Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:42/09.0 BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:04/13/2023
Relator:LINA COSTA
Descritores:RESPONSABILIDADE
REQUISITOS
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
Sumário:I - Para que, nos termos do Decreto-Lei nº 48051, de 21 de Novembro de 1967, exista responsabilidade e obrigação de indemnizar, têm de verificar-se cumulativamente os seguintes pressupostos: o facto - acto de conteúdo positivo ou negativo traduzido numa conduta voluntária de um órgão ou agente, no exercício das suas funções e por causa delas; a ilicitude - violação por esse facto, de direitos de terceiros ou de disposições legais que se destinam a proteger interesses alheios; a culpa - nexo de imputação ético-jurídica que liga o facto à vontade do agente, a título de dolo ou negligência; o dano - lesão ou prejuízo de valor patrimonial ou não patrimonial, produzido na esfera de terceiros; e o nexo de causalidade entre o facto e o dano;
II - Ainda que verificados estes pressupostos, se um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída sendo equiparado ao facto culposo do lesado o facto culposo dos seus representantes legais (n.º 1 do artigo 570º e artigo 571º do Código Civil);
III - A emissão de certidão por funcionária da Câmara, certificando a existência de licença de utilização nº 701/84 para o prédio em referência nos autos, quando apenas existia licença de construção com esse número, independentemente de poder ter sido um lapso, traduz-se num facto com gravidade e relevância susceptível de fundamentar o dever de indemnizar;
IV - A referência nos contratos de compra e venda de fracções desse prédio à licença de utilização nº 701/84, levou a A. a assumir que poderia usá-las para os respectivos fins;
V - No início de 2007 a A. negociou o arrendamento da fracção r/c loja para café pelo valor mensal de €600,00 e prazo de 10 anos, tomando então conhecimento da inexistência da respectiva licença de utilização, razão que inviabilizou a celebração do correspondente contrato;
VI - De acordo com o disposto nos artigos 62º a 66º, que constituem a Subsecção IV – Utilização de edifícios ou as suas fracções, do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção em vigor na data dos factos, é ao particular interessado na obtenção da licença de utilização de um prédio ou das suas fracções que cumpre requerer à entidade camarária competente a sua concessão e despoletar o procedimento administrativo tendente a verificar se estão reunidas as condições legais, urbanísticas para o efeito, se necessário determinando a realização de vistoria ao edifício ou à/s fracção/ões a licenciar, que culminará ou não, na sua atribuição, permitindo-lhe, se concedida, requerer o respectivo alvará;
VII - Assim, se a A. pretendia arrendar a loja e/ou usar as demais fracções de que é proprietária, devia ter solicitado aos serviços competentes da Câmara, a emissão das respectivas licenças de utilização, o que não fez, tornando-se responsável pelos danos a partir daí ocorridos.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

S… Mobiliário e Imobiliário, S.A., autora [doravante a recorrente S…], e Município de Sintra, entidade demandada [o recorrente Município], nos autos de acção administrativa especial, também instaurados contra F… e Outros, na qualidade de contra-interessados, inconformados vieram interpor recurso jurisdicional da sentença, de 30.8.2019, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra [TAF de Sintra], que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência:
i. Declarou a inexistência da licença de utilização n.º 701/1984, emitida pela Câmara Municipal de Sintra e a nulidade da certidão, emitida em 7.10.1993, pela Secretaria da Câmara Municipal de Sintra que atesta a existência desta licença de utilização;
ii. Condenou o Município de Sintra no pagamento da quantia de €14 400,00 à A. acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a citação (que ocorreu em 28.1.2009) até efectivo e integral pagamento, absolvendo-se aquele no restante.

Na petição inicial a A./recorrente S… peticionou:
1. a declaração de inexistência ou, se assim não se entender, a declaração de nulidade da licença de utilização n.º 701, emitida em 1984, pela Câmara Municipal de Sintra;
2 - a condenação da Entidade Demandada a pagar-lhe a quantia de €53 800,00 a título de indemnização, bem como a quantia mensal de €400,00 a contar da data da citação até à emissão da licença de utilização, tudo acrescido de juros, à taxa legal a contar da citação até efectivo pagamento e no que se liquidar em execução de sentença, com as legais consequências.
Posteriormente requereu a ampliação do pedido inicial a mais €16 200,00 correspondente às rendas não recebidas entre Fevereiro de 2009 (data da instauração da acção) e Maio de 2011 relativas à fracção A – loja (por venda desta).

Nas respectivas alegações, a recorrente S… formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem:
«1 - Para haver concorrência de culpas no agravamento do dano/prejuízo nos termos do art. 570, 1, C.C., tem de haver um facto ilícito e culposo por parte do lesado, ou seja violação de um dever jurídico (por via da lei ou do negócio),
2 - não se descortinando que, por omissão (ou acção) o A. tenha violado qualquer dever jurídico, que, aliás, a sentença recorrida não enuncia.
3 - Mesmo a entender-se que a expressão culpa constante do art. 570, 1, C. prescinde do facto ilícito e culposo por parte do lesado, abarcando comportamentos censuráveis concausa do dano, da factualidade provada não se alcança tal,
4 - pelo que a sentença recorrida deveria ter condenado o R./Entidade Demandada no pagamento ao A. de E.17.400,00, correspondente ao dano por este sofrido entre Janeiro de 2008 a Maio (inclusive) 2011, consubstanciado na impossibilidade de arrendar o rés do chão/loja, à razão de E. 600,00 mensais.
Por outro lado,
5 - a provada desvalorização não inferior a E. 20.000.,00 para cada um dos primeiros andares direito e esquerdo em consequência da falta de licença de utilização do prédio, traduz um dano real, um prejuízo in natura que a A. sofreu e sofre, no seu direito de propriedade dos referenciados andares, indemnizável,
6 - independentemente da A. querer ou não vender os mesmos,
7 - não ocorrendo, como se disse, qualquer conduta omissiva da A. que agravasse tal dano.
8 - A sentença recorrida violou por erro de interpretação e consequentemente de aplicação, o disposto nos arts. 483, 570, n° 1 e 486 todos do C.C., sendo o atrás explanado o sentido que as normas jurídicas violadas devem ser interpretadas e aplicadas.»
Requerendo a final:
«Termos em que, deve a apelação ser julgada procedente e, em consequência, revogar-se a sentença no tocante à condenação do R/Entidade Demandada a pagar à A. E 14.400,00, devendo o mesmo ser condenado a pagar à A. E. 57.400,00, acrescidos de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a citação até integral pagamento, tudo com o inerente reflexo na proporção das custas.»

