Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:697/14.4BECTB
Secção:CA
Data do Acordão:02/13/2020
Relator:ALDA NUNES
Descritores:ELEITO LOCAL EM REGIME DE MEIO TEMPO
PENSÃO
CUMULAÇÃO COM REMUNERAÇÃO DE CARGO POLITICO
Sumário:I. Os eleitos locais em regime de meio tempo não se encontram abrangidos pelo disposto no artigo 9º da Lei nº 52-A/2005, na redação dada pelo artigo 78º da Lei nº 83-C/2013, de 31/12, não estando impedidos de cumular a pensão de aposentação com a remuneração correspondente ao cargo político desempenhado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

Relatório

A Caixa Geral de Aposentações recorre da sentença proferida pelo TAF de Castelo Branco, em10.3.2016, na ação administrativa especial que J......... instaurou a pedir a anulação do despacho de 6.6.2014, na parte em que determinou a restituição das pensões que auferiu entre janeiro a julho de 2014, no valor de €: 23.140,55.
A ação foi julgada procedente, o ato impugnado foi anulado e a CGA foi condenada a reconstituir a situação que existiria caso o ato não tivesse sido praticado, designadamente, a restituir ao autor a quantia de €: 23.140,55.

A CGA, inconformada com o decidido, interpôs recurso e concluiu as alegações de recurso nos seguintes termos:
«A - A palavra “nomeadamente” constante do n.º 2 do artigo 9.º da Lei n.º 52-A/2005, de 10 de outubro, introduzida pelo legislador através da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, retirou o carácter taxativo ao elenco de cargos políticos nela referidos na redação anterior.
B - Face à redação dada aos números 1 e 2 do artigo 9º, da Lei n.º 52-A/2005, de 10 de outubro, pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, ter-se-á que considerar que os eleitos locais em regime de meio tempo passam, também, a estar abrangidos pelos limites previstos no nº 1 do artigo 9º da Lei nº 52-A/2005, de 10 de outubro.
C – Isto é, com a entrada em vigor da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, o artigo 10.º da Lei nº 52– A/2005, de 10 de outubro, passou a aplicar-se ao Autor, o mesmo acontecendo com os limites estabelecidos no n.º1 do artigo 9.º desta Lei que passam, também a aplicar-se aos eleitos locais a meio tempo como, é o seu caso.
D – O n.º1 do artigo 9.º determina que - “O exercício de quaisquer funções políticas ou públicas remuneradas por pensionista ou equiparado ou beneficiário de subvenção mensal vitalícia determina a suspensão do pagamento da pensão ou prestação e da subvenção mensal vitalícia durante todo o período em que durar aquele exercício de funções.
E – Assim, desde a entrada em vigor da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, o Autor passou a encontrar-se na situação de acumulação impondo-se a suspensão do abono da sua pensão de aposentação com efeitos à data da entrada em vigor da referida Lei, isto é, desde 2014-01-01.
F - Em cumprimento do principio da legalidade a que está vinculada, a Ré suspendeu, e bem, o abono da pensão de aposentação do Autor e solicitou-lhe a reposição das verbas que lhe foram pagas àquele título no período que decorreu de janeiro a julho (mês em que o Autor cessou o exercício das suas funções políticas a meio tempo) de 2014».

