Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:583/08.7 BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:12/19/2023
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:RITI
ISENÇÃO COMPLETA-ARTIGO 14.º
PROVA DO CIRCUITO FÍSICO DOS BENS
DESLOCAÇÃO FÍSICA PARA EM
IDONEIDADE E SUFICIÊNCIA DOS MEIOS DE PROVA
Sumário:-O legislador instituiu no artigo 14.º, nº1, alínea a), do RITI como requisitos cumulativos da respetiva isenção , os seguintes : i) Vendedor tem de ser um sujeito passivo de IVA com direito integral ou parcial à dedução do IVA; ii) Expedição ou transporte dos bens do território nacional para o Estado Membro (EM) do destino, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes; iii) Adquirente tem de ser um sujeito passivo de IVA num outro EM; utilização do número de identificação para efetuar a aquisição; abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens.
II-O conceito de expedição, pressupõe a deslocação física de um bem de um EM para outro. Logo, a transmissão intracomunitária de um bem só se verifica, e a isenção só é aplicável, quando o direito de dispor do bem como proprietário tenha sido transferido para o adquirente e o fornecedor prove que esse bem foi expedido ou transportado para outro EM e que, na sequência dessa expedição ou transporte, o mesmo saiu fisicamente do território do estado de entrega.
III-Promanam enquanto princípios gerais da prova da expedição, designadamente, o primado das exigências substanciais sobre as exigências de forma, o princípio da proteção do expedidor de boa fé e o direito de recusar a isenção ao expedidor que participa em fraudes ou não toma as devidas precauções para dele não participar.
IV-A prova da expedição física pode ser efetuada por recurso a qualquer meio de prova, que permita atestar a expedição dos bens do território nacional para outro EM, sem tornar a prova demasiado onerosa, desproporcional, e desvirtuando a substância em detrimento da forma.
V-O RITI não impõe um prazo para a saída dos bens de território nacional, exigindo, somente, que saiam de Portugal com destino ao adquirente. O eventual desfasamento entre o momento da emissão da fatura e a expedição dos bens para fora de Portugal, não pode, per se, prejudicar a aplicação da isenção de IVA.
VI- Sendo a prova documental, complementada com a prova testemunhal, idóneas e suficientes para se concluir pela prova do circuito físico dos bens, o ato impugnado padece de vício de violação de lei, cominado com a anulabilidade.
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO


O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante DRFP ou Recorrente), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A., Herdeiros, contra da liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), referente ao período de 2004, no valor de €27.880,73, dos quais €24.878,90 correspondem a imposto e €3.001,83, a juros compensatórios.

O Recorrente, veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:

“A. Salvo o devido respeito, por opinião diversa, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, dado que da prova produzida não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida.

B. A discórdia dos presentes autos, reporta-se a uma liquidação adicional de IVA e respeitante liquidação de juros compensatórios, referente ao exercício de 2004, pelo montante de €24.878,9, resultante de correcções apuradas pelos Serviços de Inspecção tributária, no seguimento do pedido de reembolso de IVA, respeitante ao período de 2008.08, no valor de €47.756,54.

C. Considerou o douto tribunal a quo que os meios de prova apresentados pelo Impugnante foram suficientes, adequados e idóneos para comprovar a expedição ou transporte dos bens para outro Estado-membro.

D. Entende a Fazenda Pública, salvo o devido respeito, que ao contrário do decidido, não se encontra provado, que a expedição ou transporte da mercadoria para outro Estado-Membro tenha efectivamente ocorrido.

E. E isto porque os documentos apresentados pelo impugnante, designadamente a guia de transporte n.º 34, bem como o CMR, padecem de várias incorrecções, que colocam em causa o efectivo transporte da mercadoria facturada à empresa L.

F. Assim, de todos os elementos reunidos nos autos, é impossível comprovar que a mercadoria facturada à L., com isenção de IVA ao abrigo do artigo 14.º do RITI, saiu efectivamente de Portugal para Huelva.

G. Pelo exposto e salvo melhor opinião, entende a Fazenda Pública que o douto Tribunal “a quo” decidiu mal ao anular os actos de liquidação de IVA, do ano de 2014, violando assim, o disposto no artigo 14.º do RITI.

Termos em que com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser provido e, consequentemente ser revogada a sentença proferida pelo Douto Tribunal “a quo”, assim se fazendo a costumada Justiça!”


***


A Recorrida, devidamente notificada para o efeito contra-alegou tendo concluído da seguinte forma:

“A. O Impugnante exercia, no ano de 2004, a actividade de "pesca marítima" - CAE 051180, nomeadamente de peixes, crustáceos e moluscos (arrasto) e comercialização do pescado [cf. fls, 125 do PAT em apenso e prova testemunhal];

B. Até ao final de 2004, o produto comercializado era pescado em águas nacionais, congelado em alto mar, destinando-se quase na sua maioria ao mercado espanhol [prova testemunhal];

C. A 14.09.2004, E. B., condutor do camião de matrícula H-…3-R, saiu de Huelva chegando a Portimão na madrugada de dia 1.09.2004 [prova testemunhal];

D. A 14.09.2004, o veículo de matrícula H…7R encontrava-se avariado, tendo sido substituído pelo veículo de matrícula H-…3-R. [prova testemunhal];

E. Com data de 15.09.2004, foi pela V., S.L, contribuinte B…68, emitida a factura n.º 1742, destinada a L., S.L., contribuinte B-…15, referente a transporte da data de 14.09.2004, com guia de remessa n.9 16649, referente ao camião de matrícula H-…2-W/H….7R, entre Portimão e Huelva. [cf. fls. 89,192 e 193dos autos];

F. Com data de 15.09.2004, foi por A. C., emitida a guia de transporte n.º 034, destinada a L., S.A., contribuinte B-…15, com domicílio em Huelva, Espanha, referente a 108 Kgs de gamba congelada, 1.704 Kgs de camarão congelado, e 8.868 Kgs, de Lagosta congelada, com menção "matrícula H-…3-R" [cf. fls. 85 dos autos, prova testemunhal],

G. Com data de 15.09.2004, foi emitido em Portimão o CMR PP-1036280, com indicação do remetente: A. C., Destinatário: L., S.L.; Lugar de entrega da mercadoria: Huelva, Espanha; Lugar da carga: Portimão, Portugal; Documentos anexos: guia de transporte n.9 034; Descrição: Embaixador-9 caixas, cartão, congelada, 117 Kgs; Embaixador -142 caixas, cartão, congelada, 1846 Kgs; Embaixador - 4434 caixas de esferovite, congelada, 9.9533 Kgs; onde foi aposto no campo 22 o carimbo de A. C., e no campo 24 uma assinatura onde consta o nome "E.B." [cf. fls. 87, 190 e 191 dos autos e prova testemunhal];

H. E. B., condutor do veículo que transportou a mercadoria identificada no ponto anterior, apôs a sua rubrica no campo 24 do CMR identificado na alínea anterior [prova testemunhal];

I. Com data de 17.09.2004, foi emitida pela sociedade F. C., S.A., contribuinte n.5 A-…88, à L., S.L. a factura n.e 946/2004, no valor de €966,90 com a descrição: "manuseamento de entrada, saída e classificação; serviço de frio do marisco e/ou vários depositados em camadas"; e comentário: 00013 – T. P. - 2004/006, referente ao dia 15.09.2004 [cf. fls. 96,203 e 204 dos autos];

J. Com data de 17.09.2004, foi emitida pela sociedade F. C., S.A., contribuinte n.5 A- ..88, à L., S.L., a factura n.º 947/2004, no valor de € 7,79, com a descrição: "manuseamento de entrada, saída e classificação; serviço de frio do marisco e/ou vários depositados em camadas"; e comentário: 00013 – T. P. - 2004/007, referente ao dia 15.09.2004 [cf. fls. 96,203 e 204 dos autos];

K. Com data de 20.09.2004, foi por A. C., emitida a factura n.º 021, destinada a L., S.L., contribuinte B-…15, com domicílio em Huelva, Espanha, referente a 108 Kgs de gamba congelada, 1.704 Kgs de camarão congelado, e 8.868 Kgs, de lagosta congelada, no valor total de € 130.94160, com a menção "isento de IVA, Exportação" [cf. fls. 76 dos autos];

L. Na declaração periódica de IVA referente ao período 2006/08, foi pela Impugnante peticionado o reembolso de IVA no montante de € 45.756,54 [cf. fls. 152 do PAT em apenso],

M. A 30.11.2006 pela AT foi efectuado o pagamento do reembolso de IVA no montante de € 47.756,54, peticionado pelo Impugnante [cf. fls. 152 do PAT em apenso];

N. Ao abrigo da Ordem de Serviço n.º 01200707381, foi despoletada uma acção de inspecção relativamente ao exercício de 2004, em sede de IVA, ao sujeito passivo A. C., na sequência de um pedido de reembolso efectuado no período de 2006/08 [cf. fls. 125 do PAT em apenso];

O. A 16.11.2007 foi elaborado o relatório de inspecção, onde consta nomeadamente o seguinte: (...) [cf. cópia do relatório a fls. 125 a 132 do PAT em apenso];

P. Através do ofício n.º 098247, de 28.1.2007, recebido a 03.12.2007, foi o Impugnante notificado do teor do relatório identificado no ponto anterior [cf. fls. 138 e 139do PAT em apenso];

Q. A 18.12.2007, foi emitida a notificação correspondente à liquidação adicional de IVA n.º 07355003, referente ao período 0409, em nome de A. C., pelo valor total de e 24.878,90, com data limite de pagamento a 28.02.2008 [cf. fls. 82 dos autos];

R. A 18.12.2007, foi emitida a notificação correspondente à liquidação de juros compensatórios, em sede de IVA com o n.º 07355004, referente ao período 0409, em nome de A. C., pelo valor de € 3.001,83, com data limite de pagamento a 28.02.2008 [cf. fls. 83 dos autos];

S. Em documento não timbrado, datado de 29.01.2008, consta o seguinte:

"D. F. G. com o cartão de identidade nr. …75E, representante da empresa V., SL., com a identificação fiscal CIFB-….68 e domicílio em Huelva, Polígono Industrial E. R., nave…, certifica : Que com data de 14 de Setembro de 2004, carregamos o camião com matrícula F….3R com mercadoria do nosso cliente L., SL, desde Portimão até Huelva. Que o referido serviço foi realizado pelo Sr. E. B., nosso motorista, com o camião de um colega (H…3R), que dessa data se encontrava de férias e que por engano referimos na factura a matrícula do camião que normalmente era conduzido pelo Sr, E. e não do camião que na realidade efectuou o serviço" [cf. fls. 91, 195 e 196 dos autos];

T. A petição inicial que deu origem à presente impugnação judicial foi apresentada em 23.05.2008 [cf. fls. 3 dos autos].

30. Ora, não obstante, a matéria de facto dada como assente, a qual teve por base a convicção com que a Mma Juiz a quo ficou, não só, dos documentos em causa, mas também, do depoimento das testemunhas o qual, recorde-se, ocorreu «(...) de forma convincente, convergente, espontânea e revelaram possuir conhecimento directo dos factos que relataram, em virtude das funções que exerciam à data dos factos.», a verdade é que vem a Recorrente retomar a argumentação tecida no Relatório de Inspecção, sem qualquer carácter inovador em relação àquele.

