Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07442/14
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/05/2015
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:IRS/ FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - A elevação à categoria de garantia do contribuinte do dever de fundamentação facilmente se percebe quando atentamos nos objectivos deste instituto, quer se trate do propósito de pacificação das relações entre a Administração e o administrado, quer na perspectiva da defesa do contribuinte, quer, ainda, tendo em vista o próprio autocontrole da Administração.

II - A fundamentação do acto tributário, como de qualquer acto administrativo, deve ser clara (as razões de facto e de direito não podem ser confusas ou ambíguas, sob pena de não se dar a conhecer o que determinou o agente a praticar o acto ou a escolher o seu conteúdo), congruente (o conteúdo do acto tem de ter uma relação lógica com os fundamentos invocados) suficiente (por forma a tornar claros os pressupostos tidos em conta pelo autor do acto) e tem que ser expressa.

III - A AT não cumpre o seu ónus de fundamentar se, lido o relatório inspectivo, não se alcança a referência feita, concomitantemente, a suprimentos - “suprimentos veículos (12 meses)” e a “suprimentos (14 meses)” – e a rendimentos do trabalho dependente, nem tão pouco o que possam ser “suprimentos veículos” ou, também, a menção simultânea a compensações por quilómetros de utilização de viaturas próprias e a ajudas de custo e, por outro lado, a rendimentos do trabalho dependente.

IV – Não é de aceitar a posição da Administração que pretende retirar efeitos, em relação à fundamentação das correcções, da circunstância de o sujeito passivo não ter exercido o direito de audição, por aí ver “a oportunidade de aquele vir a ser detalhadamente elucidado quanto à eventual falta de fundamentos da decisão em apreço”.

V – É que não é o sujeito passivo, pela via do exercício do direito de audição, que tem o dever de contribuir para a correcta fundamentação do acto. É a Administração que, independentemente do exercício do direito de audição, tem o dever de fundamentar os seus actos, dever esse que se assume como um direito dos administrados.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por João .......................................... e .........................................................................., contra a liquidação adicional de IRS e respectivos juros compensatórios que lhes foi efectuada relativamente ao ano de 2003, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Formula, para tanto, as seguintes conclusões:

“- CONCLUSÕES -

1. ln casu, o Tribunal a quo, deveria ter dado uma maior acuidade ao escopo do vertido no Relatório da Inspeção Tributária sub judice (Cfr. fls 50 e sgs do Processo Administrativo junto aos autos); aos Anexo A; Anexo B; Anexo C; Anexo D e Anexo E, os quais foram juntos aos autos como anexos ao Termo de declarações (Cfr. fls. 28 e sgs. do PAT junto aos autos) tomadas em 06.11.2007 ao Sr. Jorge.................................... na qualidade de Administrador da Sociedade denominada "......................................, SA";

2. Ao Anexo I; O Anexo II; O Anexo III; O Anexo IV ; O Anexo V e Anexo VI que fazem parte integrante (como anexos) do Relatório de Inspecção Tributária, conjugadamente com a mais recente jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, assim como a todos os documentos que foram juntos ao processo naquela peça para que, perfunctoriamente, se pudesse aquilatar pela improcedência da Impugnação aduzida pela Recorrida/lmpugnante.

3. Maxime, para que melhor se pudesse aferir pela improcedência de um qualquer vicio de forma por preterição de formalidades essenciais (falta de fundamentação), violadora do disposto no art. 268.°. n.º 3 da CRP. do art. Art. 125.° do CPA e art. 77.° da LGT. impondo-se a sua anulação.

4. O Tribunal a quo, que julgou num determinado sentido que perante a matéria de facto dada como assente, o acervo probatório desconsiderado (prova documental supra elencada) e com os demais elementos constantes dos autos, não tem a devida correspondência com o modo como as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão a quo deveriam ter sido interpretadas e aplicadas.

5. O Tribunal recorrido decidiu que "a fundamentação do acto impugnado não é clara, suficiente e congruente, o que constitui vicio de forma por preterição de formalidades essenciais, violadora do disposto no art. 268.°, n.º 3 da CRP, do art. Art. 125.° do CPA e art. 77.° da LGT, impondo-se a sua anulação."

6. Data venia, lavrou em erro de julgamento, o Tribunal a quo ao decidir que "Tendo em conta a factualidade provada e o disposto no art. 125. °, nº 2 do CPA, que equipara a falta de fundamentação à adopção de fundamentos que por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto, o Tribunal conclui que a fundamentação do acto impugnado não é clara, suficiente e congruente, o que constitui vicio de forma por preterição de formalidades essenciais, violadora do disposto no art. 268. º, n.º 3 da CRP, do art. Art. 125.º do CPA e art. 77. º da LGT, impondo-se a sua anulação.".

7. Resulta vertido na fundamentação do aresto em análise que "Tendo presente a fundamentação do acto impugnado, tal como consta da alínea b) do probatório verifica-se que, não constam em concreto, os factos que justificam as correcções, mas apenas generalidades, tais como "suprimentos de veículos", "suprimentos tickets", "transferência/14 meses", "compensações por quilómetro de utiliza cão de viatura própria", "ajudas de custo", sem que relativamente ao impugnante se esclareça quais os factos concretos em que consistem tais realidades e a forma através da qual se conclui que os montantes recebidos são complemento de remuneração ou adiantamento por conta dos lucros" (vide pág. 11 /2.° parágrafo)

8. E que, "Os factos apurados na inspecção à sociedade dá qual o impugnante é administrador não dispensam a Administração Tributária de avaliar a situação concreta do contribuinte, ora impugnante, sendo que a fundamentação do acto constitui formalidade exigível legalmente, cuja preterição é fundamento de impugnação." (cfr. tis. 11/3.º parágrafo).

9. Resulta ainda doutamente plasmado no aresto a quo que " ... a decisão impugnada, não é clara, pois não permite que se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decidiu, não suficiente, pois não possibilita ao seu destinatário um conhecimento concreto da motivação do acto, isto é, as razões de facto e de direito que determinaram a Administração Tributária a actuar como actuou, e não é congruente, pois não constitui a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação". (cfr. pág. 13 /1°parágrafo do douto aresto a quo).

10. Mais é vazado, na decisão recorrida, no sentido de que "Como é manifesto, da argumentação utilizada pela Administração Tributária, o acto impugnado está inquinado do vicio de insuficiência de fundamentação pois as razões aduzidas são vagas, genéricas, indeterminadas e desmotivadas, razão pela qual, não se pode considerar que a argumentação da Administração Tributária não esclareceu o impugnante quanto ao porquê da decisão." (cfr. pág. 13/3° parágrafo do douto aresto em análise).