O recorrido apresentou contra-alegações e nelas concluiu:
«1. A CGA, R. e ora Recorrente, vem interpor recurso da mui douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo em 10.03.2016, a fls. que julgou procedente a presente ação administrativa especial e, em consequência, anulou a deliberação do Conselho Diretivo da CGA de 06.06.2014 e condenou a CGA a reconstituir a situação que existia caso o ato impugnado não tivesse sido praticado, designadamente, a restituir ao Autor, ora Recorrido, da quantia de €23.140,55 e, ainda, no pagamento das custas processuais.
2. Em resumo, o douto Tribunal a quo, relativamente à questão fundamental a resolver, a de "saber se estão reunidos os pressupostos para aplicar ao autor o regime do artigo 9º da Lei nº 524/2005, de 10/1 [...] na redação que lhe foi dada pela Lei nº Lei 83-C/2013, de 31/12", julgou que esta deve ser respondida negativamente. Assim, decidiu no sentido de que "a decisão da entidade demandada (...) [deverá] ser anulada, por padecer de erro quanto aos pressupostos de direito porquanto "provou-se que o autor exerceu entre 12/10/2013 e 15/07/2014 as funções de vereador em regime de meio tempo na Câmara Municipal de ......, pelo que não se encontra abrangido pelo artigo 9º da Lei nº 52-A/2005, de 10/10, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 83-C/2013, de 31/12, pois esta norma aplica-se apenas aos eleitos locais em regime de tempo inteiro" e "ao contrário do que a entende a entidade demandada, o exercício do cargo de vereador não se pode considerar abrangido na alínea b) do nº 2 do artigo 9º da Lei nº 52-A/2005, de 10/10, pois nesta norma incluem-se cargos públicos, mas não políticos (como é o caso de vereador da Câmara Municipal)
3º Não se conformando, a CGA, ora Recorrente, veio interpor recurso, pois entende que os eleitos locais que exercem funções em regime de meio tempo também passaram a estar abrangidos pela proibição de acumulação de pensão com a remuneração correspondente ao exercício do seu cargo, nos termos da nova redação conferida aos artigos. 9º e 10º da Lei nº 52-A/2005 pela Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2014 (cfr. art. 78º da Lei nº 83-C/2013, de 31.12), alegando para tanto que:
a. (...) desde a entrada em vigor da Lei nº 83-C/2013, de 31 de dezembro, o Autor passou a encontrar-se na situação de acumulação impondo-se a suspensão do abono da sua pensão de aposentação com efeitos à data da entrada em vigor da referida Lei, isto é, desde 2014-01-01. b. "Á palavra "nomeadamente " constante do nº 2 do artigo 9º da Lei nº 52-A/2005, de 10 de outubro, introduzida pelo legislador através da Lei nº 83-C/2013, de 31 de dezembro, retirou o carácter taxativo ao elenco de cargos políticos nela referidos na redação anterior
c. "Face à redação dada aos números 1 e 2 do artigo 9º da Lei nº 52-A/2005, de 10 de outubro, pela Lei nº 83-C/2013, de 31 de dezembro, ter-se-á que considerar que os eleitos locais em regime de meio tempo passam, também, a estar abrangidos pelos limites previstos no nº 1 do artigo 9º da Lei nº 52-A/2005, de I0 de outubro
d. "Isto é, com a entrada em vigor da Lei nº 83-C/2013, de 31 de dezembro, o artigo 10º da Lei nº 52-A/2005, de 10 de outubro, passou a aplicar-se ao Autor, o mesmo acontecendo com os limites estabelecidos no nº 1 do artigo 9º desta Lei que passam, também a aplicar-se aos eleitos locais a meio tempo como, é o seu caso».
Ora, ao contrário do alegado pela ora recorrente, a douta Sentença proferida fez uma correta interpretação da realidade fatual e jurídica, ao considerar que a posição assumida pela CGA relativamente ao artigo 9º da Lei n.9 524/2005 é errada, pelo que não merece qualquer censura.
