Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1048/06.7BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:04/07/2022
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:IRC
PROVISÕES
PROVA PERICIAL
GASTOS COM REFORMAS ANTECIPADAS
Sumário:I - Deve ser ordenada oficiosamente a prova pericial, nos termos do art. 116.º, n.º 2 do CPPT, quando a perceção e a apreciação de factos exigem conhecimentos especiais que o julgador não possui, sendo necessário o parecer de técnicos especializados;
II - A AT não pode efetuar uma correção relativa a “reformas antecipadas”, nomeadamente limitando os respetivos quantum dos custos dedutíveis anualmente, com fundamento no princípio da especialização dos exercícios e orientações administrativas, quando a repartição anual desses custos se encontra regularmente inscrita na contabilidade de acordo com as regras contabilísticas legalmente aplicáveis à Impugnante enquanto Instituição Financeira, nomeadamente de acordo com as regras emanadas pelo Banco de Portugal, quando a lei fiscal, in casu, o CIRC, não prevê expressamente, qualquer restrição à dedutibilidade destes custos regularmente contabilizados, tal como resulta da aplicação do disposto na na alínea a), do n.º 3, do art. 17.º do CIRC.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

B…., S.A., veio deduzir Impugnação Judicial contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa, versando sobre a liquidação de IRC nº 2005 8310006417 do ano de 2002 e respectivos juros e demonstração de acertos n.º 2005 00000052175, no montante de 3.754.756,64€.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 12 de outubro de 2015, julgou i) extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide quanto aos ajustamentos favoráveis decorrentes da correcção no valor de € 293.356,42, a título de provisões para depreciação de títulos e imobilizações financeiras efectuada ao exercício de 2001 e ii) parcialmente procedente a impugnação judicial.

Inconformado, o B…, S.A., veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:
«1.ª A sentença recorrida julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida pelo Recorrente contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa, que teve por objeto a liquidação de IRC n.º 2005 8500040333, respetivos juros compensatórios e demonstração de acerto de contas n.º 2005 00005538213, respeitante ao exercício de 2002;

2.ª A sentença deu como provada a seguinte factualidade:

A) O Impugnante encontra-se coletado em sede de IRC pelo exercício da atividade bancária (cf. fls. 221 do processo administrativo apenso);

B) A Administração Tributária procedeu a correções à declaração de modelo 22 de IRC do ano de 2002, apresentada pelo impugnante, na sequência de inspeção tributária, no seguimento de que foi emitida a nota de liquidação de IRC n.º 2005 8310006417 do ano de 2002 e respetivos juros e demonstração de acertos n.º 2005 00000052175, no montante de € 3.754.756,64, com data limite de pagamento em 15/06/2015, tendo a impugnante deduzido reclamação graciosa em 21/07/2005 (cfr. fls. 129 dos presentes autos, fls. 197 e 198 do processo administrativo e fls. 2 e segs. do procedimento de reclamação graciosa);

C) O impugnante deduziu impugnação da liquidação adicional relativa ao exercício de 2001, que correu termos no Tribunal Tributário de Lisboa, com o n.º 1047/06.9BELSB, onde, para além do mais, sindicou as desconsiderações fiscais das provisões para créditos de cobrança duvidosa, no montante de € 667.311,19 e das provisões para depreciação de títulos e imobilizações financeiras, no montante de € 293.356,42 (cfr. fls 255 a 310);

D) Em 21/07/2005, o impugnante procedeu ao pagamento por conta, com referência à liquidação identificada na alínea b) supra, relativamente à correção com que se conformou, no montante de € 153.787,50 (cfr. fls. 126 e artigo 16º da p.i.);

E) Na sequência da dedução da reclamação graciosa, em 02/08/2005, o impugnante prestou garantia bancária n.º 013/2015 para garantir o pagamento da quantia que possa vir a ser exigida no processo de execução fiscal que vier a ser instaurado para cobrança coerciva da liquidação de IRC do ano de 2002, a que se refere a alínea b) supra (cfr. fls. 206 do processo administrativo apenso);

F) Das correções efetuadas pela inspeção tributária o impugnante manifestou discordância, relativamente às seguintes correções ao resultado tributável:

i. Provisões para riscos gerais de crédito, no montante de € 9.434.534,43;

ii. Não aceitação de custos com reformas antecipadas, no montante de € 787.530,39;

As quais fundamentam-se no seguinte:
«III – 1.1.1.1. Provisões para riscos gerais de crédito (art. 34.º, alínea d) do CIRC) - Eur. 9.434.534,43
[transcrição da fundamentação da correção constante do RIT, fls. 215 a 245 do processo administrativo – pp. 4 e 5 da sentença recorrida]
«III- 1.2. Reformas antecipadas (art. 23.º, n.º 4 do CIRC)
[transcrição da fundamentação da correção constante do RIT, fls. 215 a 245 do processo administrativo – pp. 6 e 7 da sentença recorrida]
Na sequência do direito de audição a correção anteriormente proposta foi reduzida para Eur. 787.530,39 (cf. ponto IX – 1.2. do RIT)».