O Recorrido Município, notificado para o efeito, apresentou as seguintes contra-alegações:
«1. Não obstante o Município de Sintra ter recorrido da douta Sentença sob recurso, não padece a mesma do erro de julgamento que lhe é imputado pela ora Recorrente.
2. A ora Recorrente teve conhecimento de que o R/c loja, da sua propriedade, sita no Cacém, não tinha licença de utilização a partir do momento em que o tentou arrendar, no início do ano de 2007, tendo após essa tomada de conhecimento optado pela não promoção das diligências necessárias à obtenção da respetiva licença (factos provados alínea o)).
3. De acordo com o disposto nos artigos 62.º e 63.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, compete à Recorrente requerer a emissão da autorização de utilização, o que não fez, preferindo entrar com a presente ação antes de esgotar os meios graciosos que tinha à sua disposição.
4. Não competia assim, à Recorrida a promoção de tais diligências com vista à emissão da licença de utilização, as quais, como bem refere a douta Sentença são de iniciativa particular.
5. O prazo para a obtenção da licença, depende ab initio, da correta instrução do processo de licenciamento.
6. Ora, um processo de licenciamento que não chegou a ser iniciado, e consequentemente instruído, não pode ser finalizado.
7. Sobre as despesas necessárias à obtenção da licença de utilização, compete sempre ao proprietário suportar os custos associados à legalização dos seus imóveis.
8. O ora Recorrente só interpôs a presente ação 2 (dois) anos após o conhecimento da inexistência da licença de utilização, sendo certo que o ora Recorrido, nada podia fazer perante a inércia da Recorrente.
9. A Recorrente vendeu a fração em junho de 2011 (factos provados alínea q)) sendo que se desconhece com base em que título, dado que até à presente data não foi localizado nenhum pedido de licenciamento de utilização para o R/c loja.
10. No caso em apreço, os danos alegadamente sofridos, a existirem, não decorreram de qualquer ato ou omissão do Recorrido Município, inexistindo o facto donde a Recorrente retira a obrigação de indemnizar, e nessa medida igualmente não se verificando o alegado nexo de causalidade, não há qualquer obrigação de indemnização do lesado por parte da Ré, aferida esta por referência ao disposto quanto a tal na Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro.
11. A douta Sentença dá como provado que a licença n.º 701/1984 é uma prorrogação da licença de Construção n.º 471/1983 (facto provado b) e c)).
12. Não obstante retirar daqui que a referência à Licença de Utilização é um mero lapso, atribui-lhe uma gravidade e uma relevância suscetível de fundamentar uma indeminização de € 14.400,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a citação (28 de janeiro de 2009).
13. O facto é que nunca existiu licença de utilização para o prédio, como a douta Sentença bem refere e decide, porém, existia uma licença de construção e não há um grau de culpa tão grave que possa fundamentar a gravidade do montante indemnizatório fixado, muito menos o agravamento que a Recorrente pretende agora obter.
14. A fls. 14, II parágrafo da Sentença afirma-se que “… se um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída, sendo equiparado ao facto culposo do lesado o facto dos seus representantes legais (n.º 1 do artigo 570.º e artigo 571.º do Código Civil).
15. Donde, para ser coerente, a mui douta Sentença não poderia atribuir o total do valor mensal peticionado pela Recorrente nos autos, mas antes repartir os encargos por ambas as partes, podendo até excluir a indemnização como resulta dos mencionados artigos 570.º e 571.º do Código Civil.
16. Além do mais, o valor que a Recorrente esperava receber, implicava um investimento da sua parte, designadamente eventuais obras de conservação do imóvel, inscrição do contrato nas Finanças, emissão e recibos, pagamento do imposto respetivo, etc.
17. Pelo que, a obtenção do rendimento total, sem as necessárias contrapartidas representa para a Recorrente um benefício além do prejuízo que alega.
18. Assim, não sendo considerada a exclusão da indemnização, haveria pelo menos que reduzir o seu valor a menos de metade da expetativa alegada pela Recorrente, ou seja menos de € 300,00/mês.
19. Donde, o valor da indeminização fixada se revela manifestamente excessivo em face da factualidade dada como provada, tal como ficou devidamente demonstrado no requerimento de recurso apresentado pelo ora Recorrido.
20. Sobre a alegada desvalorização dos primeiros andares vale o mesmo raciocínio que se fez para o rés do chão, designadamente a Recorrente já sabia desde 2007 que não tinha licença de utilização e nada fez para a obter, como lhe competia.
21. Pelo que, não pode ser imputada responsabilidade civil ao ora Recorrido por um facto que estava na total disponibilidade da Recorrente.
22. A Recorrente não alegou, nem demonstrou, na sua petição inicial que tivesse qualquer intenção de vender as frações, referentes ao primeiro andar direito e esquerdo.
23. Aliás, as frações em apreço, como bem ficou provado na douta Sentença estão arrendados desde o ano de 2005, pelo montante global mensal de € 500,00 (quinhentos euros), retirando a ora Recorrente o respetivo proveito económico do arrendamento (facto provado w)).
24. O dano a que ora alude a Recorrente, mais concretamente da alegada desvalorização, a ocorrer, o que não se concebe, só se verificaria aquando da pretensa venda dos mesmos.
25. Pelo que improcede a pretensão da Recorrente de obter uma indemnização superior à fixada na douta Sentença.».

Nas respectivas alegações, o recorrente Município formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem:
«i. Mal andou a douta Sentença ao fazer a aplicação do direito aos factos provados;
ii. A ora Recorrida teve conhecimento de que o R/c loja, do prédio objeto dos autos, não tinha licença de utilização a partir do momento em que o tentou arrendar, no início do ano de 2007, tendo após essa tomada de conhecimento optado pela não promoção das diligências necessárias à obtenção da respectiva licença;
iii. Competia à Recorrida requerer a emissão da autorização de utilização, o que não fez, preferindo entrar com a presente ação antes de esgotar os meios graciosos que tinha à sua disposição;
iv. Ainda assim, só interpôs a presente ação 2 anos após o conhecimento da inexistência da licença de utilização, sendo certo que a entidade demandada, e ora Recorrente, nada podia fazer perante a inércia da Recorrida;
v. A Recorrida vendeu a fração em junho de 2011 (factos provados alínea q)) sendo que se desconhece com base em que título, dado que até à presente data não foi localizada nenhuma licença de utilização para o R/c loja;
vi. A responsabilidade civil extracontratual por atos de gestão pública, entendida como aquela obrigação que recai sobre uma pessoa coletiva que, atuando na égide de regras de direito público, tiver causado prejuízo aos particulares, exige, para se efetivar a verificação de determinados pressupostos , um ato ilícito (que pode consistir num ato administrativo ou numa omissão juridicamente relevante ou numa conduta material), a culpa, o prejuízo e o nexo de causalidade (relação de causa entre o ato e o prejuízo);
vii. No caso em apreço, os danos alegadamente sofridos, a existirem, não decorreram de qualquer ato ou omissão do Recorrente, inexistindo o facto donde a Recorrida retira a obrigação de indemnizar, e nessa medida igualmente não se verificando o alegado nexo de causalidade, não há qualquer obrigação de indemnização do lesado por parte da Ré, aferida esta por referência ao disposto quanto a tal na Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro;
viii. A douta Sentença dá como provado que a licença n.º 701/1984 é uma prorrogação da licença de Construção n.º 471/1983;
ix. A fls. 14 da Sentença afirma-se que “Com efeito, ainda que na emissão da certidão possa ter sido atestado o facto inexistente por mero lapso, por se ter escrito licença de utilização quando se teria querido escrever licença de construção (cf. alínea b) da matéria de facto provada), como parece ter sido o caso, não pode deixar de se considerar essa atuação negligente.”
x. Não obstante retirar daqui que a referência à Licença de Utilização é um mero lapso, atribui-lhe uma gravidade e uma relevância suscetível de fundamentar uma indeminização de € 14.400,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a citação (28 de janeiro de 2009);
xi. O facto é que nunca existiu licença de utilização para o prédio, como a douta Sentença bem refere e decide, porém existia uma licença de construção e não há um grau de culpa tão grave que possa fundamentar a gravidade do montante indemnizatório fixado;
xii. Para ser coerente, a mui douta Sentença não poderia atribuir o total do valor mensal peticionado pela Recorrida nos autos, mas antes repartir os encargos por ambas as partes, podendo até excluir a indemnização como resulta dos mencionados artigos 570.º e 571.º do Código Civil;
xiii. Além do mais, o valor que a Autora esperava receber, implicava um investimento da sua parte, designadamente eventuais obras de conservação do imóvel, inscrição do contrato nas Finanças, emissão e recibos, pagamento do imposto respetivo, etc;
xiv. Pelo que, a obtenção do rendimento total, sem as necessárias contrapartidas representa para a Recorrida num benefício além do prejuízo que alega.
xv. Assim, não sendo considerada a exclusão da indemnização, haveria pelo menos que reduzir o seu valor a menos de metade da expetativa alegada pela Recorrida, ou seja menos de € 300,00/mês;
xvi. Donde, o valor da indeminização fixada se revela manifestamente excessivo em face da factualidade dada como provada;»
Requerendo a final:
«Nestes termos e nos demais de direito, que o venerando Tribunal doutamente melhor suprirá, conclui-se que deve ser revogada a douta decisão sob recurso, substituindo-se por outra que, respeitando os critérios na mesma enunciados, absolva a Recorrente do pedido, assim se alcançando a costumada justiça.».

