Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1042/07.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/11/2024
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:BENEFÍCIOS FISCAIS
ISENÇÃO
DEFICIENTES
CESSAÇÃO DO BENEFÍCIO POR INCUMPRIMENTO
PRINCÍPIO DA JUSTIÇA
Sumário:I- O direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respetivos pressupostos, e independentemente da própria natureza dos aludidos benefícios fiscais, existindo dívidas fiscais e sem que a legalidade da dívida esteja em discussão e garantida mediante prestação idónea, os mesmos não produzem efeitos no ano em que ocorram os seus pressupostos (cfr. artigos 4.º, 11.º, 11.ºA, 12.º nºs 5, 6 e 7 do EBF);
II- A letra da lei é perentória e diz-nos, de forma clara, que para obstar à desconsideração do benefício fiscal, é preciso não só que a dívida esteja a ser objeto de discussão graciosa ou judicial, mas que, cumulativamente, tenha sido prestada garantia idónea, sendo certo que, o ressarcimento de quaisquer custos concatenados com a prestação indevida de garantia podem ser objeto de reparação nos termos do artigo 53.º, nºs 1 e 2 da LGT.
III- A aplicação do princípio da justiça implica uma apreciação casuística, sendo que no caso dos benefícios fiscais há que ter presente que as normas de benefícios fiscais merecem tratamento autónomo porque são normas antissistemáticas por definição, estando em tensão permanente com o princípio da capacidade contributiva, que derrogam como padrão na repartição do imposto.
IV- Inexistindo no caso vertente uma solução normativa absolutamente inaceitável que colida com valores estruturantes do ordenamento jurídico, o ato de liquidação não comporta qualquer vício, nem traduz qualquer violação dos princípios da proporcionalidade, da confiança, e da justiça, nada resultando patenteado no probatório que permitisse legitimar a anulação do ato impugnado.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais: Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário, Subsecção comum, do Tribunal Central Administrativo Sul:

ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por C….. na sequência do indeferimento tácito do recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) referente ao ano de 2003.

A Recorrente, apresentou as suas alegações de recurso nas quais formulou as conclusões que infra se reproduzem:

“I.

O presente Recurso vem reagir contra a Sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial referente a IRS de 2003.

II.

A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, total e acertada aplicação das normas legais aplicáveis ao caso sub judice e, bem assim, uma correta apreciação da matéria de facto relevante.

III.

A impugnação tem por objeto a liquidação de IRS, referente a 2003, encontrando-se em discussão a desconsideração dos benefícios fiscais decorrente da existência de dívida fiscal do impugnante referente a IRS do exercício de 1999.

IV.

A Fazenda Pública não põe em causa o segmento da sentença que julga improcedentes os argumentos do impugnante quanto aos invocados vícios de violação de lei de aplicação retroativa, mas tão-só a parte em que julga a impugnação procedente por considerar violado o princípio da justiça.

V.

A Fazenda Pública não se conforma com a douta sentença quando decide que o ato de liquidação impugnado viola o princípio da justiça, socorrendo-se da fundamentação constante de acórdão do TCA Sul no âmbito do processo nº 06988/13, de 21-11-2014, sendo de salientar que a própria sentença reconhece que as situações em causa, no mencionado acórdão e nos presentes autos, não são inteiramente coincidentes.

VI.

A douta sentença recorrida fundamenta a aplicação do princípio da justiça pelo facto de terem sido desconsiderados benefícios fiscais referentes à incapacidade de 80 % do sujeito passivo B, à semelhança do acórdão citado, bem como, pelo facto de a dívida em causa, referente a IRS de 1999, estar a ser discutida em sede de reclamação graciosa apresentada em 2001, tendo a mesma sido indeferida apenas em 2006.

VII.

Sendo de referir que na redação dada pela Lei 55-B/2004 ao artigo 12º, nº 6 do EBF, a existência de dívidas determina que os benefícios fiscais não produzam efeitos.

VIII.

Considera igualmente a douta sentença recorrida que não se verifica prejuízo para o Estado a partir do momento em que foi efetuado o pagamento do imposto.

IX.

Contudo, com o devido respeito, não pode a Fazenda concordar com a douta sentença recorrida porquanto o princípio da justiça não encontra justificação no caso concreto, sendo que o que importa determinar é se existiu justificação para o não pagamento da dívida ou para a não apresentação de garantia idónea.

X.

Com efeito, do simples facto de a dívida ter sido paga posteriormente não resulta aplicação do princípio da justiça. Pelo contrário, ao considerar “justificado” o pagamento tardio, a douta sentença recorrida ao decidir como decidiu, trata de forma desigual todos os demais sujeitos passivos que, tendo reclamado ou impugnado contra atos de liquidação tenham apresentado garantia idónea para suspender a sua execução, ou tenham pago atempadamente as notas de cobrança, fazendo assim “letra-morta” da obrigação de apresentar garantia idónea.

XI.

Não se pode descurar o interesse público e a função primordial do Estado na arrecadação de receitas para satisfação de necessidades coletivas, sendo que resulta dos factos que a dívida foi paga apenas em 21-07-2006.

XII.

Acresce ainda referir que, ao contrário do decidido pela douta sentença, o lapso de tempo decorrido até à decisão da reclamação em 2006, também não justifica a falta de apresentação da garantia, tanto mais que a garantia teria de ter sido apresentada em 2001, após a apresentação da reclamação. Assim sendo, o lapso de tempo até á decisão da reclamação não justifica, a posteriori, que não tenha apresentado atempadamente a garantia ou pago a dívida.

