Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1203/22.2 BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:01/24/2024
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:ACÇÃO PARA O RECONHECIMENTO DE UM DIREITO OU INTERESSE LEGÍTIMO EM MATÉRIA TRIBUTÁVEL
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
Sumário:I - A acção para reconhecimento de um direito assume, conforme é reconhecido pela jurisprudência e pela doutrina dominante, um carácter complementar dos demais meios processuais, e não um meio alternativo ou subsidiário.
II - Como meio complementar que é, esta acção só pode ser utilizada quando for o meio mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva dos seus direitos, estando, pois, condicionada à inexistência de outro meio contencioso que permita assegurar a obtenção dos efeitos jurídicos pretendidos.
III - O artigo 140.º, n.º 2 do CIRS estabelece a obrigatoriedade de submeter à AT uma reclamação graciosa como condição prévia para alcançar a impugnação da liquidação do imposto, em caso de erro na declaração de rendimentos.
IV - A AT não está obrigada a convolar a declaração de substituição em reclamação graciosa, quando a mesma se mostra intempestiva, e não padecendo de erro a autoliquidação de IRS do ano de 2018, nem tendo sido apresentado pedido de revisão não se encontravam reunidos requisitos para a AT proceder à revisão oficiosa da liquidação subsequente à apresentação da autoliquidação de 2019, no prazo previsto no artigo 57.º, n.º 1 da LGT.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais: Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Subsecção Comum do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. A........ e mulher M........, vieram interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, proferida em 15/07/2023, que, no âmbito da ação para o reconhecimento de um direito em matéria tributária intentada de acordo com o artigo 145.º do CPPT, julgou procedente a exceção dilatória de erro na forma de processo e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública da instância.

2. Os Recorrentes apresentaram as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«A) – A ação para reconhecimento de direito em matéria tributária é um meio complementar e não um meio residual dos restantes meios previstos no contencioso tributário, e que pode ser usado quando for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efetiva do direito ou interesse invocada pelo contribuinte (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02/11/2005, proferido no processo n.º 0632/05, entre outros).

B) – Ora, no caso em apreço a pretensão deduzida pelos autores /recorrentes foi o direito a ser tributado em IRS pela globalidade dos rendimentos auferidos no ano de 2018, englobando no rendimento tributável desse ano os rendimentos de capitais auferidos, conforme previsto no art.º 58º, n.º 1 alínea a) e n.º 4 do CIRS, direito esse que implica a liquidação da declaração de substituição entregue em 15/06/2022.

C) – Só através da ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária é que os recorrentes poderão obter o reconhecimento da situação jurídica individualizada e objeto da presente ação. D) – Na verdade, é através deste meio que os recorrentes poderão ver reconhecido, perante a AT, um direito subjetivo relativamente às declarações fiscais e englobamento dos rendimentos de capitais sujeitos a taxas liberatórias e ao direito de serem tributados pela totalidade dos rendimentos auferidos no ano de 2018, de acordo com a taxa progressiva de IRS aplicável ao rendimento tributável, direito este que só se tornará efetivo, com a liquidação da declaração de substituição de IRS do ano de 2018.

E) – Perante a existência de uma determinada configuração da sua posição perante a Administração Tributária, os recorrentes não podem recorrer a outro meio processual, entre os elencados no art.º 101º da LGT.

F) – Nem se diga, que face à norma do n.º 2 do art.º 140º do CIRS, já havia caducado o direito do recorrente, por ter sido ultrapassado o prazo de dois anos para correção de erros nas declarações de rendimentos.

G) – Pois se a AT pode liquidar imposto sobre os rendimentos no prazo de quatro anos a contar do facto tributário, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 45º da LGT, não está caduco o direito à tributação dos rendimentos auferidos em 2018.

H) – Logo, era possível à AT efetuar a liquidação até ao termo do ano de 2022 para o ano 2018, sendo que a declaração de substituição foi entregue em 15/06/2022.

I) – De facto, prevendo a lei a possibilidade de a AT corrigir e tributar eventuais omissões de rendimentos no prazo de quatro anos, não há razão para que idêntico direito não deva ser reconhecido ao recorrente, devendo ser tributados os seus rendimentos de capitais com sujeição às regras de englobamento nos termos previstos pelo artigo 58º do CIRS, o que implica, necessariamente, a liquidação da declaração de substituição entregue pelos recorrentes em 15/06/2022.