31. Com efeito, considerou a Recorrente que a douta sentença recorrida havia caído numa situação de erro de julgamento, por ter claudicado na apreciação dos seguintes factos:

a) que, «no que respeita às correcções realizadas ao exercício de 2004, designadamente a liquidação de IVA na factura n.º 21 emitida à empresa espanhola L. SL, no montante de € 130.941,60, considerou o douto tribunal que se tratou de uma transmissão intracomunitária, justificando a transmissão dos bens para o cliente espanhol através dos documentos CMR e da guia de transporte n.º 34, pelo que considera ter sido liquidado IVA ilegalmente, no valor de € 24.787,90. Não pode a Fazenda Pública concordar, pois dos documentos apresentados pelo impugnante designadamente a guia de transporte n.º 34, datada de 15.09.2004 e o CMR (carta de porte internacional), verificam-se várias incorrecções, que colocam em causa o efectivo transporte da mercadoria facturada à empresa L.», nomeadamente «os valores respeitantes a quantidades e a quilos, constantes da guia de transporte, da factura n.s 21 e o CMR não são coincidente (...)»,

b) que «o documento CMR não se encontra assinado nem carimbado pelo transportador, e não obstante a Impugnante invocar e o douto tribunal aceitar que a assinatura do transportador consta do campo 24 do CMR, a verdade é que é impossível verificar, uma vez que a assinatura é irreconhecível e não constar qualquer carimbo da empresa transportadora.»

c) que «[n]o que concerne à factura emitida pelo transportador V. SL, constata-se que a data do transporte foi a 14.09.2004, no entanto, a data do documento CMR é de 15.09.2004. Ora, tendo em consideração, o trajecto da mercadoria e os documentos necessários ao seu transporte, o CMR teria que obrigatoriamente ter data anterior ao início do transporte. »

d) que «(...) a matrícula do camião que realizou o transporte da mercadoria também não coincide com a indicada na guia de transporte que acompanhou a mercadoria» e,

e) que «[n]o que respeita às facturas dos f. C. S.A., onde supostamente a mercadoria foi armazenada à sua chegada a Espanha, diga-se que a mercadoria que consta dessa factura encontra-se classificada de forma diferente da indicada na factura e guia de remessa, pelo que, não é possível fazer qualquer comparação que possibilite concluir que se trata da mesma mercadoria.» e na correspondente aplicação do direito.

32. Ora, a verdade é que todas as questões trazidas novamente à discussão, nos presentes autos, pela Recorrente, foram já convenientemente apreciadas, ponderadas e bem resolvidas pela sentença recorrida. Ora, vejamos,

33. A Mma Juiz a quo, em resposta a todas as questões suscitadas no Relatório de Inspecção e aqui novamente colocadas, considerou, com base na prova produzida, quanto às divergências detectadas nos documentos de transporte, por um lado, que as mesmas ocorreram de um lapso, porquanto, pela testemunha «(...)E. B., condutor do camião que transportaria a mercadoria descrita neste CMR, [foi indicado (...) que, por lapso terá aposto a sua rubrica no campo 24, quando teria pretendido apor no campo 23, mas que a ausência de óculos poderá ter facilitado o erro [cf. ai. G) dos factos assentes., que «(...)a divergência na identificação das matrículas relativas ao camião de transporte, (...) Resulta provado nos autos que a sociedade transportadora indicou, por lapso, na factura por si emitida, a matrícula do veículo que o seu funcionário E. B. costumava conduzir, mas que, em virtude de o referido veículo se encontrar em reparação, foi substituído pelo camião de matrícula H-…3R [cf. ai. D) e S) dos factos assentes].

34. Por outro lado, «Já no que se refere à data do transporte identificada na referida no documento comprovativo do serviço de transporte realizado peta sociedade V., S.L., que contém a menção data de 14.09,2004, como data de transporte, resulta igualmente provado que esta data refere-se ao momento em que o camião saiu de Espanha para efectuar o serviço em Portimão, tendo chegado a este destino na madrugada de dia 15.09.2004, e aí carregado a mercadoria de volta para Huelva, razão pelo qual não existe coincidência entre a data da factura do serviço de transporte e a data da guia de remessa e do CMR [cf. al. C) e E) dos factos assentes].»

35. Por outro, ainda, que e no que respeita «ò divergência entre as quantidades mencionadas nos diversos documentos, verificamos que a única diferença entre os valores mencionados nos diversos documentos prende-se com o facto por vezes ser necessária a indicação do peso bruto (...), enquanto que noutros documentos será relevante o peso líquido (...) Certo é que os valores em termos de caixas são idênticos, e as pequenas variações entre peso líquido e peso bruto justificam as divergências registadas pela AT.»

36. E, por fim, que «o impugnante conseguiu suprir os vários erros detectados pela AT quanto à operação material titulada pela factura n.º 21, aqui em análise, tendo feito prova de que efectivamente aquela mercadoria saiu de Portimão com destino a Huelva, onde foi armazenada em câmaras frigorificas da sociedade C. Ficou assim documentalmente comprovado o percurso das mercadorias vendidas pelo Impugnante à sociedade espanhola, desde Portimão até Huelva, onde foi depositada nos armazéns frigoríficos da C.

37. Com base na prova produzida, a Mma Juiz a quo considerou como inequivocamente provados os factos constantes do n.º 29 destas conclusões, e fez uma correcta aplicação do direito, nos moldes em que aqui se reproduzem:

«()

Ora, atento o disposto na citada norma [artigo 14.2 do RITI], um dos pressupostos essenciais para a aplicação deste regime de isenção, para além dos pressupostos subjectivos de cada parte interveniente-vendedor e adquirente -, será a expedição ou transporte dos bens de Portugal para outro Estado-membro, daí a importância da prova deste facto.

Resulta da legislação e da jurisprudência comunitária que as entregas intracomunitárias de bens estão isentas, com vista a transferir a receita fiscal para o estado-Membro onde teve lugar o consumo final dos bens entregues (v. acórdãos de 27 de Setembro de 2007, Teleos e o., C-409/04; EU: C:2007:548, n.º 36 (...).

Assim, é concebido o direito à isenção, no Estado-Membro de partida, da entrega que dá lugar à expedição ou transporte comunitário, completada pelo direito à dedução ou reembolso do IVA pago a montante nesse Estado-Membro e, por outro, na tributação, por parte do Estado-Membro de chegada, da aquisição intracomunitária. Este mecanismo garante uma delimitação clara das soberanias fiscais dos Estados-Membros interessados (v. nesse sentido, acórdão de 6 de abril de 2006, EM AG Handel Eder, C-245/04, ECU:EU:C:2006:232, n.s 30 e 40).

O Tribunal de Justiça interpretou esta disposição no sentido de que a isenção da entrega intracomunitária só é aplicável quando o direito de dispor do bem como proprietário tenha sido transferido para o adquirente e o fornecedor prove que esse bem foi expedido ou transportado para outro Estado-Membro e que, na sequência dessa expedição ou desse transporte, o mesmo saiu fisicamente do território do Estado-Membro de entrega (v. acórdãos, já referidos, Teleos e o., n.e42 e Twoh International, n.º 23).

Consequentemente, o ónus da prova da expedição ou transporte do bem é do fornecedor, ou seja, no caso em apreço, a Impugnante.

O Tribunal de Justiça constatou igualmente que, desde a abolição do controlo nas fronteiras entre Estados-Membros, é difícil à Administração Fiscal verificar se as mercadoria saíram ou não fisicamente do território do referido Estado-Membro. Por este motivo, é principalmente com base nas provas fornecidas pelos sujeitos passivos e nas suas declarações que as autoridades fiscais nacionais procedem a essa verificação (acórdãos, já referidos, Teleos o., n.º 44, e Twoh International, n.º 24).

O Tribunal de Justiça tem afirmado que compete aos Estados-Membros fixar as condições em que isentam as entregas intracomunitárias para garantir a aplicação correcta e simples das ditas isenções e prevenir eventuais fraudes, evasões e abusos, devendo, porém, respeitar os princípios gerias de direito que fazem parte da ordem jurídica da União, entre os quais figuram, designadamente, os princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade ( v. neste sentido, acórdãos de 27 de Setembro de 2007, Collée, C-146705, Twoh International; e R.).

Por outro lado, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para beneficiar da referida isenção cabe ao fornecedor de bens fazer prova de que as condições previstas para aplicação desta disposição, incluindo as impostas pelos Estados-Membros para garantir uma aplicação correcta e simples das isenções e para evitar fraudes, evasões e abusos, estão preenchidas (v. neste sentido, acórdão Twoh International, já referido, n.º 26).

