Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 583/08.7 BESNT |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 12/19/2023 |
Relator: | PATRÍCIA MANUEL PIRES |
Descritores: | RITI ISENÇÃO COMPLETA-ARTIGO 14.º PROVA DO CIRCUITO FÍSICO DOS BENS DESLOCAÇÃO FÍSICA PARA EM IDONEIDADE E SUFICIÊNCIA DOS MEIOS DE PROVA |
Sumário: | -O legislador instituiu no artigo 14.º, nº1, alínea a), do RITI como requisitos cumulativos da respetiva isenção , os seguintes : i) Vendedor tem de ser um sujeito passivo de IVA com direito integral ou parcial à dedução do IVA; ii) Expedição ou transporte dos bens do território nacional para o Estado Membro (EM) do destino, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes; iii) Adquirente tem de ser um sujeito passivo de IVA num outro EM; utilização do número de identificação para efetuar a aquisição; abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens. II-O conceito de expedição, pressupõe a deslocação física de um bem de um EM para outro. Logo, a transmissão intracomunitária de um bem só se verifica, e a isenção só é aplicável, quando o direito de dispor do bem como proprietário tenha sido transferido para o adquirente e o fornecedor prove que esse bem foi expedido ou transportado para outro EM e que, na sequência dessa expedição ou transporte, o mesmo saiu fisicamente do território do estado de entrega. III-Promanam enquanto princípios gerais da prova da expedição, designadamente, o primado das exigências substanciais sobre as exigências de forma, o princípio da proteção do expedidor de boa fé e o direito de recusar a isenção ao expedidor que participa em fraudes ou não toma as devidas precauções para dele não participar. IV-A prova da expedição física pode ser efetuada por recurso a qualquer meio de prova, que permita atestar a expedição dos bens do território nacional para outro EM, sem tornar a prova demasiado onerosa, desproporcional, e desvirtuando a substância em detrimento da forma. V-O RITI não impõe um prazo para a saída dos bens de território nacional, exigindo, somente, que saiam de Portugal com destino ao adquirente. O eventual desfasamento entre o momento da emissão da fatura e a expedição dos bens para fora de Portugal, não pode, per se, prejudicar a aplicação da isenção de IVA. VI- Sendo a prova documental, complementada com a prova testemunhal, idóneas e suficientes para se concluir pela prova do circuito físico dos bens, o ato impugnado padece de vício de violação de lei, cominado com a anulabilidade. |
Indicações Eventuais: | Subsecção tributária comum |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | I-RELATÓRIO
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante DRFP ou Recorrente), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A., Herdeiros, contra da liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), referente ao período de 2004, no valor de €27.880,73, dos quais €24.878,90 correspondem a imposto e €3.001,83, a juros compensatórios. O Recorrente, veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem: “A. Salvo o devido respeito, por opinião diversa, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, dado que da prova produzida não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida. B. A discórdia dos presentes autos, reporta-se a uma liquidação adicional de IVA e respeitante liquidação de juros compensatórios, referente ao exercício de 2004, pelo montante de €24.878,9, resultante de correcções apuradas pelos Serviços de Inspecção tributária, no seguimento do pedido de reembolso de IVA, respeitante ao período de 2008.08, no valor de €47.756,54. C. Considerou o douto tribunal a quo que os meios de prova apresentados pelo Impugnante foram suficientes, adequados e idóneos para comprovar a expedição ou transporte dos bens para outro Estado-membro. D. Entende a Fazenda Pública, salvo o devido respeito, que ao contrário do decidido, não se encontra provado, que a expedição ou transporte da mercadoria para outro Estado-Membro tenha efectivamente ocorrido. E. E isto porque os documentos apresentados pelo impugnante, designadamente a guia de transporte n.º 34, bem como o CMR, padecem de várias incorrecções, que colocam em causa o efectivo transporte da mercadoria facturada à empresa L. F. Assim, de todos os elementos reunidos nos autos, é impossível comprovar que a mercadoria facturada à L., com isenção de IVA ao abrigo do artigo 14.º do RITI, saiu efectivamente de Portugal para Huelva. G. Pelo exposto e salvo melhor opinião, entende a Fazenda Pública que o douto Tribunal “a quo” decidiu mal ao anular os actos de liquidação de IVA, do ano de 2014, violando assim, o disposto no artigo 14.º do RITI. Termos em que com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser provido e, consequentemente ser revogada a sentença proferida pelo Douto Tribunal “a quo”, assim se fazendo a costumada Justiça!” *** A Recorrida, devidamente notificada para o efeito contra-alegou tendo concluído da seguinte forma: “A. O Impugnante exercia, no ano de 2004, a actividade de "pesca marítima" - CAE 051180, nomeadamente de peixes, crustáceos e moluscos (arrasto) e comercialização do pescado [cf. fls, 125 do PAT em apenso e prova testemunhal]; B. Até ao final de 2004, o produto comercializado era pescado em águas nacionais, congelado em alto mar, destinando-se quase na sua maioria ao mercado espanhol [prova testemunhal]; C. A 14.09.2004, E. B., condutor do camião de matrícula H-…3-R, saiu de Huelva chegando a Portimão na madrugada de dia 1.09.2004 [prova testemunhal]; D. A 14.09.2004, o veículo de matrícula H…7R encontrava-se avariado, tendo sido substituído pelo veículo de matrícula H-…3-R. [prova testemunhal]; E. Com data de 15.09.2004, foi pela V., S.L, contribuinte B…68, emitida a factura n.º 1742, destinada a L., S.L., contribuinte B-…15, referente a transporte da data de 14.09.2004, com guia de remessa n.9 16649, referente ao camião de matrícula H-…2-W/H….7R, entre Portimão e Huelva. [cf. fls. 89,192 e 193dos autos]; F. Com data de 15.09.2004, foi por A. C., emitida a guia de transporte n.