G) Em 31/12/2002 a rubrica “619 – Provisões diversas – P/ riscos gerais de crédito”, constante do balancete global da impugnante, apresenta um saldo no valor de Eur. 114.196.576,31, respeitando o montante de Eur. 114.194.764,53 à atividade sujeita a tributação pelo regime geral de IRC (cfr. RIT-fls. 108 dos presentes autos; artigo 82.º da p.i.);

H) A impugnante juntou à reclamação graciosa, como documento n.º 5, mapa de apuramento da provisão para riscos gerais de crédito (cfr. fls. 82 e 83 do procedimento de reclamação graciosa);

I) A impugnante juntou à reclamação graciosa, como documento n.º 6, relação de clientes com necessidade de ajustamento de provisões (cfr. fls. 276 a 279 do procedimento de reclamação graciosa);

J) O ofício com referência 2160/03/DSBSD, de 21/03/2003, endereçado ao B…, relativo a “Provisões para créditos de cobrança duvidosa”, tem o seguinte teor “Na análise dos mapas de reporte de provisões temos vindo a verificar a existência de um nível de provisionamento para riscos gerais de crédito superior ao mínimo legal, relativamente ao qual os responsáveis dessa instituição nos informaram tratar-se de provisões relativas a riscos específicos de créditos (ainda não vencidos), em relação aos quais não existe obrigatoriedade da sua constituição. Tendo em atenção que na conta de provisão para riscos gerais de crédito não deve ser relevado aquele tipo de provisões, informamos V. Exas. de que as provisões que se encontrem naquelas condições devem ser reclassificadas como provisões para créditos de cobrança duvidosa.” (cf. fls. 132 dos presentes autos);

K) O impugnante, no exercício de 2002, afetou negativamente o lucro tributável, pelo montante de € 14.139.514,20, relativo a reformas antecipadas de trabalhadores, ocorridas nos exercícios de 1995 a 2002;

L) Os montantes pagos pelo fundo de pensões aos trabalhadores do impugnante reformados antecipadamente nos anos de 2000 a 2002, são inferiores ao valor que influenciou negativamente o lucro tributável do impugnante;

M) A impugnação identificada na alínea c) supra, foi julgada procedente quanto às questões relativas às desconsiderações fiscais das provisões para créditos de cobrança duvidosa, no montante de € 667.311,19 e das provisões para depreciação de títulos e imobilizações financeiras, no montante de € 293.356,42, por Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, transitado em julgado em 03/09/2013 (cfr. fls. 370 a 455);

N) A presente impugnação foi apresentada em 21/04/2005 (cfr. carimbo fls. 3).

3.ª No que respeita à correção referente a “provisões para riscos gerais de crédito”, a sentença recorrida concluiu que “(…) não resultou demonstrado que as provisões em causa trata-se de provisões económicas que visavam cobrir riscos específicos dos créditos sobre clientes, pelo que é-lhe aplicável o disposto no n.º 3, do artigo 34.º do CIRC.” (cf. pp. 21-22 da sentença recorrida);

4.ª No que respeita à correção referente a “reformas antecipadas”, aderindo a uma corrente jurisprudencial do Tribunal Central Administrativo Sul, o Tribunal recorrido concluiu que “(…) o Banco só poderá considerar como custo fiscalmente dedutível a parte proporcional das contribuições efetuadas para o Fundo de Pensões, que corresponda aos encargos que suportaria com os trabalhadores, caso fosse este a pagar diretamente as pensões (…). Assim, (…) será aceite para efeitos fiscais o montante total pago pelo Fundo de Pensões aos trabalhadores (…) não podendo ser considerado neste âmbito o valor correspondente ao desfasamento entre o montante correspondente a um décimo dos encargos com a dotação global (como pretende a Recorrida), caso o mesmo se revele (como sucede no caso presente) superior ao montante total pago pelo Fundo aos trabalhadores reformados antecipadamente, dando melhor expressão ao comando do art. 23.º do CIRC (…).” (cf. pp. 28-30 da sentença recorrida);