11. É premente que o respeitoso areópago ad quem valorize e tenha em devida consideração a pertinente factualidade e consequente vicissitude jurídico -processual que advém da circunstância de in casu estarem em causa o uso de terminologias e denominações "padrão" que foram criadas/atribuídas e usadas ab initio pela Sociedade ".............................SA" relativamente a determinadas verbas (além do vencimento) que os seus administradores (dos quais o recorrido era um deles) recebiam ao longo do ano. (cfr. al. B) da matéria dada como assente - 111.2.1 Rendimentos da Categoria A).

12. Não foi em momento algum a Administração tributária, através dos seus serviços de Inspecção Tributária, ou de quaisquer outros, (mormente após a acção inspectiva externa ao exercício de 2003, efectuada à sociedade " ................................ SA") que criou ou atribuiu a determinadas verbas recebidas pelo recorrido como administrador da Sociedade inspeccionada, as denominações de:

- "Suprimentos veículos"

- "Suprimentos (14 meses)"

- "Tickets"

- "Transferências /14 meses"

- "Adicional BCP (x14)"

- "B/B"

13. As terminologias supra elencadas são da autoria dos serviços da sociedade inspeccionada e da qual o recorrido era administrador, pelo que em momento algum poderá ser questionada a fundamentação do acto de liquidação sindicado, mormente imputar-se uma fundamentação genérica, obscura, contraditória ou insuficiente relativamente à motivação do acto!

14. O que, salvo o devido respeito, que é muito; foi erroneamente preconizado pelo Tribunal a quo.

15. A Administração Tributária limitou-se a concretizar (como efectivamente o fez), a considerar e tratar os tais conceitos vagos, obscuros e generalistas ("suprimentos de veículos", "suprimentos tickets". "transferência/14 meses". "compensações por quilómetro de utilização de viatura própria". "ajudas de custo",) usados pela sociedade inspeccionada, para, conjugadamente com toda a restante prova documental e indícios objectivos colhidos pelos Serviços da Inspecção Tributária, devidamente referenciados e juntos com o Relatório da Acção inspectiva (Anexos I, II, III, IV, V e VI)

16. fazer o devido e concreto enquadramento tributário dos valores recebidos pelo recorrido pela sociedade inspeccionada e deficientemente denominados e declarados, e outros, não declarados.

17. O Tribunal a quo, apesar de dar como factualidade assente o teor do relatório da acção de inspecção de análise interna ao recorrido, conforme se afere da al. B) da matéria assente da sentença recorrida, assim como fazendo a devida referência aos Anexos que instruem, clarificam e suficientemente permitem conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo que esteve na base da fundamentação do acto posto em crise pelo recorrido...

18. A verdade é que o areópago a quo desconsiderou, não tendo valorado, nem tão pouco sopesou mediante um exame critico e minimamente exigível a prova documental que faz parte do processo sub judice, mormente, que faz parte integrante (como anexos) do Relatório de Inspecção Tributária do caso vertente: - O ANEXO I; O ANEXO II; O ANEXO III; O ANEXO IV; O ANEXO V E ANEXO VI!

19. Em momento algum, o respeitoso Tribunal a quo considerou ou valorou como deveria cada um daqueles anexos, os quais, devidamente conjugados com o teor do Relatório da Acção Inspectiva em apreço indicam de forma suficiente o caminho clarificador e perceptível da fundamentação que é erroneamente censurada pelo Tribunal a quo!

20. O areópago a quo deveria ter analisado e valorado o ANEXO I do Relatório da Acção inspectiva sub judíce, porquanto, tal Anexo é constituído por um conjunto de mapas internos da sociedade inspeccionada, da qual o recorrido era Administrador. Documentos aqueles (mapas internos) que perante uma análise perfunctória têm a virtualidade de elucidar e objectivamente demonstrar, desde logo,

21. que as supra referidas terminologias dadas a determinadas verbas recebidas pelos administradores da sociedade inspeccionada (sendo o recorrido um deles) não são elencadas. nem criadas pela Administração Tributária, mas sim instrumento padronizado e usado pela Sociedade Inspeccionada nas suas relações com os administradores, mormente quanto à forma, natureza e concretização dos pagamentos ao recorrido e demais administradores das verbas remuneratórias e das outras intituladas pela Sociedade como "fringe benefits" (correspondente a suprimentos veículos, suprimentos tickets, transferência 114 meses) "adicional BCP (14 meses)" .

22. Tão considerou ou valorou como deveria o ANEXO V do Relatório da Acção Inspectiva em apreço, aliás como o fez no que concerne a todos os outros Anexos.

23. Da matéria dada como assente pelo Tribunal a quo não se vislumbra factualidade que pudesse desvirtuar o considerado pela Administração Tributária quanta a esta vexata quaestio.

24. Ao invés, atenta a matéria dada como assente, e a falta de valoração de prova documental que foi junta aos autos por parte do Tribunal recorrido, cimentam a posição assumida e defendida pela Administração Fiscal.

25. Ora, dos mapas internos (desconsiderados, ou, no limite, não devidamente valorados pelo Tribunal a quo) que fazem parte integrante do Relatório da Acção Inspectiva sub judice, os quais compilam o ANEXO I, devidamente conjugados com o teor dos restantes ANEXOS (I, II, III, IV, V E VI), assim como com o teor do respectivo Relatório da acção Inspectiva em apreço,

26. permitem aferir que, quem se serviu de factos generalistas, criando confusão, confundindo-se e fazendo confundir, foi efectivamente a sociedade inspeccionada, mormente no relacionamento profissional com o recorrido (na qualidade de seu administrador), e consequentemente, acresce referir que, por maioria de razão, tais conceitos e generalidades referidas na decisão recorrida, eram do conhecimento pessoal do recorrido!

27. Nesta senda e como quod abundat non nocet, atente-se ao sufragado no ponto 3 da Qualificação dos Factos e - III.2. do predito Relatório da Acção Inspectiva:

- " 3. Esses mapas, elaborados numa folha de "Excel", são validados por um e-mail, que juntamos como ANEXO II, remetido por um dos administradores em 22.04.2003, onde é mencionado qual o valor efectivo mensal que cada um deles passaram auferir a partir do Mês de Abril de 2003. (Negrito e sublinhado nossos).