º 034, destinada a L., S.A., contribuinte B-…15, com domicílio em Huelva, Espanha, referente a 108 Kgs de gamba congelada, 1.704 Kgs de camarão congelado, e 8.868 Kgs, de Lagosta congelada, com menção "matrícula H-…3-R" [cf. fls. 85 dos autos, prova testemunhal], G. Com data de 15.09.2004, foi emitido em Portimão o CMR PP-1036280, com indicação do remetente: A. C., Destinatário: L., S.L.; Lugar de entrega da mercadoria: Huelva, Espanha; Lugar da carga: Portimão, Portugal; Documentos anexos: guia de transporte n.9 034; Descrição: Embaixador-9 caixas, cartão, congelada, 117 Kgs; Embaixador -142 caixas, cartão, congelada, 1846 Kgs; Embaixador - 4434 caixas de esferovite, congelada, 9.9533 Kgs; onde foi aposto no campo 22 o carimbo de A. C., e no campo 24 uma assinatura onde consta o nome "E.B." [cf. fls. 87, 190 e 191 dos autos e prova testemunhal]; H. E. B., condutor do veículo que transportou a mercadoria identificada no ponto anterior, apôs a sua rubrica no campo 24 do CMR identificado na alínea anterior [prova testemunhal]; I. Com data de 17.09.2004, foi emitida pela sociedade F. C., S.A., contribuinte n.5 A-…88, à L., S.L. a factura n.e 946/2004, no valor de €966,90 com a descrição: "manuseamento de entrada, saída e classificação; serviço de frio do marisco e/ou vários depositados em camadas"; e comentário: 00013 – T. P. - 2004/006, referente ao dia 15.09.2004 [cf. fls. 96,203 e 204 dos autos]; J. Com data de 17.09.2004, foi emitida pela sociedade F. C., S.A., contribuinte n.5 A- ..88, à L., S.L., a factura n.º 947/2004, no valor de € 7,79, com a descrição: "manuseamento de entrada, saída e classificação; serviço de frio do marisco e/ou vários depositados em camadas"; e comentário: 00013 – T. P. - 2004/007, referente ao dia 15.09.2004 [cf. fls. 96,203 e 204 dos autos]; K. Com data de 20.09.2004, foi por A. C., emitida a factura n.º 021, destinada a L., S.L., contribuinte B-…15, com domicílio em Huelva, Espanha, referente a 108 Kgs de gamba congelada, 1.704 Kgs de camarão congelado, e 8.868 Kgs, de lagosta congelada, no valor total de € 130.94160, com a menção "isento de IVA, Exportação" [cf. fls. 76 dos autos]; L. Na declaração periódica de IVA referente ao período 2006/08, foi pela Impugnante peticionado o reembolso de IVA no montante de € 45.756,54 [cf. fls. 152 do PAT em apenso], M. A 30.11.2006 pela AT foi efectuado o pagamento do reembolso de IVA no montante de € 47.756,54, peticionado pelo Impugnante [cf. fls. 152 do PAT em apenso]; N. Ao abrigo da Ordem de Serviço n.º 01200707381, foi despoletada uma acção de inspecção relativamente ao exercício de 2004, em sede de IVA, ao sujeito passivo A. C., na sequência de um pedido de reembolso efectuado no período de 2006/08 [cf. fls. 125 do PAT em apenso]; O. A 16.11.2007 foi elaborado o relatório de inspecção, onde consta nomeadamente o seguinte: (...) [cf. cópia do relatório a fls. 125 a 132 do PAT em apenso]; P. Através do ofício n.º 098247, de 28.1.2007, recebido a 03.12.2007, foi o Impugnante notificado do teor do relatório identificado no ponto anterior [cf. fls. 138 e 139do PAT em apenso]; Q. A 18.12.2007, foi emitida a notificação correspondente à liquidação adicional de IVA n.º 07355003, referente ao período 0409, em nome de A. C., pelo valor total de e 24.878,90, com data limite de pagamento a 28.02.2008 [cf. fls. 82 dos autos]; R. A 18.12.2007, foi emitida a notificação correspondente à liquidação de juros compensatórios, em sede de IVA com o n.º 07355004, referente ao período 0409, em nome de A. C., pelo valor de € 3.001,83, com data limite de pagamento a 28.02.2008 [cf. fls. 83 dos autos]; S. Em documento não timbrado, datado de 29.01.2008, consta o seguinte: "D. F. G. com o cartão de identidade nr. …75E, representante da empresa V., SL., com a identificação fiscal CIFB-….68 e domicílio em Huelva, Polígono Industrial E. R., nave…, certifica : Que com data de 14 de Setembro de 2004, carregamos o camião com matrícula F….3R com mercadoria do nosso cliente L., SL, desde Portimão até Huelva. Que o referido serviço foi realizado pelo Sr. E. B., nosso motorista, com o camião de um colega (H…3R), que dessa data se encontrava de férias e que por engano referimos na factura a matrícula do camião que normalmente era conduzido pelo Sr, E. e não do camião que na realidade efectuou o serviço" [cf. fls. 91, 195 e 196 dos autos]; T. A petição inicial que deu origem à presente impugnação judicial foi apresentada em 23.05.2008 [cf. fls. 3 dos autos]. 30. Ora, não obstante, a matéria de facto dada como assente, a qual teve por base a convicção com que a Mma Juiz a quo ficou, não só, dos documentos em causa, mas também, do depoimento das testemunhas o qual, recorde-se, ocorreu «(...) de forma convincente, convergente, espontânea e revelaram possuir conhecimento directo dos factos que relataram, em virtude das funções que exerciam à data dos factos.», a verdade é que vem a Recorrente retomar a argumentação tecida no Relatório de Inspecção, sem qualquer carácter inovador em relação àquele. 31. Com efeito, considerou a Recorrente que a douta sentença recorrida havia caído numa situação de erro de julgamento, por ter claudicado na apreciação dos seguintes factos: a) que, «no que respeita às correcções realizadas ao exercício de 2004, designadamente a liquidação de IVA na factura n.º 21 emitida à empresa espanhola L. SL, no montante de € 130.941,60, considerou o douto tribunal que se tratou de uma transmissão intracomunitária, justificando a transmissão dos bens para o cliente espanhol através dos documentos CMR e da guia de transporte n.º 34, pelo que considera ter sido liquidado IVA ilegalmente, no valor de € 24.787,90. Não pode a Fazenda Pública concordar, pois dos documentos apresentados pelo impugnante designadamente a guia de transporte n.º 34, datada de 15.09.2004 e o CMR (carta de porte internacional), verificam-se várias incorrecções, que colocam em causa o efectivo transporte da mercadoria facturada à empresa L.», nomeadamente «os valores respeitantes a quantidades e a quilos, constantes da guia de transporte, da factura n.s 21 e o CMR não são coincidente (...)», b) que «o documento CMR não se encontra assinado nem carimbado pelo transportador, e não obstante a Impugnante invocar e o douto tribunal aceitar que a assinatura do transportador consta do campo 24 do CMR, a verdade é que é impossível verificar, uma vez que a assinatura é irreconhecível e não constar qualquer carimbo da empresa transportadora.» c) que «[n]o que concerne à factura emitida pelo transportador V. SL, constata-se que a data do transporte foi a 14.09.2004, no entanto, a data do documento CMR é de 15.09.2004. Ora, tendo em consideração, o trajecto da mercadoria e os documentos necessários ao seu transporte, o CMR teria que obrigatoriamente ter data anterior ao início do transporte. » d) que «(...) a matrícula do camião que realizou o transporte da mercadoria também não coincide com a indicada na guia de transporte que acompanhou a mercadoria» e, e) que «[n]o que respeita às facturas dos f. C. S.A., onde supostamente a mercadoria foi armazenada à sua chegada a Espanha, diga-se que a mercadoria que consta dessa factura encontra-se classificada de forma diferente da indicada na factura e guia de remessa, pelo que, não é possível fazer qualquer comparação que possibilite concluir que se trata da mesma mercadoria.» e na correspondente aplicação do direito. 