XIII.

Sendo certo que, em caso de procedência da reclamação, poderia o reclamante ser ressarcido de despesas incorridas com eventual garantia indevida ou juros indemnizatórios.

XIV.

Em suma, o incumprimento do prazo de 6 meses para a decisão da reclamação não justifica o não pagamento ou a ausência de garantia, sendo certo que o referido prazo tem em vista permitir ao sujeito passivo a presunção do indeferimento para efeitos de interposição de recurso hierárquico ou impugnação judicial.

XV.

Acresce ainda que a douta sentença recorrida também não ponderou o eventual incómodo ou impossibilidade financeira de suportar o encargo com a garantia ou o pagamento da dívida, sendo certo que, em face dos rendimentos que resultam da declaração modelo 3 de IRS e do rendimento tributável que consta da declaração (cerca de € 957.000,00), também não vislumbramos justificação para a dispensa da apresentação de garantia ou para retardar o pagamento da obrigação de imposto.

XVI.

É de referir que, em face do rendimento dos sujeitos passivos cai naturalmente por terra o argumento da incapacidade de ganho resultante da incapacidade do sujeito passivo, argumento que consta no citado acórdão do TCA Sul nº 06988/13, que a douta sentença recorrida utiliza como suporte para a sua fundamentação.

XVII.

Assim, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar procedente a presente impugnação judicial, enferma de erro de facto e de direito na aplicação da norma do artigo 55º da LGT na desconsideração da aplicação do artigo 12º, nº 5 e 6 do EBF e da obrigação de prestação de garantia idónea para suspender a execução fiscal.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente. DIRECÇÃO DE FINANÇAS DE LISBOA REPRESENTAÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA

Porém, V. Exªas decidindo, farão a costumada JUSTIÇA.”


***


O Recorrido devidamente notificado, para o efeito, não apresentou contra-alegações.

***


O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

***


Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

***


II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

“Com relevância para a decisão da presente impugnação, consideram-se provados os seguintes factos:

A. Em 06/05/2004, o Impugnante, C………– sujeito passivo A, e E…….. – sujeito passivo B, procederam à entrega da Declaração Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2003, à qual foi atribuído o n.º …………… (cfr. Doc. 3 junto com a petição inicial);

B. Na declaração mencionada na alínea anterior, o Impugnante declarou, no campo 7, que o sujeito passivo B detinha um grau de invalidez de 80%; no campo 7 do Anexo H, referente a “Deduções à Coleta – Benefícios Fiscais”, o montante total de €2.774,81 e no campo 8 do mesmo Anexo, relativo a “Deduções à Coleta Previstas no CIRS”, o montante total de €6.044,71 (cfr. Doc. 3 junto com a petição inicial);

C. Em 18/08/2004, foi emitida a liquidação de IRS n.º 2004 …………., com suspensão de benefícios fiscais, referente ao ano de 2003, na qual foi apurado um rendimento global de €950.865,33, deduções específicas no valor de €200.703,48 e deduções à coleta no montante de €2.888,18, ascendendo o valor de imposto a pagar a €196.757,30 (cfr. Doc. 4 junto com a petição inicial e “Demonstração de Liquidação” constante de fls. 17 do processo de recurso hierárquico apenso ao PAT);

D. Em 22/07/2006, foi emitida a liquidação de IRS n.º 2006 ……………., com suspensão de benefícios fiscais, referente ao ano de 2003, na qual foi apurado um rendimento global de €957.991,41, deduções específicas no valor de €198.901,30 e deduções à coleta no montante de €2.105,32, ascendendo o valor de imposto a pagar a €201.111,46 (cfr. Documento 5 junto com a petição inicial e “Demonstração de Liquidação” constante de fls. 22 do processo de recurso hierárquico apenso ao PAT);

E. Na sequência da liquidação mencionada na alínea antecedente, foi emitida a nota de cobrança com o n.º 2006 ……….., com um valor a pagar de €4.354,16, o qual foi pago em 05/09/2006 (cfr. prints retirados do sistema informático da AT referentes à consulta de “Notas de Cobrança – Demonstração da Compensação” e “Pagamentos – Detalhe” constantes de fls. 24 e 25 do processo de recurso hierárquico apenso ao PAT);

F. Na liquidação mencionada na antecedente alínea D), foram desconsiderados os benefícios fiscais referentes a: incapacidade fiscalmente relevante (80%) do SP B E……; Plano Poupança Reforma / Educação do SP A no montante de €2.375,23; Donativo a outras entidades do SP A no montante de €225.00 e Donativo a outras entidades do SP B no montante de €174,58 (cfr. informação prestada pelo Serviço de Finanças de Lisboa 1, constante de fls. 141 e 142 do SITAF);

G. Em 20/03/2007, deu entrada, na Repartição de Finanças do ...º Bairro Fiscal de Lisboa, reclamação graciosa apresentada pelo aqui Impugnante contra o ato de liquidação de IRS mencionado na antecedente alínea D) (cfr. fls. 2 do processo de reclamação graciosa apenso ao PAT, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