Em suma, para a Impugnante poder beneficiar da isenção de IVA nas transmissões intracomunitárias tem efectivamente de efectuar a prova que esse bem foi expedido ou transportado para outro Estado-Membro, pressuposto que decorre do artigo 14. e do RITI e que tem vindo a ser sancionado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça.

Sendo certo que são admissíveis todos os meios de prova admissíveis em direito, será incontornável que os meios de prova devem ser idóneos e adequados para atingir tal objectivo.

(...)

Escalpelizadas as divergências identificadas pela AT e as justificações apresentadas pela Impugnante, e não colocando de parte a exigência formal da documentação que prova a transmissão de bens de Portugal para outro Estado-membro que é exigido pela AT e da sua adequação e proporcionalidade na estrita medida em que se insere num objectivo legítimo de combate ò evasão e fraude fiscal, importa considerar que o Impugnante conseguiu suprir os vários erros detectados pela AT quanto à operação material titulada pela factura n.º 21, aqui em análise, tendo feito prova de que efectivamente aquela mercadoria saiu de Portimão com destino a Huelva, onde foi armazenada em câmaras frigorificas da sociedade C.

Ficou assim documentalmente comprovado o percurso das mercadorias vendidas pelo Impugnante à sociedade espanhola, desde Portimão até Huelva, onde foi depositada nos armazéns frigoríficos da C.

Importa assim determinar que a prova produzida, os meios de prova apresentados pelo Impugnante foram suficientes, adequados e idóneos para conduzir à prova do pressuposto da isenção ora em causa (a expedição ou transporte dos bens pra outro Estado-membro), face aos contornos específicos do caso concreto, face à concreta necessidade de prevenir a evasão e fraude fiscal.

Consequentemente, resultando provada a saída dos bens do território nacional para Estado- Membro recepcionada por sujeitos passivos de IVA, encontrando-se reunidos os pressupostos constantes no artigo 14.5 do RITI para a concessão de isenção de IVA na transmissão intracomunitária de bens identificados na factura n.º 21, emitida pela Impugnante.

Como consequência de tudo o que ficou dito, conclui-se pela procedência da acção, devendo as liquidações impugnadas ser anuladas por vício de violação de lei.»

Termos em que o presente recurso deverá ser julgado improcedente e, em consequência, mantida a decisão recorrida e declarada procedente a impugnação judicial apresentada.”



***


O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

***


II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

Compulsados os autos e analisada a prova documental e testemunhal encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a decisão do mérito:

“A. O Impugnante exercia, no ano de 2004, a actividade de “pesca marítima” – CAE 051180, nomeadamente de peixes, crustáceos e molusco (arrasto) e comercialização do pescado [cf. fls. 125 do PAT em apenso, e prova testemunhal].

B. Até a final de 2004, o produto comercializado era pescado em águas nacionais, congelado em alto mar, destinando-se quase na sua maioria ao mercado espanhol [prova testemunhal].

C. A 14.09.2004 E. B., condutor do camião de matrícula H-…3-R, saiu de Huelva chegando a Portimão na madrugada de dia 15.09.2004 [prova testemunhal].

D. A 14.09.2004 o veículo de matrícula H…7R encontrava-se avariado, tendo sido substituído pelo veículo de matrícula H-..3-R [prova testemunhal].

E. Com data de 15.09.2004, foi pela V., S.L., contribuinte B…68, emitida a factura n.º 1742, destinada a L., S.L., contribuinte B-…15, referente a transporte da data de 14.09.2004, com guia de remessa n.º 16649, referente ao camião de matrícula H-..2-W/H….7R, entre Portimão e Huelva [cf. fls. 89, 192 e 193 dos autos].

F. Com data de 15.09.2004, foi por A. C., emitida a guia de transporte n.º 034, destinada a L., SL., contribuinte B-…15, com domicílio em Huelva, Espanha, referente a 108 kgs de gamba congelada, 1.704 Kgs de camarão congelado, e 8.868 Kgs, de Lagosta congelada, com a menção “matricula H-…3-R” [cf. fls. 85 dos autos, prova testemunhal].

G. Com data de 15.09.2004, foi emitido em Portimão o CMR PP-1036280, com indicação do remetente: A. C., Destinatário: L., SL; Lugar de entrega da mercadoria: Huelva – Espanha; Lugar de carga: Portimão, Portugal; Documentos anexos: Guia de transporte n.º 034; Descrição: Embaixador – 9 caixas, cartão, congelada, 117kgs; Embaixador – 142 caixas, cartão, congelada, 1846 Kgs; Embaixador – 4434 caixas de esferovite, congelada, 9.9533 Kgs; onde foi aposto no campo 22 o carimbo de A. C., e no campo 24 uma assinatura onde consta o nome “EB.” [cf. fls. 87, 190 e 191 dos autos, prova testemunhal].

H. E. B., condutor do veículo que transportou a mercadoria identificada no ponto anterior, apôs a sua rubrica no campo 24 do CMR identificado na alínea anterior [prova testemunhal].

I. Com data de 17.09.2004, foi emitida pela sociedade F. C., S.A., contribuinte n.º A-…88, à L., S.L., a factura n.º 946/2004, no valor de €966,09, com a descrição: “manuseamento de entrada, saída e classificação; serviço de frio do marisco e/ou vários depositados em camaras”; e comentário: 00013 – T. P. – 2004/006, referente ao dia 15.09.2004 [cf. fls. 96, 203 e 204 dos autos].

J. Com data de 17.09.2004, foi emitida pela sociedade F. C., S.A., contribuinte n.º A-…88, à L., S.L., a factura n.º 947/2004, no valor de €7,79, com a descrição: “manuseamento de entrada, saída e classificação; serviço de frio domarisco e/ou vários depositados em camaras” e comentário: 00013 – T. P. –2004/007, referente ao dia 15.09.2004 [cf. fls. 96, 203 e 204 dos autos].

K. Com data de 20.09.2004, foi por A. C., emitida a factura n.º 021, destinada a L., SL., contribuinte B-…15, com domicílio em Huelva, Espanha, referente a 108 kgs de gamba congelada, 1.704 Kgs de camarão congelado, e 8.868 Kgs, de lagosta congelada, no valor total de €130.941,60, com a menção “isento de IVA. Exportação” [cf. fls. 76 dos autos].

L. Na declaração periódica de IVA referente ao período 2006/08, foi pela Impugnante peticionado o reembolso de IVA no montante de €45.756,54 [cf. fls. 152 do PAT em apenso].

M. A 30.11.2006 pela AT foi efectuado o pagamento do reembolso de IVA no montante de €47.756,54, peticionado pelo Impugnante [cf. fls. 152 do PAT em apenso].

N. Ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI200707381, foi despoletada uma acção de inspecção relativamente ao exercício de 2004, em sede de IVA, ao sujeito passivo A. C., na sequência de um pedido de reembolso efectuado no período de 2006/08 [cf. fls. 125 do PAT em apenso].