32. Ora, a verdade é que todas as questões trazidas novamente à discussão, nos presentes autos, pela Recorrente, foram já convenientemente apreciadas, ponderadas e bem resolvidas pela sentença recorrida. Ora, vejamos, 33. A Mma Juiz a quo, em resposta a todas as questões suscitadas no Relatório de Inspecção e aqui novamente colocadas, considerou, com base na prova produzida, quanto às divergências detectadas nos documentos de transporte, por um lado, que as mesmas ocorreram de um lapso, porquanto, pela testemunha «(...)E. B., condutor do camião que transportaria a mercadoria descrita neste CMR, [foi indicado (...) que, por lapso terá aposto a sua rubrica no campo 24, quando teria pretendido apor no campo 23, mas que a ausência de óculos poderá ter facilitado o erro [cf. ai. G) dos factos assentes., que «(...)a divergência na identificação das matrículas relativas ao camião de transporte, (...) Resulta provado nos autos que a sociedade transportadora indicou, por lapso, na factura por si emitida, a matrícula do veículo que o seu funcionário E. B. costumava conduzir, mas que, em virtude de o referido veículo se encontrar em reparação, foi substituído pelo camião de matrícula H-…3R [cf. ai. D) e S) dos factos assentes]. 34. Por outro lado, «Já no que se refere à data do transporte identificada na referida no documento comprovativo do serviço de transporte realizado peta sociedade V., S.L., que contém a menção data de 14.09,2004, como data de transporte, resulta igualmente provado que esta data refere-se ao momento em que o camião saiu de Espanha para efectuar o serviço em Portimão, tendo chegado a este destino na madrugada de dia 15.09.2004, e aí carregado a mercadoria de volta para Huelva, razão pelo qual não existe coincidência entre a data da factura do serviço de transporte e a data da guia de remessa e do CMR [cf. al. C) e E) dos factos assentes].» 35. Por outro, ainda, que e no que respeita «ò divergência entre as quantidades mencionadas nos diversos documentos, verificamos que a única diferença entre os valores mencionados nos diversos documentos prende-se com o facto por vezes ser necessária a indicação do peso bruto (...), enquanto que noutros documentos será relevante o peso líquido (...) Certo é que os valores em termos de caixas são idênticos, e as pequenas variações entre peso líquido e peso bruto justificam as divergências registadas pela AT.» 36. E, por fim, que «o impugnante conseguiu suprir os vários erros detectados pela AT quanto à operação material titulada pela factura n.º 21, aqui em análise, tendo feito prova de que efectivamente aquela mercadoria saiu de Portimão com destino a Huelva, onde foi armazenada em câmaras frigorificas da sociedade C. Ficou assim documentalmente comprovado o percurso das mercadorias vendidas pelo Impugnante à sociedade espanhola, desde Portimão até Huelva, onde foi depositada nos armazéns frigoríficos da C. 37. Com base na prova produzida, a Mma Juiz a quo considerou como inequivocamente provados os factos constantes do n.º 29 destas conclusões, e fez uma correcta aplicação do direito, nos moldes em que aqui se reproduzem: «(…) Ora, atento o disposto na citada norma [artigo 14.2 do RITI], um dos pressupostos essenciais para a aplicação deste regime de isenção, para além dos pressupostos subjectivos de cada parte interveniente-vendedor e adquirente -, será a expedição ou transporte dos bens de Portugal para outro Estado-membro, daí a importância da prova deste facto. Resulta da legislação e da jurisprudência comunitária que as entregas intracomunitárias de bens estão isentas, com vista a transferir a receita fiscal para o estado-Membro onde teve lugar o consumo final dos bens entregues (v. acórdãos de 27 de Setembro de 2007, Teleos e o., C-409/04; EU: C:2007:548, n.º 36 (...). Assim, é concebido o direito à isenção, no Estado-Membro de partida, da entrega que dá lugar à expedição ou transporte comunitário, completada pelo direito à dedução ou reembolso do IVA pago a montante nesse Estado-Membro e, por outro, na tributação, por parte do Estado-Membro de chegada, da aquisição intracomunitária. Este mecanismo garante uma delimitação clara das soberanias fiscais dos Estados-Membros interessados (v. nesse sentido, acórdão de 6 de abril de 2006, EM AG Handel Eder, C-245/04, ECU:EU:C:2006:232, n.s 30 e 40). O Tribunal de Justiça interpretou esta disposição no sentido de que a isenção da entrega intracomunitária só é aplicável quando o direito de dispor do bem como proprietário tenha sido transferido para o adquirente e o fornecedor prove que esse bem foi expedido ou transportado para outro Estado-Membro e que, na sequência dessa expedição ou desse transporte, o mesmo saiu fisicamente do território do Estado-Membro de entrega (v. acórdãos, já referidos, Teleos e o., n.e42 e Twoh International, n.º 23). Consequentemente, o ónus da prova da expedição ou transporte do bem é do fornecedor, ou seja, no caso em apreço, a Impugnante. O Tribunal de Justiça constatou igualmente que, desde a abolição do controlo nas fronteiras entre Estados-Membros, é difícil à Administração Fiscal verificar se as mercadoria saíram ou não fisicamente do território do referido Estado-Membro. Por este motivo, é principalmente com base nas provas fornecidas pelos sujeitos passivos e nas suas declarações que as autoridades fiscais nacionais procedem a essa verificação (acórdãos, já referidos, Teleos o., n.º 44, e Twoh International, n.