H. No âmbito da mencionada reclamação graciosa, à qual foi atribuído o n.º ………………, foi elaborada informação da qual se retira o seguinte: “Vem o contribuinte, C……., com os demais sinais nos autos, reclamar por não concordar com a alteração dos rendimentos pela exclusão dos benefícios fiscais do ano de 2003, devido a uma dívida que somente em 2006 foi efetivamente concluído o seu apuramento e do qual resultou imposto a pagar no montante de €4.354,16 que se encontra já pago. // O sujeito passivo fez entrega da declaração de IRS referente ao ano de 1999, dentro do prazo legal, da qual resultou uma liquidação a pagar no montante de 9.291,65 euros. // Dado haver divergência nas rendas recebidas, foi a mesma corrigida pelos Serviços, em mais 3.757,69 euros. // O ora reclamante não concordou com as correções efetuadas pela Administração Fiscal, e em 15.01.2001, apresentou uma petição que foi instaurada cabendo-lhe o n.º ………. // A reclamação graciosa foi apreciada e foi elaborado o projeto de indeferimento. // De tal projeto foi o contribuinte notificado, aos 28.03.2006, tendo exercido o direito de audição aos 7.04.2006; // O ora reclamante não fez prova do invocado, isto é, não carreou aos autos elementos probatórios que pudessem sustentar o ora reclamado, pelo que foi proferido despacho a converter em definitivo o projeto de decisão de indeferimento. // Respeitante ao exercício do ano de 2003, foram retirados ao ora reclamante os benefícios fiscais declarados nos termos do artigo 11-A do Estatuto dos Benefícios Fiscais, (EBF) dado que existiam dívidas fiscais sem apresentação de garantia. // Correu termos por este Serviço de Finanças o processo de execução fiscal n.º …………., referente ao IRS do exercício de 1999, de valor €3.757, 69, que se encontra pago, nos seguintes termos: // Em 25.10.2005, foi aplicado o cheque n.º ………… da DGT, referente a um reembolso de IVA do período de 04 02 no montante de €224,13 em nome do sujeito passivo B, a restante dívida foi paga em 21.07.2006. // Verifica-se assim, que a liquidação ora contestada foi emitida em 2001.09.26, tendo como prazo limite para o pagamento voluntário a data de 2001.11.12, conforme print em anexo. // Tendo o reclamante interposto a sua petição a 18 de outubro de 2001, a mesma não tem efeitos suspensivos de pagamento, podendo o ora reclamante ter optado entre pagar o imposto em falta ou ter apresentado garantia bancaria nos autos de execução fiscal. // Em face da reclamação apresentada, verifica-se não ter havido qualquer alteração do valor a pagar, para o IRS do ano de 1999, dado que a reclamação foi indeferida. // Nestes termos e para efeitos do n.º 1 do art.º 75.º do CPPT, tenho a honra de informar V. Exa. de que: // 1- O processo é o meio próprio, a reclamação tempestiva (cf. n.º 1 do artº. 70.º do CPPT) e o reclamante tem legitimidade para o ato (cf. n.º 1 artº. 68.º do CPPT). // 2 – Os documentos juntos aos autos confirmam o alegado. // Nesta conformidade, sou de parecer que deverá ser proferida decisão a INDEFERIR o pedido, pelo facto de o contribuinte durante o ano de 2003 ser devedor à Fazenda Nacional e não optou por cumprir o estipulado no disposto do n.º 2 do artigo 11-A do Código dos Benefícios Fiscais (EBF). // (…)”. (cfr. Doc. 2 junto com a petição inicial e fls. 8 a 10 do processo de reclamação graciosa apenso ao PAT, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

I. Sobre a informação mencionada na alínea anterior foi exarado, em 23/04/2007, despacho do Chefe do Serviço de Finanças, em substituição, com o seguinte teor: “Conforme informação e respetivo parecer, indefiro a presente reclamação. // Notifique-se para no prazo de 10 dias exercer o direito de audição prévia, nos termos do art.º 60.º da Lei Geral Tributária. // (…)” (cfr. Doc. 2 junto com a petição inicial e fls. 8 do processo de reclamação graciosa apenso ao PAT, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

J. Através do ofício do Serviço de Finanças de Lisboa 5, com o n.º ………., de 24/04/2007, o Impugnante foi notificado para exercer, querendo, o direito de audição prévia, no âmbito da reclamação graciosa que vem sendo referida (cfr. fls. 11 e 12 do processo de reclamação graciosa apenso ao PAT);

K. Com data de 23/05/2007, foi proferida “Informação (para efeitos de conversão do projeto de decisão)”, da qual se retira o seguinte: “(…) // De tal projeto foi o contribuinte notificado, aos 2/05/2007, para exercer o direito de audição prévia, não o tendo vindo a exercer. // Dado que o ora reclamante durante o ano de 2003 ser devedor à Fazenda Nacional e não optou por cumprir o estipulado no disposto do n.º 2 do artigo 11-A do Código dos Benefícios Fiscais (EBF), verifica-se não haver qualquer alteração ao valor da liquidação em causa. // Atento o exposto e tendo em consideração que o ora reclamante foi devidamente notificado para o exercício do direito de audição prévia, não o tendo vindo a exercer, como atrás foi referido não carreou para os autos novos elementos suscetíveis de alterar o projeto de decisão, pelo que se afigura ser de converter em projeto de indeferimento nos termos propostos. // (…)” (cfr. Doc. 2 da petição inicial e fls. 13 do processo de reclamação graciosa apenso ao PAT, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

L. Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças, em substituição, datado de 23/05/2007, foi convertido em definitivo o despacho mencionado na antecedente alínea I) (cfr. Doc. 2 da petição inicial e fls. 14 do processo de reclamação graciosa apenso ao PAT, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

M. Através do ofício do Serviço de Finanças de Lisboa 5, com o n.º ….., de 23/05/2007, foi o Impugnante notificado do indeferimento da reclamação graciosa apresentada (cfr. Doc. 2 da petição inicial e fls. 15 e 16 do processo de reclamação graciosa apenso ao PAT);

N. Em 11/07/2007, o Impugnante interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa autuada sob o n.º …………… (cfr. Doc. 1 junto com a petição inicial e fls. 2 a 7 do processo de recurso hierárquico apenso ao PAT, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

O. À data da dedução da presente ação, não havia sido proferida decisão no âmbito do procedimento de recurso hierárquico mencionado, autuado sob o n.º ………. (facto não controvertido);

P. Em 22/09/2001, foi emitida a liquidação de IRS referente ao exercício de 1999, com o n.º ………….., tendo sido apurado um valor a pagar de €3.757,69 (cfr. fls. 5 do processo de reclamação graciosa apenso ao PAT);

Q. Foi instaurado o processo de execução fiscal n.º ……………, tendente ao pagamento coercivo do montante de imposto apurado na liquidação mencionada na alínea antecedente, ascendendo a quantia exequenda ao valor de €3.757,69, o montante de juros de mora a €1.305,84 e as custas do processo de execução fiscal a €202,95 (cfr. fls. 6 do processo de reclamação graciosa apenso ao PAT);

R. O Impugnante apresentou, em 2001, reclamação graciosa da liquidação de IRS referente ao exercício de 1999, tendo sido aquele notificado, em 28/03/2006, do respetivo projeto de indeferimento, que foi convertido em definitivo (cfr. fls. 9 do processo de reclamação graciosa apenso ao PAT);

S. Não foi prestada garantia no âmbito do processo de execução fiscal n.º (cfr. fls. 56 do PAT e fls. 9 e 10 do processo de reclamação graciosa apenso ao PAT);

T. No âmbito do processo de execução fiscal referido na alínea antecedente, foi aplicado, em 21/10/2004, o montante de €224,13, referente a “pagamento por conta”, tendo sido efetuado, em 21/07/2006, o pagamento da totalidade do montante remanescente em dívida, que ascendia a €5.042,35 (cfr. fls. 7 e 9 do processo de reclamação graciosa apenso ao PAT).


***


A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.”


***


Mais ficou consignado que a decisão da matéria de facto “efetuou-se com base no exame dos documentos juntos aos autos pelas partes e constantes do processo administrativo tributário (PAT) e respetivos apensos, conforme referência feita em cada uma das alíneas do probatório.”

***


III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação de IRS, do ano de 2003.

Cumpre, desde já, relevar que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto importa, assim, decidir se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, na medida em que a liquidação impugnada não padece de vício de violação de lei por preterição do princípio da justiça, porquanto a derrogação dos benefícios fiscais decorreu do exclusivo cumprimento da lei e dos pressupostos consignados para o efeito.

Apreciando.

A Recorrente convoca erro de julgamento, na medida em que nos presentes autos e inversamente ao decidido pelo Tribunal a quo, inexiste qualquer violação do princípio da justiça.

Concretiza, desde logo, que não pode ser computado para o efeito o período temporal de decisão da reclamação graciosa visto que, por um lado, a letra da lei é clara e impõe a prestação de garantia idónea para efeitos de manutenção do benefício e, por outro lado, sempre poderia requerer, sendo caso disso, a indemnização por prestação indevida de garantia.

Ademais, densifica, neste concreto particular, que não se verifica prejuízo para o Estado a partir do momento em que foi efetuado o pagamento do imposto, podendo, naturalmente, reclamar o reembolso acrescido dos juros indemnizatórios. Sublinhando, adicionalmente, que do simples facto de a dívida ter sido paga posteriormente não resulta a aplicação do princípio da justiça.

Conclui, in fine, que a decisão recorrida ao considerar “justificado” o pagamento tardio, trata de forma desigual todos os demais sujeitos passivos que, tendo reclamado ou impugnado contra atos de liquidação tenham apresentado garantia idónea para suspender a sua execução, ou tenham pago atempadamente as notas de cobrança, fazendo assim “letra-morta” da obrigação de apresentar garantia idónea, subvertendo, ademais, o interesse público.

Arremata, com a insusceptibilidade de demonstração de qualquer impossibilidade financeira de suportar o encargo com a garantia ou o pagamento da dívida, quando, ademais, os rendimentos declarados ascendem acerca de € 957.000,00.

Apreciando. Comecemos por convocar o quadro jurídico aplicável.

Importa, desde já, chamar à colação a redação do artigo 4.º do EBF, à data da prática dos factos tributários, o qual sob a epígrafe de “benefícios fiscais automáticos e dependentes de reconhecimento”, dispunha que:

1-Os benefícios fiscais são automáticos ou dependentes de reconhecimento; os primeiros resultam direta e imediatamente da lei, os segundos pressupõem um ou mais atos posteriores de reconhecimento.

2 - O reconhecimento dos benefícios fiscais pode ter lugar por ato administrativo ou por acordo entre a Administração e os interessados, tendo, em ambos os casos, efeito meramente declarativo, salvo quando a lei dispuser em contrário.