A recorrida S… notificada para o efeito, veio dizer que não pretende contra-alegar.

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, não emitiu parecer.

Com vistos, o processo vem à Conferência para julgamento.

Nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, as questões a apreciar, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, consistem, no essencial, em saber se a sentença recorrida, no que concerne:
- à recorrente S… enferma de erros de julgamento, na interpretação e aplicação do direito, no que respeita aos prejuízos decorrentes do não arrendamento do r/c loja e da desvalorização dos primeiros andares esquerdo e direito, ao ter considerado haver concorrência de culpas no agravamento do primeiro e desconsiderado o segundo, em violação do disposto nos artigos 483º, 570º, n° 1 e 486º, do Código Civil (CC);
- do recorrente Município, por errada aplicação do direito aos factos, ao ter por verificados todos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual, mormente o facto e o nexo de causalidade deste com os alegados prejuízos, quando deveria ter excluído a indemnização, ou, em coerência com a argumentação expendida, repartido os encargos, ou limitado a indemnização atribuída a um valor mensal inferior a €300,00, por a recorrida S… não ter suportado as despesas que teria de efectuar para o obter o valor que peticionou.

A sentença recorrida considerou, com relevância para decisão, provados os seguintes factos: «

a) O prédio urbano sito na Rua projetada à Rua M…, lote 35, no Cacém, atualmente Rua da E…, n.ºs … e …-A e n.º 4 do Largo G…, descrito na respetiva Conservatória do Registo Predial sob o n.º foi construído ao abrigo da licença de construção n.º 526/81, de 15 de outubro de 1981, emitida pela Câmara Municipal de Sintra – Documento junto ao processo administrativo (fls. não numeradas) e documento n.º 1 junto com o requerimento apresentado pela Autora em 22 de julho de 2010;

b) A licença de construção identificada em a) foi objeto de prorrogação pela licença de construção n.º 471/83 e ainda pela licença de construção n.º 701/84 – Documentos n.ºs 1 e 2 juntos com o requerimento apresentado pela Autora em 22 de julho de 2010;

c) Para o prédio sito no Bairro J…, Rua B à R…, lote …, atualmente Rua da E…, n.ºs … e ..-A e n.º … do Largo G…, no Cacém, freguesia do Cacém, no ano de 1984 não foi emitida a licença de utilização n.º 701 – Documento n.º 7 junto à petição inicial e admitido por acordo;

d) Apenas para o 2.º andar direito, que corresponde à fração autónoma designada pela letra “E” do prédio identificado em a), foi emitida a licença de utilização n.º 228/87, dispensando a Câmara Municipal de Sintra a apresentação das telas finais – Documento n.º 3 junto com o requerimento apresentado pela Autora em 22 de julho de 2010 e admitido por acordo;

e) À exceção da fração autónoma identificada em d), nenhuma outra fração autónoma do prédio identificado em a) tem licença de utilização – Documento n.º 7 junto à petição inicial e admitido por acordo;

f) Em 7 de outubro de 1993 A…, responsável pela Repartição de Secretaria, no impedimento do Diretor do Departamento Administrativo da Câmara Municipal de Sintra emitiu certidão com o seguinte teor: «Certifico, em cumprimento do despacho de Excelentíssimo Senhor Vereador substituto do Presidente da Câmara, de um do corrente, exarado no requerimento de Caixa Económica-Montepio Geral, registado nesta Câmara Municipal em vinte e dois de Setembro findo, sob o número vinte e três mil quatrocentos e oitenta e quatro, e em face da informação prestada que relativamente ao prédio sito no Bairro J…, Rua B à Rua M…, lote trinta e cinco, em Cacém, o mesmo foi licenciado pela licença de obras número quatrocentos e setenta e dois/oitenta e três e, emitida a licença de utilização número setecentos e um/oitenta e quatro. E por ser verdade o certifico.» - Documento n.º 6 junto à petição inicial e depoimento da testemunha A…;

g) Por escritura de compra e venda outorgada em 9 de janeiro de 1998 a Autora comprou à sociedade “C… Sociedade de Atividades Imobiliárias, Lda.”, que lhe vendeu, as frações autónomas designadas pelas letras “B” e “C” correspondentes, respetivamente, ao 1.º andar esquerdo e ao 1.º andar direito do prédio urbano sito na Rua projetada à Rua M…, lote …, no Cacém, descrito na Conservatória do Registo Predial de Queluz sob o n.º … (sito atualmente na Rua da E…., n.ºs … e … no Cacém, descrito na Conservatória do Registo Predial do Cacém sob o n.º ….) – Documento n.º 1 junto aos autos pela Autora em 18 de abril de 2013;

h) Nesta escritura de compra e venda refere-se que foi exibida «licença de utilização n.º 701 emitida em 1984 pela Câmara Municipal de Sintra» – Documento n.º 1 junto aos autos pela Autora em 18 de abril de 2013;

