força decorrente da lei (cfr. artigos 172º-e 173º nº 1 e 3 do R.C.T.F.P. e artigo 19º nº 2, da Lei nº 59 / 2000, de 11 de setembro conjugado com o artigo 2°, nº 5 e 13º do D.L. nº 100/99 de 31 de março) .
6ª A pretensão do recorrente, não só não foi previamente definida por ato administrativo como o que está em causa nos autos é o reconhecimento da situação jurídica subjetiva diretamente decorrente da lei.
7ª A forma de processo adequada ao caso em presença é, portanto, a ação administrativa comum, nos termos do artigo 37º nº 2 e) , do C.P.T.A, já que o que está em causa é o cumprimento ou nao de um dever de prestar que decorre diretamente de normas jurídicas sem procedência de ato administrativo.
8ª Ao decidir no sentido de que a forma de processo adequada é a ação administrativa especial, a sentença recorrida não fez a correta interpretação e aplicação do direito pelo que deverá ser revogada.”

O recorrido, por sua vez, apresentou as seguintes contra-alegações:

I. No caso sub judice e discorrendo pela sentença a quo, somos de parecer que, e salvo douta opinião, a mesma submeteu todos os factos a um tratamento jurídico adequado, ou seja, identificou as regras de direito aplicáveis, interpretou essas mesmas regas e determinou os correspondentes efeitos jurídicos, pelo que não lhe pode ser assacado qualquer vício, designadamente, erro de julgamento, na vertente de interpretação e aplicação das normas legais invocadas em contraponto com os factos alegados pelo ora Recorrente.

II. Na verdade, o Recorrente pretende beneficiar do regime jurídico da ação administrativa comum, quando em causa estaria uma ação administrativa especial, nos termos dos artigos 66.º e seguintes do CPTA.

III. O ato que a Administração tinha obrigação de praticar por força de normativos legais foi executado, uma vez que foram processadas as verbas devidas ao Recorrente decorrentes da caducidade do seu contrato de trabalho em funções públicas motivada pela sua aposentação.

IV. Tendo o Recorrente requerido o pagamento de verbas relativas a férias vencidas e não gozadas entre 2010 e 2013, por entender ser um direito que lhe assiste, a Administração pronunciou-se, indeferindo o aludido pedido nos termos dos artigos 175.º e 180.º do RCTFP, aplicável à data.

V. Ato este que se traduz num ato administrativo com eficácia externa, ou seja, cujos efeitos se repercutiram na esfera jurídica do Recorrente.

VI. É este ato que está em causa - recusa do pagamento solicitado - e não o cumprimento de uma vinculação da Administração à obrigação de prestar por força de normas jurídico-administrativas.

VII. Assim, não está em causa a aplicação da alínea e) do n.º 2 do artigo 37.º do CPTA, pretendendo o Recorrente obter com a ação administrativa comum, os mesmos efeitos que obteria numa ação administrativa especial, o que lhe está vedado pelo n.º 2 do artigo 38.º do CPTA.

VIII. E não está em causa a alínea e) do n.º 2 do artigo 37.0 do CPTA, porquanto esta depende da existência de uma vinculação da Administração aos deveres de prestar na sequência de uma norma administrativa ou de um ato administrativo anteriormente praticado, sendo que esta obrigação de prestar, neste caso concreto, foi assegurada pela Administração que deu cumprimento aos direitos emergidos na esfera jurídica do Recorrente decorrentes da caducidade do seu contrato de trabalho por via da aposentação.

IX. Por seu turno, decretando, e bem, o Tribunal a quo a inidoneidade do meio processual utilizado pelo Recorrente, igualmente bem decidido foi o segmento relativo à caducidade do direito de ação, tendo em conta que para acionar a forma de processo adequada - ação administrativa especial de condenação à prática de ato - dispunha o Recorrente do prazo de três meses, de acordo com os artigos 58.º n.º 2, alínea b) e 59.º do CPTA, o que no caso não se verificou.

X. Nestes termos, a sentença a quo não padece de qualquer vício, encontrando-se devidamente sustentada em termos legais, razão pela qual deve o presente recurso improceder.