J) – Por outro lado, o legislador admite que é uma livre escolha do contribuinte a declaração e o englobamento dos rendimentos de capitais já sujeitos a taxas liberatórias, pelo que estamos em presença de uma faculdade e não de uma sujeição, funcionado em benefício concreto do contribuinte e não do Estado / AT.

K) – Ora, sendo uma faculdade que a lei confere ao contribuinte, é permitido, à face da lei, que este adote um comportamento fiscal e submeta a declaração fiscal de rendimentos de acordo com o melhor sacrifício fiscal.L) – A AT, ao não liquidar as declarações mod. 3 de substituição, não reconhece a permissão legal consagrada na lei de o recorrente ser tributado pela totalidade dos rendimentos auferidos (incluindo, portanto, os rendimentos de capitais), com a opção de os mesmos serem englobados, sendo que, ao considerar extemporânea a declaração fiscal de substituição, não pode o recorrente concretizar o direito, plasmado na lei, de, até ao prazo de caducidade do direito à liquidação, ser tributado em sede de IRS de forma progressiva de acordo com o rendimento total auferido, conforme preconiza a Constituição da República Portuguesa.

M) – Assim, os recorrentes recorreram, e bem, à ação para reconhecimento de um direito em matéria tributária por ser o meio adequado que ver reconhecido o direito ao englobamento que a lei atribui aos contribuintes no que diz respeito aos rendimentos de capitais sujeitos a taxas liberatórias e em respeito ao princípio da progressividade do IRS preconizado pela CRP e concretizado no CIRS.

N) – Sobre este tema pronunciou-se recentemente o TCA-Sul, no douto acórdão proferido no processo 1101/20.4BELRA, nos seguintes termos: “Acolhendo este entendimento e transpondo-o para a situação em apreço, torna-se imperioso concluir que face à causa de pedir, o pedido não pode deixar de ser interpretado em sentido diferente daquele que foi expresso na pi., já que, implicitamente o que vem esgrimido é, como se disse, o direito à liquidação do imposto que resultar dos rendimentos declarados nas declarações de substituição dos anos de 2016 e 2017 que apresentou em 16/10/2020 e 04/09/2020, respetivamente, com Anexo E, onde foram declarados os rendimentos de capitais, com opção pelo englobamento sendo, como está bom de ver, o direito que pretende ver reconhecido é o direito a essas liquidações. (...)

Encetamos por dizer que não se retira da leitura dos argumentos inicialmente aduzido, nem tão pouco das alegações do presente recurso que dali venha invocada qualquer ilegalidade ao ato de liquidação, sendo que, como dissemos, o que se pretende é que este seja emitido, logo o meio próprio não é a impugnação judicial (artigo 97º, n.º 1 al. a) e d) do CPPT), por outro lado, havendo, como vimos que há, omissão por parte da AT da pratica do ato pretendido, sempre se poderia equacionar se o meio não seria a Ação Administrativa Especial na modalidade de ação de condenação à pratica do ato devido (...) Tendo presente o raciocínio que acabamos de enunciar, somos de concluir que este meio também não é o próprio, atento as razões invocadas pela AT se mostram, em si, formalmente obstativas, à obtenção da pretensão implicitamente formulada pelos Autores. (...)

O que significa que a AT se sustentou no entendimento de que não poderia dar tratamento às declarações de substituição de IRS dos exercícios de 2016 e 2017 apresentadas pelos contribuintes em 16/10/2020 e 04/09/2020 por se verificar ultrapassado o prazo de dois anos a contar do termos do prazo legal para entrega da declaração conforme estabelece o n.º 2 do artigo 140º do CIRS.

Citamos, a este propósito, Jorge Lopes de Sousa que pronunciando-se quanto ao erro na forma do processo, destaca o princípio da colaboração recíproca da administração tributária e dos contribuintes, de onde assoma, como corolário mínimo, que estes não percam direitos substantivos por meras razões formais, «será de efectuar a convolação quando o contribuinte utilizou um meio procedimental que, em princípio, é adequado, mas a utilização ocorre fora do prazo legal e há outro meio procedimental – com prazo mais longo, que ainda possa ser utilizado para, mesmo de forma menos intensa, dar alguma satisfação à pretensão do contribuinte.”