5.ª No que se refere à correção relativa às “provisões para riscos gerais de crédito”, entende o Recorrente que a sentença recorrida incorre em nulidade, por falta de apreciação crítica da prova, nos termos do disposto nos artigos 123.º, n.º 2 e 125.º, ambos do CPPT e dos artigos 154.º e 607.º do CPC, aplicáveis ex vi artigo 2.º do CPPT, na medida em que, para além de não ter dado como provados factos corroborados por documentos juntos aos autos e que não foram impugnados, deixou igualmente de apreciar e valorar prova documental produzida nestes mesmos autos;

6.ª Os documentos n.ºs 7, 8, 9 e 10, cujo teor não foi dado como provado, não foram sequer relevados pelo Tribunal Recorrido;

7.ª Os documentos n.ºs 4, 5, 6 e 14, apesar de elencados na matéria dada como provada na sentença recorrida, não foram devidamente valorados, limitando-se inclusivamente, quanto aos documentos n.ºs 5 e 6, o Tribunal Recorrido a concluir, sem acrescida fundamentação, que “ (…) O impugnante juntou aos autos uma «relação de clientes com necessidade de ajustamento de provisões», que só por si não demonstra que tais créditos têm a natureza de créditos de cobrança duvidosa. Concordamos com a Fazenda Pública quando afirma que dos mapas apresentados pelo impugnante (fls. 134 a 163 dos autos) também não é possível determinar se a provisão foi constituída com a intenção de ser para cobrança duvidosa (…)” (cf. fls. 21-22 da sentença recorrida);

8.ª Estabelece o n.º 2 do artigo 123.º do CPPT que “O juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões”;

9.ª O dever de fundamentação da sentença vem também constitucionalmente consagrado no artigo 205.º da CRP;

10.ª Estabelece ainda o n.º 1 do artigo 125.º do CPPT que “Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão (…)” (sublinhado nosso);

11.ª A falta de expressa fundamentação, da matéria de facto e de direito, também inclui a obrigação de análise crítica de toda a prova produzida nos autos e especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do Tribunal, sob pena de a sentença incorrer em nulidade, por violação do dever de fundamentação;

12.ª Como refere JORGE LOPES DE SOUSA, a nulidade da sentença inclui também a “(…) falta do exame crítico das provas, previsto no n.º 3 do art. 659.º do CPC.” (cf. «Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado», Volume I, 2006, Anotação ao artigo 125.º, p. 906, sublinhado nosso). LUÍS CORREIA DE MENDONÇA e HENRIQUE ANTUNES referem que “(…) a apreciação de cada meio de prova pressupõe o conhecimento do seu conteúdo, a determinação da sua relevância e a sua valoração. (cf. «Dos recursos – regime do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24.08.2009», Quid Juris, Sociedade Editora, p. 240);

13.ª É também este o entendimento perfilhado pelo STA, de que é exemplo o acórdão de 15.04.2009 (proc. n.º 1115/08), onde se lê que “(…) será indispensável (…) que seja efectuada uma apreciação crítica da prova traduzida na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo dos outros.”;

14.ª Pelo que a sentença recorrida padece de manifesta nulidade por falta de apreciação crítica da prova, devendo ser revogada, com este fundamento;

15.ª Revogando-se a decisão recorrida, impõe-se ao Tribunal ad quem que ordene a baixa dos autos à 1.ª instância para a ampliação da matéria de facto, por força do disposto no artigo 662.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT;

16.ª Sem prejuízo do exposto, e admitindo-se que as nulidades da sentença supra referidas não seriam procedentes, o que apenas por dever de patrocínio se concebe, ainda assim sempre seria de anular a sentença recorrida com fundamento em erro de julgamento decorrente da deficiente fixação da matéria de facto e da falta de valoração crítica da prova;

17.ª Com efeito, outros factos deveriam ter sido dados como provados em face de toda a prova produzida nos autos;

18.ª Tivesse o Tribunal recorrido devidamente valorado toda a prova junta, teria alcançado a conclusão de que o Recorrente constituiu provisões para risco de crédito específico, e não para risco geral de crédito, e, em consequência, teria julgado procedente a impugnação judicial apresentada e anulado a correção para o montante de € 44.650,40;

19.ª Em primeiro lugar, no que se refere ao documento n.º 4 (Ofício do Banco de Portugal), e contrariamente à interpretação que do mesmo foi feita pelo Tribunal recorrido, o Banco de Portugal impôs a reclassificação e contabilização daquelas “provisões económicas” como “provisões para outros créditos de cobrança duvidosa”, porque reconheceu que as mesmas respeitavam a situações de risco específico de crédito;