28. Em face do exposto, o aduzido pelo Recorrido na sua douta p.i. no sentido de não percepcionar, nem compreender o sentido da fundamentação que está subjacente às correcções sub judice, não faz qualquer sentido,

29. Não só porque se considera que todo o acervo documental constante dos autos, e que serviu para fundamentar tais correcções, devidamente conjugados e sopesados, são suficientes para aferir de qual o itinerário cognoscitivo e valorativo adoptado pela AT para alcançar no que concerne ao recorrido, as correcções aos rendimentos declarados relativamente ao exercício de 2003.

30. Pois que, o areópago recorrido, com o devido respeito, também andou mal ao não considerar que os supra mencionados conceitos vagos e generalistas ("suprimentos de veículos", "suprimentos tickets”, “transferência/14 meses”, “compensações por quilómetro de utilização de viatura própria", "ajudas de custo") para além de serem do conhecimento dos administradores da sociedade inspeccionada, mormente do aqui recorrido, o mesmo como que, ao abrigo de um aparente abuso de direito, na sua vertente de venire contra factum proprium, alega desconhecer e não discernir a fundamentação que está subjacente ao acto tributário impugnado...

31. Quando efectivamente, e no melhor dos rigores, o Tribunal a quo errou na interpretação e enquadramento da factualidade e acervo probatório existente nos autos e consequentemente, errou na aplicação do direito aos factos sub judice.

32. Porquanto, para além do supra aduzido, o recorrido era administrador da sociedade inspeccionada, recebeu as verbas que supra se elencaram e cujas denominações foram atribuídas e usadas pela própria sociedade, atentas estas vicissitudes factuais, o recorrido considerando a sua ligação profissional com a sociedade inspeccionada, na sua qualidade de administrador da mesma, consequentemente, consideradas estas especiais atribuições e conhecimento das legis artis da actividade e do modus operandi da mesma, 33. deveria o respeitoso Tribunal recorrido ponderado e devidamente considerado uma maior facilidade por parte" do recorrido para aferir e melhor compreender a fundamentação do acto tributário posto em crise.

34. Apesar de o Impugnante/recorrido ter sido notificado para o efeito, o mesmo não exerceu o direito de audição, pelo que se infere que o recorrido voluntariamente se conformou com o respectivo projecto das correcções sub judice!

35. Consequentemente, prescindiu o recorrido de participar na formação do acto tributário, o que poderia permitir que o respectivo acto fosse aperfeiçoado ou pelo menos, ainda que sendo suficientemente fundamentado, a sua participação na formação do acto contribuísse parra que o mesmo fosse ainda melhor fundamentado!

36. Um declaratário com as especiais qualidades do aqui recorrido (como administrador da sociedade sub judice) e colocado na real posição do recorrido, teria percepcionado e conhecido o itinerário funcional, cognoscitivo e valorativo do autor do acto.

37. E, permitam-nos o ensejo de considerar na lógica do elementar princípio de que o que permite o mais, permite o menos (a maiori, ad minus) atento todo o supra exposto, e em face de todo o supra explanado na presente peça recursória, de igual forma, mesmo sem as especiais qualidades de que o recorrido está investido no caso vertente (administrador da sociedade inspeccionada),

38. bastaria um destinatário normalmente diligente ou razoável, colocado perante a situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto, para ficar em condições de conhecer o itinerário funcional, cognoscitivo e valorativo do autor do acto!

39. Em bom rigor, os Serviços de Inspecção Tributária descrevem os fundamentos pelos quais entendem que os abonos revestem as características de remuneração, aliás tal como melhor se poderá aferir das fls. 4 e 5 do predito relatório, assim como, dos mapas que são anexos do referido relatório de fls. 7 a 20 do mesmo.

40. Como é consabido, a nossa melhor Jurisprudência vai no sentido de que "não é insuficiente a fundamentação do acto administrativo cujo iter lógico dá a saber a um destinatário normal o necessário para que se opte conscientemente pela aceitação da legalidade do acto ou pelo contencioso do mesmo" - (vide Ac. do STA de 23.04.97, Recurso 20168 e, no mesmo sentido, Ac. do STA de 11.11.98)

41. Nesta senda, não se poderá afirmar que, no caso vertente, as correcções operadas não estão fundamentadas ou suficientemente fundamentadas! Situação bem distinta, é o facto de o recorrido não concordar com as correcções efectuadas!

42. Todavia, e como já se referiu, essa é outra questão que não tem que ver com a falta de fundamentação.

43. - As expressões usadas no Relatório de Inspecção Tributária que tão veementemente foram censuradas pelo Recorrido na sua douta p.i., com o devido respeito, confundindo-se e fazendo confundir o respeitoso areópago a quo, mais não são do que conceitos e expressões usadas e plasmadas na documentação interna da Sociedade em causa, entre outras:

- "Suprimentos veículos"

- "Suprimentos (14 meses)"

- "Tickets"

- "Transferências /14 meses"

- "Adicional BCP (x14)"

- "B/B"

44. Como é consabido, o legislador tributário exige apenas uma sucinta exposição escrita, tendo em vista a impraticabilidade ou extrema dificuldade do fisco em proceder à fundamentações «quilométricas» ou extensos discursos justificativos nas decisões em massa que toma diariamente perante um universo de milhões de contribuintes!

45. O direito à fundamentação expressa e acessível de todos os actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos, está consagrado e constitucionalmente garantido aos cidadãos (art. 268.°, nº 3, da nossa Mater Legis). A decisão do procedimento tributário enquanto acto definidor da posição da administração tributária perante os particulares deve obedecer aos requisitos gerais do ato administrativo (art. 123.º e sgs do Código do Procedimento Administrativo (CPA).

46. Em matéria tributária o dever de fundamentação das decisões do procedimento tributário está previsto no art. 77.° da LGT, que dispõe:

«1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que Integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo». 47. Pese embora na fundamentação do Relatório em apreço se admitam e vislumbrem algumas deficiências ou imprecisões (difícil desígnio ou, quiçá, impossível intento, mas vontade existente: atingir a perfeição!) esse facto e/ou vicissitude não é bastante para julgar -se a fundamentação contraditória ou obscura, como erradamente decidiu o areópago recorrido.

48. A fundamentação tem de ser tida como um todo e analisada a fundamentação constante do relatório da inspeção tributária (alinea B) da matéria de facto provada) verificamos que ele esclarece de forma minimamente perceptível o itinerário cognoscível e valorativo que foi adoptado pela AT na preconização da fundamentação do acto impugnado.