i) Por escritura de compra e venda outorgada em 25 de junho de 1999 a Autora comprou à Caixa Económica Montepio Geral, que lhe vendeu, a fração autónoma designada pela letra “I”, correspondente ao 4.º andar direito do prédio urbano sito na Rua da E…, nºs … e ….-A e nº … do Largo G…, no Cacém, anteriormente designado por Rua M…, descrito na Conservatória do Registo Predial de Agualva-Cacém sob o nº … (atualmente descrito na Conservatória do Registo Predial do Cacém sob o n.º …) – Documento n.º 2 junto aos autos pela Autora em 18 de abril de 2013;

j) Nesta escritura pública refere-se que foi exibida «Certidão emitida pela Câmara Municipal de Sintra em 7 de Outubro de 1993, da licença de utilização número 701, emitida pela Câmara em 22 de Setembro de 1993» – Documento n.º 2 junto aos autos pela Autora em 18 de abril de 2013;

k) Por escritura de compra e venda outorgada em 7 de junho de 2000 a Autora comprou à sociedade “C… Sociedade de Atividades Imobiliárias, Lda.”, que lhe vendeu, a fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao rés do chão loja do prédio urbano sito na Rua da E…, nºs … e …-A e nº … do Largo Gama B…, no Cacém, descrito na Conservatória do Registo Predial de Agualva-Cacém sob o nº … (atualmente descrito na Conservatória do Registo Predial do Cacém sob o n.º …) – – Documento n.º 3 junto aos autos pela Autora em 18 de abril de 2013;

l) Nesta escritura pública refere-se que foi exibida “Licença de Utilização n.º 701 passado em 1984 pela Câmara Municipal de Sintra, para todo o prédio» – Documento n.º 3 junto aos autos pela Autora em 18 de abril de 2013;

m) Em 7 de janeiro de 2009 o direito de propriedade de tais frações autónomas encontrava-se registado a favor da Autora – Documento n.º 4 junto aos autos pela Autora em 18 de abril de 2013;

n) O vendedor no contrato de compra e venda mencionado em k) adquiriu a fração que vendeu por arrematação em hasta pública no processo executivo n.º 2231, que correu termos na 1.ª Secção do 3.º Juízo do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa em que foram executados J…[sic] e mulher – Documento n.º 5 junto aos autos pela Autora em 18 de abril de 2013;

o) A Autora negociou o arrendamento do rés do chão loja para café, com início em 2007, pela renda mensal de €600,00, pelo prazo de 10 anos – Depoimentos das testemunhas R… e F…;

p) O facto desta fração autónoma do prédio não ter licença de utilização inviabilizou o arrendamento da loja e foi o único motivo pelo qual não se concretizou o arrendamento – Depoimento das testemunhas R… e F…;

q) Desde 2007 até ter sido vendida, em junho de 2011, a loja manteve-se vaga e desocupada – Depoimento das testemunhas R… e F… e documento junto aos autos por A… em 4 de maio de 2012;

r) A Autora desconhecia que as frações autónomas não tinham licença de utilização só tendo disso conhecimento a partir do momento em que tentou arrendar o rés do chão loja em 2007 – Documentos n.ºs 1 a 3 juntos aos autos pela Autora em 18 de abril de 2013 e depoimento da testemunha F…;

s) O 4.º andar direito é composto de 4 assoalhadas, cozinha, casa de banho, despensa, roupeiro e duas varandas – Documento n.º 4 junto aos autos pela Autora em 18 de abril de 2013 e depoimento das testemunhas J…, F… e P…;

t) E encontra-se em edifício situado em local com zonas verdes, perto de zona comercial e bem servida de transportes – Depoimento das testemunhas J…, F… e P…;

u) Sendo o seu valor de uso atual não inferior a €400,00 mensais – Depoimento das testemunhas J…, F… e P…;

v) O primeiro andar direito e o primeiro andar esquerdo têm composição, cada um, idêntica à do 4.º andar direito – Documento n.º 4 junto aos autos pela Autora em 18 de abril de 2013 e depoimento das testemunhas J…, F… e P…;

w) O primeiro andar direito e o primeiro andar esquerdo estão arrendados desde 1 de setembro de 2005, pelo prazo de 12 meses, renovável, a D…, para sua habitação, pela renda mensal global de €500,00 – Documento n.º 8 junto à petição inicial e depoimento das testemunhas J… e F…;

x) O valor da venda dos primeiros andares direito e esquerdo é de cerca de €100.000,00 cada – Depoimento das testemunhas J…, F… e P…;

y) A falta de licença de utilização do prédio importa uma desvalorização não inferior a €20.000,00 para cada um dos primeiros andares direito e esquerdo - Depoimento das testemunhas J…, F… e P…;

z) Em 15 de janeiro de 2009 a petição inicial da presente ação foi apresentada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra;

aa) Por escritura de compra e venda outorgada em 17 de junho de 2011 A… comprou a fração autónoma, destinada a industria ou comércio, individualizada pela letra “A”, correspondente ao rés do chão do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua da E…, n.ºs … e … e n.º … do Largo G…, no Cacém, descrito na Conservatória do Registo Predial do Cacém sob o n.º … (antes descrito na Conservatória do Registo Predial de Agualva-Cacém sob o nº …) – Documento junto aos autos por A… em 4 de maio de 2012;


*
Para a formação da convicção do tribunal a respeito da matéria que considerou provada foi relevante a documentação junta aos autos, os factos alegados e não contestados e os depoimentos claros e credíveis das testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento (conforme indicado em cada uma das alíneas) particularmente o depoimento da testemunha R…, por ser quem pretendia arrendar a loja em 2007, das testemunhas J…, F… e P… que revelaram conhecer o prédio e as frações autónomas em causa nos autos e A… a então funcionária da Câmara Municipal de Sintra que subscreveu a certidão identificada na alínea f).

Factos não provados:

1) Os vendedores nos contratos de compra e venda mencionados em g) e i) adquiriram as frações que venderam por arrematação em hasta pública no processo executivo n º 2231 que correu termos na 1.ª Secção do 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Lisboa em que foram executados J…[sic] e mulher;
O Documento n.º 5 junto aos autos pela Autora em 18 de abril de 2013 apenas demonstra que o vendedor no contrato de compra e venda mencionado em k) adquiriu a fração que vendeu por arrematação em hasta pública no processo executivo n º 2231, que correu termos na 1.ª Secção do 3.º Juízo do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa em que foram executados J…[sic] e mulher.

2) O contrato de arrendamento referido em o) teria início em fevereiro de 2007;
A testemunha R… referiu ter negociado com a Autora o arrendamento do rés do chão loja para café, pela renda mensal de € 600,00, pelo prazo de 10 anos, com início em 2007, mas não conseguiu precisar em que mês teria início o contrato de arrendamento.

3) O 4.º andar direito encontra-se vago e desocupado porque a falta de licença de licença de utilização inviabiliza o seu arrendamento para habitação;

4) Por diversas vezes ofereceram à Autora € 400,00 para arrendarem o 4.º andar direito;

5) A Autora pretendia arrendar esta fração;
Nenhuma das testemunhas inquiridas afirmou saber que o 4.º andar direito se encontra vago e desocupado porque a falta de licença de utilização inviabiliza o seu arrendamento para habitação, que por diversas vezes ofereceram à Autora € 400,00 para o arrendar e que a Autora pretendia arrendar esta fração.