XI. Acresce apenas que relativamente à questão de mérito, a Administração procedeu ao pagamento de € 6 123,71 (seis mil, cento e vinte e três euros e setenta e um cêntimos) relativo a férias não gozadas de 2012 e vencidas a 1 de janeiro de 2013 (€ 2533,95), aos proporcionais das férias de 2013 (€ 1055,81), às férias não gozadas do ano de 2013 (€ 1055,81) e aos proporcionais de férias entre junho e dezembro de 2013 (€ 1478,14).

XII. O que é consentâneo com o regime implementado pelo artigo 19.º da Lei n.º 59/2008 do RCTFP na redação oferecida pela Lei n.º 66/2012, de 31 de dezembro, implicando efeitos nas férias decorrentes de faltas por doença dos trabalhadores em funções públicas integrados no regime de proteção social convergente, designadamente no artigo 179.º do RCTFP.

XIII. Quanto aos anos de 2010 e 2011 foram abonados os respetivos subsídios de férias, sendo certo que, relativamente às férias não gozadas e acumuladas, o correspondente direito caducou e em relação ao ano de 2012 o pagamento do respetivo subsídio foi suspenso por força do artigo 21.º da Lei n.º 64-8/2011, de 30 de dezembro.

XIV. Não existindo, por isso, na esfera jurídica do Recorrente o direito às alegadas férias vencidas, não gozadas e acumuladas, pois o alegado direito padece de sustentação legal, conforme comprovado supra.

XV. Atento o expendido, a decisão ora posta em crise deverá ser mantida, por legal, pois, como ficou demonstrado, o Tribunal a quo, interpretou e enquadrou devidamente a matéria de facto e de direito, não padecendo a respetiva sentença de quaisquer vícios.”


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O Exmº Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art.º 146º, n.º 1, do CPTA, não emitiu parecer.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência para julgamento.
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II. Delimitação do objeto do recurso (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA)
O cerne do presente recurso prende-se com saber se, ao contrário do decidido pelo tribunal a quo, a ação administrativa comum, de que o Recorrente lançou mão, é o meio processual adequado e, em caso negativo, se não se verificaria a apontada exceção de inidoneidade do meio processual, por ser possível a respetiva convolação em ação administrativa especial de condenação à prática do ato devido.
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III. Factos (dados como provados na sentença recorrida):
A) O A. começou a exercer funções docentes no ano escolar de 1986/87 pertencendo ao quadro do Agrupamento de Escolas Professor Agostinho da Silva (cf. doc. 1, junto com a p. i., a fls. 13 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
B) Por despacho proferido pela Direcção da Caixa Aposentações, em 28/3/2013, foi reconhecido ao A. o direito à aposentação (cf. doc. 2, junto com a p. i., a fls. 17 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
C) À data da aposentação, o A. encontrava-se integrado no índice 299 da carreira docente, ao qual correspondia a remuneração mensal ilíquida de 2.718,99€ (cf. doc. 6, junto com a p. i., a fl. 23, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
D) O A. esteve em situação de ausência ao serviço por motivo de doença entre 26/04/2010 e a data da aposentação (acordo das partes – cf. artigos 5.º da p. i. e 22.º da contestação);
E) Por requerimento de 07/08/2013, o A., através do seu sindicato, solicitou ao Diretor de Escolas Professor Agostinho da Silva que lhe fosse processada a quantia total de € 13.463,58, considerando, entre o mais e em síntese, que lhe “assiste o direito a que lhe sejam pagas as férias vencidas e não gozadas nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013, correspondentes a 30 dias uteis por cada ano, e ainda aos proporcionais de férias e de subsídio de férias relativos a serviço prestado no ano da cessação (2013), respetivamente, nos termos do artigo 173° e do artigo 180°, n° l do Regime de Contrato de Trabalho em Funções Publicas” (cf. doc. 7, junto com a p. i., a fls. 27 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
F) Por ofício de 02/09/2013, foi o sindicato do A. informado nos seguintes termos (cf. doc. 8, junto com a p. i., a fl. 29, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