O. A 16.11.2007 foi elaborado o relatório de inspecção, onde consta nomeadamente o seguinte:

“(…)
2. Actividade Exercida versus Reembolso de IVA do período de imposto 2006-08:
Por óbito de A. C. (NIF 163 209 740), ocorrido em 23/03/2005, foi cessada oficiosamente a actividade deste sujeito passivo, que tinha como objecto a pesca marítima (arrasto) e posterior comercialização do produto pescado. Simultaneamente, foi efectuada declaração de alterações para dar continuidade da actividade, mas em nome de A. C., Herdeiros, com o NIF …20, tendo sido verificado a declaração de alterações e a escritura de habilitações de herdeiros associada.
Nestes termos, o reembolso em análise vive do crédito gerado pelo sujeito passivo com o NIF …40 até ao período de imposto 2005-05, conforme DP's de IVA entregues com aquele n° de contribuinte, seguido do crédito gerado pelo sujeito passivo com o NIF …20, espelhado nas suas DP's de IVA, sabendo que se trata da mesma actividade, pesca marítima de peixe, crustáceos e moluscos, efectuada em barcos arrastões, propriedade do sujeito passivo em análise, conforme livretes e registos de propriedade verificados.
O sujeito passivo em análise assumiu que até final de 2004, o produto comercializado era pescado em águas nacionais e congelado em alto mar, destinando-se quase na sua totalidade ao mercado espanhol, para um único cliente, L., SL (ES B….15), configurando, como tal, transmissões intracomunitárias de bens isentas nos termos do art°14° do RITI. A partir de Dezembro de 2004, passou a comercializar e a declarar parte do produto pescado em território nacional (peixe fresco), através da D. P. (NIPC …26), de acordo com o disposto no regime de substituição de entrega do imposto previsto no art°9 do DL nº122/88 de 20 de Abril, segundo o qual é a lota (a D. P.) que procede à entrega do IVA correspondente às vendas de pescado que efectua em substituição do armador em análise. Assim, as entregas que faz à D. são declaradas no campo 8 das DP's de IVA desde o período de imposto 2004-12. De notar, no entanto, que a liquidação efectuada pela D. não impede o exercício do direito à dedução do imposto suportado a montante por parte do armador aqui em análise.
(…)
Foi igualmente verificado que o sujeito passivo se encontra em permanente situação de crédito de imposto e que o último reembolso pago se refere ao período de imposto 1993-07.
De referir que o reembolso do período de imposto 2001-07 encontra-se a ser reapreciado pelos Serviços de Inspecção desta Direcção de Finanças (DI200700432), conforme instruções constantes no ofício n.º116124 de 23/11/2006 e da informação n.º6932, ambos da Direcção de Serviços de Reembolsos, para efeitos de apreciação do recurso hierárquico apresentado pelo sujeito passivo em 26/05/2003, contra a decisão de indeferimento daquele pedido de reembolso nos termos do n.º 11 do art°22° do CIV A.
Da análise 1) aos elementos solicitados ao sujeito passivo via notificações sob os faxes n.ºs 573 de 06/11/2006 e 855 de 05/09/2007, recepcionados em 14/11/06 e 17/09/07 nos nossos Serviços de Inspecção, 2) aos elementos que constam no sistema informático da DGCI e arquivo, 3) aos esclarecimentos obtidos junto da coordenadora do Trânsito Intracomunitário da DGAIEC, a Dra. P. P., concluímos que tendo o presente crédito origem em 2001, para o período em análise (2003-01 a 2006-08), a conjugação dos seguintes factos concorrem para explicar situação de crédito solicitada no período de imposto 2006-08
- O sujeito passivo efectuou transmissões de bens (operações activas) no valor total de 3.399.504,47 €, das quais:
a) 0,14% (4.648 €, campo 1 da DP de IVA de 2003-11) foram tributadas à taxa reduzida, relativos a uma venda de pescado no mercado nacional, situação que raramente acontece;
b) 73.68% (2.504.669 €, campo 7 das DP's de IV A) são isentas de IVA nos termos de art°14° do RITI, relativos às transmissões intracomunitárias de pescado congelado - peixe, marisco e moluscos para o único cliente espanhol, L. SL (ES B…15).
Foram verificadas, por amostragem, para os períodos de imposto 2004-09, 2005-11 e 2005-12, os respectivos documentos comprovativos: extractos de conta de proveitos e do cliente em causa, facturas, CMR's, guia de transporte, documento de Importação, T2M e documento bancário, conforme o caso;
c) 26,18% (890.187,47 €, campo 8 das DP's de IVA desde 2004-12) são "isentas" de IVA nos termos regime de substituição de entrega do imposto previsto no art.º9 do DL n.º122/88 de 20 de Abril, onde é a lota (a D. P., NIPC ….26) que entrega o IVA correspondente às vendas de pescado que efectua em substituição do armador em análise. Foram verificadas, por amostragem, para os períodos de imposto 2004-12 e 2006-08, os respectivos documentos comprovativos: notas de liquidação emitidas pela D. P. e os avisos de transferências bancárias.
Neste sentido, o pedido de reembolso em análise encontra-se então justificado pelo facto de, no período em análise, 99.86% das suas transmissões de bens serem isentas de IVA nos termos do art.º14 do RITI e do art°9 do DL n.º122/88 de 20 de Abril, conforme apresentámos nas alíneas anteriores.
- Por seu turno, estas operações activas dão direito à dedução do IVA suportado nas aquisições de bens e serviços nos termos dos art°s 19° e 20° do CN A e do art° 19° do RITI.
Neste sentido, no âmbito das operações passivas, ainda para o período em apreço, é de mencionar que o peso do IVA suportado em despesas com a aquisição de Imobilizado (9.853,96 €, campo 20 das DP's de IVA, aquisição de 2 viaturas, material informático e equipamento de frio) e OBS (36.527,92 €, campo 24, armazenagem e custos associados, comunicações, reparação de viaturas, honorários de TOC, entre outros) no total do IVA Dedutível do mesmo período (46.424,93 €) se cifra em 21.23% e 78.68%, respectivamente.
No âmbito da presente fiscalização, foram ainda verificados os seguintes documentos:
1) Os documentos justificativos mais significativos das deduções de imposto declaradas nos campos 20, 21 e 24 das DP's de IVA dos períodos de imposto solicitados na notificação enviada ao sujeito passivo;
2) Os documentos justificativos dos Proveitos e Ganhos Extraordinários contabilizados e declarados de 2003 a 2005;
3) Livretes e registos de propriedade das embarcações e de algumas viaturas;
4) Contrato celebrado em 16/01/2003 com o IFADAP no âmbito do Programa Mare (n.º200271001086S);
5)Contrato de locação financeira n.º….47 relativa à aquisição da viatura ..3-.P..-..7, celebrado em 27/04/06.
De referir que no âmbito da presente fiscalização, o sujeito passivo procedeu à entrega das seguintes declarações de substituição:
Para o NIF ……20
DP's de IVA dos períodos de imposto 2005-06, 2005-07, 2005-08, 2005-10, 2005-11,2005-12,2006-02,2006-04,2006-11,2006-12 e 2007-02; Declarações anuais de 2005 (anexos I, L e P)
Para o NIF ….40
DP's de IVA dos períodos de imposto 2005-03, 2005-04 e 2005-05; Declarações anuais de 2003 (anexos I, L e P)
3. Correcções em sede de IVA
A) Deduções Indevidas - 2003 e 2004
Da análise aos documentos justificativos do IVA Dedutível inerentes aos exercícios de 2003 e 2004, apurou-se que o sujeito passivo deduziu IVA indevidamente no montante total de 4.990,59€, discriminado por períodos de imposto no quadro seguinte - Quadro A, apontando os motivos da não dedutibilidade;

a) Despesa com a aquisição da viatura mista ou de turismo T. H., com a matrícula 1..-1..-V.., constante na factura n° 579 de 30/09/03, emitida por S. C. (….42), cujo IVA deduzido, no montante de 3.831,93 €, é considerado indevido em face do disposto no art°21.º, n.º, al. a) do CIV A;
b) Despesa deduzida tendo como documento suporte o saldo devedor do extracto de conta 2491 Regularizações de IVA em 31/03/03 (619,13 €) e 31/07/04 (529,53 €), pelo que o IVA deduzido decorrente da transferência efectuada para a conta do IVA Dedutível não é devido nos termos dos art°s 19°, n.º2 do CIV A, urna vez que não nos foi apresentado qualquer documento visado pelo fornecedor do bem ou serviço em causa a discriminar a aquisição, de forma a justificar a sua utilidade empresarial.
(…)
C) Liquidação adicional de IVA-TICB's de 2004 e 2005
I) Factos
No âmbito da verificação dos documentos comprovativos dos valores declarados e/ou contabilizados como Transmissões Intracomunitárias (TIC's) de pescado (peixe, crustáceos e moluscos) nos períodos de imposto de 2004-09, 2005-11 e 2005-12 (facturas, extractos de conta de proveitos e do cliente L. SL, CMR's, guia de transporte, documento de Importação, T2M e documento bancário, conforme o caso), no sentido de comprovar a isenção prevista no art°14 do RlTI, foram apurados alguns factos que estão na base da nossa proposta de correcção e que passamos a indicar: 2004-09
a) Para o período de imposto 2004-09, o sujeito passivo justificou as TICB's (transmissões intracomunitárias de bens) declaradas ao sujeito passivo espanhol L. SL (ES B…15), no montante de 130.941,60 €, com uma factura de venda de marisco ao referido cliente intracomunitário de sempre (ES B…15), sem indicação do artigo da lei comunitária que confere isenção de IVA à operação activa em causa, mencionando apenas "Isento de IVA:Exportação". Por outro lado, tendo sido assumido que se trata de marisco pescado em águas nacionais, com congelação em alto mar, não foi verificado qualquer documento comprovativo da sua origem, bem como da sua descarga na D. P.;
b) Como documentos comprovativos do transporte rodoviário de Portugal para Huelva, inerente ao marisco facturado ao cliente espanhol L. SL (ES B…15), declarado no período de imposto 2004-09, foram apresentados: 1) a declaração de expedição rodoviária - CMR, sem fazer referência a qualquer intervenção do transportador e com uma mera assinatura no seu campo 24, campo este reservado à confirmação da recepção por parte do cliente, divergindo as quantidades do marisco expedido das quantidades facturadas; 2) uma guia de transporte emitida pelo sujeito passivo, onde é mencionado a matrícula H-…3-R.
Contudo, sendo o CMR obrigatório nas TICB's quando há recurso a transportadores/transitários, questiona-se qual a sua função para a facturação em análise, quando para a mesma venda intracomunitária foi emitida guia de transporte que pressupõe que o transporte foi efectuado pelo próprio, com recurso ao veículo com matrícula H-…3-R, figurando o n° da guia de transporte no CMR. Por último, ainda sobre o transporte rodoviário do marisco de Portugal para Huelva, as incoerências detectadas saem reforçadas, quando o contribuinte assume nos seus esclarecimentos recepcionados em 17/09/07, no seu ponto 4), alíneas A) e i), "transporte do adquirente". Nestes termos, não ficou de maneira nenhuma provado que o marisco facturado tenha saído do território nacional, bem como tenha sido recepcionado pelo único cliente espanhol, L. SL (ES B…..15), não podendo desta forma beneficiar da isenção prevista na alínea a) do art° 14.º do RITI;
c) Ainda para o período de imposto 2004-09, como comprovativo do pagamento da referida TICB, datada de 20/09/04, foi-nos enviado um talão bancário, datado de 18/02/04, referente a "compra de cheque" estrangeiro.
d) Tendo presente que a intervenção da entidade financeira se limita à compra de cheque estrangeiro, quando analisamos o extracto de conta do cliente em questão, verificamos: por um lado, que os créditos da referida conta são alimentados pelas referidas compras de cheque; por outro lado, para 2004, não foi assumido contabilisticamente qualquer pagamento das vendas intracomunitárias declaradas naquele exercício, em face do elevado saldo devedor transitado de 2003, no montante de 374.278,85 €;
(…)
II) Liquidação de IVA - TICB's de 2004 e 2005
Em face dos factos anteriormente apresentados, importa sublinhar os argumentos chave para a nossa proposta de liquidação adicional para as TICB's declaradas nos períodos de imposto 2004-09, 2005-11 e 2005-12:
1)Para o período de imposto 2004-09, em face dos justificativos apresentados para a facturação de marisco emitida pelo sujeito passivo A. C. (NIF ….40) ao cliente espanhol L. SL (ES B….15), concluímos que a mesma não pode beneficiar da isenção de IVA prevista nos termos do art°14° do RITI, não só porque não foi verificado qualquer documento da sua origem versus descarga na D. P., mas também porque os documentos apresentados comprovativos do posterior transporte rodoviário até ao cliente espanhol, com sede em Huelva, não se tratam de documentos credíveis. Assim, para a facturação em questão não ficou de maneira nenhuma comprovado documentalmente o circuito físico do produto transaccionado com isenção de IVA;
(…)
Nestes termos, não ficaram comprovados os pressupostos da isenção prevista na alínea a) do art°14° do RITI, o que determina para o sujeito passivo em análise, a obrigação de liquidar o imposto à taxa normal ou à taxa reduzida, conforme o tipo de pescado, correspondente às transmissões intracomunitárias contabilizadas e declaradas nos períodos de imposto 2004-09, 2005-11 e 2005-12. Nestes termos, para efeitos de liquidação adicional de IVA associadas às TICB's verificadas, apurou-se o montante total de 63.983,42 €, discriminado por períodos de imposto no Quadro C seguinte:

D) Conclusão
Em face do exposto nos pontos A), B), C) e D) deste relatório, propõe-se:
- Correcções técnicas em sede de IVA, no montante total de 69.412,84 €, devidamente elencadas por exercício nos quadros resumo seguintes, o Quadro D e Quadro E, e por período de imposto no quadro resumo - Quadro E. De notar, no entanto, que as correcções técnicas apuradas para os exercícios de 2003 e 2004 serão tratadas na esfera do sujeito passivo A. C. (NIF …..40), enquanto as correcções técnicas para o exercício de 2005 serão imputadas ao sujeito passivo A. C., Herdeiros (NIF ….20);
- O consequente indeferimento do pedido de reembolso solicitado pelo sujeito passivo A. C., Herdeiros (NIF ….20), no período de imposto 2006-08, no montante de 47.756,54 €.