Neste âmbito, secundamos o juízo que se destaca do princípio da colaboração recíproca da administração tributária e dos contribuintes, que aflora, como corolário mínimo, que estes não percam direitos substantivos por meras razões formais e partindo do pedido implícito formulado pelos autores – de ver reapreciada a liquidação com englobamento pretendido, considerando que o meio próprio para fazer valer o direito pretendido é de facto a ação de reconhecimento de direito.”.

O) – Pelo exposto, conclui-se que a douta sentença recorrida assenta num erro de interpretação do disposto no art.º 145º do CPPT, em conjugação com o direito de opção de englobamento previsto na alínea a) do n.º 1 e n.º 4 do artigo 58.º do CIRS.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, anulando-se a douta sentença recorrida, julgando procedente o pedido formulado pelo recorrente na petição inicial.»

3. A recorrida, Fazenda Pública, apresentou contra-alegações, onde formulou as seguintes conclusões: «a) A decisão recorrida não é merecedora de qualquer reparo, sendo a sua interpretação e conclusão as únicas juridicamente possíveis, atento o quadro legal vigente, inexistindo assim qualquer vício que inquine a sua validade.

b) Ora, a ação para reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido encontra-se legalmente prevista no art.º 145.º do CPPT e tem como escopo assegurar o direito à tutela judicial efetiva, garantindo aos administrados, por observância de princípios de índole constitucional, mais precisamente na esteira do n.º 4 do art.º 268.º da CRP, o acesso aos tribunais de modo a assegurar o reconhecimento dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos em matéria tributária.

c) Como resulta da própria letra da lei, “As ações apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efetiva do direito ou interesse legalmente protegido” (sublinhado e destaques nossos) – cfr. n.º 3 do art.º 145.º do CPPT.

d) Com efeito, e conforme refere a bem elaborada sentença do Tribunal a quo: “Resulta do citado n.º 3 que este meio processual apenas pode ser utilizado se for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efetiva do direito ou interesse legalmente protegido, assumindo uma complementaridade, condicionada, portanto, à inexistência de outro meio contencioso, que permita assegurar adequada e eficazmente a obtenção dos efeitos jurídicos pretendidos.
(…) conforme explicita JORGE LOPES DE SOUSA, “o pensamento do legislador constitucional e ordinário ao instituir o meio processual da ação para o reconhecimento de um direito foi o de facultar aos cidadãos um sistema de defesa contenciosa, quanto possível complexo, face a condutas da Administração lesivas dos seus direitos ou interesses juridicamente tutelados, colmatando as lacunas que o esquema tradicional oferecia.
Daí que se recuse a esse meio processual a função de uma segunda garantia de recurso aos tribunais, perdida a primeira pela preclusão do respetivo prazo” - cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Vol. II, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, p. 505.”
e) Ora, no caso em apreço os AA./RR. dispunham do “prazo de dois anos a contar do termo do prazo legal para a entrega da declaração”, conforme estatuído no n.º 2 do art.º 140.º do CIRS, e foi precisamente por respeito a este prazo legal que as declarações de substituição relativas aos rendimentos auferidos nos anos de 2019 e 2020, foram aceites pela AT e consequentemente liquidadas e os montantes nelas apurados reembolsados,
f) Tendo sido, rigorosamente pelo mesmo motivo que a declaração de substituição apresentada pelos ora AA. relativa aos rendimentos auferidos no ano de 2018, não foi liquidada,
g) Com efeito, os RR, poderiam ter corrigido o erro, constante da declaração anteriormente entregue, e a si imputável, através da submissão de declaração de substituição até 30-06-2021, respeitante aos rendimentos auferidos no ano de 2018, o que não aconteceu.
h) Porquanto, e como ficou provado nos presentes autos, os RR. entregaram a declaração de substituição do IRS do ano de 2018, somente em 2022.
i) Como refere a sentença recorrida: “(…) em rigor, o que os Autores pretendem é a emissão de uma nova liquidação relativa ao ano de 2018 que venha substituir a que originalmente foi emitida na sequência da declaração apresentada pelos Impugnantes em 2019, eliminando-a da ordem jurídica, invocando para tanto o seu próprio erro, resultante de não terem declarado os seus rendimentos de capitais e optado pelo englobamento dos mesmos – cfr. pontos 1) e 2) da fundamentação de facto.
Sucede que tal desiderato poderia ter sido obtido através da Impugnação Judicial apresentada, designadamente, na sequência do indeferimento de reclamação graciosa apresentada nos termos do artigo 140.º, n.º 2, do CIRS, a qual, conforme daí resulta, sempre teria de ser apresentada no prazo de dois anos a contar do termo do prazo legal para a entrega da declaração.” (negrito nosso)
j) Concluindo, e bem, a douta sentença recorrida que: “(…) a ação para o reconhecimento do direito não é o meio adequado, à luz do citado n.º 3 do artigo 145.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, tendo o contribuinte deixado precludir o direito de acesso a outra(s) garantia(s) previstas no contencioso tributário, como a enunciada supra. Verifica-se, assim, o erro na forma do processo utilizada nos presentes autos.
k) Refere ainda a douta sentença recorrida: “(…) e considerando que, nos termos do artigo 130.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, não é lícito realizar no processo atos inúteis, e que pelos motivos expostos a convolação deste processo consubstanciaria um ato inútil, o Tribunal encontra-se impedido de a ordenar.Por tudo quanto se disse, terá de proceder a exceção dilatória de nulidade de todo o processo por erro na forma do mesmo, que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto nos artigos 576º, nº 2, 577º e 278º, nº 1, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 2º, alínea e), do CPPT.
A procedência desta exceção obsta ao conhecimento do mérito da causa, impondo ao tribunal que se abstenha de conhecer do pedido e absolva o Réu da instância, em obediência às normas legais citadas.”
l) Assim, bem andou a decisão recorrida quando julgou procedente “a exceção dilatória de nulidade de todo o processo por erro na forma do mesmo e, consequentemente, absolvo a Fazenda Pública da instância.”
m) Não merecendo a sentença impugnada qualquer censura, uma vez que a sentença recorrida fez uma correta interpretação e aplicação das normas legais vigentes, não se verificando os vícios que os Recorrentes lhe assacam, e nem a alegada “errónea interpretação e aplicação da norma de direito aplicável ao caso
Termos em que, e com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado improcedente, devendo, em consequência, ser confirmada a douta Sentença recorrida.»
3. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador – Geral Adjunto, emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso apresentado.