G) Por ofício de 23/09/2013, foi o sindicato do A. informado, em resposta à sua solicitação de 18/09/2013, nos seguintes termos: “Não pode este Agrupamento ceder cópia de um documento interno com esclarecimentos provenientes da DGPGF. Assim, apenas podemos facultar cópia da legislação de suporte (em anexo), art° 175 e art° 180 da Lei nº 59/2008 de 11/09/2008, na redacção introduzida pela Lei nº 66/2012, de 31 de dezembro, que não permite acumular no mesmo ano férias de dois ou mais anos” (cf. doc. constante de fl. não numerada do processo administrativo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
H) A p. i. da presente ação deu entrada em juízo em 26/03/2014 (cf. carimbo aposto a fl. 3, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
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IV. Direito
Conforme se adiantou acima, o que importa apurar, neste recurso, é se, ao contrário do decidido pelo tribunal a quo, a ação administrativa comum, de que o Recorrente lançou mão, é o meio processual adequado e, em caso negativo, se não se verificaria a apontada exceção de inidoneidade do meio processual, por ser possível a respetiva convolação em ação administrativa especial de condenação à prática do ato devido.
Vejamos, pois.
Na decisão em crise, para concluir que estamos perante pretensão passível de ser objeto de acção administrativa especial (e não de ação administrativa comum, como pretende o Recorrente), conclui-se que “(…) no caso vertente, parece claro que foi praticado um acto administrativo em que a Administração actuou investida dos seus poderes de autoridade, acto esse cuja natureza foi o indeferimento da pretensão do A., relativa ao pagamento das férias vencidas e não gozadas nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013, cuja externalidade é incontestável, regulando a sua situação individual e concreta.
Com efeito, face ao disposto artigo 51.º, n.º 1 do CPTA, a impugnabilidade do acto administrativo depende apenas da sua externalidade, ou seja, da susceptibilidade de produzir efeitos jurídicos que se projectem para fora do procedimento onde o acto se insere.
Assim, torna-se irrelevante, para aferir da impugnabilidade do acto, que ele seja definitivo ou não, lesivo ou não, bem como a sua localização no procedimento (início, meio ou termo) (…)”

O Recorrente alega que não pretendeu a apreciação da legalidade e a consequente anulação de qualquer ato administrativo, mas apenas obter a condenação da Administração ao cumprimento de deveres de prestação diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas que têm por objeto o pagamento de uma quantia.
Pretende que os documentos nºs 7 e 8, juntos à p.i. [pontos E) e F) dos factos provados], confirmam que a exposição apresentada apenas teve como objetivo o pagamento dos créditos decorrentes da cessação de funções por motivo de aposentação e ainda que a resposta que à mesma foi dada não consubstancia um ato de autoridade mas um mero esclarecimento dos serviços.
Efetivamente, conforme resulta do ponto E) dos fatos provados (doc. nº 7 junto aos autos com a p.i.), o Recorrente solicitou ao Diretor de Escolas Professor Agostinho da Silva que fosse processada ao seu representado a quantia total de € 13.463,58, considerando que lhe “assiste o direito a que lhe sejam pagas as férias vencidas e não gozadas nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013, correspondentes a 30 dias uteis por cada ano, e ainda aos proporcionais de férias e de subsídio de férias relativos a serviço prestado no ano da cessação (2013), respetivamente, nos termos do artigo 173° e do artigo 180°, n° l do Regime de Contrato de Trabalho em Funções Publicas”.
Contudo, o Recorrente não obteve resposta à sua pretensão. Apenas lhe foi remetido o ofício referido no ponto F) dos factos provados, nos seguintes termos:


Do ofício em causa não se retira que lhe foi negada a pretensão manifestada, mas apenas que lhe foi veiculada informação, com base em interpretação feita pelos serviços do Recorrido do teor dos artigos 175º e 180º da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro (Regime e Regulamento do Contrato de Trabalho em Funções Públicas), artigos esses que prescrevem o seguinte:
“Artigo 175.º
Ano do gozo de férias
1 - As férias são gozadas no ano civil em que se vencem, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2 - As férias podem ser gozadas até 30 de abril do ano civil seguinte, em cumulação ou não com férias vencidas no início deste, por acordo entre entidade empregadora pública e trabalhador ou sempre que este as pretenda gozar com familiar residente no estrangeiro.
3 - Pode ainda ser cumulado o gozo de metade do período de férias vencido no ano anterior com o vencido no ano em causa, mediante acordo entre entidade empregadora pública e trabalhador.
(…)
Artigo 180.º
Efeitos da cessação do contrato
1 - Cessando o contrato, o trabalhador tem direito a receber a remuneração correspondente a um período de férias proporcional ao tempo de serviço prestado até à data da cessação, bem como ao respectivo subsídio.
2 - Se o contrato cessar antes de gozado o período de férias vencido no início do ano da cessação, o trabalhador tem ainda direito a receber a remuneração e o subsídio correspondentes a esse período, o qual é sempre considerado para efeitos de antiguidade.
3 - Da aplicação do disposto nos números anteriores ao contrato cuja duração não atinja, por qualquer causa, 12 meses não pode resultar um período de férias superior ao proporcional à duração do vínculo, sendo esse período considerado para efeitos de remuneração, subsídio e antiguidade.
4 - O disposto no número anterior aplica-se ainda sempre que o contrato cesse no ano subsequente ao da admissão.”