3 - O procedimento de reconhecimento dos benefícios fiscais regula-se pelo disposto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.”

Quanto ao momento de constituição de benefícios fiscais, preceituava o artigo 11.º do EBF que “o direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respetivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela administração fiscal ou de acordo entre esta e a pessoa beneficiada, salvo quando a lei dispuser de outro modo.”

Mais consignando o artigo 11.º A do EBF, no concernente ao impedimento de reconhecimento do direito a benefícios fiscais, que:

“1 - Os benefícios fiscais dependentes de reconhecimento não poderão ser concedidos quando o sujeito passivo tenha deixado de efetuar o pagamento de qualquer imposto sobre o rendimento, a despesa ou o património e das contribuições relativas ao sistema da segurança social.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, tal situação só será impeditiva do reconhecimento dos benefícios fiscais enquanto o interessado se mantiver em incumprimento e se a dívida em causa:

a) Sendo exigível, não tenha sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição e prestada garantia idónea, quando devida;

b) For de montante igual ou superior a (euro) 500 e represente, no mínimo, 10% ou 30% da totalidade dos benefícios fiscais no caso de pessoas coletivas ou de pessoas singulares, respetivamente.”

Consignando, ainda, o artigo 12.º, nºs 5, 6 e 7 do EBF relativamente à própria extinção dos benefícios fiscais que:

“5 - No caso de benefícios fiscais permanentes ou temporários dependentes de reconhecimento da administração tributária o ato administrativo que os concedeu suspende os seus efeitos se se verificarem cumulativamente as seguintes situações:

a) O sujeito passivo tenha deixado de efetuar o pagamento de qualquer imposto sobre o rendimento, a despesa ou o património, e das contribuições relativas ao sistema da segurança social e se mantiver a situação de incumprimento;

b) A dívida não tenha sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição com a prestação de garantia idónea, quando exigível, for igual ou superior a (euro) 500 e represente, no mínimo, 10% ou 30% da totalidade dos benefícios fiscais no caso de pessoas coletivas ou de pessoas singulares, respetivamente.

6 - Verificando-se as situações previstas nas alíneas a) e b) do número anterior os benefícios automáticos não produzem efeitos no ano em que ocorram os seus pressupostos, até ao pagamento da dívida que originou a sua suspensão.

7 - É proibida a renúncia aos benefícios fiscais automáticos e dependentes de reconhecimento oficioso, sendo, porém, permitida a renúncia definitiva aos benefícios fiscais dependentes de requerimento do interessado, bem como aos constantes de acordo, desde que aceite pela administração fiscal.”

Assim, da interpretação conjugada dos normativos supra expendidos, dimana, desde logo, que o direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respetivos pressupostos, e que independentemente da própria natureza dos aludidos benefícios fiscais, ou seja, automáticos ou dependentes de reconhecimento existindo dívidas fiscais e sem que a legalidade da dívida esteja em discussão e garantida mediante prestação idónea, os mesmos não produzem efeitos no ano em que ocorram os seus pressupostos.

O que significa, portanto, que existindo uma dívida tributária proveniente de imposto em incumprimento, apenas não se pode impedir a produção de efeitos aos benefícios fiscais considerados na liquidação de IRS respetiva se aquela dívida tiver sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição com a prestação de garantia idónea, quando exigível (artigo 12º, nº 6 do EBF). Conforme doutrinado no Aresto do STA, proferido no processo nº 531/12, de 05 de dezembro de 2012 “[e]mbora no presente caso esteja em causa um benefício automático – porque resulta directa e imediatamente da lei – há que aplicar-lhe, por expressa remissão do n.º 6, as condições cumulativas previstas nas alíneas a) e b) do n.º 5 para os benefícios dependentes de reconhecimento, pelo que, ainda que haja uma dívida tributária em incumprimento, não se pode impedir a produção de efeitos a tais benefícios se essa dívida tiver sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição com a prestação de garantia idónea quando exigível.”

Ora, atentando na decisão recorrida verifica-se que esta foi, precisamente, a interpretação perfilhada pelo Tribunal a quo, e que, como já evidenciado anteriormente, não foi sindicada pela Recorrente, coadunando-se a questão decidenda apenas e só com a concreta valoração atribuída ao princípio da justiça à luz do recorte fático dos autos.

Com efeito, do teor da decisão recorrida verifica-se que a mesma após discorrer sob o regime jurídico aplicável, e tecer os considerandos de direito que reputou de relevo para o caso vertente, concluiu pela ilegalidade do ato impugnado, externando, designadamente, a seguinte fundamentação:

“[r]esultou provado nos autos que a dívida em causa estava a ser discutida e que, tendo a reclamação graciosa (que tinha por objeto a liquidação de IRS referente ao ano de 1999) sido apresentada em 2001, a mesma foi indeferida apenas em 2006 (não tendo sido observado pela Administração Tributária o prazo de seis meses à data previsto para o efeito – cfr. n.º 1 do artigo 57.º da LGT), tendo o Impugnante procedido ao pagamento do imposto que estava em dívida e que motivou a desconsideração dos referidos benefícios fiscais no ano de 2003, em 21/07/2006, ou seja, logo após o referido indeferimento, o que denota a intenção de cumprimento das obrigações fiscais devidas.