Nestes termos, vai o sujeito passivo ser notificado para exercer o Direito de audição nos termos previstos no art°60° da Lei Geral Tributária e art° 60° do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária.
4. Direito de Audição
O sujeito passivo foi notificado para exercer o Direito de Audição, nos termos previstos no art°60.º da Lei Geral Tributária e art° 60° do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária, via ofícios n.ºs 88484 e 88485, ambos de 29/10/07.
Em 05/11/07 é recepcionado nesta Direcção de Finanças, com o registo de entrada n° 102315, uma carta do sujeito passivo cuja cópia se anexa, no qual no seu ponto 1, informa que pretende exercer o direito de audição oralmente no dia 12/11/07, pelas 10 horas, enquanto no seu ponto 2, solicita "...uma reunião para a mesma altura, com a Exma. Sra. Dra. N. P., chefe de divisão, devido às imputações susceptíveis de ofensa criminal, que constam na notificação...".
O direito de audição foi exercido oralmente, no dia 12/11/07, pelas 10 horas e 30 minutos, tendo sido ouvido o sujeito passivo A. P. (NIF ….19) em declarações, enquanto cabeça de casal da herança indivisa em análise, conforme Termo de Declarações elaborado, composto de 5 folhas e 5 páginas, com todos os anexos aí mencionados que o sujeito passivo juntou ao mesmo.
Analisados os elementos que constituem o exercício do direito de audição, verificamos que aceita a nossa proposta de correcção apresentada nos pontos A) e B) do nosso relatório, ao nível das deduções indevidas de IVA apuradas para 2003 e 2004 e da liquidação de IV A em falta para a retorna da viatura ocorrida em 2003. Contudo, expressa uma clara discordância com nossa proposta de liquidação adicional de IVA para as TICB´s devidamente justificada nos pontos C) e D) do mesmo relatório, apresentando a argumentação que passamos a expor e comentar:
E) Aspecto Formal Sujeito Passivo
1) O sujeito passivo fez questão de corrigir algumas expressões utilizadas no relatório do Projecto de Correcções, nomeadamente quanto ao tipo de pescado comercializado e quanto aos locais de descarga/ comercialização do mesmo, a partir de 2004, para além do tipo de navio para onde é efectuado o seu transbordo em alto mar.
Comentário
De facto, a utilização menos correcta de algum termo menos específico desta actividade pode ter ocorrido. No entanto, tal advém dos esclarecimentos prestados pelo sujeito passivo no decurso na análise do processo de reembolso, em 14/11/06 e 17/09/07, sendo importante sublinhar que daí não resultou qualquer prejuízo para o sujeito passivo.
Sujeito Passivo
2) Ao nível das deficiências formais da facturação emitida que apontámos no relatório do Projecto de Correcções, o sujeito passivo refere:
- Que desde sempre emitiu as facturas sem menção do artigo "... que dá lugar à isenção ... ", reconhecendo que tal é obrigatório, contudo, " ... tal...deverá ... ser entendido como lapso ou falha ... ";
- Por outro lado, justifica a emissão de facturas em nome do autor da herança em períodos posteriores ao seu falecimento, com a dificuldade de passagem da titularidade e da exploração da actividade para os herdeiros, tendo anexado para o efeito as autorizações de registo das duas embarcações em nome dos herdeiros obtidas em 26/10/2005, com os averbamentos das mesmas nos respectivos livretes apenas em 11/01/06.
Comentário
Sendo inquestionável que o sujeito passivo em análise infringiu formalismos essenciais e obrigatórios face ao preceituado na ordem jurídica interna e intracomunitária, é nossa obrigação, enquanto elementos do Serviço de Inspecção Tributária, mencioná-los. Contudo, importa referir que as deficiências formais da facturação verificada, não foram o elemento chave para despoletar a nossa proposta de correcção.
F) Aspecto Financeiro
Sujeito Passivo
3) A nível financeiro, o sujeito passivo refere que: - "... a associação entre a Factura e o talão bancário efectuado no parecer é despropositado e não tem qualquer nexo, tanto mais que na resposta de 14-11-2006 se pode ler que ""são pagamentos por conta"" e a 17-9-2007 é dito "" ... os fluxos financeiros, em sistema de conta corrente …";
- "... O talão foi para exemplificar os "fluxos financeiros" entre as empresas A. e L. ... ";
_ "... O pagamento em causa não foi para liquidar qualquer TICB em concreto, mas apenas para exemplificar o "fluxo financeiro" entre as empresas ... ";
-"Os pagamentos foram para crédito da conta corrente ... ";
-"Com vista a comprovar que efectivamente o talão exemplificativo é sem sombra de dúvidas da empresa Espanhola "L.", junta-se extracto bancário da L., do período do cheque, onde se pode constatar o débito do cheque em causa, na conta da L. e relativo à sua conta bancária n.º …187 do B. A. em Huelva ... ".
Comentário
As anteriores alegações do sujeito passivo sobre a análise que desenvolvemos à componente financeira da sua actividade, merecem as seguintes considerações:
- A solicitação dos comprovativos financeiros das transacções em análise foi no sentido de colmatar as deficiências existentes na justificação documental das TICB' s em análise (circuito físico: saída efectiva do pescado do território nacional versus sua recepção pelo cliente espanhol);
- No entanto, os comprovativos financeiros verificados, em nada ajudaram ao esclarecimento pretendido, pois resumem-se à simples compra de cheque sobre o estrangeiro, o que contraria as explicações dadas pelo sujeito passivo nos esclarecimentos prestados quer em 14/11/06 no seu número “4, ponto 1, alínea E", quer em 17/09/07 no seu número "39", onde assume " ... Os meios de pagamento são efectuados por transferência bancária ... " e " ... onde se constata os fluxos financeiros, em sistema de conta corrente, e sempre pago através de transferência bancária, para a conta B.P.I. - ….001 ... ", respectivamente;
- Por último, juntou extracto de conta da L. emitido pelo B. A., onde o único dado passível de comparação, com o talão bancário verificado, é o montante do cheque.
G) Liquidação de IVA - TICB's declaradas em 2004-09
Sujeito Passivo
4) Sobre os comprovativos do circuito físico das TICB's do período de imposto 2004-09, o sujeito passivo:
- Reconhece "... que os documentos até agora apresentados têm lapsos ou omissões ... ", apresentando a seguinte documentação " ... para que os SIT não tenham a mínima dúvida ... ":
Declaração da DGPA com a descarga efectuada pelos barcos para o período em questão;
Declaração da D. comprovativa da sua não intervenção;
Factura do transporte efectuado pela V. (n.º1742 de 15/09/04) emitido à L.;
Facturas emitidas pelos F. C. à L. (946/2004 de 17/09/04 e 947/2004 de 17/09/04), referentes à entrada da mercadoria nas suas câmaras de Huelva;
Documento resumo da entrada das mercadorias nos F. C., em nome da L.;
“…Documentação comprovativa da sua posterior venda por parte da L. ".
- Ao nível das diferenças encontradas entre as quantidades do marisco facturado versus quantidades expedidas, referiu que " ... no n.º 11 do CMR, aplica-se Kgs Brutos enquanto que na Factura os Kgs são líquidos, daí as diferenças obrigatórias nos documentos ... ".
Comentário
Analisada a documentação comprovativa do transporte rodoviário de Portugal para Huelva, inerente ao marisco facturado ao cliente espanhol L. SL (ES B….15), foram apresentados:
- 1) A declaração de expedição rodoviária - CMR, com data de 15/09/04, com as deficiências já apontadas anteriormente;
- 2) Uma guia de transporte emitida pelo sujeito passivo, datada de 15/09/04, onde é mencionado a matrícula H-….3-R;
- 3) A factura emitida pelo transportador espanhol V..Sl. (ES B…68) à L. SL, onde é assumido um serviço de transporte "Portimão Huelva", realizado em 14/09/04, com indicação de um camião com matrícula H-…3W/H ….7 R, divergindo da informação corroborada pela guia de transporte e CMR anteriormente referidos, quer ao nível da data do transporte, quer da matrícula do veículo utilizado para mesmo;
- 4) Duas facturas dos F. C., SA (ES A….88) e dois resumos, elaborados por este mesmo sujeito passivo espanhol, por tipo de marisco, relativos à entrada nas suas câmaras frigoríficas e serviços de frio prestados, sendo assumido a permanência do dia 15/09/04 ao dia 15/09/04, fazendo a indicação do barco "00013 T. P." e de um peso bruto total de 10.999 Kg e de um total de 4.045 brutos. De notar que estas quantidades não são comparáveis com as quantidades referidas na factura n.º21 da TICB em análise (10.680 Kg), nem no CMR associado (11.496 kg), para além de que a factura do transportador V. não faz referência ao peso bruto da mercadoria transportada.
Nestes termos, não ficou inequivocamente provado que o marisco facturado com isenção de IVA pelo contribuinte em análise ao sujeito passivo espanhol L. SL (ES A…..88), tenha saído do território nacional, bem como tenha sido recepcionado pelo referido cliente espanhol, com sede em Huelva, pelo que não pode beneficiar da isenção prevista na alínea a) do art°14° do RITI, mantendo-se a nossa proposta de liquidação adicional de IVA sobre a referida facturação.
(…)
J) Conclusão: Relatório Final das Correcções
Em face do exposto, mantém-se as correcções propostas, pelo que se propõe:
- Correcções técnicas em sede de IVA, no montante total de 69.412,84 €, devidamente elencadas por exercício nos quadros resumo deste relatório.
De notar, no entanto, que as correcções técnicas apuradas para os exercícios de 2003 e 2004 serão tratadas na esfera do sujeito passivo A. C. (NIF ….40), enquanto as correcções técnicas para o exercício de 2005 serão imputadas ao sujeito passivo A. C., Herdeiros (NIF …20);
- O consequente indeferimento do pedido de reembolso solicitado pelo sujeito passivo A.C., Herdeiros (NIF ….20), no período de imposto 2006-08, no montante de 47.756,54 €.
(…) [cf. cópia do relatório a fls. 125 a 132 do PAT em apenso].