(negrito, itálico e sublinhado é sempre de nossa autoria)

Foi nessa sequência que o Recorrente alega que lançou mão da presente ação, porquanto considera que o que está em causa é o reconhecimento de situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas [artigo 37.º, n.º 1, al. j)], do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e a condenação da Administração ao cumprimento de deveres de prestar que diretamente decorram de normas jurídico-administrativas e não envolvem a emissão de um ato administrativo impugnável, e que pode ter por objeto o pagamento de uma quantia.
Sobre saber se estamos perante um direito que decorre de normas jurídico-administrativas ou perante um direito que decorre da emissão de um ato administrativo (e, consequentemente, perante pretensão suscetível de ser objecto de acção administrativa especial ou comum), veja-se o que nos diz MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, in “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, Coimbra, Almedina, 2007, p. 78: “(…) a nova contraposição que o CPTA estabelece entre as formas da acção administrativa comum e da acção administrativa especial assenta no critério de saber se o processo diz ou não respeito ao exercício de poderes de autoridade por parte da Administração. (...) Com efeito, determina o art.º 46.º que seguem a forma da acção administrativa especial os processos impugnatórios dirigidos à remoção de actos de autoridade praticados pela Administração (actos administrativos ou normas regulamentares) bem como os processos dirigidos à condenação da Administração à emissão desses actos de autoridade (actos administrativos ou normas regulamentares). Nos restantes casos, ou seja, sempre que nele não sejam deduzidos estes tipos específicos de pretensões, o processo deve ser tramitado segundo a forma da acção administrativa comum (cfr. artigo 37.º).”
No CPTA, a diferença entre as formas da acção administrativa comum e da acção administrativa especial assenta no critério de saber se o processo diz ou não respeito ao exercício de poderes de autoridade por parte da Administração.
Determina o art.º 46.º que seguem a forma da acção administrativa especial os processos impugnatórios dirigidos à remoção de actos de autoridade praticados pela Administração (actos administrativos ou normas regulamentares) bem como os processos dirigidos à condenação da Administração à emissão desses actos de autoridade (actos administrativos ou normas regulamentares).
Por sua vez, nos restantes casos, sempre que nele não sejam deduzidos estes tipos específicos de pretensões, o processo deve ser tramitado segundo a forma da acção administrativa comum, prevista no artigo 37.º do CPTA.
Neste caso particular, o requerido pagamento de férias vencidas e não gozadas, nos termos dos artigos 173°, 175º e 180°, n° l do Regime de Contrato de Trabalho em Funções Publicas, não será uma situação de reconhecimento de situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas, mas sim um direito que decorre da emissão de um ato administrativo.
Se a pretensão formulada pelo particular lesado tiver por base a existência de um ato administrativo que denegou um direito, que se rotula de inválido e anulável, deverá o mesmo impugnar em juízo esse ato, no prazo de 3 meses, desde a data da sua notificação.
In casu, o tribunal a quo considerou que foi proferido um “despacho” de indeferimento da pretensão manifestada pelo Recorrente e que o mesmo lhe foi notificado por ofício datado de 02.09.2013, desconhecendo-se, em concreto, qual a data em que teve conhecimento do mesmo [todavia, pelo menos em 18.09.2013 [data em que formulou pedido de cópia de documentos ao Recorrido, nos termos do ponto G) dos factos provados], o mesmo já tinha conhecimento do respetivo teor].