4. Com dispensa dos vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.


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II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença enferma de erro de julgamento de direito ao ter julgado verificada a excepção dilatória consistente no erro na forma de processo, por errada interpretação do disposto no art.º 145.º do CPPT, em conjugação com o direito de opção de englobamento previsto na alínea a) do n.º 1 e n.º 4 do artigo 58.º do CIRS.

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III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto:

«1) Os aqui Autores entregaram dentro do prazo legal, no ano de 2019, a declaração modelo 3 de IRS, respeitante aos rendimentos do ano 2018 – cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial;

2) A declaração fiscal referida no ponto anterior deu origem à demonstração de liquidação de IRS n.º …….15, através da qual foi apurado o imposto a reembolsar no montante de 5.024,70 EUR - cfr. documento n.º 2 junto com a petição inicial;

3) Os Autores entregaram, em 15-06-2022, declaração de substituição modelo 3 de IRS, respeitante aos rendimentos do ano 2018, na qual declararam rendimentos de capitais que não haviam declarado em 2018 e optaram pelo englobamento de todos os rendimentos declarados - cfr. documentos n.ºs 3 e 4 juntos com a petição inicial;

4) A declaração fiscal referida no ponto anterior foi validada, mas foi classificada como não liquidável - cfr. documento n.º 4 junto com a petição inicial.»


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2. DE DIREITO

A questão a apreciar é a de saber se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar verificada a excepção dilatória de nulidade de todo o processo, por erro na forma do processo.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria entendeu que a acção para o reconhecimento do direito não é o meio adequado, à luz do n.º 3, do artigo 145.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), para a emissão de uma nova liquidação relativa ao ano de 2018, que venha substituir a que foi emitida na sequência da apresentação da declaração, Modelo 22, dentro do prazo legal, por o contribuinte ter deixado precludir o direito de acesso a outra(s) garantia(s) previstas no contencioso tributário.
Os Recorrentes insurgem-se contra o assim decidido, alegando, em suma, que só com a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legitimo em matéria tributável é que poderão obter o reconhecimento de serem tributados em IRS pela globalidade dos rendimentos auferidos no ano de 2018, englobando no rendimento tributável desse ano os rendimentos de capitais auferidos, conforme previsto no artigo 58.º, n.ºs 1, alínea a) e 4 do CIRS, direito esse que implica a liquidação da declaração de substituição entregue em 15/06/2022.