P. Através do ofício n.º 098247, de 28.11.2007, recebido a 03.12.2007, foi o Impugnante notificado do teor do relatório identificado no ponto anterior [cf. fls. 138 e 139 do PAT em apenso].

Q. A 18.12.2007, foi emitida a notificação correspondente à liquidação adicional de IVA n.º 07355003, referente ao período 0409, em nome de A. C., pelo valor total de €24.878,90, com data limite de pagamento a 28.02.2008 [cf. fls. 82 dos autos].

R. A 18.12.2007, foi emitida a notificação correspondente à liquidação de juros compensatórios, em sede de IVA, com o n.º 07355004, referente ao período 0409, em nome de A. C., pelo valor total de €3.001,83, com data limite de pagamento a 28.02.2008 [cf. fls. 83 dos autos].

S. Em documento não timbrado, datado de 29.01.2008, consta o seguinte:

“D. F. G. com o cartão de identidade nr. …5E, representante da empresa V., SL., com identificação fiscal CIF B-…68 e domicílio em Huelva, Polígono Industrial E. R., nave …, certifica:

Que com data de 14 de Setembro de 2004, carregamos o camião com matrícula H….3R com mercadoria do nosso cliente L., SL, desde Portimão até Huelva. Que o referido serviço foi realizado pelo Sr. E. B., nosso motorista, com o camião de um colega (H…3R), que dessa data se encontrava de férias e que por engano referimos na factura a matrícula do camião que normalmente era conduzido pelo Sr. E. e não a do camião que na realidade efectuou o serviço.” [cf. fls. 91, 195 e 196 dos autos].

T. A petição inicial que deu origem à presente impugnação judicial foi apresentada em 23.05.2008 [cf. fls. 3 dos autos].


***


A decisão recorrida consignou como factualidade não provada:

“Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir.”


***


A motivação da matéria de facto assentou no seguinte:

“Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório.

Foram ouvidas pelo tribunal as testemunhas: 1. E. B., condutor do camião que transportou a mercadoria identificada em D) dos factos assentes, 2. F. A., assessor fiscal contabilístico da sociedade L., 3. C. A., trabalhador do Impugnante, 4. L. R., motorista da embarcação de pesca e trabalhador do Impugnante, e 5. C. S., técnico oficial de contas do Impugnante.

Todas as testemunhas revelaram ter conhecimento directo sobre a matéria de facto em questão, embora os esclarecimentos prestados pela quarta testemunha não tenham relevado para o caso em apreço, uma vez que não teve qualquer intervenção na operação titulada pela factura n.º 21, de 20.09.2004, aqui em análise, mas sim com nas correcções efectuadas pelos serviços de inspecção ao exercício fiscal de 2005.

Assim, as demais testemunhas depuseram de forma convincente, convergente, espontânea e revelarem possuir conhecimento directo dos factos que relataram, em virtude das funções que exerciam à data dos factos.

Todos revelaram conhecer o âmbito de actividade do Impugnante, de pesca marítima, nomeadamente de peixes, crustáceos e molusco (arrasto) e comercialização do pescado, pescado em águas nacionais, congelado em alto mar, e destinando-se quase na sua maioria ao mercado espanhol [cf. al. A) e B) dos factos assentes].

Pela testemunha E. B. foram esclarecidos vários lapsos ocorridos na documentação referente ao transporte da mercadoria para cliente espanhol, titulada pela factura n.º 21 de 20.09.2004, emitida pela Impugnante, nomeadamente o erro na aposição da assinatura do condutor no CMR, tendo assinado no campo 24, em vez de no campo 23 [cf. al. H) dos factos assentes]; que o mesmo iniciou o transporte de Espanha para Portimão na noite de dia 14.09.2004, chegando de madrugada ao seu destino, hora habitual para o transporte de material congelado, e hora habitual para a chegada dos barcos de pesca, pelo que o acondicionamento da mercadoria no camião e consequente transporte para Huelva ocorreu em 15.09.2004 [cf. al. C) e E) dos factos assentes]; tendo o mesmo confirmado que por uma questão de avaria do camião que habitualmente conduzia de matrícula H…7R, teve de fazer o transporte em análise no camião de matrícula H-…3-R, embora a documentação emitida pela sociedade transportadora tenha, por lapso, mencionado o seu camião habitual [cf. a. D), E) e S) dos factos assentes].

Pelas diversas testemunhas foi confirmado o trajecto da mercadoria, desde a sua chegada via marítima no porto de Portimão, no dia 15.09.2004, o seu transbordo e acondicionamento no camião de matrícula H-…3-R, conduzido por E. B., acompanhado de CMR e guia de transporte identificados em F) e G) dos factos assentes, serviço de transporte prestado pela sociedade V., S.L., e pago pelo destinatário dos bens [cf. al. E) dos factos assentes], à chegada de mercadoria em Huelva onde foi armazenada nos frigoríficos congeladores da sociedade C., serviço pago pelo destinatários dos bens – L. [cf. al. I) e J) dos factos assentes]. Tudo culminando na emissão da factura n.º 21, de 20.09.2004, emitida pela Impugnante em nome da empresa espanhola L.”


***


III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou totalmente procedente a impugnação judicial relativa à liquidação de IVA, referente ao período de 2004, no valor total de €27.880,73.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação dos pressupostos de facto e de direito no atinente à ponderação dos meios de prova para comprovação da expedição ou transporte dos bens para outro Estado membro da União Europeia.

Vejamos, então.

De relevar, ab initio, que, in casu, a matéria de facto se encontra, devidamente, estabilizada, na medida em que inexistiu qualquer impugnação da matéria de facto, limitando-se a Recorrente a convocar uma errónea ponderação da factualidade constante no probatório para efeitos da visada prova em questão, sem requerer qualquer aditamento por complementação, substituição ou mesmo qualquer supressão do probatório.

E por assim ser, encontrando-se estabilizada a matéria de facto, cumpre aferir se a sentença recorrida padece de erro julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e direito.

Vejamos.

A Recorrente alega que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, porquanto, contrariamente ao ajuizado, os meios de prova apresentados são insuficientes para comprovar a expedição ou transporte dos bens para outro Estado-membro, no caso Espanha-Huelva, na medida em que existem divergências e incongruências que não foram, devidamente, ponderadas.

Com efeito, sublinha, desde logo, que existem divergências em termos de quantidade entre a fatura visada, a Guia de Transporte e o CMR que não foram apartadas, sublinhando adicionalmente que, não obstante exista uma assinatura no campo 24 do CMR, conforme evidenciado na decisão recorrida, a mesma é ilegível.

Convoca, outrossim, o desfasamento da data do transporte com a própria data do CMR, adensando ainda a desconformidade atinente à matrícula do camião, a qual, inversamente ao aduzido pelo Tribunal a quo, não pode ser justificada pela carta da empresa transportadora, na medida em que a mesma não se encontra timbrada e a assinatura é irreconhecível.

Aponta uma última divergência atinente à própria classificação das mercadorias na medida em que as faturas emitidas pelos f. C., SA não têm respaldo na fatura visada e inerente guia de remessa.

Conclui, assim, pelo erro de julgamento concernente à prova da expedição dos bens e nessa medida pela impossibilidade de beneficiar da isenção constante no artigo 14.º do RITI.

Dissente a Recorrida, propugnando pela manutenção da decisão recorrida porquanto estabeleceu o correto enquadramento normativo com a devida transposição para o recorte probatório dos autos, sublinhando, ainda, que a Recorrente descurou a prova testemunhal produzida a qual foi credível e devidamente valorada pelo Tribunal a quo.

Apreciando.

O Tribunal a quo esteou a procedência da impugnação relevando para o efeito que, não obstante a AT tenha cumprido o ónus atinente aos indícios invocados para efeitos de prova da expedição territorial, a verdade é que a Recorrida mediante prova testemunhal cotejada com a prova documental, demonstrou, de forma idónea, a comprovação da saída do território nacional, concretamente da expedição dos bens para Espanha.

Neste concreto particular, ajuíza que o lapso constante na assinatura tem de ser, devidamente, ponderado com a prova testemunhal produzida a qual justificou, justamente, esse lapso, o mesmo sucedendo quanto à divergência das matrículas nos camiões.

No atinente ao desfasamento da data do transporte é, igualmente, evidenciado na decisão recorrida que “[e]sta data refere-se ao momento em que o camião saiu de Espanha para efectuar o serviço em Portimão, tendo chegado a este destino na madrugada de dia 15.09.2004, e aí carregado a mercadoria de volta pata Huelva, razão pelo qual não existe uma coincidência entre a data da factura do serviço de transporte e a data da guia de remessa e do CMR [cf. al. C) e E) dos factos assentes].”