Assim sendo, foi por referência a esse ato de indeferimento que foi, in casu, aferida a verificação da exceção de caducidade do direito de ação do Recorrente e consequente conclusão pela inimpugnabilidade do ato em questão, nos termos e para os efeitos previstos no n. º 2 do artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, segundo o qual“[s]alva disposição em contrário, a impugnação de actos anuláveis tem lugar no prazo de:

a) Um ano, se promovida pelo Ministério Público;

b) Três meses, nos restantes casos. (…)”

Sucede, contudo, que o tribunal a quo errou na interpretação que fez, quer da lei quer do respetivo emolduramento factual.

Isto porque, não se poderá concluir que o ofício referido no ponto F) dos factos provados consubstancia uma decisão da pretensão do Recorrente.

A mesma traduz, isso sim, uma informação, no sentido de que não assistiria razão ao Recorrente /Autor, mas nunca decidindo, de forma inequívoca, a respetiva pretensão.

Daí que o Recorrente pretenda ver-lhe reconhecido o direito a que se arroga e obter a condenação da Administração ao pagamento de uma quantia.
É para situações como a presente que o artigo 66.º, nº 1, do CPTA, na versão aplicável à data em que foi intentado o presente processo, se refere à acção administrativa especial poder ser “(…) utilizada para obter a condenação da entidade competente à prática, dentro de determinado prazo, de um acto administrativo ilegalmente omitido ou recusado.”
O nº 2 deste preceito diz-nos que “[a]inda que a prática do acto devido tenha sido expressamente recusada, o objecto do processo é a pretensão do interessado e não o acto de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta directamente da pronúncia condenatória.”

No artº 67.º estabelecem-se os “Pressupostos” para ser pedida a condenação à prática de acto administrativo legalmente devido nos seguintes termos:

“(…)

a) Tendo sido apresentado requerimento que constitua o órgão competente no dever de decidir, não tenha sido proferida decisão dentro do prazo legalmente estabelecido;

b) Tenha sido recusada a prática do acto devido; ou

c) Tenha sido recusada a apreciação de requerimento dirigido à prática do acto.

2 - Para os efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, a falta de resposta a requerimento dirigido a delegante ou subdelegante é imputada ao delegado ou subdelegado, mesmo que a este não tenha sido remetido o requerimento.

3 - Para os mesmos efeitos, quando, tendo sido o requerimento dirigido a órgão incompetente, este não o tenha remetido oficiosamente ao órgão competente nem o tenha devolvido ao requerente, a inércia daquele primeiro órgão é imputada ao segundo.”

Por sua vez, nos termos do artigo 68.º do CPTA:

“1 - Tem legitimidade para pedir a condenação à prática de um acto administrativo legalmente devido:

a) Quem alegue ser titular de um direito ou interesse legalmente protegido, dirigido à emissão desse acto;

b) Pessoas colectivas, públicas ou privadas, em relação aos direitos e interesses que lhes cumpra defender;

c) O Ministério Público, quando o dever de praticar o acto resulte directamente da lei e esteja em causa a ofensa de direitos fundamentais, de um interesse público especialmente relevante ou de qualquer dos valores e bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º;

d) As demais pessoas e entidades mencionadas no n.º 2 do artigo 9.º

2 - Para além da entidade responsável pela situação de omissão ilegal, são obrigatoriamente demandados no processo os contra-interessados a quem a prática do acto omitido possa directamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse em que ele não seja praticado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo.”

Segundo o artigo 69.º do CPTA, relativos aos “prazos” para lançar mão da acção administrativa especial, nos casos em que se pretenda a condenação da Administração à pratica de acto devido:

“1 - Em situações de inércia da Administração, o direito de acção caduca no prazo de um ano contado desde o termo do prazo legal estabelecido para a emissão do acto ilegalmente omitido.

2 - Tendo havido indeferimento, o prazo de propositura da acção é de três meses.

3 - No caso previsto no número anterior, o prazo corre desde a notificação do acto, sendo aplicável o disposto nos artigos 59.º e 60.º”

Ou seja, tudo ponderado, em casos como o presente, em que se verificam situações de inércia da Administração, o direito de ação caduca no prazo de 1 (um) ano contado desde o termo do prazo legal estabelecido para a emissão do ato ilegalmente omitido.