Acresce que, a partir do momento em que foi efetuado o pagamento da dívida que originou a desconsideração dos benefícios fiscais declarados (…) deixou de se verificar o “prejuízo” para o Estado resultante do não pagamento dos impostos devidos, deixando de se verificar também a situação que encontrava cabimento no fim subjacente à norma legal aplicável, a qual tem em vista a responsabilização dos contribuintes pelo (in)cumprimento das respetivas obrigações tributárias, designadamente de pagamento do imposto devido. (…)

Desta forma se conclui ser de proceder o que vem alegado pelo Impugnante, concretizando a liquidação impugnada uma violação ao princípio da justiça, o qual, nos termos do artigo 55.º da LGT, deve também nortear a atuação da Administração Tributária, devendo a liquidação impugnada ser anulada na parte em que, pelos motivos expostos, foram desconsiderados os benefícios fiscais declarados pelo Impugnante e a que o mesmo teria direito.”

Uma vez enunciado o quadro jurídico, e convocada a fundamentação jurídica que esteou a procedência, vejamos, então, o que decorre do probatório dos autos e se o mesmo é passível de legitimar a convocação do princípio da justiça.

Resulta do acervo fático dos autos que, a 06 de maio de 2004, o Impugnante, ora Recorrido procedeu à entrega da Declaração Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2003, na qual declarou que detinha um grau de invalidez de 80%, e deduções à coleta no campo 7 do Anexo H, no montante total de €2.774,81 e no campo 8 do mesmo Anexo, o montante total de €6.044,71.

Nessa conformidade, a 18 de agosto de 2004, foi emitida a liquidação de IRS n.º 2004 ………., referente ao ano de 2003, na qual foi apurado um rendimento global de €950.865,33, deduções específicas no valor de €200.703,48 e deduções à coleta no montante de €2.888,18, ascendendo o valor de imposto a pagar a €196.757,30

Sendo que, a 22 de julho de 2006, foi emitida nova liquidação de IRS n.º 2006 ………….., referente ao ano de 2003, na qual foram desconsiderados os benefícios fiscais referentes a incapacidade fiscalmente relevante (80%) do S.P. B; Plano Poupança Reforma / Educação do S.P.A no montante de €2.375,23; Donativo a outras entidades do S.P.A no montante de €225.00 e Donativo a outras entidades do S.P.B no montante de €174,58, no valor de €4.354,16, e que foi paga a 05 de setembro de 2006.

Dimanando, outrossim, provado que não obstante o sujeito passivo ter procedido à entrega da declaração de IRS referente ao ano de 1999, dentro do prazo legal, da qual resultou uma liquidação a pagar no montante de €9.291,65, a verdade é que a mesma foi objeto de correção por divergência nas rendas recebidas, acarretando a emissão de liquidação adicional no valor de €3.757,69, a qual não foi paga, tendo, no entanto, sido objeto de reclamação graciosa a 15 de janeiro de 2001, sem, contudo, ter sido prestada a competente garantia idónea.

De sublinhar, in fine, que em março de 2006, foi prolatado projeto de despacho indeferimento da reclamação graciosa, com subsequente exercício de audição prévia, e ulterior despacho definitivo de indeferimento a 23 de maio de 2007.

O que significa que, à data da prática dos factos tributários, no caso até ao termo do exercício de 2003, portanto, 31 de dezembro de 2003, o Recorrente encontrava-se em situação de incumprimento, porquanto, não obstante tivesse apresentado reclamação graciosa quanto à dívida referente ao ano de 1999, a qual, como visto, motivou a desconsideração dos benefícios fiscais, a verdade é que não prestou a competente garantia que a lei, efetivamente, exigia.

Note-se que a letra da lei é perentória e diz-nos, de forma clara, que para obstar à desconsideração do benefício fiscal, é preciso não só que a dívida esteja a ser objeto de discussão graciosa ou judicial, mas que, cumulativamente, tenha sido prestada garantia idónea.

De relevar, neste particular, e em sentido consonante com o aduzido pela Recorrente, o Recorrido não convoca qualquer realidade que permita justificar ou ter presente qualquer asserção fática atinente à falta de prestação de garantia.

Sendo certo que, o ressarcimento de quaisquer custos concatenados com a prestação indevida de garantia podem ser objeto de reparação nos termos do artigo 53.º, nºs 1 e 2 da LGT, do qual deriva que “o devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.”

Consignando, outrossim, o nº2 do citado normativo que “o prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.”

O que permite, portanto, concluir que no caso vertente tendo sido apresentada reclamação graciosa em 2001, e tendo a mesma sido objeto de indeferimento apenas em 2006, a idónea prestação de garantia sempre daria lugar ao pagamento de uma indemnização por prestação de garantia, atento o prazo constante no citado nº2 independentemente, portanto, de ser negado provimento à pretensão do Recorrido.

De relevar, neste particular, que não se perfilha da interpretação propugnada pelo Tribunal a quo, atinente ao período temporal de decisão da reclamação graciosa na medida em que se é certo que a letra da lei estatuía no artigo 57.º, nº1, da LGT que o prazo do procedimento tributário era, à data, seis meses, a verdade é que a lei contemplava, outrossim, a possibilidade de dedução de impugnação judicial na sequência do indeferimento tácito da reclamação graciosa, conforme preceituado no artigo 102.º, nº1, alínea d), do CPPT, na redação vigente à data.