5º Analisando a legislação aplicável, mormente, a Lei nº 52-A/2005, na convocada redação da Lei nº 83-C/2013, conclui-se que a interpretação da ora recorrente quanto ao objeto do litígio é manifestamente contrária ao teor da própria lei, num claro erro quanto aos pressupostos de direito,
6º Por um lado, a predita lei veio alterar "o regime relativo a pensões e subvenções dos titulares de cargos políticos e o regime remuneratório dos titulares de cargos executivos de autarquias locais" (cfr. sumário da Lei), ou seja, dispôs sobre o estatuto dos titulares de cargos políticos, versando os seus artigos 9º ("limites às cumulações") e 10º ("titulares de cargos políticos") sobre a matéria relativa às cumulações entre pensões e remunerações devida pelo exercício de cargos políticos, sendo certo que com a entrada em vigor do Orçamento de Estado de 2014, aprovado pela Lei nº 83-C/2013, de 31.12, o campo de aplicação subjetivo da Lei nº 52-A/2005, passou também abranger, para além dos cargos políticos, os cargos públicos, sendo essa a primordial novidade que a nova redação trouxe ao artigo 9º.
7. Por outro lado, estando especialmente prevista na alínea a) do nº 2 do art 9º a situação dos eleitos locais não há razão para a Recorrente socorrer-se de uma alínea de caráter genérico, como é o caso da alínea b), para enquadrar a situação do aqui Recorrido de um modo manifestamente forcado e desconforme com a Lei.
8. Acresce que a Lei nº 52-A/2005, na redação da Lei nº 83-C/2013, mantém a referência aos eleitos locais a "tempo inteiro", igual e sem alterações. Com efeito, no que concerne aos titulares de cargos políticos, o artigo 10º da Lei nº 52-A/2005, de 10.10, na redação da Lei nº 83-C/2013, de 31.12 manteve a referência aos eleitos locais a tempo inteiro, determinando que para efeitos da presente lei, consideram-se titulares de cargos políticos sem prejuízo do disposto no artigo anterior, os eleitos locais em regime de tempo inteiro (alínea f))."
9. Ou seja, o legislador, de forma intencional e sem margem para quaisquer dúvidas, excluiu do âmbito de aplicação do art. 9º os eleitos locais a meio tempo (como é o caso do Recorrido, que desempenhou, desde o início do seu mandato em 12.10.2013 até 15.07.2014 o cargo de Vereador a meio tempo, nunca tendo exercido naquele período funções de tempo inteiro), acabando por nem sequer os mencionar, sendo certo que a ressalva "sem prejuízo do disposto no artigo anterior" efetuada no artigo 10º da Lei nº 52-A/ 2005, de 10.10, não se refere aos eleitos locais a tempo parcial (pois, reitere-se, estes não estão abrangidos pelo artigo 9º), mas sim a todos os restantes cargos políticos expressamente referidos no artigo 9º, nº 1, al. a).
10. É, pois, patente, a exclusão do Recorrido do âmbito de aplicação da legislação supra citada pois o exercício do cargo de Vereador a meio tempo não se enquadra no âmbito de aplicação da Lei nº 52-A/2005.
11. Assim, bem andou a douta Sentença ao referir que "se o legislador, quanto aos cargos políticos, aditou expressamente, na alínea a) do nº 1 do artigo 9º, aqueles que com a Lei nº 83-C/2013, de 31/12, passam a estar abrangidos pelo artigo 9º da Lei nº 52-A/2005, de 10/10, mas manteve a referência aos eleitos locais a tempo integral, então a sua intenção só pode ter sido a de não aplicar os limites às cumulações previstos no referido artigo 9º aos eleitos em regime de meio tempo. Interpretação diversa retiraria qualquer sentido útil à menção expressa aos eleitos locais em regime de tempo inteiro».
12. Sufragando-se integralmente a fundamentação expendida, o Recorrido entende que a douta Sentença sob recurso não merece qualquer censura, por fazer correta aplicação da lei, nos termos supra expostos, devendo ser confirmada com a consequente improcedência de todas as conclusões da alegação da Recorrente».