Tendo em conta que o ofício referido em F) foi remetido ao Recorrente/Autor em 02.09.2013, teremos de concluir que o mesmo poderia ter intentado a correspondente ação até 02.09.2014, nos termos dos preceitos acima transcritos.

Portanto, quando a presente ação deu entrada, em 26.03.2014, não tinha caducado o direito de agir do Recorrente, podendo a espécie processual ser convolada de ação administrativa comum em ação administrativa especial de condenação da Administração à pratica de ato devido.

Como tal, não poderia ter concluído, o tribunal a quo, que o prazo de impugnação era de apenas 3 (três) meses e que não se estava em tempo para apreciar da legalidade do ato e, consequentemente, seria inviável a convolação na espécie processual adequada. Muito menos poderia ter concluído, com base nessa premissa, pela verificação da exceção de inidoneidade do meio processual, prevista no artigo 38.º, nº 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, segundo o qual “(….) a acção administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do acto inimpugnável.(…)”

Aqui chegados, cumpriria julgar procedente o presente recurso, revogar a decisão em crise, substituindo-se a mesma por outra que, procedendo à convolação da espécie processual em ação administrativa especial de condenação da Administração à pratica de ato devido, nos termos acima, conhecesse do pedido condenatório formulado.

Contudo, nos termos do artigo 91.º do CPTA, na versão aplicável à data em que deu entrada no TAC de Lisboa a presente acção:

“1 - Finda a produção de prova, quando tenha lugar, pode o juiz ou relator, sempre que a complexidade da matéria o justifique, ordenar oficiosamente a realização de uma audiência pública destinada à discussão oral da matéria de facto.

2 - A audiência pública a que se refere o número anterior pode ter também lugar a requerimento de qualquer das partes, podendo, no entanto, o juiz recusar a sua realização, mediante despacho fundamentado, quando entenda que ela não se justifica por a matéria de facto, documentalmente fixada, não ser controvertida.

3 - Quando a audiência pública se realize por iniciativa das partes, nela são também deduzidas, por forma oral, as alegações sobre a matéria de direito.

4 - Quando não se verifique a situação prevista no número anterior e as partes não tenham renunciado à apresentação de alegações escritas, são notificados o autor, pelo prazo de 20 dias, e depois, simultaneamente, a entidade demandada e os contra-interessados, por igual prazo, para, querendo, as apresentarem.

5 - Nas alegações pode o autor invocar novos fundamentos do pedido, de conhecimento superveniente, ou restringi-los expressamente e deve formular conclusões.

6 - O autor também pode ampliar o pedido nas alegações, nos termos em que, neste Código, é admitida a modificação objectiva da instância.”

Neste caso, conforme resulta dos autos, nenhuma das partes renunciou à apresentação das respetivas alegações escritas, devendo o tribunal a quo, feito o saneamento devido, fazer prosseguir os autos, designadamente procedendo à sua notificação para os termos do artº 91º, nº 4 do CPTA (e sem prejuízo do direito de, nestas alegações, o autor poder invocar novos fundamentos do pedido, de conhecimento superveniente, ou restringi-los expressamente e/ou ampliar o pedido, nos termos em que lhe é admitida a modificação objetiva da instância).

Isto posto, cumpre, pois, julgar procedente o presente recurso e revogar a decisão em crise, substituindo-se a mesma por outra que, procedendo à convolação da espécie processual em ação administrativa especial de condenação da Administração à pratica de ato devido, nos termos acima, determine a baixa dos autos à 1ª instância para que, concluído o respetivo saneamento, proceda à tramitação, subsequente e legalmente prevista, nos termos dos artigos 91º e ss. do CPTA.



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V – Decisão:
Assim, face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul, em conceder provimento ao recurso interposto, revogar a decisão em crise e convolar a espécie processual em ação administrativa especial de condenação da Administração à pratica de ato devido, mais se determinando a baixa dos autos à 1ª instância para que proceda à sua subsequente tramitação.
Custas pelo Recorrido – cfr. artº 527. nº 1 e 2 do CPC e artº 189º, nº 2 do CPTA.
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Lisboa, 07 de Janeiro de 2021


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Ricardo Ferreira Leite*

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*O relator consigna e atesta que, nos termos do disposto no art. 15.º -A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Ex. Srs. Juízes-Desembargadores, Dr.ª Ana Celeste Carvalho e Dr. Pedro Marchão Marques.