O que significa, portanto, que não obstante tenha sido protelada em cerca de 5 anos a decisão de um procedimento que se pretende que seja dirimido no prazo de seis meses, a verdade é que tal não permite extrapolar pela ilegitimidade da desconsideração dos benefícios fiscais, em ordem à convocação do princípio da justiça, porquanto encontrava-se na esfera do Recorrido a possibilidade de reação contenciosa lançando uso da ficção jurídica do indeferimento tácito suprarreferida.

À data da prática do facto tributário (31 de dezembro de 2003) o Recorrido encontrava-se em situação de incumprimento, porquanto existia uma dívida tributária a qual só foi regularizada em 2006, a isso não obstando a existência de discussão graciosa da liquidação, porquanto sem associação de qualquer garantia, donde suspensão.

Mais importa adensar que, em nada pode relevar, mormente, para efeitos de convocação do princípio da justiça a circunstância da dívida ter sido paga aquando o indeferimento da sua pretensão, porquanto, como visto, os pressupostos terão de ser aferidos à data do ato tributário em contenda, e a verdade é que é ponto assente que a 31 de dezembro de 2003, o Recorrido estava em situação de incumprimento, conforme já evidenciado anteriormente, constituindo, portanto, pressuposto da desconsideração dos respetivos benefícios fiscais.

Por outro lado, a jurisprudência que a decisão recorrida convoca não tem qualquer similitude fática com os autos, não sendo transponível nos moldes propugnados pelo Tribunal a quo, porquanto, as duas considerações de facto e de direito que relevaram para efeitos de convocação do princípio da proporcionalidade e da confiança, não se verificam no caso vertente, concretamente, caráter bastante diminuto da dívida que ascendia a cerca de €125,00, e ao pagamento da dívida três dias após o termo do período visado.

De relevar, para o efeito, que uma leitura atenta do aludido Aresto se verifica, justamente o inverso, porquanto o mesmo é perentório em afirmar que “[n]o caso em exame, está em causa a dedução à colecta do IRS do exercício de 2007, por motivo de deficiência. A recorrente tinha direito ao benefício fiscal em apreço dado preencher o pressuposto fáctico, tendente à atribuição do mesmo [esclerose múltipla, grau de invalidez de 72% - alínea H) do probatório]. Sucede, porém, que no exercício em causa ocorreu a condição negativa, cuja verificação determina o não reconhecimento do benefício fiscal, a saber: a existência de dívida de IMI, imputável à recorrente, por liquidar [artigo 12.º/5 e 6, do EBF].”, ajuizando, no entanto, que “a aplicação da sanção civil complementar da perda do benefício fiscal em apreço se oferece excessiva, em face dos interesses em presença”, na medida, em que como visto, a dívida apresentava um valor muito diminuto e o pagamento ocorreu num período temporal de apenas três dias.

Donde, situações com contornos fáticos em nada comparáveis ao dos autos, na medida em que, conforme resulta do acervo fático dos autos, na data em que a dívida foi paga, a saber, a 21 de julho de 2006-portanto, decorridos cerca de cinco anos relativamente à emissão do ato tributário- o pagamento em dívida ascendia a €5.042,35.

Ora, como é consabido, a aplicação do princípio da justiça implica uma apreciação casuística, sendo certo que no caso dos benefícios fiscais há que ter presente que as normas de benefícios fiscais merecem tratamento autónomo porque são normas antissistemáticas por definição, estando em tensão permanente com o princípio da capacidade contributiva, que derrogam como padrão na repartição do imposto Vide Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, p. 312.

.

Acresce que, como é bom de ver, o princípio da justiça, não é absoluto carecendo, como já evidenciado, de uma densificação casuística e equacionado e ponderado, desde logo, com o princípio da legalidade.

“Com efeito, “[o] princípio da justiça, como parâmetro aferidor da conformidade constitucional das normas jurídicas, pressupõe, porém, que esteja em causa uma solução normativa absolutamente inaceitável (como sempre aconteceu nos casos apreciados nos arestos citados), que afecte uma dada dimensão do núcleo fundamental dos interesses essenciais da pessoa humana e que colida com os valores estruturantes do ordenamento jurídico (cf. Maria Fernanda Palma, ob.cit., p. 28) In Acórdão do Tribunal Constitucional nº 363/2001, proferido no processo nº 667/2000, de 12.07.2001., .

Neste particular, convoque-se o Aresto deste TCAS, prolatado no processo nº 1228/13, datado de 28 de novembro de 2019, que a propósito de situação similar com contorno fático-jurídico doutrinou que:

“[e]stá provado que a 31-12-2009 estava pendente execução fiscal contra os Recorrentes para pagamento coercivo da dívida relativa ao não pagamento do valor devido a título de IRS do ano de 2007, o qual só foi extinto por pagamento a 27-5-2010, sendo que tal dívida, que viria a ser coercivamente cobrada em processo executivo, embora tenha sido objecto de reclamação, nunca teve qualquer garantia associada - cfr. factualidade apurada na alínea A) dos factos apurados.

No que respeita à relevância desses factos para efeitos de legalidade da liquidação impugnada - liquidação de IRS de 2009 - não podemos prescindir, antes de mais, de tecer breves considerações sobre os benefícios fiscais, realçando que o legislador os define como medidas de carácter excepcional, instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da tributação que impedem [artigo 2.º nº.1 do EBF). OU seja, e como se tem vindo a firmar em vários arestos deste Tribunal, do ponto de vista jurídico, e na óptica da relação jurídica de imposto, os benefícios fiscais consubstanciam, antes de mais, factos que estando sujeitos a tributação, são impeditivos do nascimento da obrigação tributária ou, pelo menos, de que a mesma surja em plenitude.