20.ª Por seu turno, do documento n.º 5 é possível extrair que o saldo da conta #610 – Provisões diversas – P/ riscos gerais de crédito a 31 de dezembro de 2012 era de € 114.196.576,31, o qual resulta da soma dos saldos, à mesma data, das contas #6100 – Provisão para crédito concedido (€ 110.762.076,15 – Portugal + € 1.811,78 – Madeira + 1.250.168,18 – Cayman = € 112.014.056,11) e #6101 – Provisão para crédito por assinatura (€ 2.182.520,20), os quais englobam já também o valor das garantias prestadas. O valor de € 114.196.576,31 foi inclusivamente validado pelos serviços de inspeção (cf. ponto 1.1.2 do capítulo III do RIT);

21.ª Do mesmo documento resulta que o montante de “provisão” constituído e associado a cada rubrica das referidas contas representa 1% do “capital” (1,5% no caso de crédito ao consumo), respeitando, assim, o n.º 7 do Aviso n.º 3/95 do Banco de Portugal;

22.ª Resulta também desse documento que a soma da provisão para crédito concedido (excluídas as provisões económicas, meramente contabilísticas), no valor de € 86.353.791,98 (Portugal), de € 1.811,77 (Madeira) e de € 1.250.168,18 (Cayman) com a provisão para crédito por assinatura, no valor de € 2.182.520,20, ascende a € 89.788.292,13 – e é este o único montante efetivamente provisionado para “risco geral de crédito”, na medida em que respeitou a base de incidência e a taxa previstas no Aviso do Banco de Portugal para as provisões deste tipo;

23.ª O remanescente, ou o “excesso”, no valor de € 24.408.284,17 (correspondente à diferença entre o total do saldo da conta #610, de € 114.196.576,31 e o valor de € 89.788.292,13, respeitante à verdadeira provisão para risco geral de crédito), o qual é decomposto pelo valor da provisão para créditos reestruturados (€ 569.165,10) e pelo valor de provisões económicas (€ 23.839.119,07), respeita a uma provisão para risco específico de crédito, não tendo assumido para o seu apuramento a mesma base de incidência ou modo de cálculo que a verdadeira provisão para risco geral de crédito assumiu;

24.ª Todos estes valores coincidem com aqueles indicados no balancete junto aos autos como documento n.º 14, donde se extrai, designadamente, o saldo acumulado na conta #610 de € 114.937.151,75, e que corresponde à “provisão constituída no mês anterior” indicada no documento n.º 5 e que apresenta um saldo final de € 112.944.596,35, tal como o “saldo em 31/12/2002” indicado no documento n.º 5. Assim como coincidem totalmente os saldos finais das contas de provisões #6100, #61001, #61008 e #6101. Aliás, na sentença recorrida dá-se como provado (ponto G) da matéria dada como provada) que no balancete, a conta #610 apresenta um saldo de € 114.194.764,53, o qual corresponde ao total do saldo das contas de provisões para crédito concedido e para crédito por assinatura;

25.ª Por sua vez, o documento n.º 6 consiste na “relação de clientes com necessidade de ajustamento de provisões” e constitui a base de incidência através da qual foi calculada e apurada a provisão para risco específico de crédito, no valor de € 24.408.284,17;

26.ª Do aludido documento resulta uma lista de clientes com créditos reestruturados em relação aos quais se registou no ano de 2002 (face ao ano de 2001 em que o saldo dessa conta era nulo) uma variação que obrigou à constituição de uma provisão, no montante de € 569.165,10, ou seja, não obedecendo à base de incidência e modo de cálculo da verdadeira provisão para risco geral de crédito;

27.ª As provisões económicas respeitam a 70 cliente (cf. doc. 6), e em relação aos quais, devido à variação registada do ano de 2001 para o ano de 2002 obrigou, consoante os casos, ora a um reforço, ora a uma reposição, da provisão já anteriormente constituída;

28.ª Resulta também do aludido documento que o saldo tributado que transitou em balanço, com referência a 31.12.2001, ascendia a € 33.229.003,10, facto confirmado pelos próprios SIT, cf. ponto 1.1.2. do capítulo III do RIT, o qual corresponde ao somatório do saldo a 31.12.2001 das provisões económicas respeitantes aos créditos específicos dos clientes melhor identificados no referido documento;

29.ª Devido às variações registadas ao nível da necessidade de ajustamento de provisões com créditos de clientes específicos, constatou-se que a 31.12.2002 o saldo da conta de provisões económicas ascendia a € 23.839.119,07, o que gerou a necessidade de um ajustamento da provisão (e reposição em proveitos), em 2002, no montante de € 9.389.884,03 (cf. doc. 6);