*
Não foi proferida decisão quanto à matéria vertida no quesito 10) por ter conteúdo conclusivo.»


Considerada a factualidade assente, que não foi impugnada, passemos, agora, à análise dos fundamentos dos respectivos recursos.

Importa começar por referir que, nesta sede, constatamos que a recorrente S… nada alega quanto ao pedido, que formulou na acção, de pagamento da quantia mensal de €400,00 a contar da citação até à emissão da licença de utilização referida - que o tribunal a quo não julgou procedente -, e o recorrente Município não ataca o decidido no ponto i) do dispositivo, ou seja, de declaração de inexistência da licença de utilização nº 701/1984 e de nulidade da certidão de 7.10.1993, em razão do que o julgado, quanto a estas matérias, transitou.

No que concerne às questões que nos cumpre apreciar resulta da fundamentação de direito da sentença recorrida o seguinte:
«Verificada que está a inexistência da licença de utilização n.º 701/1984, emitida pela Câmara Municipal de Sintra e a nulidade da certidão, emitida em 7 de outubro de 1993, pela responsável pela Repartição de Secretaria da Câmara Municipal de Sintra que atesta a existência desta licença de utilização, cumpre apreciar se a Autora tem direito a exigir da Entidade Demandada a indemnização que peticionou no montante global de €70.000,00 (€53.800,00 + €16.200,00), bem como a quantia mensal de €400,00 a contar da data da citação até à emissão da licença de utilização, tudo acrescido de juros, à taxa legal a contar da citação até efetivo pagamento e no que se liquidar em execução de sentença, para reparação dos danos decorrentes da prática do ato inválido, cumprindo para o efeito analisar se se encontram verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas, por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes, no domínio dos atos de gestão pública, estava, à data dos factos, sujeita ao regime previsto no artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa e no Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de novembro de 1967.
A Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, que aprovou o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas e revogou o Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de novembro de 1967 não tem qualquer norma de direito transitório pelo que, valendo as regras gerais sobre a aplicação da lei no tempo, e não obstante a ação para a efetivação da responsabilidade já ter sido apresentada na vigência da Lei n.º 67/2007, haverá que aplicar no presente caso o regime do Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de novembro de 1967.
Estabelece o n.º 1 do artigo 2.º deste diploma legal que o «Estado e demais pessoas coletivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de atos ilícitos, culposamente praticados pelos respetivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício». E o artigo 6.º estabelece que se consideram «ilícitos os atos jurídicos que violem normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os atos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração.»
A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas, por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes, depende da verificação de pressupostos idênticos aos previstos, para o mesmo tipo de responsabilidade, na lei civil (artigo 483.º do Código Civil). Assim, para que exista responsabilidade e obrigação de indemnizar, têm de verificar-se cumulativamente os seguintes pressupostos: o facto - ato de conteúdo positivo ou negativo traduzido numa conduta voluntária de um órgão ou agente, no exercício das suas funções e por causa delas; a ilicitude - violação por esse facto, de direitos de terceiros ou de disposições legais que se destinam a proteger interesses alheios; a culpa - nexo de imputação ético-jurídica que liga o facto à vontade do agente, a título de dolo ou negligência; o dano - lesão ou prejuízo de valor patrimonial ou não patrimonial, produzido na esfera de terceiros; e o nexo de causalidade entre o facto e o dano - a apurar segundo a teoria da causalidade adequada, consagrada no artigo 563.º do Código Civil.
Ainda que verificados estes pressupostos, se um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída sendo equiparado ao facto culposo do lesado o facto culposo dos seus representantes legais (n.º 1 do artigo 570.º e artigo 571.º do Código Civil).
Face ao que antes ficou dito e decidido, a propósito da validade da certidão emitida pela Câmara Municipal de Sintra, não restam dúvidas quanto à verificação de um facto ilícito porquanto a emissão dessa certidão traduz-se na emissão de um ato administrativo nulo, ou seja numa conduta voluntária de uma funcionária da Entidade Demandada, no exercício das suas funções e por causa delas, em violação de direitos de terceiros e de disposições legais que se destinam a proteger interesses alheios. De igual modo é manifesto que essa ação ilícita é também culposa atento um padrão médio de diligência e zelo. Com efeito, ainda que na emissão da certidão possa ter sido atestado o facto inexistente por mero lapso, por se ter escrito licença de utilização quando se teria querido escrever licença de construção (cf. alínea b) da matéria de facto provada), como parece ter sido o caso, não pode deixar de se considerar essa atuação negligente.
Resta assim aferir da verificação de danos e do respetivo nexo de causalidade.
A Autora alega que tinha negociado o arrendamento do rés do chão loja para café com início em fevereiro de 2007, pela renda mensal de €600,00, pelo prazo de 10 anos, o que não se concretizou unicamente por o prédio não ter licença de utilização e que o facto de o prédio não ter licença de utilização inviabiliza o arrendamento da loja, a qual permanece até ao presente vaga e desocupada, dado não poder legalmente ser arrendada, face ao disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 8.º e artigo 9.º do Regime do Arrendamento Urbano e atualmente n.º 1 do artigo 1070.º do Novo Regime do Arrendamento Urbano, tenho consequentemente a Autora um prejuízo não inferior a €13.800,00 (período entre fevereiro de 2007 e janeiro de 2009, data da entrada da ação).
Posteriormente ampliou o pedido pedindo mais €16.200,00 correspondente às rendas não recebidas entre fevereiro de 2009 e maio de 2011 relativas à fração A – loja, ou seja 27 meses de rendas à razão de € 600,00 mensais, uma vez que em 17 de junho de 2011 a referida fração foi vendida a A….
Resulta da matéria de facto provada que por escritura de compra e venda outorgada em 7 de junho de 2000 a Autora comprou à sociedade “C… Atividades Imobiliárias, Lda.”, que lhe vendeu, a fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao rés do chão loja do prédio urbano sito na Rua da E…, n.ºs 20 e 20-A e n.º 4 do Largo G…, no Cacém, e que nessa escritura pública se refere que foi exibida a «Licença de Utilização n.º 701 passado em 1984 pela Câmara Municipal de Sintra, para todo o prédio» (alíneas k) e l) da matéria de facto provada).
Resulta também da matéria de facto provada que anteriormente a Autora já havia comprado outras frações do mesmo prédio tendo numa das escrituras sido exibida a «Certidão emitida pela Câmara Municipal de Sintra em 7 de Outubro de 1993, da licença de utilização número 701» (alíneas g) a j) da matéria de facto provada).
Resulta ainda da matéria de facto provada que a Autora negociou o arrendamento do rés do chão loja para café, com início em 2007, pela renda mensal de €600,00, pelo prazo de 10 anos, que o facto desta fração autónoma do prédio não ter licença de utilização inviabilizou o arrendamento da loja e foi o único motivo pelo qual este não se concretizou, que, desde 2007 até ter sido vendida, em junho de 2011, a loja manteve-se vaga e desocupada e que a Autora desconhecia que as frações autónomas não tinham licença de utilização só tendo disso conhecimento a partir do momento em que tentou arrendar o rés do chão loja em 2007 (alíneas o), p), q) e r) da matéria de facto provada).
Desta matéria de facto resulta pois demonstrado um prejuízo de valor patrimonial para a Autora - a perda da possibilidade de arrendar a loja por €600,00 mensaiscausado pela informação errada de que todo o prédio e aquela fração em concreto tinham licença de utilização.
A Autora pede, a título de indemnização, o valor correspondente às rendas desde fevereiro de 2007 até maio de 2011.
Ora, por um lado, apenas resultou provado que o contrato de arrendamento teria início em 2007, não resultou provado que teria início em fevereiro desse ano.
Por outro lado, como resultou provado, a Autora teve conhecimento de que o rés do chão loja não tinha licença de utilização a partir do momento em que o tentou arrendar em 2007. A partir desse momento não podia ter permanecido numa situação de inércia imputando à Entidade Demandada todos os danos que adviessem da circunstância da fração não deter licença de utilização. Cabia-lhe requer à Câmara Municipal a emissão da autorização de utilização o que não fez (Note-se que já foi emitida licença de utilização para uma das frações do prédio em questão – alínea d) da matéria de facto provada).
Não pode, pois, deixar de se reconhecer a verificação de um facto culposo da lesada, que leva à redução da indemnização pois é evidente que existe uma conduta omissiva da parte da Autora, ao abster-se de diligenciar por adquirir a licença de utilização, que influiu diretamente no agravamento dos danos. A inércia da Autora constituiu causa adequada da produção dos danos, pois se tivesse diligenciado por obter a licença de utilização poderia ter obviado ao agravamento dos danos.
Com efeito, não pode deixar de se considerar que para a extensão dos danos que reclama contribuiu a lesada porque cabendo-lhe legalmente a legitimidade para iniciar o procedimento urbanístico conducente à obtenção da autorização de utilização não o fez. Como resulta da matéria de facto provada uma das frações do prédio tem licença de utilização o que impede o tribunal de retirar a conclusão de que existisse alguma circunstância geral relativa ao prédio que impedisse em absoluto a atribuição de autorização de utilização às frações do prédio. E a verdade é que a Autora nada alega acerca das circunstâncias que a levaram a não ter diligenciado pela sua obtenção. Fixa-se assim em €14.400,00 (24 meses x €600,00) o valor da indemnização devida à Autora por se considerar o prazo de 24 meses o prazo razoável para ser requerido e decidido o pedido de emissão da autorização de utilização, atentos os prazos legais previstos do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação.
A Autora pede ainda a condenação da Entidade Demandada a pagar à Autora a quantia mensal de €400,00 (…).
(…)
Alega, por fim, a Autora que a falta de licença de utilização é também impeditiva da venda dos primeiros andares esquerdo e direito (os quais estão arrendados desde 1 de setembro de 2005), o que acarreta uma desvalorização não inferior a € 20.000,00, para cada um deles.
A Autora não alega nem demonstra que tivesse a intenção de vender estas frações pelo que não pode dar-se por verificado um dano causado pela conduta ilícita da Entidade Demandada. O dano decorrente da desvalorização das frações só se verificará quando a Autora as pretender vender. Acresce que também nesse caso não poderia deixar de se considerar a existência de uma conduta omissiva da parte da Autora, ao abster-se de diligenciar por adquirir a licença de utilização, que influi diretamente na produção dos eventuais danos.
Peticionou ainda a Autora o pagamento de juros de mora à taxa legal a contar da citação até efetivo pagamento.
Nos termos dos artigos 559.º, 804.º, 805.º n.º3 e 806.º do Código Civil e Portaria n.º 291/03, de 8 de abril são devidos à Autora juros de mora à taxa de 4%, contados desde a citação (que ocorreu em 28 de janeiro de 2009) até efetivo e integral pagamento.
Nos termos do n.º 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 1.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, considera-se que deu causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. Nestes termos, procedendo a ação parcialmente, fixam-se em 44,4% as custas a suportar pela Entidade Demandada, e os restantes 55,6 % das custas a suportar pela Autora.» [sublinhados nossos].