º 24). O Tribunal de Justiça tem afirmado que compete aos Estados-Membros fixar as condições em que isentam as entregas intracomunitárias para garantir a aplicação correcta e simples das ditas isenções e prevenir eventuais fraudes, evasões e abusos, devendo, porém, respeitar os princípios gerias de direito que fazem parte da ordem jurídica da União, entre os quais figuram, designadamente, os princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade ( v. neste sentido, acórdãos de 27 de Setembro de 2007, Collée, C-146705, Twoh International; e R.). Por outro lado, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para beneficiar da referida isenção cabe ao fornecedor de bens fazer prova de que as condições previstas para aplicação desta disposição, incluindo as impostas pelos Estados-Membros para garantir uma aplicação correcta e simples das isenções e para evitar fraudes, evasões e abusos, estão preenchidas (v. neste sentido, acórdão Twoh International, já referido, n.º 26). Em suma, para a Impugnante poder beneficiar da isenção de IVA nas transmissões intracomunitárias tem efectivamente de efectuar a prova que esse bem foi expedido ou transportado para outro Estado-Membro, pressuposto que decorre do artigo 14. e do RITI e que tem vindo a ser sancionado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça. Sendo certo que são admissíveis todos os meios de prova admissíveis em direito, será incontornável que os meios de prova devem ser idóneos e adequados para atingir tal objectivo. (...) Escalpelizadas as divergências identificadas pela AT e as justificações apresentadas pela Impugnante, e não colocando de parte a exigência formal da documentação que prova a transmissão de bens de Portugal para outro Estado-membro que é exigido pela AT e da sua adequação e proporcionalidade na estrita medida em que se insere num objectivo legítimo de combate ò evasão e fraude fiscal, importa considerar que o Impugnante conseguiu suprir os vários erros detectados pela AT quanto à operação material titulada pela factura n.º 21, aqui em análise, tendo feito prova de que efectivamente aquela mercadoria saiu de Portimão com destino a Huelva, onde foi armazenada em câmaras frigorificas da sociedade C. Ficou assim documentalmente comprovado o percurso das mercadorias vendidas pelo Impugnante à sociedade espanhola, desde Portimão até Huelva, onde foi depositada nos armazéns frigoríficos da C. Importa assim determinar que a prova produzida, os meios de prova apresentados pelo Impugnante foram suficientes, adequados e idóneos para conduzir à prova do pressuposto da isenção ora em causa (a expedição ou transporte dos bens pra outro Estado-membro), face aos contornos específicos do caso concreto, face à concreta necessidade de prevenir a evasão e fraude fiscal. Consequentemente, resultando provada a saída dos bens do território nacional para Estado- Membro recepcionada por sujeitos passivos de IVA, encontrando-se reunidos os pressupostos constantes no artigo 14.5 do RITI para a concessão de isenção de IVA na transmissão intracomunitária de bens identificados na factura n.º 21, emitida pela Impugnante. Como consequência de tudo o que ficou dito, conclui-se pela procedência da acção, devendo as liquidações impugnadas ser anuladas por vício de violação de lei.» Termos em que o presente recurso deverá ser julgado improcedente e, em consequência, mantida a decisão recorrida e declarada procedente a impugnação judicial apresentada.”
*** O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. *** Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir. *** II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto: Compulsados os autos e analisada a prova documental e testemunhal encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a decisão do mérito: “A. O Impugnante exercia, no ano de 2004, a actividade de “pesca marítima” – CAE 051180, nomeadamente de peixes, crustáceos e molusco (arrasto) e comercialização do pescado [cf. fls. 125 do PAT em apenso, e prova testemunhal]. B. Até a final de 2004, o produto comercializado era pescado em águas nacionais, congelado em alto mar, destinando-se quase na sua maioria ao mercado espanhol [prova testemunhal]. C. A 14.09.2004 E. B., condutor do camião de matrícula H-…3-R, saiu de Huelva chegando a Portimão na madrugada de dia 15.09.2004 [prova testemunhal]. D. A 14.09.2004 o veículo de matrícula H…7R encontrava-se avariado, tendo sido substituído pelo veículo de matrícula H-..3-R [prova testemunhal]. E. Com data de 15.09.2004, foi pela V., S.L., contribuinte B…68, emitida a factura n.º 1742, destinada a L., S.L., contribuinte B-…15, referente a transporte da data de 14.09.2004, com guia de remessa n.º 16649, referente ao camião de matrícula H-..2-W/H….7R, entre Portimão e Huelva [cf. fls. 89, 192 e 193 dos autos]. F. Com data de 15.09.2004, foi por A. C., emitida a guia de transporte n.º 034, destinada a L., SL., contribuinte B-…15, com domicílio em Huelva, Espanha, referente a 108 kgs de gamba congelada, 1.704 Kgs de camarão congelado, e 8.868 Kgs, de Lagosta congelada, com a menção “matricula H-…3-R” [cf. fls. 85 dos autos, prova testemunhal]. G. Com data de 15.09.2004, foi emitido em Portimão o CMR PP-1036280, com indicação do remetente: A. C., Destinatário: L., SL; Lugar de entrega da mercadoria: Huelva – Espanha; Lugar de carga: Portimão, Portugal; Documentos anexos: Guia de transporte n.º 034; Descrição: Embaixador – 9 caixas, cartão, congelada, 117kgs; Embaixador – 142 caixas, cartão, congelada, 1846 Kgs; Embaixador – 4434 caixas de esferovite, congelada, 9.9533 Kgs; onde foi aposto no campo 22 o carimbo de A. C., e no campo 24 uma assinatura onde consta o nome “EB.” [cf. fls. 87, 190 e 191 dos autos, prova testemunhal]. H. E. B., condutor do veículo que transportou a mercadoria identificada no ponto anterior, apôs a sua rubrica no campo 24 do CMR identificado na alínea anterior [prova testemunhal]. I. Com data de 17.09.2004, foi emitida pela sociedade F. C., S.A., contribuinte n.º A-…88, à L., S.L., a factura n.º 946/2004, no valor de €966,09, com a descrição: “manuseamento de entrada, saída e classificação; serviço de frio do marisco e/ou vários depositados em camaras”; e comentário: 00013 – T. P. – 2004/006, referente ao dia 15.09.2004 [cf. fls. 96, 203 e 204 dos autos]. J. Com data de 17.09.2004, foi emitida pela sociedade F. C., S.A., contribuinte n.º A-…88, à L., S.L., a factura n.º 947/2004, no valor de €7,79, com a descrição: “manuseamento de entrada, saída e classificação; serviço de frio domarisco e/ou vários depositados em camaras” e comentário: 00013 – T. P. –2004/007, referente ao dia 15.09.2004 [cf. fls. 96, 203 e 204 dos autos]. K. Com data de 20.09.2004, foi por A. C., emitida a factura n.