Neste Tribunal Central, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do disposto no artigo 146º do CPTA, emitiu pronúncia no sentido da procedência do recurso, por, em síntese, entender que os eleitos locais em regime de meio tempo, como é o caso do recorrido, passaram a estar abrangidos pelos limites previstos no art 9º, nº 1 da Lei nº 52-A/2005, de 10.10, na redação dada pela Lei nº 83-C/2013, de 31.12, impondo-se deste modo a suspensão do abono da pensão de aposentação do recorrido, com efeitos à data da entrada em vigor da LOE para 2014, isto é, desde 1.1.2014.

Com dispensa de novos vistos, vem o processo submetido à conferência para julgamento.

Objeto do recurso:
A questão suscitada pela recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, traduz-se em saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, quanto à aplicação dos artigos 9º e 10º da Lei nº 52-A/2005, de 10.10, na redação dada pela Lei nº 83-C/2013, de 31/12 (Lei do Orçamento de Estado para 2014), ao decidir que o eleito local em regime de meio tempo pode cumular a sua pensão de aposentação com a remuneração pelo exercício de funções de Vereador a tempo parcial.

Fundamentação
De Facto
Pelo TAF de Castelo Branco foi julgada provada a seguinte matéria de facto, a qual não vem impugnada no recurso:
1) «O autor remeteu à entidade demandada, que recebeu, um requerimento do qual consta o seguinte:
«J........., subscritor ........, aposentado, tendo terminado o mandato de Presidente da Câmara Municipal de ........ em 12 de outubro de 2013, passando a vereador em regime de meio tempo a partir dessa data, solicita o processamento da sua pensão à data atrás referida» [cf. fls. 90, do processo administrativo].
2) Em 04/12/2013 o conselho diretivo da entidade demandada decidiu levantar a suspensão do pagamento da pensão de aposentação, em virtude de o autor ter exercido o cargo de Presidente da Câmara Municipal de ...... até 12/10/2013, e retomar, na íntegra, o seu abono. [cf. despacho a fls. 106, exarado na nota junta fls. 107 e 108, do processo administrativo].
3) Em 04/06/2014 os serviços da entidade demandada elaboraram a nota, junta a fls. 112 a 114, do processo administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, e da qual consta o seguinte:
«(...)
Por todo o exposto entendemos que o interessado se encontra na situação de acumulação e que deverá ser suspenso o abono da sua pensão de aposentação com efeitos à data de entrada em vigor da Lei que aprovou o orçamento do estado para o presente ano, isto é, desde o dia 01 de janeiro p.p.
Note-se que, pese embora, a redação do novo n.º 3 do artigo 10.º da Lei n.º 52-A/2005, de 10 de outubro, esclarecer que as alterações introduzidas pela Lei nº 83-C/2013, de 31/12, aos, sempre falados, artigos 9.º e 10.º da Lei n.º 52-A/20005, não se aplicam aos titulares de cargos políticos em exercício na data da sua entrada em vigor mantendo-se aqueles abrangidos pelo regime anterior até à cessação do mandato, o exercício de funções políticas a tempo parcial (como afirma exercer o interessado) não faz parte do elenco dos cargos políticos constante do artigo 10.º da Lei n.º 52-A/2005, na atual, como na anterior redação, o que implica a aplicação ao interessado do regime atualmente em vigor».
4) Em 06/06/2014 o conselho diretivo da entidade demandada exarou despacho de concordância na informação descrita no ponto anterior [cf. fls. 111, do processo administrativo].
5) A entidade demandada enviou ao autor, que recebeu, o ofício, datado de 21/07/2014, com a referência UAC……., através do qual lhe deu a conhecer a decisão descrita no ponto anterior e lhe comunicou que teria que restituir € 23.140,55, relativos a pensões indevidamente recebidas [cf. fls. 119 e 120, do processo administrativo].
6) Em 15/07/2014 o autor cessou as funções como vereador a tempo parcial da Câmara Municipal de .......... [cf. fls. 51, dos autos em suporte de papel].
7) O Município de .......... enviou à entidade demandada, que recebeu, um ofício datado de 29/07/2014, através do qual lhe deu conhecimento do facto descrito no ponto anterior [cf. fls. 121, do processo administrativo].
8) A entidade demandada remeteu ao Município de ........, que recebeu, o ofício com referência UAC……., do qual consta o seguinte:
«(...) foi tomada devida nota no sentido do pagamento da pensão por esta Caixa, no próximo mês, ao aposentado n.º ……, J......... com efeitos desde 2014-07-15.
No entanto mantém-se o teor do nosso ofício de 2014-07-21, pelo que o Vereador terá de regularizar a dívida comunicada» [cf. fls. 122, do processo administrativo].
9) O autor apresentou nos serviços da entidade demandada um documento dirigido ao Conselho Diretivo da entidade demandada, designado por “Recurso Hierárquico”, no qual expôs as razões pelas quais considera a decisão descrita em 4) ilegal e informou a entidade demandada do descrito em 6) [cf. fls. 123 a 129, do processo administrativo].
10) O autor apresentou nos serviços da entidade demandada um documento dirigido ao Diretores dos Serviços da entidade demandada, designado por “Reclamação”, no qual expôs as razões pelas quais considera a decisão descrita em 4) ilegal e informou a entidade demandada do descrito em 6) [cf. fls. 130 a 136, do processo administrativo].
11) Em 25/08/2015 o autor efetuou o pagamento da importância descrita em 5) [cf. fls. 138, do processo administrativo].
12) O autor apresentou nos serviços da entidade demandada um documento do qual consta o seguinte:
«(...) 2 – Em 25 de Agosto de 2014, procedi junto da Caixa Geral de Depósitos à restituição da importância que me foi solicitada €23.140,55, conforme certificado de pagamento que junto anexo.
3 – A Caixa Geral de Aposentações exige-me a restituição do que recebi de pensões a partir de 1 de janeiro de 2014, baseado na lei do orçamento deste ano, no entanto nesse montante de €23.140,55 estão incluídas a importância de €6.056,10 que de facto recebi juntamente com a pensão de janeiro de 2014, mas essas importâncias referem-se a retroativos dos meses de outubro, novembro e dezembro de 2013 a que tinha direito e só em foi pago em janeiro de 2014.»
[cf. fls. 137, do processo administrativo].
13) A entidade demandada remeteu ao autor, que recebeu, o ofício com a referência n.º AAC6 AR ……, do qual consta o seguinte:
«(...) a Caixa Geral de Aposentações mantém o entendimento segundo o qual, por força da nova redação dos artigos 9.º e 10.º da Lei n.º 52-A/2005, de 10/10, introduzida pelo artigo 78.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, os eleitos locais que exercem funções em regime de meio tempo passaram a estar abrangidos pela proibição de acumulação de pensão com a remuneração correspondente ao exercício do cargo» [cf. fls. 140, do processo administrativo].
14) Em 13/10/2014 a entidade demandada elaborou uma nota da qual consta o seguinte:
«(...) Apurado o valor em dívida (€23.140,55) o interessado, em 25 de agosto de 2014, procedeu à sua regularização. Porém, vem agora informar que, no valor apurado, está incluída a importância de €6.056,10, que se refere aos retroativos dos meses de outubro, novembro e dezembro de 2013.
2. Deve o processo, assim, ser remetido ao serviço de abono para que, confirmando-se a informação prestada pelo interessado, se for caso disso, se proceder à restituição daquela quantia.» [cf. fls. 146, do processo administrativo].
*
Inexistem outros factos com relevância para a decisão da causa».