49. REITERA-SE: Embora a fundamentação possa não considerar-se exemplar, não deixa de ser minimamente perceptível ao homem médio e como tal não pode dizer-se que seja contraditória ou obscura, até porque não impediu o impugnante de defender-se, maxime, invocando e contrariando a forma como a Administração fiscal consubstanciou ou fundamentou o enquadramento de determinadas verbas recebidas pelo recorrido, como rendimentos da Categoria E!!

50. Para melhor aquilatar do sobredito basta atentar ao teor do vertido nos itens 28.º a 33.º do douto petitório aduzido pelo recorrido, na matéria factual contida naqueles itens o Impugnante recorrido esgrime argumentação que vai no sentido do eventual errado enquadramento efectuado pela AT quanto a uma alegada distribuição de dividendos pelos accionistas da sociedade inspeccionada e a sua consideração como adiantamento por conta de lucros!

51. Consequentemente, aquiescendo o Recorrido a fundamentação apresentada pela Recorrente, refutando-a quanto ao rnéríto, exercendo o seu contraditório, não ficou prejudicado na sua defesa!

52. Pelo que, e só se concedendo como mera hipótese de raciocínio, ainda que se entenda, contrariamente a todo o supra explanado que se verifica uma eventual falta de fundamentação do acto impugnado, deveria o Tribunal a quo ter ponderado e devidamente sopesado o facto de o Recorrido ter canalizado a sua defesa (cfr. itens 28 º a 33.º do petitório) no sentido de refutar a temática abordada naqueles itens, tendo o recorrido percepcionado a fundamentação aduzida pela Recorrente (pelo menos de forma suficiente e minimamente cognoscível).

53. Estando aquela formalidade (instituída para assegurar as garantias de defesa do interessado, por forma a garantir justeza e correcção do acto final do procedimento, pode ocorrer a sua degradação em formalidade não essencial, como de facto e em ultima ratio sucedeu no caso vertente (caso em que a preterição não implica necessariamente a invalidade do acto final) se não tiver resultado, tal como efectivamente não resultou, uma lesão efectiva e real dos interesses ou valores protegidos pela norma violada.

54. Pelo que, não se poderá afirmar, também por aqui, que as correcções operadas não estão fundamentadas ou suficientemente fundamentadas! Situação bem distinta, é o facto de o Recorrido, como sucedeu no caso vertente, não concordar com as correcções efectuadas! Todavia, e como já se referiu, essa é outra questão, e bem distinta que não tem que ver com a falta de fundamentação.

55. Decidindo como decidiu. o Tribunal a quo não apreciou corretamente a prova produzida nos autos, tendo mesmo desconsiderado prova documental relevante, fazendo, por isso. errada aplicação das normas legais supra vazadas.

De salientar que,

56. Apesar de o Impugnante/recorrido ter sido notificado para o efeito, o mesmo não exerceu o direito de audição, pelo que se infere que o recorrido voluntariamente se conformou com o respectivo projecto das correcções sub judice!

57. Deste modo, tendo abdicado de participar na formação da decisão da inspecção tributária, prescindindo de quiçá "salutarmente" influenciar a decisão ora posta em crise!

58. Ou, pelo menos: daquela forma, de que o Recorrido se absteve de adoptar, seria o itinerário certo para que fosse aberta a oportunidade de aquele vir a ser detalhadamente elucidado quanto à eventual falta de fundamentos da decisão em apreço.

59. Consequentemente, não tendo o Recorrido exercido o seu direito de audição, quando devídamente notificado para o efeito, no prazo estabelecido, as correcções propostas em sede de projecto, mantiveram-se, tendo-se convertido o projecto de relatório em relatório definitivo, notificado ao sujeito passivo em 04.12.2007, conforme o preceituado no art. 62.° do RCPIT e art. 77.° da LGT (vide fls. 27 dos autos).

60. Aliás, o exercício do direito de audição prévia que foi voluntariamente dispensado pelo Recorrido, tem como escopo acolher o dever de colaboração da entidade inspeccionada com vista à perfeição do futuro acto tributário strícto sensu (o acto de liquidação).

61. Nesta senda, cabe sublinhar que o art. 60.°, nº 7 da LGT tem como desígnio fomentar a útil chamada à colação de eventuais elementos novos que o recorrido poderia suscitar na sua audição, os quais seriam obrigatoriamente tidos em conta na fundamentação da decisão a tomar pela Recorrente e quiçá tivessem a virtualidade de a alterar in totum.

62. Por conseguinte, salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito e dos factos, nos termos supra explanados, assim como não considerou nem valorizou como se impunha a prova documental que faz parte dos autos em apreço.

63. Outrossim, em face do sobredito foi como que causa adequada para que fosse preconizada pelo Tribunal a quo uma erra interpretação e aplicação do direito ao caso vertente, mormente do preceituado nos artigos art. 268.°, n.°3 da CRP; dos arts. 123.° a 125.° do CPA e arts. 60.° e 77.º da LGT, entre outros.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença proferida com as devidas consequências legais.

Concomitantemente,

Apela-se desde já à vossa sensibilidade e profundo saber, pois, se aplicar o Direito é um rotineiro acto da administração pública, fazer justiça é um acto místico de transcendente significado, o qual poderá desde já, de uma forma digna ser preconizado por V. ªs Ex.ªs, assim se fazendo a mais sã, serena, objectiva e acostumada

JUSTIÇA!”


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Não foram expendidas contra-alegações.

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A Exma. Magistrada do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.

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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

III - Com base na documentação junta aos autos e constante do processo administrativo, bem como da posição assumida pelas partes, resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão:

A) O impugnante desempenhou funções na empresa " ............................., S.A.", no ano de 2003 -cfr. relatório elaborado pela lnspecção Tributária de fls. 50 a 55 processo administrativo (PAT).

B) Em 30/11/2007 foi elaborado o relatório da acção de inspecção de análise interna ao ora impugnante, João .................................................., relativamente ao IRS de 2003, no qual se refere o seguinte:

«III.2. Qualificação dos Factos

No decorrer da acção inspectiva externa ao exercício de 2003, efectuada à sociedade " ............................................ S.A. ", NIPC............................, com sede no Edf. .................................. - Doca de Alcântara, em Lisboa, verificamos que o s.p. João .......................................... recebeu determinados montantes que consideramos que eram complementos de remuneração sujeitos a IRS nos termos do n.º 2 do Art.º 2° do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro e com a nova redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho (adiante designado por CIRS) e nos termos da alínea h) do n.º 2 do art. 5.º do CIRS, nomeadamente pelos seguintes factos:

III.2.1. Rendimentos da Categoria A

1. O Conselho da Administração, de acordo com os elementos recolhidos junto da empresa (nomeadamente os recibos de vencimento) era constituído por Artur ....................................., Carlos.....................................,João................................................,Paulo.............................................. e Vítor ...............................................