As questões objecto dos dois recursos prendem-se com a verificação ou não, dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito imputável ao Município de Sintra, o recorrente Município, pelo que, pugnando este que deve ser absolvido do pedido por não resultar da factualidade assente que os eventuais danos sofridos pela recorrida S… decorrem de acto ou omissão sua, inexistindo o necessário nexo de causalidade, vamos começar pela apreciação das respectivas alegações.

Defende o recorrente Município, em síntese, que: a recorrida S… no início de 2007 ficou a saber, quando tentou arrendar a loja, que não tinha a correspondente licença de utilização, sendo que não promoveu as diligências necessárias para a obter, como lhe competia, pelo que nada podia fazer; em vez disso, dois anos depois desse conhecimento instaurou a presente acção e em 2011 vendeu a referida loja, desconhecendo-se com base em que título, porque continua sem licença de utilização; os danos, alegadamente sofridos pela recorrida S…, não decorreram de qualquer acto ou omissão sua; a referência à Licença de Utilização nº 701/1984 na certidão emitida, consistiu, como o tribunal recorrido refere na sentença, num mero lapso que, por isso, não pode ter gravidade ou relevância susceptível para fundamentar uma indemnização; inexiste o nexo de causalidade e, consequentemente, a qualquer obrigação de indemnizar a recorrida S…; ou, em coerência com a argumentação expendida na sentença, não podia ser fixada a indemnização no montante em que o foi, correspondente ao valor mensal total peticionado na acção, mas com repartição dos encargos por ambas as partes; ou sem conceder benefício além do prejuízo que alega por não terem sido consideradas as despesas que a recorrida S… teria que suportar se tivesse celebrado o contrato de arrendamento, com prévias obras de conservação, com inscrição do contrato nas finanças, emissão de recibos, pagamento de impostos, etc.; pelo que o montante fixado é excessivo, deveria ser reduzido a menos de metade do valor mensal pedido, ou seja, a €300,00; iii) ou mesmo excluída a indemnização, nos termos dos artigos 570º e 571º do CC.