Considerando, outrossim, justificadas as divergências entre as quantidades mencionadas na fatura, guia de remessa e CMR, porquanto, por um lado, os valores em termos de caixas são idênticos e, por outro lado, a comparação tem de ter como norteador os índices diferenciadores, na medida em que as pesagens apresentam nomenclaturas e índices díspares, concretamente, pesagem líquida vs pesagem bruta, o que, naturalmente, implica as devidas dissemelhanças.

Conclui, a final, que “[o] Impugnante conseguiu suprir os vários erros detectados pela AT quanto à operação material titulada pela factura n.º 21, aqui em análise, tendo efeito prova de que efectivamente aquela mercadoria saiu de Portimão com destino a Huelva, onde foi armazenada em câmaras frigoríficas da sociedade C.”

E a verdade é que, não se afigura que o Tribunal a quo tenha incorrido no aludido erro de julgamento, na medida em que interpretou adequadamente o regime jurídico com a devida transposição ao caso vertente.

Senão vejamos. Começando por convocar o quadro normativo que para os autos releva.

Preceitua o artigo 1.º do RITI sobre a incidência objetiva que:

“Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado (IVA):
a) As aquisições intracomunitárias de bens efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo dos referidos no n.º 1 do artigo 2.º, agindo como tal, quando o vendedor for um sujeito passivo, agindo como tal, registado para efeitos do IVA noutro Estado membro que não esteja aí abrangido por um qualquer regime particular de isenção de pequenas empresas, não efetue no território nacional a instalação ou montagem dos bens nos termos do n.º 2 do artigo 9.º nem os transmita nas condições previstas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 11.º;
b) As aquisições intracomunitárias de meios de transporte novos efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo, ainda que se encontre abrangido pelo disposto no n.º 1 do artigo 5.º, ou por um particular;
c) As aquisições intracomunitárias de bens sujeitos a impostos especiais de consumo, exigíveis em conformidade com o disposto no Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo, efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo que se encontre abrangido pelo disposto no n.º 1 do artigo 5.º;
d) As operações assimiladas a aquisições intracomunitárias de bens previstas no n.º 1 do artigo 4.º;
e) As transmissões de meios de transporte novos efetuadas a título oneroso, por qualquer pessoa, expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir do território nacional, com destino a um adquirente estabelecido ou domiciliado noutro Estado membro.”

Preceituando, por seu turno, o artigo 7.º do mesmo diploma legal que:

“1 - Considera-se transmissão de bens efetuada a título oneroso, para além das previstas no artigo 3.º do Código do IVA, a transferência de bens móveis corpóreos expedidos ou transportados pelo sujeito passivo ou por sua conta, com destino a outro Estado membro, para as necessidades da sua empresa.”

Mais consignando o artigo 14.º, nº1, alínea a), do citado diploma sob a epígrafe de “isenções nas transmissões” que:

“Estão isentas do imposto:
a) As transmissões de bens, efetuadas por um sujeito passivo dos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir do território nacional para outro Estado membro com destino ao adquirente, quando este seja uma pessoa singular ou coletiva registada para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado em outro Estado membro, que tenha utilizado o respetivo número de identificação para efetuar a aquisição e aí se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens.”

Ora, da conjugação dos citados normativos dimana que foi acolhida a regra de isenção nas transações intracomunitárias, por forma a que sejam tributadas no país do adquirente, como regra geral, sendo este um sujeito passivo de imposto.

Podendo, assim, extrair-se os seguintes requisitos cumulativos para benefício da aludida isenção -a qual, como é consabido, é qualificada como isenção completa, na medida em que permite a dedução do IVA suportado a montante pelo sujeito passivo, nos termos dos artigos 19.º e 20.º do CIVA-:

i. Vendedor tem de ser um sujeito passivo de IVA com direito integral ou parcial à dedução do IVA;

ii. Expedição ou transporte dos bens do território nacional para o Estado Membro (EM) do destino, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes;

iii. Adquirente tem de ser um sujeito passivo de IVA num outro EM; utilização do número de identificação para efetuar a aquisição; abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens.

Como doutrinado por Clotilde Celorico Palma,(1)" Para que haja uma aquisição intracomunitária de bens é imprescindível que haja expedição ou transporte de um bem de um Estado membro para outro Estado membro. (…)Se o bem transaccionado não for expedido ou transportado de um Estado membro para outro, eu tenho uma simples operação realizada no interior de um Estado membro e não uma transacção intracomunitária, sendo consequentemente, diverso o respectivo tratamento fiscal. Daí a relevância da prova da expedição ou transporte do bem. Desse facto dependerá, pois, a correcta isenção da operação, a título de transmissão intracomunitária de bens, no Estado membro onde ocorre o início da expedição ou transporte e a devida tributação da mesma, a título de aquisição intracomunitária de bens, no Estado membro onde termina a expedição ou transporte.” (destaques e sublinhados nossos).
Daí que, no atinente ao conceito de expedição, o mesmo pressupõe “[s]em dúvida, a deslocação física de um bem de um EM para outro, condição que estabelece a diferença entre uma operação intracomunitária e a que se realiza no interior do país. (…) “[o] TJUE já defendeu que este conceito deve ser interpretado no sentido que a transmissão intracomunitária de um bem só se verifica, e a isenção só é aplicável, quando o direito de dispor do bem como proprietário tenha sido transferido para o adquirente e o fornecedor prove que esse bem foi expedido ou transportado para outro EM e que, na sequência dessa expedição ou transporte, o mesmo saiu fisicamente do território do estado de entrega, conforme acórdão de 27.09.2007, no processo Teleos e outros (processo C-404-04)." (2) (destaques e sublinhados nossos).

No caso vertente, conforme resulta perentório das alegações de recurso e da própria fundamentação contemporânea do ato (RIT) dimana inequívoco que a mesma coadunou-se, tão-só, com a insusceptibilidade de demonstração, por parte do sujeito passivo, da saída das mercadorias para o mercado comunitário, ou seja, com a idoneidade da prova da expedição e saída física dos bens, nunca sendo sindicada a onerosidade das operações, nem a circunstância de serem realizadas por um sujeito passivo de IVA agindo nessa qualidade, donde a única questão colocada coaduna-se com a prova da expedição.

Sendo que, como é consabido, e como evidenciado, e bem, pelo Tribunal a quo é sobre o sujeito passivo que pretende beneficiar da isenção prevista no artigo 14.º do RITI que recai o ónus de alegar e provar que os bens saíram, efetivamente, do território nacional, uma vez que, como visto, a operação em causa está, em regra, sujeita a tributação.

Como doutrina José Xavier de Basto(3) “[a] prova do circuito físico dos bens, da sua saída do território nacional, afigura-se menos fácil e susceptível de introduzir insegurança no tratamento fiscal das transacções intracomunitárias. A lei portuguesa, bem como a Directiva comunitária, não definem os meios de prova da saída dos bens do território nacional. A Directiva é, com efeito, omissa sobre este ponto, contendo apenas normas genéricas que devolvem aos Estados a faculdade de fixar as condições para assegurar a aplicação correcta e simples das isenções e de evitar qualquer possível fraude, evasão ou abuso.”

Esclarecendo, adicionalmente, que “ante o silêncio da lei portuguesa, a administração fiscal emitiu doutrina administrativa (…) a qual “consta do Ofício Circulado nº 30009, de 10/12/1999”, na qual “não se fazem exigências especiais de prova. Como se refere expressamente no ofício, a prova da saída dos bens do território nacional pode ser efectuada recorrendo aos meios gerias de prova. Os meios indicados pelo ofício não são portanto os únicos, referindo o ofício apenas os mais correntes. Nem parece de todo o excluído que se recorra a prova testemunhal." (4)

Densifica, Emanuel Vidal Lima, (5) em termos de ratio da aludida prova do transporte efetivo dos bens, inerente saída física do EM de entrega e entrada no EM de chegada, que “o funcionamento do referido mecanismo garante assim uma delimitação clara das soberanias fiscais dos Estados-Membros interessados [V. Acórdão de 27 de Setembro de 2012, VSTR, C-587/10, n.° 28, Acórdão de 7 de Dezembro de 2010, R, C-285/09, n.° 38 e Acórdão de 6 de Abril de 2006, EMAG Handel Eder, C-245/04, n.° 40] e garante também a neutralidade fiscal inerente ao sistema comum do IVA dado que evita a dupla tributação.”

Neste conspecto, há, ainda, que ter presente e ponderar a Jurisprudência Comunitária, na medida em que o TJUE tem-se mostrado sensível a esta dificuldade de prova do circuito dos bens, salientando-se no domínio da isenção aplicável às entregas intracomunitárias de bens, designadamente, os seguintes: Acórdão de 27 de Setembro de 2012, VSTR, C-587/10; - Acórdão de 6 de Setembro de 2012, Mecsek-Gabona, C-273/11; - Acórdão de 16 de Dezembro de 2010, Euro Tyre, C-430/09; - Acórdão de 7 de Dezembro de 2010, R, C-285/09; - Acórdão de 18 de Novembro de 2010, X, C- 084/09; Acórdão de 27 de Setembro de 2007, Teleos e outros, C-0409/04; - Acórdão de 27 de Setembro de 2007, Collée, C-146/05; - Acórdão de 27 de Setembro de 2007,Twoh International, C-184/05; - Acórdão de 6 de Abril de 2006, EMAG Handel Eder, C-245/04; e - Despacho de 3 de Março de 2004, Transport Service, C-395/02. (6)

De sublinhar, para o caso sub judice, que no citado Acórdão Collée, de 27 de setembro de 2007, o TJUE deliberou que a apresentação dos elementos comprovativos para o cumprimento das condições exigidas para a isenção das entregas intracomunitárias de bens pode ser efetuada após a realização das entregas, transcrevendo-se, designadamente, o seguinte:

“O artigo 28,°C, A, alínea a), primeiro parágrafo, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, na redacção que lhe foi dada pela Directiva 91/680/CEE do Conselho, de 16 de Dezembro de 1991, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que a Administração Fiscal de um Estado-Membro recuse isentar de imposto sobre o valor acrescentado uma entrega intracomunitária, que teve efectivamente lugar, apenas com fundamento em que a prova desta entrega não foi produzida atempadamente. Ao examinar o direito à isenção do imposto sobre o valor acrescentado correspondente a tal entrega, o órgão jurisdicional de reenvio só deverá ter em conta o facto de o sujeito passivo, num primeiro momento e com pleno conhecimento de causa, ter dissimulado a existência de uma entrega intracomunitária, se existir um risco de perda de receitas fiscais e se este não foi completamente eliminado pelo sujeito passivo.”