30.ª Por forma a evidenciar que a constituição destas provisões económicas (e correlativos ajustamentos que se verificaram necessários) têm como base de incidência créditos de clientes concretos e individualizados e, assim, assumindo uma natureza de provisão para risco específico de crédito, juntou o Recorrente aos autos os documentos n.ºs 7, 8, 9 e 10, os quais correspondem aos elementos respeitantes ao crédito e aos extratos de responsabilidades dos Clientes Casal d… e R…, que geraram a maior parcela de reposição da provisão;

31.ª Relativamente a estes documentos o Tribunal recorrido não fez sequer qualquer menção, nem tão pouco, portanto, qualquer valoração probatória dos mesmos;

32.ª No que respeita ao cliente-exemplo Casal d…, resulta do documento n.º 7 que o mesmo apresentava os saldos de responsabilidades e provisões com referência aos anos de 2001 e de 2002 que se enunciam no seguinte quadro:





33.ª Verifica-se, assim, que as provisões económicas associadas aos créditos do Cliente Casal d… sofreram uma redução, no ano de 2002, de € 6.255.565,27 (€ 11.796.570,26 - € 5.541.005,00) (cf. doc.7);

34.ª Verifica-se da “Análise de Responsabilidades” relativa ao Cliente Casal d… que as provisões por referência ao crédito vivo e garantias foram calculadas em 1% e que as provisões por referência ao crédito vencido foram calculadas em 50% e 25%, respeitando, assim, o n.º 4 e o n.º 5 do Aviso 3/95 do Banco de Portugal, não tendo o remanescente, relativo às provisões económicas, obedecido às mesmas bases de incidência (cf. doc. 7). O valor de € 5.541.005,00 é também o que vem indicado no documento n.º 5 como saldo da provisão a 31.12.2002 para o Cliente Casal do Monte;

35.ª Resulta do documento n.º 8, o qual corresponde ao extrato de responsabilidade do Cliente Casal d… retirado do sistema informático do Recorrente, que o mesmo começou a entrar em incumprimento já no ano de 2001;

36.ª Assim, com referência a 31.12.2001, o Recorrente constituiu numa perspetiva de prudência a provisão económica no valor de € 11.796.570,26, a qual foi, então, objeto de tributação, vindo reforçar as provisões para crédito vencido, constituídas nesse mesmo período, de acordo com os limites previstos no Aviso 3/95;

37.ª O risco acrescido detetado no ano de 2001 veio a confirmar-se e agravar-se no ano de 2002, tendo inclusive posteriormente o referido crédito entrado em contencioso (cf. folha relativa à “Análise de Responsabilidades” e folha relativa a “Posição do Cliente” com referência ao ano de 2003 – doc. 7);

38.ª Assim, no exercício de 2002 verificou-se uma redução da provisão específica para crédito (económica) e um concomitante reforço da provisão para crédito vencido, no montante de € 6.255.566,00 e de € 13.252.872,15, respetivamente (cf. docs. 6 e 7). Com efeito, o Recorrente reduziu a provisão económica que havia sido tributada em 2001, em € 6.255.565,27, por via da respetiva reposição em proveitos, passando a mesma a apresentar um saldo que transitou do exercício de 2001 (€ 11.796.570,26), deduzido do valor que foi objeto de reposição em proveitos (€ 6.255.565,27);

39.ª Com referência ao outro cliente-exemplo, R…, resulta do documento n.º 9 que o mesmo apresentava os saldos de responsabilidades e provisões com referência aos anos de 2001 e de 2002 que se enunciam no seguinte quadro:





40.ª Resulta igualmente desse documento que em 2001 a conta de provisões económicas apresentava um saldo de € 2.474.037,57, valor que vem também indicado no documento n.º 5 como saldo da provisão a 31.12.2001 para o Cliente R…;

41.ª Verifica-se, assim, que a conta de provisões económicas associada aos créditos do Cliente R… sofreu uma redução, no ano de 2002, de € 2.474.038,00 (€ 2.474.038,00 - € 2.474.038,00, ficando com saldo nulo);

42.ª Verifica-se também da “Análise de Responsabilidades” relativa ao Cliente R… que as provisões por referência ao crédito vencido foram calculadas em 50%, respeitando, assim, o n.º 5 do Aviso 3/95 do Banco de Portugal (cf. doc. 9);

43.ª Resulta do documento n.º 10, o qual corresponde ao extrato de responsabilidade do Cliente R… que o mesmo encontrava-se numa situação de claro incumprimento, já com referência a 31.12.2001;