Mais alegam que perante a existência de uma determina configuração da sua posição perante a Administração Tributária, os recorrentes não podem recorrer a outro meio processual, entre os elencados no artigo 101.º da LGT.

Invocam ainda que se a AT pode liquidar imposto sobre os rendimentos no prazo de 4 anos a contar do facto tributário, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 45.º da LGT, pelo que não está caduco o direito à tributação dos rendimentos auferidos em 2018, sendo que a declaração de substituição foi entregue em 15/06/2022.

A Recorrida sustenta a sentença recorrida, defendendo que fez uma correcta interpretação e aplicação das normas legais vigentes.

Vejamos.

A decisão da primeira instância apreciou a invocada excepção dilatória de nulidade de todo o processo por erro na forma do processo da seguinte forma:

«Estabelece o artigo 145.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, designadamente, o seguinte:

“1 - As ações para obter o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido em matéria tributária podem ser propostas por quem invoque a titularidade do direito ou interesse a reconhecer.

2 - O prazo da instauração da ação é de 4 anos após a constituição do direito ou o conhecimento da lesão do interessado. 3 - As ações apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efetiva do direito ou interesse legalmente protegido. (…)”

Resulta do citado n.º 3 que este meio processual apenas pode ser utilizado se for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efetiva do direito ou interesse legalmente protegido, assumindo uma complementaridade, condicionada, portanto, à inexistência de outro meio contencioso, que permita assegurar adequada e eficazmente a obtenção dos efeitos jurídicos pretendidos.

Com efeito, conforme explicita JORGE LOPES DE SOUSA, “o pensamento do legislador constitucional e ordinário ao instituir o meio processual da ação para o reconhecimento de um direito foi o de facultar aos cidadãos um sistema de defesa contenciosa, quanto possível complexo, face a condutas da Administração lesivas dos seus direitos ou interesses juridicamente tutelados, colmatando as lacunas que o esquema tradicional oferecia. Daí que se recuse a esse meio processual a função de uma segunda garantia de recurso aos tribunais, perdida a primeira pela preclusão do respetivo prazo” - cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Vol. II, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, p. 505.

Sendo certo que a jurisprudência tem vindo a admitir a utilização deste meio processual quando, apesar de existir um ou mais atos da administração tributária impugnáveis, o interessado pretenda uma decisão judicial que vincule a administração tributária não só quanto aos atos já praticados, mas também no futuro, o que não é o caso, porquanto apenas está em causa a liquidação relativa ao ano de 2018.

Ora, em rigor, o que os Autores pretendem é a emissão de uma nova liquidação relativa ao ano de 2018 que venha substituir a que originalmente foi emitida na sequência da declaração apresentada pelos Impugnantes em 2019, eliminando-a da ordem jurídica, invocando para tanto o seu próprio erro, resultante de não terem declarado os seus rendimentos de capitais e optado pelo englobamento dos mesmos – cfr. pontos 1) e 2) da fundamentação de facto.

Sucede que tal desiderato poderia ter sido obtido através da Impugnação Judicial apresentada, designadamente, na sequência do indeferimento de reclamação graciosa apresentada nos termos do artigo 140.º, n.º 2, do CIRS, a qual, conforme daí resulta, sempre teria de ser apresentada no prazo de dois anos a contar do termo do prazo legal para a entrega da declaração.
Deste artigo conjugado com o n.º 5 do artigo 59.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que estabelece que a “declaração de substituição entregue no prazo legal para a reclamação graciosa, quando a administração tributária não proceder à sua liquidação, é convolada em reclamação graciosa, de tal se notificando o sujeito passivo”, resulta inequivicamente que a declaração de substituição tem de ser apresentada no referido prazo de dois anos, sob pena de, na sequência da sua não liquidação, nem sequer resultar a sua convolação em reclamação graciosa, daqui decorrendo que para além daquele limite de dois anos a mesma deverá ser considerada intempestiva, pelo menos nas situações em que esteja em causa erro na declaração apresentada pelo sujeito passivo por motivo que não é imputável à administração, como é o caso dos autos (atenta a alegação dos próprios Autores).