º 021, destinada a L., SL., contribuinte B-…15, com domicílio em Huelva, Espanha, referente a 108 kgs de gamba congelada, 1.704 Kgs de camarão congelado, e 8.868 Kgs, de lagosta congelada, no valor total de €130.941,60, com a menção “isento de IVA. Exportação” [cf. fls. 76 dos autos]. L. Na declaração periódica de IVA referente ao período 2006/08, foi pela Impugnante peticionado o reembolso de IVA no montante de €45.756,54 [cf. fls. 152 do PAT em apenso]. M. A 30.11.2006 pela AT foi efectuado o pagamento do reembolso de IVA no montante de €47.756,54, peticionado pelo Impugnante [cf. fls. 152 do PAT em apenso]. N. Ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI200707381, foi despoletada uma acção de inspecção relativamente ao exercício de 2004, em sede de IVA, ao sujeito passivo A. C., na sequência de um pedido de reembolso efectuado no período de 2006/08 [cf. fls. 125 do PAT em apenso]. O. A 16.11.2007 foi elaborado o relatório de inspecção, onde consta nomeadamente o seguinte: “(…) P. Através do ofício n.º 098247, de 28.11.2007, recebido a 03.12.2007, foi o Impugnante notificado do teor do relatório identificado no ponto anterior [cf. fls. 138 e 139 do PAT em apenso]. Q. A 18.12.2007, foi emitida a notificação correspondente à liquidação adicional de IVA n.º 07355003, referente ao período 0409, em nome de A. C., pelo valor total de €24.878,90, com data limite de pagamento a 28.02.2008 [cf. fls. 82 dos autos]. R. A 18.12.2007, foi emitida a notificação correspondente à liquidação de juros compensatórios, em sede de IVA, com o n.º 07355004, referente ao período 0409, em nome de A. C., pelo valor total de €3.001,83, com data limite de pagamento a 28.02.2008 [cf. fls. 83 dos autos]. S. Em documento não timbrado, datado de 29.01.2008, consta o seguinte: “D. F. G. com o cartão de identidade nr. …5E, representante da empresa V., SL., com identificação fiscal CIF B-…68 e domicílio em Huelva, Polígono Industrial E. R., nave …, certifica: Que com data de 14 de Setembro de 2004, carregamos o camião com matrícula H….3R com mercadoria do nosso cliente L., SL, desde Portimão até Huelva. Que o referido serviço foi realizado pelo Sr. E. B., nosso motorista, com o camião de um colega (H…3R), que dessa data se encontrava de férias e que por engano referimos na factura a matrícula do camião que normalmente era conduzido pelo Sr. E. e não a do camião que na realidade efectuou o serviço.” [cf. fls. 91, 195 e 196 dos autos]. T. A petição inicial que deu origem à presente impugnação judicial foi apresentada em 23.05.2008 [cf. fls. 3 dos autos]. *** A decisão recorrida consignou como factualidade não provada: “Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir.” *** A motivação da matéria de facto assentou no seguinte: “Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório. Foram ouvidas pelo tribunal as testemunhas: 1. E. B., condutor do camião que transportou a mercadoria identificada em D) dos factos assentes, 2. F. A., assessor fiscal contabilístico da sociedade L., 3. C. A., trabalhador do Impugnante, 4. L. R., motorista da embarcação de pesca e trabalhador do Impugnante, e 5. C. S., técnico oficial de contas do Impugnante. Todas as testemunhas revelaram ter conhecimento directo sobre a matéria de facto em questão, embora os esclarecimentos prestados pela quarta testemunha não tenham relevado para o caso em apreço, uma vez que não teve qualquer intervenção na operação titulada pela factura n.º 21, de 20.09.2004, aqui em análise, mas sim com nas correcções efectuadas pelos serviços de inspecção ao exercício fiscal de 2005. Assim, as demais testemunhas depuseram de forma convincente, convergente, espontânea e revelarem possuir conhecimento directo dos factos que relataram, em virtude das funções que exerciam à data dos factos. Todos revelaram conhecer o âmbito de actividade do Impugnante, de pesca marítima, nomeadamente de peixes, crustáceos e molusco (arrasto) e comercialização do pescado, pescado em águas nacionais, congelado em alto mar, e destinando-se quase na sua maioria ao mercado espanhol [cf. al. A) e B) dos factos assentes]. Pela testemunha E. B. foram esclarecidos vários lapsos ocorridos na documentação referente ao transporte da mercadoria para cliente espanhol, titulada pela factura n.º 21 de 20.09.2004, emitida pela Impugnante, nomeadamente o erro na aposição da assinatura do condutor no CMR, tendo assinado no campo 24, em vez de no campo 23 [cf. al. H) dos factos assentes]; que o mesmo iniciou o transporte de Espanha para Portimão na noite de dia 14.09.2004, chegando de madrugada ao seu destino, hora habitual para o transporte de material congelado, e hora habitual para a chegada dos barcos de pesca, pelo que o acondicionamento da mercadoria no camião e consequente transporte para Huelva ocorreu em 15.09.2004 [cf. al. C) e E) dos factos assentes]; tendo o mesmo confirmado que por uma questão de avaria do camião que habitualmente conduzia de matrícula H…7R, teve de fazer o transporte em análise no camião de matrícula H-…3-R, embora a documentação emitida pela sociedade transportadora tenha, por lapso, mencionado o seu camião habitual [cf. a. D), E) e S) dos factos assentes]. Pelas diversas testemunhas foi confirmado o trajecto da mercadoria, desde a sua chegada via marítima no porto de Portimão, no dia 15.09.2004, o seu transbordo e acondicionamento no camião de matrícula H-…3-R, conduzido por E. B., acompanhado de CMR e guia de transporte identificados em F) e G) dos factos assentes, serviço de transporte prestado pela sociedade V., S.L., e pago pelo destinatário dos bens [cf. al. E) dos factos assentes], à chegada de mercadoria em Huelva onde foi armazenada nos frigoríficos congeladores da sociedade C., serviço pago pelo destinatários dos bens – L. [cf. al. I) e J) dos factos assentes]. Tudo culminando na emissão da factura n.º 21, de 20.09.2004, emitida pela Impugnante em nome da empresa espanhola L.” *** III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou totalmente procedente a impugnação judicial relativa à liquidação de IVA, referente ao período de 2004, no valor total de €27.880,73. Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso. Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação dos pressupostos de facto e de direito no atinente à ponderação dos meios de prova para comprovação da expedição ou transporte dos bens para outro Estado membro da União Europeia. Vejamos, então. De relevar, ab initio, que, in casu, a matéria de facto se encontra, devidamente, estabilizada, na medida em que inexistiu qualquer impugnação da matéria de facto, limitando-se a Recorrente a convocar uma errónea ponderação da factualidade constante no probatório para efeitos da visada prova em questão, sem requerer qualquer aditamento por complementação, substituição ou mesmo qualquer supressão do probatório. E por assim ser, encontrando-se estabilizada a matéria de facto, cumpre aferir se a sentença recorrida padece de erro julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e direito. Vejamos. A Recorrente alega que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, porquanto, contrariamente ao ajuizado, os meios de prova apresentados são insuficientes para comprovar a expedição ou transporte dos bens para outro Estado-membro, no caso Espanha-Huelva, na medida em que existem divergências e incongruências que não foram, devidamente, ponderadas. Com efeito, sublinha, desde logo, que existem divergências em termos de quantidade entre a fatura visada, a Guia de Transporte e o CMR que não foram apartadas, sublinhando adicionalmente que, não obstante exista uma assinatura no campo 24 do CMR, conforme evidenciado na decisão recorrida, a mesma é ilegível. Convoca, outrossim, o desfasamento da data do transporte com a própria data do CMR, adensando ainda a desconformidade atinente à matrícula do camião, a qual, inversamente ao aduzido pelo Tribunal a quo, não pode ser justificada pela carta da empresa transportadora, na medida em que a mesma não se encontra timbrada e a assinatura é irreconhecível. Aponta uma última divergência atinente à própria classificação das mercadorias na medida em que as faturas emitidas pelos f. C., SA não têm respaldo na fatura visada e inerente guia de remessa. Conclui, assim, pelo erro de julgamento concernente à prova da expedição dos bens e nessa medida pela impossibilidade de beneficiar da isenção constante no artigo 14.º do RITI. Dissente a Recorrida, propugnando pela manutenção da decisão recorrida porquanto estabeleceu o correto enquadramento normativo com a devida transposição para o recorte probatório dos autos, sublinhando, ainda, que a Recorrente descurou a prova testemunhal produzida a qual foi credível e devidamente valorada pelo Tribunal a quo. Apreciando. O Tribunal a quo esteou a procedência da impugnação relevando para o efeito que, não obstante a AT tenha cumprido o ónus atinente aos indícios invocados para efeitos de prova da expedição territorial, a verdade é que a Recorrida mediante prova testemunhal cotejada com a prova documental, demonstrou, de forma idónea, a comprovação da saída do território nacional, concretamente da expedição dos bens para Espanha. Neste concreto particular, ajuíza que o lapso constante na assinatura tem de ser, devidamente, ponderado com a prova testemunhal produzida a qual justificou, justamente, esse lapso, o mesmo sucedendo quanto à divergência das matrículas nos camiões. No atinente ao desfasamento da data do transporte é, igualmente, evidenciado na decisão recorrida que “[e]sta data refere-se ao momento em que o camião saiu de Espanha para efectuar o serviço em Portimão, tendo chegado a este destino na madrugada de dia 15.09.2004, e aí carregado a mercadoria de volta pata Huelva, razão pelo qual não existe uma coincidência entre a data da factura do serviço de transporte e a data da guia de remessa e do CMR [cf. al. C) e E) dos factos assentes].” Considerando, outrossim, justificadas as divergências entre as quantidades mencionadas na fatura, guia de remessa e CMR, porquanto, por um lado, os valores em termos de caixas são idênticos e, por outro lado, a comparação tem de ter como norteador os índices diferenciadores, na medida em que as pesagens apresentam nomenclaturas e índices díspares, concretamente, pesagem líquida vs pesagem bruta, o que, naturalmente, implica as devidas dissemelhanças. Conclui, a final, que “[o] Impugnante conseguiu suprir os vários erros detectados pela AT quanto à operação material titulada pela factura n.º 21, aqui em análise, tendo efeito prova de que efectivamente aquela mercadoria saiu de Portimão com destino a Huelva, onde foi armazenada em câmaras frigoríficas da sociedade C.” E a verdade é que, não se afigura que o Tribunal a quo tenha incorrido no aludido erro de julgamento, na medida em que interpretou adequadamente o regime jurídico com a devida transposição ao caso vertente. Senão vejamos. Começando por convocar o quadro normativo que para os autos releva. Preceitua o artigo 1.º do RITI sobre a incidência objetiva que: “Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado (IVA): Preceituando, por seu turno, o artigo 7.º do mesmo diploma legal que: “1 - Considera-se transmissão de bens efetuada a título oneroso, para além das previstas no artigo 3.º do Código do IVA, a transferência de bens móveis corpóreos expedidos ou transportados pelo sujeito passivo ou por sua conta, com destino a outro Estado membro, para as necessidades da sua empresa.” Mais consignando o artigo 14.º, nº1, alínea a), do citado diploma sob a epígrafe de “isenções nas transmissões” que: “Estão isentas do imposto: Ora, da conjugação dos citados normativos dimana que foi acolhida a regra de isenção nas transações intracomunitárias, por forma a que sejam tributadas no país do adquirente, como regra geral, sendo este um sujeito passivo de imposto. Podendo, assim, extrair-se os seguintes requisitos cumulativos para benefício da aludida isenção -a qual, como é consabido, é qualificada como isenção completa, na medida em que permite a dedução do IVA suportado a montante pelo sujeito passivo, nos termos dos artigos 19.º e 20.