Na verdade, enquanto facto impeditivo, o benefício fiscal traduz-se sempre em situações que estão sujeitas a tributação, isto é, que são subsumíveis às regras jurídicas que definem a incidência objectiva e subjectiva do imposto. E, precisamente porque o benefício fiscal constitui um facto impeditivo da tributação-regra, a sua extinção ou falta de pressupostos de aplicação tem por efeito imediato a reposição automática dessa mesma tributação, como estabelece o artigo 12.s, nº1 do E.B.F.

Tendo presente estas considerações legais e doutrinais, recuperemos o caso dos autos, (…)

Em suma, quer como resulta do artigo 14° na sua redacção actual quer como resultava do anterior regime consagrado no artigo 12.º, do EBF, o contribuinte que não cumprisse com as suas obrigações fiscais de pagamento de imposto não beneficiava, no ano desse incumprimento, para efeitos de IRS, do benefício que lhe fosse concedido –seja ele de natureza automática esteja ele dependente de reconhecimento administrativo.

Como se disse na sentença recorrida, sem que reparo algum nos mereça, "Em particular quanto aos benefícios automáticos, estes não produzem os seus efeitos no ano ou período de tributação em que ocorram os respetivos pressupostos. Só assim não será se existir contencioso e a dívida estiver garantida ou tiver sido concedida a sua dispensa."

Em conclusão, contrariamente ao que defendem os Recorrentes a liquidação não é ilegal por ter desconsiderado uma isenção que opera automaticamente (…)

Na verdade, mesmo estando em causa um benefício automático - o que não se discute nem foi nunca posto em causa - a não produção de efeitos desse benefício fiscal automático, existindo dívidas pendentes e no que respeita a esse ano, é imposta pelo legislador por força da aplicação das condições cumulativas previstas para os benefícios fiscais dependentes de reconhecimento e consagrados nas alíneas a) e b) do nº 5, por expressa remissão do n.2 6 do mesmo preceito.

E só assim não será, havendo dívida tributária em incumprimento, se essa dívida tiver sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição com a prestação de garantia idónea quando exigível, o que, como vimos, não é o caso, já que em 2009, se mostrava pendente um processo de execução fiscal contra os Recorrentes e nele não foi prestada qualquer garantia, havendo, pois, que concluir, que o benefício fiscal - de que continua a ser titular produziu ou produzirá os seus efeitos legais enquanto não for extinto, desde que não se verifiquem as circunstâncias descritas nas mencionadas alíneas legais - não podia produzir os seus efeitos por força dos sobreditos normativos legais do EBF então em vigor. (destaques e sublinhados nossos).

No mesmo sentido, se doutrinou no Acórdão deste TCAS, proferido no processo nº 1212/13, de 12 de setembro de 2023, relatado pela, ora, Relatora e com o mesmo Primeiro Adjunto que nos presentes autos e bem assim no processo nº 01952/11.0BEBRG, de 15 de abril de 2021, prolatado pelo TCAN, o qual a propósito da convocação do princípio da justiça refere, expressamente, que: “o princípio da justiça tem um campo de aplicação residual, estando o seu acionamento reservado para situações de injustiça grave e notória. Resultando provado que em 31 de dezembro de 2010 os AA. tinham uma dívida fiscal, respeitante ao IMI, nada há a censurar ao ato que, em aplicação do disposto do art. 14.º do EBF, determinou a cessação de efeitos da isenção de IRS relativamente àquele exercício, não justificando a aplicação do princípio da justiça ao caso a circunstância de terem pago a dívida já no âmbito da correspondente execução fiscal, de o valor do IMI em questão ser inferior ao montante de IRS apurado ou de este ser inferior à média do imposto pago pelas famílias portuguesas em 2012, ou ainda de extemporaneamente terem vindo atualizar a morada no cadastro fiscal e constituir representante fiscal em Portugal.”

Ora, in casu, inexiste uma solução normativa absolutamente inaceitável que colida com valores estruturantes do ordenamento jurídico, ajuizando-se, assim, que atento o circunstancialismo em causa, o ato de liquidação não comporta qualquer vício, nem traduz qualquer violação dos princípios da proporcionalidade, da confiança, e da justiça, nada resultando patenteado no probatório que permitisse legitimar a anulação do ato impugnado.

E por assim ser, há que concluir-se que estão verificados os pressupostos de facto e de direito que fundamentaram a liquidação impugnada, não se podendo, assim, secundar o entendimento do Tribunal a quo, assente no princípio da justiça, o qual, deve, por conseguinte, ser revogado.

Uma última nota para referir que, não subsiste qualquer outra questão por apreciar, na medida, em que inexistem, em concreto, quaisquer outras questões julgadas prejudicadas.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, Subsecção comum, deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA, e em consequência julgar a impugnação totalmente improcedente, com a consequente manutenção do ato impugnado na ordem jurídica.

Custas pelo Recorrido.
Registe. Notifique.


Lisboa, 11 de janeiro de 2024

(Patrícia Manuel Pires)

(Jorge Cortês)

(Ana Cristina Carvalho)