Assim, a ação para o reconhecimento do direito não é o meio adequado, à luz do citado n.º 3 do artigo 145.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, tendo o contribuinte deixado precludir o direito de acesso a outra(s) garantia(s) previstas no contencioso tributário, como a enunciada supra.

Verifica-se, assim, o erro na forma do processo utilizada nos presentes autos.»

Sufragamos inteiramente o entendimento vertido na decisão da primeira instância.

A acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária não é o processo próprio para apreciar do direito à liquidação de imposto relativo a rendimentos de capital declarados no anexo E de uma declaração de substituição.

Efectivamente, a acção para reconhecimento de um direito assume, conforme é reconhecido pela jurisprudência e pela doutrina dominante, um carácter complementar dos demais meios processuais, e não um meio alternativo ou subsidiário.

Como meio complementar que é, esta acção só pode ser utilizada quando for o meio mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva dos seus direitos, estando, pois, condicionada à inexistência de outro meio contencioso que permita assegurar a obtenção dos efeitos jurídicos pretendidos.
Está em causa o reconhecimento a uma nova liquidação de imposto decorrente da declaração de substituição apresentada pelos Recorrentes em 15/06/2022 respeitante ao ano de 2018, que engloba rendimentos de capitais a que se refere a alínea a), do n.º 1, do artigo 58.º do CIRS, a qual foi validada pela AT, mas classificada como não liquidável.

Pelo que já se deixou expresso supra, verifica-se a falta de idoneidade do presente meio processual.

Contudo, diga-se, desde já, que os Recorrentes não estavam legalmente impedidos de apresentar a declaração de substituição.

Porém, as declarações de substituição estão sujeitas aos condicionalismos previstos no artigo 59.ºdo CPPT.

O n.º 6, do referido artigo preceitua: «Da apresentação das declarações de substituição não pode resultar a ampliação dos prazos de reclamação graciosa, impugnação judicial ou revisão do acto tributário, que seriam aplicáveis caso não tivessem sido apresentadas.»

Por sua vez, o n.º 2, do artigo 140.º do CIRS dispõe «Em caso de erro na declaração de rendimentos, a impugnação é obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa a apresentar no prazo de dois anos a contar do termo do prazo legal para a entrega da declaração.

O artigo 140.º, n.º 2 do CIRS estabelece a obrigatoriedade de submeter à AT uma reclamação graciosa como condição prévia para alcançar a impugnação da liquidação do imposto, em caso de erro na declaração de rendimentos.

Assim, a norma acaba de citar impõe, caso o contribuinte interponha uma impugnação sem ter previamente deduzido a reclamação graciosa, a rejeição liminar da petição inicial ou, em momento posterior, a improcedência do pedido.

No caso vertente a declaração de substituição ocorreu em 15/06/2022 (cfr. n.º 3 do probatório), muito depois do prazo de 2 anos.Por outro lado, os Recorrentes também não pediram a revisão do acto tributário de liquidação relativo à declaração de rendimentos de 2018 apresentada dentro do prazo legal (cfr. pontos n.º 1 e 2 do probatório), ao abrigo do disposto no artigo 78.º, n.ºs 1 e 2 da LGT.

Acresce referir que a declaração modelo 3 de IRS, respeitante ao ano de 2018, apresentada dentro do prazo legal, no ano de 2019, não padece de erro material ou de direito, visto que, de acordo com a alegação dos Recorrentes, foi apresentada nos termos do disposto no artigo 58.º, n.º 1, alínea a) do CIRS, estando, pois, tais rendimentos dispensados de ser englobados na declaração anual de rendimentos, Modelo 22.

Como referem os Recorrentes na alínea J) das conclusões da alegação de recurso «(…) o legislador admite que é uma livre escolha do contribuinte a declaração e o englobamento dos rendimentos de capitais já sujeitos a taxas liberatórios, pelo que estamos em presença de uma faculdade e não de uma sujeição, funcionando em benefício concreto do contribuinte e não do Estado/AT.»

Porém, tal dispensa de apresentação de declaração não impede os sujeitos passivos, querendo, de apresentarem declaração de rendimentos nos termos gerias, de acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 58.º do CIRS.