º do CIVA-: i. Vendedor tem de ser um sujeito passivo de IVA com direito integral ou parcial à dedução do IVA; ii. Expedição ou transporte dos bens do território nacional para o Estado Membro (EM) do destino, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes; iii. Adquirente tem de ser um sujeito passivo de IVA num outro EM; utilização do número de identificação para efetuar a aquisição; abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens. Como doutrinado por Clotilde Celorico Palma,(1)" Para que haja uma aquisição intracomunitária de bens é imprescindível que haja expedição ou transporte de um bem de um Estado membro para outro Estado membro. (…)Se o bem transaccionado não for expedido ou transportado de um Estado membro para outro, eu tenho uma simples operação realizada no interior de um Estado membro e não uma transacção intracomunitária, sendo consequentemente, diverso o respectivo tratamento fiscal. Daí a relevância da prova da expedição ou transporte do bem. Desse facto dependerá, pois, a correcta isenção da operação, a título de transmissão intracomunitária de bens, no Estado membro onde ocorre o início da expedição ou transporte e a devida tributação da mesma, a título de aquisição intracomunitária de bens, no Estado membro onde termina a expedição ou transporte.” (destaques e sublinhados nossos). No caso vertente, conforme resulta perentório das alegações de recurso e da própria fundamentação contemporânea do ato (RIT) dimana inequívoco que a mesma coadunou-se, tão-só, com a insusceptibilidade de demonstração, por parte do sujeito passivo, da saída das mercadorias para o mercado comunitário, ou seja, com a idoneidade da prova da expedição e saída física dos bens, nunca sendo sindicada a onerosidade das operações, nem a circunstância de serem realizadas por um sujeito passivo de IVA agindo nessa qualidade, donde a única questão colocada coaduna-se com a prova da expedição. Sendo que, como é consabido, e como evidenciado, e bem, pelo Tribunal a quo é sobre o sujeito passivo que pretende beneficiar da isenção prevista no artigo 14.º do RITI que recai o ónus de alegar e provar que os bens saíram, efetivamente, do território nacional, uma vez que, como visto, a operação em causa está, em regra, sujeita a tributação. Como doutrina José Xavier de Basto(3) “[a] prova do circuito físico dos bens, da sua saída do território nacional, afigura-se menos fácil e susceptível de introduzir insegurança no tratamento fiscal das transacções intracomunitárias. A lei portuguesa, bem como a Directiva comunitária, não definem os meios de prova da saída dos bens do território nacional. A Directiva é, com efeito, omissa sobre este ponto, contendo apenas normas genéricas que devolvem aos Estados a faculdade de fixar as condições para assegurar a aplicação correcta e simples das isenções e de evitar qualquer possível fraude, evasão ou abuso.” De sublinhar, para o caso sub judice, que no citado Acórdão Collée, de 27 de setembro de 2007, o TJUE deliberou que a apresentação dos elementos comprovativos para o cumprimento das condições exigidas para a isenção das entregas intracomunitárias de bens pode ser efetuada após a realização das entregas, transcrevendo-se, designadamente, o seguinte: “O artigo 28,°C, A, alínea a), primeiro parágrafo, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, na redacção que lhe foi dada pela Directiva 91/680/CEE do Conselho, de 16 de Dezembro de 1991, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que a Administração Fiscal de um Estado-Membro recuse isentar de imposto sobre o valor acrescentado uma entrega intracomunitária, que teve efectivamente lugar, apenas com fundamento em que a prova desta entrega não foi produzida atempadamente. Ao examinar o direito à isenção do imposto sobre o valor acrescentado correspondente a tal entrega, o órgão jurisdicional de reenvio só deverá ter em conta o facto de o sujeito passivo, num primeiro momento e com pleno conhecimento de causa, ter dissimulado a existência de uma entrega intracomunitária, se existir um risco de perda de receitas fiscais e se este não foi completamente eliminado pelo sujeito passivo.” Mais importa ter presente o disposto no citado Acórdão Euro Tyre Holding BV, de 16 de dezembro de 2010, no qual se doutrinou que: “[n]o que respeita à condição relativa à prova, na medida em que constitui uma das condições da isenção recordadas no n.º 29 do presente acórdão, importa notar que, mesmo que, em princípio, incumba ao fornecedor demonstrar que o bem foi expedido ou transportado para outro Estado-Membro, em circunstâncias em que o direito de dispor do bem como proprietário é transferido para o adquirente no território do Estado-Membro de entrega e em que cabe a este adquirente expedir ou transportar o bem para fora do Estado-Membro de entrega, a prova que o fornecedor pode apresentar às autoridades fiscais depende essencialmente dos elementos que receber do adquirente para esse efeito.” De convocar, in fine, o Aresto Meesek-Gabona, de 6 de setembro de 2012, no âmbito do qual o TJUE foi chamado a analisar um caso em que era controvertido que o operador tivesse agido de boa fé ou não tivesse tido consciência de que estava participando numa manobra de fraude ou evasão fiscal, o qual declarou que: “1)O artigo 138.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, conforme alterada pela Diretiva 2010/88/UE do Conselho, de 7 de dezembro de 2010, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, o direito à isenção de uma entrega intracomunitária seja recusado ao vendedor, caso se conclua, à luz de elementos objetivos, que este não cumpriu as obrigações que lhe incumbem em matéria de prova ou que sabia ou devia saber que a operação que efetuou estava implicada numa fraude cometida pelo adquirente e que não tinha tomado todas as medidas razoáveis ao seu alcance para evitar a sua própria participação nesta fraude. 2) A isenção de uma entrega intracomunitária, na aceção do artigo 138.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112, conforme alterada pela Diretiva 2010/88, não pode ser recusada apenas com base no facto de a Administração Fiscal de outro Estado-Membro ter cancelado o número de identificação para efeitos de IVA do adquirente, cancelamento este que, apesar de ser posterior à entrega do bem, produziu os seus efeitos, de maneira retroativa, numa data anterior a esta entrega.” Com efeito, da aludida jurisprudência retiram-se alguns princípios gerais que regem a prova da expedição, mormente, o primado das exigências substanciais sobre as exigências de forma, o princípio da proteção do expedidor de boa fé e o direito de recusar a isenção ao expedidor que participa em fraudes ou não toma as devidas precauções para dele não participar. Ora, transpondo o regime normativo e as posições doutrinais e jurisprudenciais reputadas relevantes para efeitos de demonstração e densificação da prova do circuito físico dos bens –única, como visto, em contenda nos autos- ter-se-á de concluir que a mesma pode ser efetuada por recurso a qualquer meio de prova, mormente prova testemunhal, que permitam atestar a expedição dos bens do território nacional para outro EM, sem tornar a prova demasiado onerosa, desproporcional, e desvirtuando a substância em detrimento da forma. [Neste sentido, vide, designadamente, o Aresto do