44.ª Foi por essa razão que o Recorrente, numa perspetiva de prudência, procedeu em 2001 ao reforço das provisões para risco de crédito específico, através da constituição de provisões económicas no valor de € 2.474.037,57, as quais foram, então, objeto de tributação;

45.ª E, posteriormente, no exercício de 2002, confirmando-se as expetativas negativas, o crédito ainda vivo do Cliente R… foi integralmente transferido para crédito vencido e provisionado como tal (cf. doc. 9). Consequentemente, ao reforçarem-se as provisões para crédito vencido, procedeu-se à reposição da provisão económica constituída e tributada, no valor de € 2.747.037,57 (cf. docs. 6 e 9);

46.ª Assim, só em relação aos créditos concretos e individualizados dos Clientes Casal d… e R…, verifica-se que a reposição das respetivas provisões económicas em 2002 foi de € 8.729.604,00;

47.ª O remanescente, por forma a perfazer o montante total de € 9.389.884, que foi deduzido na declaração modelo 22 de IRC de 2002 e objeto de correção pela administração tributária, provém dos demais clientes concretos e individualizados e perfeitamente identificados no documento n.º 6;

48.ª Importa, pois, concluir que, sem prejuízo da contabilização das provisões económicas na rubrica de “provisões para riscos gerais de crédito”, podem aquelas ser perfeitamente identificadas e individualizadas;

49.ª E importa igualmente concluir que se revela por demais evidente que a documentação junta aos autos pelo Recorrente era manifestamente suficiente para fazer prova de que as provisões económicas objeto de correção foram constituídas para risco específico de crédito sobre clientes concretos e individualizados, incorrendo a sentença recorrida em erro de julgamento quando decidiu em sentido contrário, em virtude de deficiente, e nalguns casos até inexistente, valoração da prova produzida, impondo-se, assim, a anulação da sentença recorrida;

50.ª Mais se refira que a documentação junta aos autos não foi impugnada nem quanto à sua autenticidade nem quanto à sua genuinidade, não subsistindo assim motivo algum para a falta de valoração integral da sua força probatória;
51.ª Nessa sequência, a documentação junta aos autos pelo Recorrente goza da presunção de veracidade, nos termos do n.º 1 do artigo 75.º da LGT, pelo que outra decisão impunha-se ao Tribunal recorrido;

52.ª Os referidos factos deveriam ter sido dados como provados, atenta a manifesta relevância dos mesmos para a boa decisão da causa. Não o tendo sido, incorre a sentença recorrida em erro de julgamento por insuficiência da matéria de facto, devendo, por conseguinte, ser anulada;