Mais importa ter presente o disposto no citado Acórdão Euro Tyre Holding BV, de 16 de dezembro de 2010, no qual se doutrinou que:

“[n]o que respeita à condição relativa à prova, na medida em que constitui uma das condições da isenção recordadas no n.º 29 do presente acórdão, importa notar que, mesmo que, em princípio, incumba ao fornecedor demonstrar que o bem foi expedido ou transportado para outro Estado-Membro, em circunstâncias em que o direito de dispor do bem como proprietário é transferido para o adquirente no território do Estado-Membro de entrega e em que cabe a este adquirente expedir ou transportar o bem para fora do Estado-Membro de entrega, a prova que o fornecedor pode apresentar às autoridades fiscais depende essencialmente dos elementos que receber do adquirente para esse efeito.”

De convocar, in fine, o Aresto Meesek-Gabona, de 6 de setembro de 2012, no âmbito do qual o TJUE foi chamado a analisar um caso em que era controvertido que o operador tivesse agido de boa fé ou não tivesse tido consciência de que estava participando numa manobra de fraude ou evasão fiscal, o qual declarou que:

“1)O artigo 138.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, conforme alterada pela Diretiva 2010/88/UE do Conselho, de 7 de dezembro de 2010, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, o direito à isenção de uma entrega intracomunitária seja recusado ao vendedor, caso se conclua, à luz de elementos objetivos, que este não cumpriu as obrigações que lhe incumbem em matéria de prova ou que sabia ou devia saber que a operação que efetuou estava implicada numa fraude cometida pelo adquirente e que não tinha tomado todas as medidas razoáveis ao seu alcance para evitar a sua própria participação nesta fraude.

2) A isenção de uma entrega intracomunitária, na aceção do artigo 138.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112, conforme alterada pela Diretiva 2010/88, não pode ser recusada apenas com base no facto de a Administração Fiscal de outro Estado-Membro ter cancelado o número de identificação para efeitos de IVA do adquirente, cancelamento este que, apesar de ser posterior à entrega do bem, produziu os seus efeitos, de maneira retroativa, numa data anterior a esta entrega.”

Com efeito, da aludida jurisprudência retiram-se alguns princípios gerais que regem a prova da expedição, mormente, o primado das exigências substanciais sobre as exigências de forma, o princípio da proteção do expedidor de boa fé e o direito de recusar a isenção ao expedidor que participa em fraudes ou não toma as devidas precauções para dele não participar.

Ora, transpondo o regime normativo e as posições doutrinais e jurisprudenciais reputadas relevantes para efeitos de demonstração e densificação da prova do circuito físico dos bens –única, como visto, em contenda nos autos- ter-se-á de concluir que a mesma pode ser efetuada por recurso a qualquer meio de prova, mormente prova testemunhal, que permitam atestar a expedição dos bens do território nacional para outro EM, sem tornar a prova demasiado onerosa, desproporcional, e desvirtuando a substância em detrimento da forma. [Neste sentido, vide, designadamente, o Aresto do TCAS, proferido no processo nº773/08, datado de 27 de outubro de 2022 e bem assim do TCA Norte, proferido no processo nº 00927/15, de 13 de dezembro de 2018.]

Ora, tendo presente o regime normativo aplicável ao caso vertente, e os considerandos de direito reputados de relevo e supra expendidos, há, efetivamente, que validar o entendimento do Tribunal a quo, na medida em que a prova produzida nos autos, concretamente, a prova documental, complementada com a prova testemunhal são suficientes para se concluir pela prova do circuito físico dos bens, concretamente da sua transmissão para Espanha.

Senão vejamos.

De sublinhar, desde já, que a argumentação expendida pela Recorrente não logra mérito, na medida em que, não impugnando a matéria de facto, e contemplando o acervo fático dos autos as asserções de facto suficientes e idóneas para efeitos da prova da expedição nenhuma censura merece a decisão recorrida.

Mas explicitemos, então, por reporte à concreta sindicância constante das alegações recursivas da Recorrente.

No concernente ao facto dos valores respeitantes às quantidades/quilos constantes da fatura, da guia de transporte e CMR não serem coincidentes nada há a censurar quanto à interpretação propugnada pelo Tribunal a quo na medida em que, por um lado, existe conformidade com as designações nela constantes, e por outro lado, para além das divergências em termos de concreto quantum serem pouco expressivas no seu cômputo global, assentam, outrossim, na desigual corporização do peso, ou seja, peso bruto e peso líquido.

De resto, estabelecendo um confronto entre a guia de remessa e a fatura existe total uniformidade porquanto, são descritos 108 kgs de gamba, 1704 kgs de camarão, 8868kgs de lagostim, sendo certo que, estabelecendo um confronto entre as designações e inerentes mensurações das caixas/volumes enumeradas na guia de remessa e as contempladas no CMR, existe, igualmente, total conformidade, concretamente, 9, 142 e 4434 caixas.

Por outro lado, não assiste, igualmente, razão à Recorrente quanto à questão atinente à assinatura, na medida em que resulta do probatório, concretamente da alínea H), a justificação para a aposição no campo 24 da CMR, a qual foi, aliás, atestada pelo próprio, e, devidamente, expressada na motivação da matéria de facto.

Sendo certo que, em sentido inverso ao aduzido pela Recorrente, e devidamente patenteado na alínea G) do probatório, o CMR tem aposto no campo 22 o carimbo de “A. C.”, e no campo 24 uma assinatura onde consta o nome “EB.”.

E no mesmo sentido se terá de concluir no atinente ao concreto desfasamento da data do transporte com a própria data do CMR, e bem assim com a matrícula, na medida em que tais realidades se encontram devidamente corporizadas no probatório, donde, justificadas e legitimadas.

Com efeito, dimana inequívoco da interpretação conjugada das alíneas C) e D) do probatório que a 14 de setembro de 2004, E. B., condutor do camião de matrícula H-..3-R, saiu de Huelva chegando a Portimão na madrugada de dia 15 de setembro de 2004 e que o veículo de matrícula H…7R se encontrava avariado, tendo, por isso, sido substituído pelo veículo de matrícula H-…3-R.

Ainda, neste concreto particular, cumpre relevar que não assiste razão à Recorrente quanto à carta corporizada na alínea S) do probatório, desde logo, porque de uma leitura atenta do probatório e bem assim da fundamentação jurídica da decisão recorrida verifica-se que o entendimento não se funda apenas e só nessa carta, e por outro lado, não obstante o documento não se encontrar timbrado, do mesmo resulta a identificação completa do declarante, e a qualidade em que atesta, fazendo expressa menção à empresa transportadora “V., SL”.

De resto, há que ter presente e sublinhar que a concreta valoração dessa prova se encontra, devidamente, evidenciada na motivação da matéria de facto, com a devida enunciação das razões que determinaram essa concreta ponderação e inerentes premissas.

Acresce que, e ainda no atinente ao aduzido desfasamento temporal que “[o] RITI não impõe um prazo para a saída dos bens de território nacional, exigindo, somente, que saiam de Portugal com destino ao adquirente. Assim sendo, podem ocorrer situações em que se verifica um desfasamento entre o momento da emissão da fatura e a expedição dos bens para fora de Portugal, sendo certo que esse facto pode não prejudicar a aplicação da isenção de IVA." (7)

Por fim, cumpre relevar que não assiste, igualmente, razão à Recorrente quanto à questão da divergência atinente à própria classificação das mercadorias, na medida em que não se vislumbra, de todo, que as faturas emitidas pelos f. C., SA não tenham respaldo na fatura visada e inerente guia de remessa, conforme resulta do teor das alíneas I) e J) da factualidade assente.

E por assim ser, há que concluir que resulta demonstrada a prova do circuito dos bens, inerente saída do EM de origem para o EM de entrada, no caso, como visto Espanha, estando, por isso, verificados os pressupostos atinentes à isenção por força do já citado artigo 14.º do RITI, conforme aduzido, e bem, pelo Tribunal a quo.

E por assim ser, o ato impugnado padece de vício de violação de lei, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, donde a decisão recorrida que assim o sentenciou não merece reparo.

Destarte, face a todo o exposto, improcede, na totalidade, o alegado pela Recorrente, mantendo-se, integralmente, a decisão recorrida na ordem jurídica.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, do Tribunal Central Administrativo Sul, em Negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Registe e notifique.

Lisboa, 19 de dezembro de 2023
              (Patrícia Manuel Pires)
(Tânia Meireles da cunha)
                      (Susana Barreto)



















1) in Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do IDEFF, n.º I, 2005, p. 213
2) Filipe Duarte Neves, Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias anotado e comentado: Quid Juris, pp.144 e 145.
3) In Boletim de Ciências Económicas, Homenagem ao Prof. Doutor António José Avelãs Nunes, “A Prova da expedição e o direito à isenção das transacções intracomunitárias”, Volume LVII, Tomo I, Coimbra, 2014, pp. 707 e 708.
4) In Ob. Cit, pp.711 e 712.
5) In Revista Finanças Públicas e Direito Fiscal: Ano 6, Número 3, Outono,Transmissões “B2B” de bens intra-UE isentas de IYA A Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia”, pág.187.
6) Vide, Ob. Cit, supra, pág. 192.
7) In RITI, anotado, Ob. Cit.pág. 147.