2. Ao longo do ano, os administradores receberam além do vencimento, mais duas verbas, denominadas, uma por "fringe benefits" (adiante designado por F.B.) e a outra por "Adicional BCP (14 meses) " ou "B/B" (adiante designadas por B/B), conforme mapas internos que se juntam como Anexo I.

3. Esses mapas, elaborados numa folha de "Excel", são validados por um e­ mail, que juntamos como Anexo II, remetido por um dos administradores em 22-04-2003, onde é mencionado qual o valor "efectivo" mensal que cada um deles passaram a auferir a partir do mês de Abril de 2003.

4. Na análise a esses mapas, verificamos que os valores atrás referidos tiveram uma alteração a partir do mês de Abril. Assim, temos:

4.1. De Janeiro a Março: Os F.B, correspondiam a suprimentos veículos (12 meses), suprimentos (14 meses), tickets, transferências (14 meses); o B/B correspondia apenas a uma verba que era debitada na conta dos accionistas - os valores eram diferentes (excepto para o s.p. e outro administrador);

4.2. De Abril a Dezembro: Os F.B. correspondiam a compensação por quilómetro de utilização de viatura própria (Km), Ajudas de Custo (A.C). e tickets (no valor global de € 624,70, para quatro, e € 824,70, para um); e os B/B a uma importância no valor de € 5. 727,14, para quatro, e € 8.239,07, para um (nos meses de Março e Junho, receberam menos o valor de € 3.000,00 e no mês de Dezembro menos € 2.000,00);

4.3. Nos meses em que os administradores receberam o subsídio de férias e o subsídio de natal, os valores atrás identificados duplicaram.

5. Verificamos ainda pela análise dos mapas (anexo I) que os administradores efectuaram ao longo de cada mês diversas despesas de carácter particular, as quais eram por norma descontadas aos valores que auferiam, quer no vencimento, quer nos F.B. ou nos B/B.

6. Quanto à contabilização na entidade patronal (todos os lançamentos encontram-se contabilizados no diário 400 - Vencimento de Pessoal):

6.1. Os F.B. eram debitados directamente numa conta de custos; e

6.2. Os "B/B", eram debitados numa conta "25.5.xxx - Accionistas Empréstimos".

7. Numa análise às contas dos accionistas, constatamos que:

7. 1. Ao longo do exercício todos os administradores tiveram saldos devedores;

7.2. No final do ano de 2003, todos têm um saldo credor, pelo facto de efectuarem suprimentos à sociedade.

8. Quanto ao s.p., constatamos, de acordo com os mapas juntos ao Anexo I, entre outras coisas que o valor das despesas pessoais efectuadas durante o mês de Abril foram descontadas ao total do valor dos F.B. a receber nesse mês (nos mapas de AC e de Km).

9. Na análise à conta corrente do s.p. "25.5.1.01 – Accionistas – Empréstimos – João .................................", que juntamos como Anexo III , verificamos:

9. 1. No início do ano, a conta tinha um saldo devedor de € 19.744,03;

9.2. Apenas tem um saldo credor nos meses de Agosto, Outubro e Dezembro, após o s.p. efectuar suprimentos;

Perante os factos enumerados, consideramos que todos os valores contabilizados no diário "400-Pessoal", quer a título de F.B. (incluindo o valor atribuído a título de subsidio de refeição, uma vez que, verificamos que na contabilidade das diversas empresas do "grupo" se encontravam contabilizados despesas de refeição dos administradores), quer a título de B/B, deverão ser considerados como rendimentos de trabalho dependente, nos termos do n.º 2 do art. 2.º do CIRS.

Deste modo, consideramos que foram omitidos à tributação os rendimentos acima referidos pelo valor global de € 81.767,88, de acordo com o mapa que se junta como Anexo IV.

III.2.2. Rendimentos da Categoria E

Verificamos que em Novembro a sociedade "................................................ S.A." procedeu a uma distribuição de dividendos pelos seus accionistas, conforme documentos que se juntam como Anexo V, no valor de € 23.000,00 por cada um.

Este valor foi debitado na conta atrás mencionada "25.5.1.02". De referir que o lançamento a favor do administrador Carlos................., encontra-se revelado na mesma conta.

Não existindo qualquer acta com a aprovação de distribuição de dividendos, consideramos que este valor deverá ser considerado como adiantamento por conta de lucros, enquadrado na alínea h) do n.º 2 do art. 5.º e do n.º 4 do art. 6.º ambos do CIRS.

Pelo exposto, propomos o acréscimo ao rendimento global do s.p. o montante de € 11.500,00, nos termos do n.º 1 do art. 40º. -A do CIRS.» - Conforme relatório a fls. 52 a 54 processo administrativo cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido.

C) Em 12/11/2007, foi emitida a liquidação n° .................................... no valor de € 39.723,36 - cfr. doc. de fls. 13 a 15 dos autos.

D) A referida liquidação não foi paga no prazo legal, tendo sido instaurado o processo de execução fiscal n° ....................................., o qual foi suspenso em virtude da apresentação de garantia bancária, nos termos do art. 169° do CPPT (cfr. fls. 40 a 43 do PAT)

E) A presente impugnação judicial foi deduzida em 18-03-2008, conforme carimbo aposto a fls. 2 da petição inicial.


*

Inexistem factos não provados com relevância para a decisão.

*

A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos, não impugnados, e das informações oficiais constantes dos autos”.

*

2.2. De direito

Antes de entrarmos na análise do presente recurso jurisdicional, mostra-se essencial deixarmos os seguintes esclarecimentos prévios, desde logo para que não restem dúvidas sobre a delimitação do objecto do recurso.

Resulta claramente do teor da p.i de impugnação judicial que o acto tributário de liquidação adicional de IRS foi contestado com base em dois diferentes fundamentos: quanto à correcção relativa a rendimentos da categoria A, foi invocada a falta de fundamentação (artigos 6º a 27º da p.i); quanto à correcção respeitante a rendimentos da categoria E, aí se defendeu que é errado o enquadramento do montante em causa como adiantamento por conta de lucros porquanto, como os impugnantes aí pretenderam demonstrar, não existiu qualquer distribuição de dividendos mas apenas o reembolso de suprimentos (cfr. artigos 28º a 34º da p.i).