53.ª Deste modo, não pode o Recorrente deixar de impugnar os pontos do probatório da sentença recorrida, por manifesta insuficiência, na medida em que, concomitantemente com os factos ali descritos, deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos:
i. No exercício de 2002, o Impugnante procedeu à constituição e registo contabilístico de provisões económicas na conta #610 – Provisões diversas – P/ riscos gerais de crédito, a par do registo contabilístico das provisões para riscos gerais de crédito;
ii. A partir do exercício de 2003, por recomendação expressa do Banco de Portugal, as mencionadas provisões económicas passaram a ser contabilizadas a título de provisões para outros créditos de cobrança duvidosa;
iii. No âmbito da sua ação de supervisão, o Banco de Portugal identificou o procedimento adotado pelo Impugnante, tendo entendido que a contabilização das provisões económicas na conta #610 – Provisões diversas – P/ risco geral de crédito não refletia a sua verdadeira natureza específica, pelo que ordenou que as mesmas fosse objeto de reclassificação (cf. doc. 4 junto com a reclamação graciosa junta como doc. 1 com a p.i.);
iv. A contabilização, por parte do Impugnante, de provisões económicas na rubrica “Provisões para riscos gerais de crédito” pode, desde logo, ser identificada através da comparação entre os mapas que suportam o cálculo da referida provisão e o valor constante do balancete (cf. docs. 6 e 14 juntos com a reclamação graciosa junta como doc. 1 com a p.i.);
v. De acordo com a análise do mapa de apuramento da provisão para riscos gerais de crédito, constata-se que o valor respeitante a esta provisão, calculado de acordo com o limite imposto pelo n.º 7 do Aviso n.º 3/95, de 30 de junho, do Banco de Portugal, ascende, na atividade global, a € 89.788.292,13 (cf. doc. 5 junto com a reclamação graciosa junta como doc. 1 com a p.i.);
vi. Assim, a provisão para riscos gerais de crédito contabilizada na conta #610 - Provisões diversas – P/ risco geral de crédito, com referência a 31.12.2002, ascendia apenas a € 89.788.292,13 (cf. doc. 5 junto com a reclamação graciosa junta como doc. 1 com a p.i.);
vii. O remanescente valor de € 24.408.284,17, contabilizado na mesma conta, não tem como base de incidência o total do crédito concedido (cf. docs. 5 e 6 juntos com a reclamação graciosa junta como doc. 1 com a p.i.);
viii. A importância de € 24.408.284,17 é decomposta pelo valor da provisão para créditos reestruturados (€ 569.165,10) e pelo valor das provisões económicas (€ 23.389.119,07), constituídas para fazer face a outros riscos específicos (cf. docs. 5 e 6 juntos com a reclamação graciosa junta como doc. 1 com a p.i.);
ix. Os créditos reestruturados respeitam aos clientes R…. – Construções, Lda. (€ 184.465), U… – Assoc. U… (€ 43.719), J…, Lda. (€ 7.232), P…, Lda. (€ 211.541), M… (€ 2.337), R… – REDE C…, Lda. (€ 47.630) e S… – ESTÚDIO G…, Lda. (€ 72.241) (cf. doc. 6 junto com a reclamação graciosa junta como doc. 1 com a p.i.);
x. As provisões económicas respeitam a 70 clientes melhor identificados no doc. 6 junto com a reclamação graciosa junta como doc. 1 com a p.i.;
xi. Dando cumprimento ao disposto no regime transitório previsto no n.º 6 do art. 7.º da Lei n.º 30-G/2000, de 20 de dezembro, o Impugnante procedeu ao acréscimo na declaração modelo 22 de IRC do ano de 2001 do montante de € 6.697.401,58, correspondente a 50% da variação positiva verificada ao nível das provisões para riscos gerais de crédito nesse mesmo ano;
xii. Pelo que o saldo tributado que transitou em balanço, com referência a 31.12.2001, relativamente a provisões contabilizadas para riscos gerais de crédito, ascendia ao total de € 39.926.404,68;
xiii. A parte desse saldo, excluída aquela que foi acrescida à declaração modelo 22, no montante de € 33.229.003,10, corresponde ao somatório do saldo das provisões económicas respeitantes aos créditos específicos dos clientes melhor identificados no doc. 6 junto com a reclamação graciosa junta como doc. 1 com a p.i.;
xiv. O Impugnante apresentava, com referência a 31.12.2002, um saldo de provisões económicas de apenas € 23.839.119,07 (cf. docs. 5 e 6 juntos com a reclamação graciosa junta como doc. 1 com a p.i.);
xv. A redução verificada ao nível das provisões económicas resultou da respetiva reposição em proveitos desse exercício do montante de € 9.389.884,03 (€ 33.229.003,10 - € 23.839.119,07) (cf. docs. 5 e 6 juntos com a reclamação graciosa junta como doc. 1 com a p.i.);
xvi. Na conta #610 encontram-se registadas duas provisões de natureza e tratamento fiscal distintos – as verdadeiras provisões para risco geral de crédito e, bem assim, as provisões económicas (docs. 5 e 6 juntos com a reclamação graciosa junta como doc. 1 com a p.i.);
xvii. Na lista de créditos a que respeitam as provisões económicas consta o movimento da provisão ocorrido no exercício de 2002 por referência ao saldo da mesma em 31 de dezembro de 2001 (cf. doc. n.º 6 junto com a reclamação graciosa junta como doc. 1 com a p.i.);
xviii. Os dois créditos, constantes da referida lista, que geraram a maior parcela de reposição da provisão foram os créditos respeitantes aos clientes Casal d… – Construções, Lda. (adiante Casal d…) e R…S.A. (adiante R…) (cf. doc. n.º 6 junto com a reclamação graciosa junta como doc. 1 com a p.i.);
xix. As provisões económicas associadas a estes créditos sofreram uma redução, no exercício de 2002, de € 6.255.565,27 (Casal d…) e de € 2.474.038,00 (R…), totalizando essa reposição um montante de € 8.729.604,00 (cf.