De direito
Erro de julgamento de direito.

O motivo do recurso prende-se com a interpretação dos artigos 9º e 10º da Lei nº 52-A/2005, de 10.10 [diploma que dispõe sobre as pensões e subvenções dos titulares de cargos políticos e o regime remuneratório dos titulares de cargos executivos de autarquias locais], na redação que lhes foi dada pela Lei nº 83-C/2013, de 31.12 (Lei do Orçamento do Estado para 2014), por o recorrido, na situação de aposentado, ter exercido as funções de Vereador a tempo parcial na Câmara Municipal de ........., no período de 12.10.2013 a 15.7.2014, e ter recebido, cumulativamente, a pensão e a remuneração correspondente ao cargo político desempenhado.

Alicerçada na redação dada aos citados preceitos legais pela LOE para 2014, a recorrente praticou o ato impugnado na ação, com data de 6.6.2014, que suspendeu o abono da pensão de aposentação do recorrido, com efeitos à data da entrada em vigor da Lei em 1.1.2014, e determinou a restituição das pensões que aquele auferiu entre janeiro e julho de 2014, no valor de €: 23.140,55.

O tribunal recorrido deu procedência à pretensão material do autor, aqui recorrido, e anulou a decisão administrativa, por considerar:

O legislador … da Lei nº 83-C/2013, de 31.12, apesar de ter pretendido ampliar o campo de aplicação subjetivo do art 9º da Lei nº 52-A/2005, de 10.10, manteve a referência aos eleitos locais a tempo inteiro.

Ora, apesar de no corpo do n.º 2 do artigo 9.º da Lei n.º 52-A/2005, de 10/10, o legislador empregar o advérbio “nomeadamente” o elemento histórico da interpretação jurídica conduz à conclusão de que caso o legislador pretendesse que os eleitos locais a tempo parcial ficassem abrangidos pelos limites às cumulações regulados no artigo 9.º tê-lo-ia dito expressamente.

Com efeito, se o legislador, quanto aos cargos políticos, aditou expressamente, na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º, aqueles que com a Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, passaram a estar abrangidos pelo artigo 9.º da Lei n.º 52-A/2005, de 10/10, mas manteve a referência aos eleitos locais a tempo integral, então a sua intenção só pode ter sido a de não aplicar os limites às cumulações previstos no referido artigo 9.º aos eleitos em regime de meio tempo.

Interpretação diversa retiraria qualquer sentido útil à menção expressa aos eleitos locais em regime de tempo inteiro.

Efetivamente, caso o legislador pretendesse, com a Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, abarcar no campo de aplicação do artigo 9.º da Lei n.º 52-A/2005, de 10/10, todos os eleitos locais ter-se-ia referido tão só aos “eleitos locais” e não aos “eleitos locais em regime de tempo inteiro” ou, pelo menos, não os teria expressamente referido na alínea a) do n.º 2 do artigo 9.º da Lei n.º 52-A/2005, de 10/10, deixando que ficassem abrangidos pela cláusula geral do n.º 1 do citado artigo 9.º.