A sentença recorrida analisou (unicamente) o vício consistente na falta de fundamentação e, considerando a sua verificação in casu, julgou a impugnação judicial procedente, anulando a liquidação adicional sindicada. Isto equivale a dizer, se bem interpretamos a sentença (no seu confronto com a p.i) que, por um lado o Tribunal a quo apreciou a falta de fundamentação e estendeu os efeitos da análise a ambas as correcções e que, por outro lado, deixou de analisar o vício de violação de lei invocado relativamente à correcção respeitante a rendimentos da categoria E.

Esta actuação por parte do Tribunal a quo não foi posta em causa no presente recurso jurisdicional, pelo que a mesma, ainda que fosse susceptível de gerar a invalidade da sentença, não pode aqui ser conhecida, nem dela podem ser extraídas as consequências legais decorrentes de eventual nulidade. Com efeito, as nulidades da sentença não são de conhecimento oficioso, devendo ser arguidas pelas partes.

É, assim, com esta delimitação prévia que podemos, agora sim, entrar na análise do presente recurso jurisdicional.


*

A sentença recorrida julgou a impugnação judicial procedente, considerando, para tanto, que a liquidação adicional padecia de vício formal consistente na falta de fundamentação. Consequentemente, anulou a liquidação adicional impugnada, mais determinando a procedência do pedido de indemnização pela prestação indevida de garantia.

A Fazenda Pública, ora Recorrente, insurge-se contra o decidido, na medida em que entende que o acto tributário sindicado apresenta a fundamentação legalmente exigida. De acordo com as conclusões da alegação de recurso, se a sentença tivesse apreciado correctamente a matéria de facto – concretamente, os anexos ao relatório de inspecção a que o probatório faz expressa referência e cujo teor deu por reproduzido – outra teria sido a conclusão jurídica extraída pelo Tribunal a quo.

De notar, portanto, que o ataque ao julgamento de facto não passa pela invocação de factos materiais da vida real que a sentença não tenha considerado ou tenha fixado em desacordo com a prova produzida ou com aquela que devia ter sido produzida. Tal como interpretamos a discordância da Recorrente, neste concreto ponto, daquilo que se trata é de uma divergência com as ilações de facto retiradas pelo julgador da factualidade apurada (em concreto, repete-se, no que respeita ao conteúdo dos anexos ao relatório inspectivo cujo teor foi dado por reproduzido pelo Tribunal a quo).

Vejamos, então.

Comecemos por deixar consignado, no que para aqui importa, aquele que foi o discurso fundamentador seguido pelo Tribunal recorrido. Assim:

“(…)

O acto tributário, enquanto acto administrativo deve obedecer aos requisitos gerais enunciados nos artigos 123°, 124° e 125° do CPA, na medida em que é susceptível de afectar direitos ou interesses legalmente protegidos, devendo por isso ser fundamentado. Tal fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão (art. 125° do CPA e art. 77°, n° 1 da LGT).

As exigências de fundamentação decorrem expressamente do texto constitucional, do artigo 268°, n° 3 da CRP, devendo concretizar-se através dos fundamentos de facto e de direito que estão na base da decisão. Isto é, a fundamentação do acto deverá esclarecer o seu destinatário acerca do motivo que sustentou o conteúdo concreto da decisão. Assim, é equivalente à falta de fundamentação, a adopção de fundamentos que por obscuridade, contradição ou insuficiência não esclareçam a motivação do acto.

Como tem vindo a ser entendido e sufragado pela doutrina e pela jurisprudência dos tribunais superiores, o acto administrativo só está devidamente fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável colocado perante a situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto, fica em condições de conhecer o itinerário funcional, cognoscitivo e valorativo do autor do acto (v.g. por todos o Ac. da 1° secção do STA de 6.2.90 in Ac. Doutrinais, n° 351, pág. 339 e segs.), sendo que a falta de fundamentação do acto constitui vício de forma, conducente à sua anulação.

Importa pois apurar, à luz das disposições legais aplicáveis, se, no caso dos autos, o acto tributário impugnado se encontra suficientemente fundamentado, tendo presente a fundamentação do acto impugnado, tal como consta da alínea B) do probatório.

Vejamos.

Na sequência da acção inspectiva externa ao exercício de 2003, efectuada à sociedade "................................................. S.A." a AT considerou que o impugnante enquanto seu administrador recebera para além do vencimento, mais duas verbas, uma a título de "fringe benefits" (F.B.) correspondente a suprimentos veículos, suprimentos tickets, transferência/14 meses, compensação por quilómetro de utilização de viatura própria, ajudas de custo e "Adicional BCP (14 meses)" (B.B), montantes que considerou tratarem-se de rendimentos da categoria A, nos termos do art. 2°, n° 2 do CIRS.

A AT considerou ainda que a referida sociedade procedeu a uma distribuição de dividendos, a qual, tendo em conta a inexistência de acta com a aprovação da distribuição de dividendos, deverá ser tributada na categoria E, como adiantamento por conta de lucros, nos termos do art. 5°, n°2, al. h) e art. 6°, n° 4 do CIRS.

Tendo presente a fundamentação do acto impugnado, tal como consta da alínea B) do probatório verifica-se que, não constam em concreto, os factos que justificam as correcções, mas apenas generalidades, tais como "suprimentos de veículos", "suprimentos tickets", "transferência /14meses", "compensações por quilómetro de utilização de viatura própria" "ajudas de custo", sem que, relativamente ao impugnante se esclareça quais os factos concretos em que consistem tais realidades e a forma através da qual se concluiu que os montantes recebidos são complemento de remuneração ou adiantamento por conta de lucros.

Os factos apurados na inspecção à sociedade da qual o impugnante é administrador não dispensam a Administração Tributária de avaliar a situação concreta do contribuinte, ora impugnante, sendo que a fundamentação do acto constitui formalidade exigível legalmente, cuja preterição é fundamento de impugnação.

Como já se disse, quer o CPA, no seu artigo 124°, quer em especial o artigo 77° da LGT, estabelecem o dever de fundamentação dos actos administrativos, que "deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão".

Assim, é exigível que, perante o itinerário cognoscitivo constante do acto, um destinatário normal possa ficar a saber porque se decidiu em determinado sentido.

A sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que sustentam o acto, não pode ser sinónimo de utilização de conceitos genéricos e expressões vagas, sendo insuficientes para fundamentar o acto tributário impugnado e legitimam as interrogações do impugnante, pois a Administração Tributária não demonstra e concretiza factos que digam directamente respeito ao impugnante e dos quais se consiga estabelecer o nexo de adequação que justifique as correcções efectuadas ao rendimento declarado do impugnante.

Face ao teor da decisão impugnada, tal como supra se explicitou, é manifesto que a mesma não está suficientemente fundamentada pois, qualquer destinatário normal colocado na situação do destinatário, não perceberia as razões que levaram a Administração Tributária a decidir naquele sentido e não noutro.

Efectivamente, no caso dos autos, impunha-se à Administração Tributária que concretizasse e quantificasse todas as situações que justificaram as correcções efectuadas, com referência directa ao impugnante. Só assim, se cumpririam as exigências legais de fundamentação do acto, que se destinam a esclarecer o seu destinatário sobre os fundamentos de facto e de direito da decisão.

Ora, como se viu, a decisão impugnada, não é clara, pois não permite que se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decidiu, não é suficiente, pois não possibilita ao seu destinatário um conhecimento concreto da motivação do acto, isto é, as razões de facto e de direito que determinaram a Administração Tributária a actuar como actuou, e não é congruente, pois não constitui a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação.

A fundamentação deveria conter um esclarecimento concreto suficientemente apto para sustentar a decisão e não deveria alicerçar-se em meros juízos conclusivos, sob pena de ficar prejudicada a sua compreensão.

Como é manifesto, da argumentação utilizada pela Administração Tributária, o acto impugnado está inquinado do vício de insuficiência de fundamentação pois as razões aduzidas são vagas, genéricas, indeterminadas e desmotivadas, razão pela qual, não se pode considerar que o acto esteja fundamentado, pois a argumentação da Administração Tributária não esclareceu o impugnante quanto ao porquê da decisão.

Tendo em conta a factualidade provada e o disposto no artigo 125°, n°2 do CPA, que equipara a falta de fundamentação à adopção de fundamentos que por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto, o Tribunal conclui que a fundamentação do acto impugnado não é clara, suficiente e congruente, o que constitui vício de forma por preterição de formalidades essenciais, violadora do disposto no artigo 268°, n° 3 da CRP, do art. 125° do CPA e art. 77° da LGT, impondo-se a sua anulação.

(…)”.

Adiantemos, desde já, que a apreciação levada a cabo pelo Tribunal Tributário de Lisboa não nos merece censura. Explicitemos, de seguida, as razões para assim entendermos.

Efectivamente, da análise do relatório de inspecção, considerados os anexos para os quais se remete, daí se retira que a AT, no essencial, praticamente se limitou a elencar as verbas (e sua designações) que considera complementos de remuneração sujeitos a IRS e indicar os respectivos montantes.

Concretizando, e pondo o enfoque nos mencionados anexos, o que temos no anexo I são 12 quadros com indicação das verbas fringe benefits, aditional BCP ou BB e com menção aos montantes respectivos, tudo com relação ao impugnante. Estes elementos servem para sustentar a afirmação, constante do texto do relatório, segundo a qual “Ao longo do ano, os administradores receberam além do vencimento, mais duas verbas, denominadas, uma por "fringe benefits" (adiante designado por F.B.) e a outra por "Adicional BCP (14 meses) " ou "B/B" (adiante designadas por B/B), conforme mapas internos que se juntam como Anexo I”.

Trata-se da constatação de um ponto de partida da análise inspectiva que, naturalmente, nada diz sobre a natureza dos valores alegadamente recebidos, nem tão-pouco sobre o respectivo enquadramento a título de complementos de remuneração sujeitos a IRS. Neste ponto, e como refere a sentença, “verifica-se que, não constam em concreto, os factos que justificam as correcções, mas apenas generalidades, tais como "suprimentos de veículos", "suprimentos tickets", "transferência /14meses", "compensações por quilómetro de utilização de viatura própria" "ajudas de custo", sem que, relativamente ao impugnante se esclareça quais os factos concretos em que consistem tais realidades e a forma através da qual se concluiu que os montantes recebidos são complemento de remuneração …”.

A este propósito, refere a Fazenda Pública, criticando a sentença recorrida, que “Não foi em momento algum a Administração tributária (…) que criou ou atribuiu a determinadas verbas recebidas pelo recorrido como administrador da Sociedade inspeccionada, as denominações de: "Suprimentos veículos", "Suprimentos (14 meses)", "Tickets", "Transferências /14 meses", "Adicional BCP (x14)", "B/B", terminologia esta “da autoria dos serviços da sociedade inspeccionada”, pelo que “em momento algum poderá ser questionada a fundamentação do acto de liquidação sindicado, mormente imputar-se uma fundamentação genérica, obscura, contraditória ou insuficiente relativamente à motivação do acto”, ou ainda que “A Administração Tributária limitou-se a concretizar (como efectivamente o fez), a considerar e tratar os tais conceitos vagos, obscuros e generalistas (…) usados pela sociedade inspeccionada, para, conjugadamente com toda a restante prova documental e indícios objectivos colhidos pelos Serviços da Inspecção Tributária, devidamente referenciados e juntos com o Relatório da Acção inspectiva (…) fazer o devido e concreto enquadramento tributário dos valores recebidos pelo recorrido pela sociedade inspeccionada e deficientemente denominados e declarados, e outros, não declarados”.

Mas esta crítica à sentença, salvo o devido respeito, não procede. A Mma. Juíza a quo não disse, em momento algum, que a designação das verbas era da autoria da AT (sendo até a autoria da nomenclatura indiferente para o caso); o que disse, isso sim, é que a sua utilização (no caso, a apropriação por parte do relatório) não foi acompanhada da indicação dos factos que permitam perceber em que consistem tais realidades e a forma através da qual se concluiu que os montantes recebidos são complemento de remuneração. E esta constatação da sentença é evidente, pois que o relatório inspectivo não demonstra, nem esclarece, em que é que efectivamente tais verbas se traduziam para, a partir daí, demonstrar o acerto de uma ou outra qualificação jurídico-tributária.

Imprestável, também, para os efeitos pretendidos é o anexo II a que se reporta a conclusão 27, pois que não se alcança o que com tal se pretende demonstrar, designadamente o ênfase na referência à autoria de um email que se mostra subscrito com as iniciais JPS.