TCAS, proferido no processo nº773/08, datado de 27 de outubro de 2022 e bem assim do TCA Norte, proferido no processo nº 00927/15, de 13 de dezembro de 2018.] Ora, tendo presente o regime normativo aplicável ao caso vertente, e os considerandos de direito reputados de relevo e supra expendidos, há, efetivamente, que validar o entendimento do Tribunal a quo, na medida em que a prova produzida nos autos, concretamente, a prova documental, complementada com a prova testemunhal são suficientes para se concluir pela prova do circuito físico dos bens, concretamente da sua transmissão para Espanha. Senão vejamos. De sublinhar, desde já, que a argumentação expendida pela Recorrente não logra mérito, na medida em que, não impugnando a matéria de facto, e contemplando o acervo fático dos autos as asserções de facto suficientes e idóneas para efeitos da prova da expedição nenhuma censura merece a decisão recorrida. Mas explicitemos, então, por reporte à concreta sindicância constante das alegações recursivas da Recorrente. No concernente ao facto dos valores respeitantes às quantidades/quilos constantes da fatura, da guia de transporte e CMR não serem coincidentes nada há a censurar quanto à interpretação propugnada pelo Tribunal a quo na medida em que, por um lado, existe conformidade com as designações nela constantes, e por outro lado, para além das divergências em termos de concreto quantum serem pouco expressivas no seu cômputo global, assentam, outrossim, na desigual corporização do peso, ou seja, peso bruto e peso líquido. De resto, estabelecendo um confronto entre a guia de remessa e a fatura existe total uniformidade porquanto, são descritos 108 kgs de gamba, 1704 kgs de camarão, 8868kgs de lagostim, sendo certo que, estabelecendo um confronto entre as designações e inerentes mensurações das caixas/volumes enumeradas na guia de remessa e as contempladas no CMR, existe, igualmente, total conformidade, concretamente, 9, 142 e 4434 caixas. Por outro lado, não assiste, igualmente, razão à Recorrente quanto à questão atinente à assinatura, na medida em que resulta do probatório, concretamente da alínea H), a justificação para a aposição no campo 24 da CMR, a qual foi, aliás, atestada pelo próprio, e, devidamente, expressada na motivação da matéria de facto. Sendo certo que, em sentido inverso ao aduzido pela Recorrente, e devidamente patenteado na alínea G) do probatório, o CMR tem aposto no campo 22 o carimbo de “A. C.”, e no campo 24 uma assinatura onde consta o nome “EB.”. E no mesmo sentido se terá de concluir no atinente ao concreto desfasamento da data do transporte com a própria data do CMR, e bem assim com a matrícula, na medida em que tais realidades se encontram devidamente corporizadas no probatório, donde, justificadas e legitimadas. Com efeito, dimana inequívoco da interpretação conjugada das alíneas C) e D) do probatório que a 14 de setembro de 2004, E. B., condutor do camião de matrícula H-..3-R, saiu de Huelva chegando a Portimão na madrugada de dia 15 de setembro de 2004 e que o veículo de matrícula H…7R se encontrava avariado, tendo, por isso, sido substituído pelo veículo de matrícula H-…3-R. Ainda, neste concreto particular, cumpre relevar que não assiste razão à Recorrente quanto à carta corporizada na alínea S) do probatório, desde logo, porque de uma leitura atenta do probatório e bem assim da fundamentação jurídica da decisão recorrida verifica-se que o entendimento não se funda apenas e só nessa carta, e por outro lado, não obstante o documento não se encontrar timbrado, do mesmo resulta a identificação completa do declarante, e a qualidade em que atesta, fazendo expressa menção à empresa transportadora “V., SL”. De resto, há que ter presente e sublinhar que a concreta valoração dessa prova se encontra, devidamente, evidenciada na motivação da matéria de facto, com a devida enunciação das razões que determinaram essa concreta ponderação e inerentes premissas. Acresce que, e ainda no atinente ao aduzido desfasamento temporal que “[o] RITI não impõe um prazo para a saída dos bens de território nacional, exigindo, somente, que saiam de Portugal com destino ao adquirente. Assim sendo, podem ocorrer situações em que se verifica um desfasamento entre o momento da emissão da fatura e a expedição dos bens para fora de Portugal, sendo certo que esse facto pode não prejudicar a aplicação da isenção de IVA." (7) Por fim, cumpre relevar que não assiste, igualmente, razão à Recorrente quanto à questão da divergência atinente à própria classificação das mercadorias, na medida em que não se vislumbra, de todo, que as faturas emitidas pelos f. C., SA não tenham respaldo na fatura visada e inerente guia de remessa, conforme resulta do teor das alíneas I) e J) da factualidade assente. E por assim ser, há que concluir que resulta demonstrada a prova do circuito dos bens, inerente saída do EM de origem para o EM de entrada, no caso, como visto Espanha, estando, por isso, verificados os pressupostos atinentes à isenção por força do já citado artigo 14.º do RITI, conforme aduzido, e bem, pelo Tribunal a quo. E por assim ser, o ato impugnado padece de vício de violação de lei, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, donde a decisão recorrida que assim o sentenciou não merece reparo. Destarte, face a todo o exposto, improcede, na totalidade, o alegado pela Recorrente, mantendo-se, integralmente, a decisão recorrida na ordem jurídica. *** IV. DECISÃO Face ao exposto, acorda-se em conferência na SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, do Tribunal Central Administrativo Sul, em Negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida. Lisboa, 19 de dezembro de 2023
(Tânia Meireles da cunha)
1) in Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do IDEFF, n.º I, 2005, p. 213 2) Filipe Duarte Neves, Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias anotado e comentado: Quid Juris, pp.144 e 145. 3) In Boletim de Ciências Económicas, Homenagem ao Prof. Doutor António José Avelãs Nunes, “A Prova da expedição e o direito à isenção das transacções intracomunitárias”, Volume LVII, Tomo I, Coimbra, 2014, pp. 707 e 708. 4) In Ob. Cit, pp.711 e 712. 5) In Revista Finanças Públicas e Direito Fiscal: Ano 6, Número 3, Outono, “Transmissões “B2B” de bens intra-UE isentas de IYA A Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia”, pág.187. 6) Vide, Ob. Cit, supra, pág. 192. 7) In RITI, anotado, Ob. Cit.pág. 147. |