Finalmente, refira-se que, ao contrário do que entende a entidade demandada, o exercício do cargo de vereador não se pode considerar abrangido pela alínea b) do n.º 2 do artigo 9.º da Lei n.º 52-A/2005, de 10/10, pois nesta norma incluem-se cargos públicos, mas não cargos políticos (como é o caso de vereador da Câmara Municipal).

Olhemos então para o texto legal.

A Lei nº 52-A/2005, de 10/10 ao alterar o regime relativo a pensões e subvenções dos titulares dos cargos políticos e o regime remuneratório dos titulares dos cargos executivos das autarquias locais, prescreveu, no art 9º, sob a epígrafe limites à cumulação:
1- Nos casos em que os titulares de cargos políticos em exercício de funções se encontrem na condição de aposentados, pensionistas, reformados ou reservistas, independentemente do regime público ou privado que lhes seja aplicável, é-lhes mantida a pensão de aposentação, de reforma ou a remuneração de reserva, sendo-lhes abonada uma terça parte da remuneração base que competir a essas funções, ou, em alternativa, mantida a remuneração devida pelo exercício efetivo do cargo, acrescida de uma terça parte da pensão de aposentação, de reforma ou da remuneração de reserva que lhes seja devida.
2- O limite previsto no número anterior não se aplica às prestações de natureza privada a que tenham direito os respetivos titulares, salvo se tais prestações tiverem resultado de contribuições ou descontos obrigatórios.
3- (…).
O art 10º, sob a epígrafe titulares de cargos políticos, enumerava o seguinte:
Consideram-se titulares de cargos políticos para efeitos da presente lei:
a) Os deputados à Assembleia da República;
b) Os membros do Governo;
c) Os Representantes da República;
d) O Provedor de Justiça;
e) Os governadores e vice-governadores civis;
f) Os eleitos locais em regime de tempo inteiro;
g) Os deputados ao Parlamento Europeu;
h) Os juízes do Tribunal Constitucional que não sejam magistrados de carreira.

A Lei nº 55-A/2010, de 31/12 [que aprovou o orçamento de Estado para o ano de 2011], alterou o art 9º que passou a ter a redação seguinte:
1- Nos casos em que os titulares de cargos políticos em exercício de funções se encontrem na condição de aposentados, pensionistas, reformados ou reservistas devem optar ou pela suspensão do pagamento da pensão ou pela suspensão da remuneração correspondente ao cargo político desempenhado.
2- A opção prevista no número anterior aplica-se aos beneficiários de pensões de reforma da Caixa Geral de Aposentações e da Segurança Social e de pensões pagas por entidades gestoras de fundos de pensões ou planos de pensões de institutos públicos, de entidades administrativas independentes e de entidades pertencentes aos sectores empresariais do Estado, regional e local.
3- (…).
6- O disposto no presente artigo aplica-se no caso da alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 4/85, de 9/4, alterada pelas Leis nºs. 26/95, de 18/8, 3/2001, de 23/2 e 52-A/2005, de 10/10.

Para o que ora importa, também a Lei que aprovou o Orçamento de Estado para o ano de 2014 – Lei nº 83-C/2013, de 31.12 – introduziu alterações aos arts 9º e 10º da Lei nº 52-A/2005.
No art 9º, os nº 1, 2 e 3 passaram a ter a redação seguinte:
1- O exercício de quaisquer funções políticas ou públicas remuneradas por pensionistas ou equiparado ou por beneficiário de subvenção mensal vitalícia determina a suspensão do pagamento da pensão ou prestação equiparada e da subvenção mensal vitalícia durante todo o período que durar aquele exercício de funções.
2- O disposto no número anterior abrange, nomeadamente:
a) O exercício dos cargos de Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, membro do Governo, deputado à Assembleia da República, juiz do Tribunal Constitucional, Provedor de Justiça, Representante da República, membro dos Governos Regionais, deputado às Assembleias legislativas das Regiões Autónomas, deputado ao Parlamento Europeu, embaixador, eleito local em regime de tempo inteiro, gestor público ou dirigente de instituto público autónomo;
b) O exercício de funções a qualquer título em serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integrem o setor empresarial municipal ou regional e demais pessoas coletivas públicas;
c) As pensões da CGA, nomeadamente de aposentação e de reforma, as pensões do CNP, as remunerações de reserva, pré-aposentação e disponibilidade auferidas por profissionais fora da efetividade de serviço, bem como aos titulares de pensões pagas por entidades gestoras de fundos de pensões ou planos de pensões de institutos públicos, de entidades administrativas independentes e de entidades pertencentes aos setores empresariais do Estado, regional e local.
3- (…).
O art 10º passou a dispor:
Para efeitos da presente lei, consideram-se titulares de cargos políticos, sem prejuízo do disposto no artigo anterior:
a) Os deputados à Assembleia da República;
b) Os membros do Governo;
c) Os Representantes da República;
d) O Provedor de Justiça;
e) Os governadores e vice-governadores civis;
f) Os eleitos locais em regime de tempo inteiro;
g) Os deputados ao Parlamento Europeu;
h) Os juízes do Tribunal Constitucional que não sejam magistrados de carreira;
i) Os membros dos Governos Regionais;
j) Os deputados das Assembleias Legislativas das regiões autónomas.