No anexo III e IV também não se retiram quaisquer elementos que se possam assumir como factos concretos que expliquem em que consistem as apontadas verbas, com vista a daí concluir sobre a sua natureza de complemento de remuneração. Aliás, a alusão aos saldos devedor e credor de uma conta accionistas/ empréstimos não permite estabelecer qualquer ligação à conclusão segundo a qual (cfr. ponto III, 2.1, 9 do relatório) os montantes em causa (no total de € 81.767,88, de acordo com o quadro correspondente ao anexo IV que a isso se resume) “deverão ser considerados como rendimentos do trabalho dependente, nos termos do nº 2 do artº 2º do CIRS”.

Ora, recuperando aqui aquela que foi a análise efectuada na sentença recorrida e com a qual, como dissemos, concordamos, concluímos, sem hesitações, que a fundamentação do acto tributário impugnado é notoriamente insuficiente, tendo em conta as exigências legais a observar quanto a este dever.

Efectivamente, lido o relatório de inspecção (anexos incluídos, naturalmente), podemos afirmar que a AT, in casu, não cumpriu o ónus que sobre si impendia. Para além daquilo que ficou dito pelo TAF de Lisboa, deve acrescentar-se, com respeito ao caso concreto, que não se entende a referência feita, concomitantemente, a suprimentos - “suprimentos veículos (12 meses)” e a “suprimentos (14 meses)” – e a rendimentos do trabalho dependente. Como não se alcança minimamente o que possam ser “suprimentos veículos”. Como também não se apreende a alusão simultânea a compensações por quilómetros de utilização de viaturas próprias e a ajudas de custo e, por outro lado, a rendimentos do trabalho dependente. Faltou à AT concretizar as razões que a permitiram concluir num certo sentido, isto é, explicitar o caminho percorrido para chegar às conclusões constantes do relatório. Tratou-se, afinal, de um discurso conclusivo que não permite dar a conhecer a um contribuinte médio e com uma capacidade normal de entendimento a totalidade das razões que justificam um determinado acto com um certo conteúdo decisório.

Importa não perder de vista, como a jurisprudência reiteradamente tem afirmado, que a elevação à categoria de garantia do contribuinte do dever de fundamentação facilmente se percebe quando atentamos nos objectivos deste instituto, quer se trate do propósito de pacificação das relações entre a Administração e o administrado, quer na perspectiva da defesa do contribuinte, quer, ainda, tendo em vista o próprio autocontrole da Administração. Na verdade, um contribuinte conhecedor dos motivos do acto praticado pode convencer-se da sua justeza e aceitá-lo ou, conhecendo os motivos e deles discordando, pode atacar o acto pondo em crise os seus fundamentos e, ainda, tal dever funcionará como forma de a própria Administração se autofiscalizar em resultado da reflexão e ponderação sobre os motivos que estão na origem do acto (entre muitos arestos, veja-se o acórdão do TCAN de 17/05/12, proc. n.º 137/02-Porto). É certo que, em muitos casos, a garantia de fundamentação fica cumprida ainda que seja efectuada de forma sumária, através de uma declaração de concordância com anteriores informações, pareceres ou propostas. Contudo, e em matéria tributária, tal dever de fundamentação (embora nem sempre com o mesmo grau de exigência) deve sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários, bem como as operações de apuramento da matéria tributável e do imposto.

Efectivamente, a fundamentação do acto tributário, como de qualquer acto administrativo, deve ser clara (as razões de facto e de direito não podem ser confusas ou ambíguas, sob pena de não se dar a conhecer o que determinou o agente a praticar o acto ou a escolher o seu conteúdo), congruente (o conteúdo do acto tem de ter uma relação lógica com os fundamentos invocados) suficiente (por forma a tornar claros os pressupostos tidos em conta pelo autor do acto) e tem que ser expressa (sob pena de pôr em causa a funcionalidade e objectivos do próprio instituto) - entre muitos outros, vejam-se os acórdãos de 12/03/13, processo nº 01674/13, do STA e o acórdão do TCAS de 26/06/14, processo nº 5778/12.

De resto, é a própria Recorrente que nas conclusões da alegação de recurso reconhece que “… na fundamentação do Relatório em apreço se admitam e vislumbrem algumas deficiências ou imprecisões” ou, ainda, que Embora a fundamentação possa não considerar-se exemplar…. Porém, em nossa opinião, não se trata da fundamentação não ser modelar, pois isso, efectivamente, não é; trata-se, isso sim, de haver falta/ insuficiência de fundamentação do acto tributário de liquidação impugnado.

Importa, ainda, acrescentar o que se segue, tendo em conta a posição assumida pela Fazenda Pública neste recurso. Refere a Recorrente que “Apesar de o Impugnante/recorrido ter sido notificado para o efeito, o mesmo não exerceu o direito de audição, pelo que se infere que o recorrido voluntariamente se conformou com o respectivo projecto das correcções sub judice!”. De tal comportamento omissivo retira a Fazenda a conclusão segundo a qual “daquela forma, de que o Recorrido se absteve de adoptar, seria o itinerário certo para que fosse aberta a oportunidade de aquele vir a ser detalhadamente elucidado quanto à eventual falta de fundamentos da decisão em apreço”.

Como é evidente, este Tribunal não pode acompanhar este raciocínio que, salvo o devido respeito, inverte a lógica das coisas. Não é o sujeito passivo, pela via do exercício do direito de audição, que tem o dever de contribuir para a correcta fundamentação do acto. É a Administração que, independentemente do exercício do direito de audição, tem o dever de fundamentar os seus actos, dever esse que se assume como um direito dos administrados. O direito de audição é isso mesmo, ou seja, um direito e não um dever, mormente, como pretende a Recorrente, um dever de colaboração do contribuinte para a plena fundamentação do acto. De resto, nem tendo presente o escopo do direito de audição – proporcionar a participação dos administrados da formação dos actos administrativos que os afectem – se pode, alguma vez, extrair uma consequência negativa do seu não exercício, pois que tal participação – ou não – está na total disponibilidade do visado.

Por conseguinte, tendo presente tudo quanto aqui ficou dito e dispensando-nos de maiores considerações, fácil é concluir como se segue, ou seja, pela improcedência das conclusões da alegação de recurso, o não provimento do mesmo e, como tal, pela manutenção da sentença recorrida.


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3 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 5 de Fevereiro de 2015.


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Joaquim Condesso)

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(Pereira Gameiro)