Mas, querendo, terão de observar os prazos e meios de reacção previstos na lei.

Alegam os Recorrentes que se a lei prevê a possibilidade de a AT corrigir e tributar eventualmente omissões de rendimentos no prazo de quatro anos, e que não há razão para que idêntico direito não deva ser reconhecimento ao recorrente.

O regime legal a que os Recorrentes se referem sem, contudo, o citarem, é o ínsito no artigo 78.º da LGT.

Nos termos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, a revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.E o n.º 2 do citado artigo preceitua sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação.

A jurisprudência dos tribunais superiores tem vindo a pronunciar-se de forma reiterada e unanime de que o contribuinte pode pedir à Administração Tributária a revisão oficiosa, por erro imputável aos serviços no prazo de que aquela dispõe, ou seja no prazo de 4 anos após a liquidação, e a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago.

Concluindo, o facto de ter decorrido o prazo de reclamação graciosa do acto de autoliquidação, não impedia os Recorrentes de pedir a revisão oficiosa, com os efeitos próprias desta, limitados à cessação dos efeitos do acto, dentro do prazo legal em que a Administração Tributária a podia efectuar (artigo 131.º do CPPT e 78.º da LGT).

No entanto, os Recorrentes não deduziram pedido de revisão no prazo de 4 anos previsto no n.º 1, do artigo 78.º da LGT, sendo pacífico que a iniciativa da Administração Tributária dentro desse prazo pode ser desencadeada pelo contribuinte, nos casos de erro na autoliquidação, por o n.º 2 do artigo 78.º da LGT o equiparar a erro imputável aos serviços, não sendo, neste caso, bastante a existência de qualquer ilegalidade, uma vez que é um pedido do contribuinte efectuado após o prazo de lhe é concedido para deduzir reclamação graciosa.

Ora, de acordo com a alegação dos Recorrentes a declaração de rendimentos do ano de 2018 apresentada em 2019, não padece de qualquer ilegalidade.

Aqui chegados, impõe-se concluir que a AT não está obrigada a convolar a declaração de substituição em reclamação graciosa, quando a mesma se mostra intempestiva, e não padecendo de erro a autoliquidação de IRS do ano de 2018, nem tendo sido apresentado pedido de revisão não se encontravam reunidos os requisitos para a AT proceder à revisão oficiosa da liquidação subsequente à apresentação da autoliquidação de 2019, no prazo previsto no artigo 57.º, n.º 1 da LGT.

Pelo exposto, não se mostra legalmente admissível a convolação da petição inicial de acção para o reconhecimento de um direito em matéria tributária em outra forma processual, como bem decidiu a primeira instância. Termos em que, sem necessidade de mais amplas considerações, impõe-se concluir pela improcedência de todas as conclusões de recurso, negando-se provimento ao mesmo.


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Conclusões/Sumário:

I - A acção para reconhecimento de um direito assume, conforme é reconhecido pela jurisprudência e pela doutrina dominante, um carácter complementar dos demais meios processuais, e não um meio alternativo ou subsidiário.

II - Como meio complementar que é, esta acção só pode ser utilizada quando for o meio mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva dos seus direitos, estando, pois, condicionada à inexistência de outro meio contencioso que permita assegurar a obtenção dos efeitos jurídicos pretendidos.

III - O artigo 140.º, n.º 2 do CIRS estabelece a obrigatoriedade de submeter à AT uma reclamação graciosa como condição prévia para alcançar a impugnação da liquidação do imposto, em caso de erro na declaração de rendimentos.

IV - A AT não está obrigada a convolar a declaração de substituição em reclamação graciosa, quando a mesma se mostra intempestiva, e não padecendo de erro a autoliquidação de IRS do ano de 2018, nem tendo sido apresentado pedido de revisão não se encontravam reunidos requisitos para a AT proceder à revisão oficiosa da liquidação subsequente à apresentação da autoliquidação de 2019, no prazo previsto no artigo 57.º, n.º 1 da LGT.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Subsecção Comum do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelos Recorrentes.

Notifique.


Lisboa, 24 de Janeiro de 2024.



Maria Cardoso - Relatora
Jorge Cortês – 1.ª Adjunto
Ana Cristina Carvalho – 2.ª Adjunta

(assinaturas digitais)