A situação do recorrido – pensionista da CGA e Vereador a tempo parcial da Câmara Municipal de ......... com remuneração, no período de 12.10.2013 a 15.7.2014 – configura o exercício de cargo político remunerado por pensionista da Caixa Geral de Aposentações.

O que desde logo afasta, como decidiu o tribunal recorrido, a aplicação do disposto no art 9º, nº 2, al b) ao caso. O exercício do cargo de Vereador não configura exercício de cargo público, mas o exercício de funções políticas, como eleito local. O Estatuto dos Eleitos Locais (EEL), aprovado pela Lei nº 29/87, de 30.6, com as sucessivas alterações, nomeadamente, introduzidas pela Lei nº 52-A/2005, de 10.10, qualifica como eleitos locais os membros dos órgãos deliberativos e executivos dos municípios e das freguesias (art 1º, nº 2).

A Lei das Autarquias Locais (LAL), aprovada pela Lei nº 169/99, de 18.9, abandonou a designação de vereadores em regime de permanência e de meio tempo, que substituiu por vereadores a tempo inteiro e a meio tempo.

O regime vigente para os vereadores em regime de meio tempo compreende um traço comum central com os de tempo inteiro: têm direito às remunerações e subsídios fixados para os respetivos cargos em regime de tempo inteiro, ainda que sujeitos a uma redução em metade, nos termos do disposto pelo art 8º do EEL.

Entre as similitudes de natureza dos regimes de meio tempo e tempo inteiro ressaltam a prestação de um serviço regular e diário nas câmaras municipais (recorde-se que o tempo inteiro não implica ocupação exclusiva) e o direito a remuneração mensal pelo exercício do cargo, com obrigações de permanência durante o período de funcionamento dos serviços.

Perscruta-se agora saber se o exercício das funções de Vereador a meio tempo, por não constar expressamente enunciado no elenco dos titulares de cargos políticos do art 9º, nº 2, al a) e do art 10º da Lei nº 52-A/2005 na redação aplicável, dada pela Lei nº 83º-C/2013, de 31.12, ainda assim, a coberto do advérbio nomeadamente empregue no corpo do nº 2 do art 9º da Lei e da remissão do corpo do art 10º - sem prejuízo do disposto no artigo anterior – para o art 9º, se enquadra no regime jurídico que determina a suspensão do pagamento da pensão a pensionista que exerça função política remunerada.

Da leitura dos artigos 9º e 10º da Lei n.º 52-A/2005, de 10/10, na redação que foi dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, resulta que os eleitos locais em regime de meio tempo não constam tipificados como cargo a que expressamente o legislador haja imposto limite à cumulação de abonos. Na verdade, ambos os preceitos se referem apenas aos eleitos locais em regime de tempo inteiro.

O facto de a situação dos eleitos locais em regime de meio tempo não estar expressamente prevista, na enumeração exemplificativa do art 9º, nº 2 e do art 10º (atenta a remissão para o art 9º) da Lei, de limite à cumulação, não invalida que não se enquadre na previsão, geral, do nº 1 do art 9º. Este preceito passou a abranger todos aqueles que exercem quaisquer funções políticas ou públicas remuneradas e sejam pensionistas, situação que determina a suspensão do pagamento da pensão durante todo o período em que durar aquele exercício de funções (de eleito local).

No entanto, a decisão que estamos a sindicar afastou esse entendimento fazendo apelo ao elemento histórico da interpretação jurídica.