Aderindo às considerações tecidas na sentença recorrida e reproduzidas supra, sobre o regime da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, da factualidade considerada assente extrai-se que, não tendo sido emitida licença camarária de utilização para o prédio sito no Bairro J…, Rua B à Rua M…, lote …, actualmente Rua da E…, nºs … e … e nº … do Largo G…, no Cacém, freguesia do Cacém, com a excepção da fracção autónoma, designada pela letra E, correspondente ao 2º andar direito – detentora da licença de utilização nº 228/87 -, na Certidão, de 7.10.1993, emitida pela responsável pela Repartição da Secretaria da Câmara Municipal de Sintra, em cumprimento de um despacho do Vereador substituto do Presidente da Câmara, foi certificado que o prédio foi licenciado pela licença de obras nº 472/83 e a licença de utilização nº 701/84 [v. factos a) a f)].
Como entendeu o juiz a quo, ainda que possa e pareça ter sido um mero lapso - por o nº 701/84 corresponder à prorrogação da licença de construção, emitida no ano anterior -, não pode deixar de se considerar que a actuação da identificada funcionária ao emitir esta certidão, no exercício das suas funções, na sequência de um despacho para o efeito, como negligente, pois cabendo-lhe certificar, prestar uma informação verdadeira sobre os actos de licenciamento praticados pela Câmara relativamente ao prédio, em referência nos autos, certificou um acto inexistente. O mesmo é dizer que, enquanto funcionária do recorrente Município, não actuou com o cuidado, a diligência que lhe era exigível, de acordo com o padrão de exigência de actuação de um homem médio.
E dessa actuação resultaram efeitos, mormente, referências a essa licença de utilização nº 701/84, repete-se inexistente, nas escrituras de compra e venda, de 9.1.1998, de 25.6.1999 e de 7.6.2000, em que a recorrida S… comprou, respectivamente, as fracções designadas pelas letras B e C, correspondentes aos 1º andares esquerdo e direito, letra I ao 4º andar direito, e a letra A ao r/c loja, do referido prédio [cfr. factos g) a l)].
Dito de outro modo, foi efectivamente praticado facto por funcionária do recorrente Município e ao seu serviço, com gravidade e relevância susceptível de fundamentar o dever de indemnizar [caso se verifiquem, cumulativamente, os demais requisitos da responsabilidade civil extracontratual], na medida em que levou, nomeadamente a recorrida S…, a assumir a existência de uma licença de utilização para as fracções autónomas que adquiriu, com esse pressuposto, ou seja, de que poderia usá-las para os respectivos fins, o que não viria a acontecer, mormente no caso da fracção A.
Com efeito, no início de 2007 a recorrida S… negociou o arrendamento dessa fracção para café pelo valor mensal de €600,00 e prazo de 10 anos [v. facto o)]o que leva a pressupor que a loja se encontrava em condições de conservação para poder ser arrendada e o preço compreendia as despesas que eventualmente terá efectuado para o efeito e os estimados custos que iria suportar com e na sequência da celebração desse contrato, mas não chegou a celebrar contrato precisamente por a referida fracção autónoma não ter aquela licença [v. facto p)].
Donde, o recorrente Município deve, como decidiu a sentença recorrida, ser responsabilizado pelo facto, praticado pela sua funcionária, que criou a convicção errada na recorrida S… de que podia utilizar/arrendar a fracção A, r/c loja, e pela consequente frustração do negócio de arrendamento previsto para o início de 2007, deixando de receber as correspondentes rendas mensais.
Contudo, como também resulta factualidade assente, a recorrida S… ao tentar arrendar a fracção A, no início de 2007, tomou conhecimento de que a mesma não tinha licença de utilização [v. facto r)].
Ora, de acordo com o disposto nos artigos 62º a 66º, que constituem a Subsecção IV – Utilização de edifícios ou as suas fracções, do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação [RJUE], aprovado pelo Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro - com as respectivas actualizações até à aplicável na data do conhecimento da falta da licença de utilização pela recorrida S…, introduzidas pela Lei nº 177/2001, de 4 de Junho, versão a que doravante faremos referência – é ao particular interessado na obtenção da licença de utilização de um prédio ou das suas fracções que cumpre requerer à entidade camarária competente a sua concessão e despoletar o procedimento administrativo tendente a verificar se estão reunidas as condições legais, urbanísticas para o efeito, se necessário determinando a realização de vistoria ao edifício ou à/s fracção/ões a licenciar, que culminará ou não, na sua atribuição, permitindo-lhe, se concedida, requerer o respectivo alvará.
O mesmo é dizer que a concessão de uma licença de utilização não é da iniciativa da Administração, mas do particular que nela tenha interesse em função do direito de que é titular - mesmo que este possa estar em erro quanto à sua existência por facto exclusivamente imputável àquela.
Desconhecemos [porque não resulta alegado nem provado nos autos] porque não foi atribuída ao prédio, em causa nos autos, ou a cada uma das suas fracções, licença de utilização logo na sequência da sua construção, que foi licenciada. No entanto, assumindo que as fracções autónomas a partir do primeiro andar são idênticas [v. factos s) e v)] e que foi atribuída essa licença à fracção E, correspondente ao 2º andar direito [v. facto d)], arriscamos pressupor que as demais observariam as necessárias condições urbanísticas se tivesse/m sido formulado/s pedido/s para o efeito.
Assim, se a Recorrida S… pretendia arrendar a loja e/ou usar as demais fracções, devia ter solicitado aos serviços competentes da Câmara Municipal de Sintra, a emissão das respectivas licenças de utilização.
Eventualmente se tivesse formulado esse pedido em 2007, porque o negócio do arrendamento foi frustrado por facto imputável ao recorrente Município, talvez lograsse obter a licença pretendida rapidamente, antes de 2009 quando instaurou a presente acção.
Situação em que, porque até ao fim do respectivo procedimento administrativo para concessão da licença se teria visto impedida de concretizar o negócio de arrendamento, poderia ter instaurado acção para ser indemnizada pelo aqui recorrente Município dos prejuízos daí decorrentes, mormente por ter deixado de receber as respectivas rendas mensais, no valor indicado de €600,00.
Mas, atendendo ao tempo decorrido entre a emissão da licença de utilização, em 1987 à fracção E e a [pressuposta] apresentação do pedido da recorrida S… em 2007, a decisão a proferir no respectivo procedimento administrativo poderia ser de indeferimento, por alteração/degradação das condições urbanísticas da fracção a licenciar.
Servem estes considerandos hipotéticos o propósito de, por um lado, afirmar que se a recorrida S… não requereu licença de utilização das fracções de que é proprietária e consequentemente não deu início ao correspondente procedimento administrativo, ao recorrente Município nada competia fazer para alterar a situação urbanística em que se encontravam no que concerne à (i)legalidade da respectiva utilização.
Por outro lado, o recorrente Município não pode ser responsabilizado pela opção/decisão da recorrida S… de não requerer a emissão da licença de utilização a partir do momento em que deixou de estar em erro, e, consequentemente, pelos danos que esta alega ter sofrido posteriormente.
Aplica-se aqui o disposto nos artigos 570º, nº 1 e 571º do CC que, de forma conjugada, regulam a culpa dos representantes legais do lesado e as consequências da respectiva gravidade na indemnização pretendida, determinando o tribunal a decidir se a atribui na totalidade, reduz ou exclui.
Nada alega a recorrida S…, na acção, sobre as razões porque não dirigiu ao recorrente Município o pedido de emissão da licença de utilização.
No respectivo recurso consta, na conclusão 2ª, que não descortina que, por omissão (ou acção) tenha violado qualquer dever jurídico, aparentando desconhecer o dever legal que sobre si recai, enquanto proprietária de fracções sem licença de utilização, de requerer esta junto da entidade camarária competente.
Não podendo invocar o desconhecimento da lei para se furtar ao cumprimento de um dever legal [v. artigo 6º do CC], a opção/decisão de não requerer a licença de utilização ou a mera inércia por ignorância, apenas à recorrida S… pode ser imputada.
Donde, o recorrente Município é responsável pela situação de erro em que a recorrida S… se encontrava que determinou a negociação de arrendamento frustrada, mas só até ao momento, a seguir à tomada de conhecimento da inexistência da licença de utilização da loja, em que esta poderia, por ser seu ónus, dever legal, ter requerido a emissão da licença em falta, regularizando a situação.
Voltando ao que resulta do RJUE, o artigo 66º dispõe:
Propriedade horizontal
1 - No caso de edifícios constituídos em regime de propriedade horizontal, a licença ou autorização de utilização pode ter por objecto o edifício na sua totalidade ou cada uma das suas fracções autónomas.
2 - A licença ou autorização de utilização só pode ser concedida autonomamente para uma ou mais fracções autónomas quando as partes comuns dos edifícios em que se integram estejam também em condições de serem utilizadas.
3 - Caso o interessado não tenha ainda requerido a certificação pela câmara municipal de que o edifício satisfaz os requisitos legais para a sua constituição em regime de propriedade horizontal, tal pedido pode integrar o requerimento de licença ou autorização de utilização.”.
Por sua vez o artigo 62º estipula:
“Âmbito
1 - A licença de alteração da utilização prevista na alínea e) do n.º 2 do artigo 4.º destina-se a verificar a conformidade do uso previsto com as normas legais e regulamentares que lhe são aplicáveis e a idoneidade do edifício ou sua fracção autónoma para o fim a que se destina.
2 - A autorização de utilização prevista na alínea f) do n.º 3 do artigo 4.º destina-se a verificar a conformidade da obra concluída com o projecto aprovado e com as condições do licenciamento ou autorização.
3 - Quando não haja lugar à realização de obras ou nos casos previstos no artigo 6.º, a autorização de utilização referida no número anterior destina-se a verificar a conformidade do uso previsto com as normas legais e regulamentares aplicáveis e a idoneidade do edifício ou sua fracção autónoma para o fim pretendido.”
A referida alínea e) do nº 2 do artigo 4º regula a alteração da utilização de edifícios ou das suas fracções, nas condições aí previstas, e a f) do nº 3 do mesmo artigo, respeita, no que ao caso interessa, à utilização de edifícios ou suas fracções.
Em face do que e resultando da factualidade assente que o prédio em causa na acção foi construído e constituído em regime de propriedade horizontal antes de a recorrida S… ter adquirido as fracções B, C, I e A, e não tendo sido alegada qualquer alteração da utilização destas, está em causa o pedido de autorização de utilização previsto no nº 2 do 62º que, não tendo que ser instruído nos termos do artigo 63º [por a recorrida S… não ter sido a construtora nem a titular da correspondente licença], tinha que ter sido apresentado pela recorrida S…, na qualidade de proprietária da fracção, para que os serviços competentes do recorrente Município pudessem verificar a conformidade da obra concluída com o projecto aprovado e com as condições do licenciamento ou autorização [que detêm, certamente, em arquivo].
Considerando o interesse que a recorrida S… alega que tinha no início de 2007 em concretizar a negociação de arrendamento da loja, pressupomos que, se conhecesse a lei vigente aplicável, teria urgência em formular o pedido de emissão da licença em falta mais que não fosse para tentar assegurar a viabilidade daquela negociação, pelo que temos por razoável para o efeito o período de um mês.
Assim, é nosso entendimento, tendo em conta que o pedido de indemnização formulado pela recorrida S… na acção se refere ao valor mensal do arrendamento, se tivesse sido celebrado contrato, que o recorrente Município deveria ter sido condenado pelo tribunal recorrido no pagamento de uma indemnização no montante de €600,00, acrescido de juros de mora nos termos fixados na sentença recorrida, que não foi objecto de recurso.
Procede assim em parte, o recurso do recorrente Município, devendo a sentença recorrida ser revogada em conformidade.

A recorrente S… alega, em suma, que: para haver concorrência de culpas no agravamento do dano, nos termos do artigo 570º, nº 1 do CC, tem de haver um facto ilícito e culposo por parte do lesado, não vislumbrando que dever jurídico possa ter violado; nem da factualidade assente resulta que tenha adoptado comportamento censurável concausa do dano; pelo que a indemnização fixada peca por ser inferior à peticionada; provada a desvalorização dos primeiros andares direito e esquerdo em €20 000,00, sofreu um dano real, distinto de um patrimonial, no seu direito de propriedade, indemnizável, independentemente de os querer vender ou não; também não ocorre qualquer conduta omissiva sua que agravasse tal dano; pelo que, nesta parte a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 483º, 570, nº 1 e 486º do CC.

Considerando o decidido relativamente ao recurso interposto pelo recorrente Município, é manifesto que o recurso da recorrente S… não pode proceder.
Dando aqui por reproduzida a argumentação expendida a propósito do dever legal de requerer e dar início ao procedimento administrativo de concessão de autorização de utilização, resulta demonstrado que é sobre a recorrente S…, na qualidade de proprietária das fracções B. C, I e A, que impende o correspondente ónus.
Não requereu licença de utilização para as fracções primeiro por estar em erro quanto à sua existência, considerando a certificação de que tinham a autorização de utilização nº 701/84, referida nos contratos de compra e venda correspondentes. Depois por razões que não foram alegadas, mas parecem prender-se com o desconhecimento da legislação aplicável.
Após o conhecimento de que inexistia a referida licença de utilização e ao não requerer a emissão da licença em falta, tornou-se responsável pelos danos decorrentes de a loja se ter mantido vaga e desocupada, sem rendimentos, e pela desvalorização do valor de cada um dos primeiros andares apenas por não terem licença de utilização, bastando que promovesse a regularização da situação legal das fracções em causa para cessar o alegado dano.
Irreleva, por isso, entrar em considerações sobre se o juiz a quo atendeu ao dano patrimonial quando devia ter considerado o dano real, e se este justificaria a condenação do recorrente Município no pagamento da indemnização peticionada.
Em face do que não procede o recurso da recorrente S… .

Em face do que, no recurso interposto pelo recorrente Município a responsabilidade pelas custas é, de acordo com o disposto no artigo 527º do CPC ex vi artigo1º do CPTA, de ambas as partes em função do respectivo decaimento, que se fixa na proporção de ¼ para o Recorrente e ¾ para a recorrida S...
Por ter ficado vencida, a recorrida S... é a única responsável pelas custas do respectivo recurso.

Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em:

i) conceder provimento parcial ao recurso do recorrente Município de Sintra e revogar, na parte correspondente, a sentença recorrida, condenando o Município de Sintra no pagamento da quantia de €600,00 à A./recorrida S… acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a citação (que ocorreu em 28.1.2009) até efectivo e integral pagamento, absolvendo-se aquele no restante.

ii) Negar provimento ao recurso da recorrente S….

Custas do recurso interposto pelo Recorrente, por este e pela recorrida S... na proporção de ¼ e ¾, respectivamente.

Custas pela recorrente S….

Registe e Notifique.

Lisboa, 13 de Abril de 2023.

(Lina Costa – relatora)

(Catarina Vasconcelos)

(Rui Pereira)