Por um lado, na redação anterior à LOE para 2014, os limites às cumulações – de pensão e remuneração correspondente ao cargo político desempenhado – não se aplicavam aos eleitos locais aposentados, pelo que até à entrada em vigor da Lei do Orçamento de Estado para 2014, um vereador aposentado que exercesse funções em regime de meio tempo numa autarquia, não teria de optar entre o vencimento e a respetiva pensão. Percebia ambos sem que a lei o proibisse.

Por outro lado, nas alterações introduzidas na Lei nº 52-A/2005 pela Lei nº 83-C/2013, o legislador acrescentou o exercício dos cargos sujeitos aos limites de cumulações do art 9º. A saber: o de Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, membros do Governo Regionais e deputados às Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas. Quanto aos eleitos locais o legislador manteve a referência aos eleitos locais a tempo inteiro.

A questão de saber se aos eleitos locais em regime de meio tempo se aplicam os limites às cumulações previstos no art 9º da Lei nº 52-A/2005, como já reconheceu o TCA Sul em acórdão proferido a 4.10.2018, no processo nº 1074/18, não é linear, tanto mais atendendo ao contexto em que foi aprovada a Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2014.
O Supremo Tribunal Administrativo, no entanto, em acórdão tirado por unanimidade, em 13.3.2019, no mesmo processo nº 1074/18, decidiu:
«(…), enquanto anteriormente o legislador especificava, de forma taxativa, os titulares dos cargos políticos a que a Lei n.º 52-A/2005 era aplicável, com a Lei n.º 83-C/2013, além de alargar o seu âmbito de aplicação, através da inclusão, ao lado do exercício de funções políticas, do exercício de funções públicas remuneradas, passou a adotar um sistema misto de combinação da cláusula geral constante do n.º 1 do art.º 9.º com uma enumeração meramente ilustrativa das situações que eram abrangidas por ela. Daí que, na al. a) do n.º 2 do art.º 9.º, sejam indicados, a título exemplificativo, vários cargos políticos e públicos incluídos na cláusula geral e no art.º 10.º se enumerem os titulares dos cargos políticos a que a lei é aplicável.
Na nova redação dada ao art.º 10.º, o legislador limitou-se a acrescentar a expressão “sem prejuízo do disposto no artigo anterior” e a aditar à enumeração dos titulares de cargos políticos que dele constava os “membros dos Governos Regionais” (cf. al. i) e os “deputados às Assembleias Legislativas das Regiões autónomas” (cf. al. j). A aludida expressão, segundo cremos, só pode significar que a Lei n.º 52-A/2005, além de ser aplicável aos cargos políticos especificados nas várias alíneas do preceito, também o é aos cargos políticos mencionados na al. a) do n.º 2 do art.º 9.º que não constam da referida enumeração, como sejam o Presidente da República e o Presidente da Assembleia da República. Efetivamente, entendendo-se, como a ora recorrente, que no art.º 10.º estavam incluídos todos os cargos políticos, mostrava-se inútil a enumeração a que o legislador da Lei n.º 83-C/2013 reconheceu inequivocamente utilidade, quando não só manteve aquela que vinha da versão original do diploma, como ainda lhe acrescentou dois cargos políticos.
Assim, o art.º 10.º deve ser interpretado no sentido que, para efeitos da lei, se consideram titulares de cargos políticos aqueles que aí estão enumerados, bem como os que são indicados na al. a) do n.º 2 do art.º 9.º e que não constam desse elenco.
E, tendo o legislador especificado que abrangidos pela Lei n.º 52-A/2005 eram os “eleitos locais em regime de tempo inteiro”, afastou, “a contrario”, qualquer outra categoria de eleitos locais, não se podendo estender o sentido da norma de forma a abarcar os eleitos locais em regime de meio tempo, apesar de estes também serem titulares de cargos políticos remunerados.
A compreensão e interpretação do texto dos arts 9º e 10º da Lei nº 52-A/2005, de 10.10, na redação que lhes foi dada pelo art 78º da Lei nº 83-C/2013, de 31.12, assim gizada pelo Supremo Tribunal afigura-se-nos ser de aplicar ao caso.
Neste sentido, é de entender que ao autor/ recorrido, eleito local em regime de meio tempo, não é aplicável o disposto no artigo 9º da Lei nº 52-A/2005, na redação dada pelo artigo 78º da Lei nº 83-C/2013, de 31/12.
Em consequência, não assiste razão à recorrente, improcedendo o recurso.

Decisão
Atento o exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente.
Notifique e registe.
*
Lisboa, 2020-02-13,


(Alda Nunes),


(Lina Costa),


(Carlos Araújo).