doc. n.º 6 junto com a reclamação graciosa junta como doc. 1 com a p.i.);
xx. No que respeita ao cliente Casal d…, o mesmo apresentava os saldos de responsabilidades e provisões com referência aos exercícios de 2001 e 2002, que se enunciam no quadro infra (cf. doc. n.º 7 junto com a reclamação graciosa junta como doc. 1 com a p.i.):
xxi. O crédito em apreço começou a entrar em incumprimento no exercício de 2001, sendo que uma parte significativa das prestações já se encontravam vencidas nesse período, conforme se evidencia através do extrato de responsabilidade do cliente retirado do sistema informático do impugnante (cf. doc. n.º 8 junto com a reclamação graciosa junta como doc. 1 com a p.i.);
xxii. Assim, com referência a 31 de Dezembro de 2001, na medida em que o referido cliente se encontrava já numa situação de incumprimento face a determinadas prestações entretanto vencidas, e tendo em consideração os elevados montantes de financiamento e de garantias envolvidos (bem como as informações acerca das dificuldades financeiras desse cliente que corriam no mercado), o Impugnante havia constituído, numa perspetiva de prudência, a provisão económica no valor de € 11.796.570,26, a qual foi, então, objeto de tributação (cf. doc. n.º 6 junto com a reclamação graciosa junta como doc. 1 com a p.i.);
xxiii. Esta provisão económica veio reforçar as provisões para crédito vencido, constituídas nesse mesmo período, de acordo com os limites mínimos legais;
xxiv. O risco acrescido detetado no exercício de 2001 veio a confirmar-se no exercício de 2002, porquanto o cliente não regularizou a sua dívida para com o Impugnante e o crédito relativo ao cliente Casal d…entrou, mais tarde, em contencioso (cf. doc. n.º 7 junto com a reclamação graciosa junta como doc. 1 com a p.i.);
xxv. Assim, no exercício de 2002 verificou-se uma redução da provisão específica para crédito (económica) e um reforço da provisão para crédito vencido, no montante de € 6.255.566,00 e € 13.252.872,15, respetivamente (cf. docs. n.ºs 6 e 7 juntos com a reclamação graciosa junta como doc. 1 com a p.i.);
xxvi. Com efeito, o Impugnante reduziu a provisão económica que havia sido tributada em 2001, no montante de € 6.255.565,27 (cf. doc. n.º 6 junto com a reclamação graciosa junta como doc. 1 com a p.i.), por via da respetiva reposição em proveitos, passando a mesma a apresentar um saldo que transitou do exercício de 2001 (€ 11.796.570,26), deduzido do valor que foi objeto de reposição em proveitos (€ 6.255.565,27), o qual se encontra incluído na dedução ora corrigida pela Administração Tributária (cf. docs. n.ºs 6 e 7 juntos com a reclamação graciosa junta como doc. 1 com a p.i.);
xxvii. No que concerne ao caso específico da provisão económica relativa aos créditos R…, o Impugnante apresentava (cf. doc. 9 junto com a reclamação graciosa junta como doc. 1 com a p.i.) os seguintes saldos de responsabilidades e provisões, com referência ao exercício de 2002:





xxviii. Da mesma forma, já com referência a 31 de dezembro de 2001, o cliente R… encontrava-se numa situação de claro incumprimento face a avultadas prestações entretanto vencidas, em resultado da degradação da sua situação financeira, apresentando elevados montantes de financiamento e garantias, conforme se alcança do extrato de responsabilidade do cliente (cf. doc. n.º 10 junto com a reclamação graciosa junta como doc. n.º 1 com a p.i.);
xxix. Razão pela qual o Impugnante procedeu, numa perspetiva de prudência, ao reforço das provisões para crédito risco específico, através da constituição de provisões económicas no valor de € 2.474.037,57, as quais foram, então, objeto de tributação (cf. docs. n.ºs 6 e 9 juntos com a reclamação graciosa junta como doc. n.º 1 com a p.i.);
xxx. No exercício de 2002, confirmaram-se as expectativas negativas, tendo o crédito ainda vivo do cliente R…sido integralmente transferido para crédito vencido e provisionado como tal (cf. doc. n.º 9 junto com a reclamação graciosa junta como doc. n.º 1 com a p.i.);
xxxi. Consequentemente, ao reforçarem-se as provisões para crédito vencido, procedeu-se à reposição da provisão económica constituída e tributada em exercícios anteriores, no valor de € 2.474.037,57 (cf. docs. n.ºs 6 e 9 juntos com a reclamação graciosa junta como doc. n.º 1 com a p.i.);
xxxii. O crédito do cliente R… também entrou em contencioso num momento posterior (cf. doc. n.º 8 junto com a reclamação graciosa junta como doc. n.º 1 com a p.i.);

54.ª De igual modo, dá-se como impugnada a matéria de facto não provada na parte em que se consideraram implicitamente como não provados os factos acima indicados;

55.ª Pelo que, em suma, deverão ser relevados como factos provados todos os supra evidenciados e, em conformidade com o exposto, ser proferida nova decisão que julgue a impugnação judicial deduzida pelo Recorrente procedente. Admitindo-se que não constam do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão proferida e que permitam a esse Ilustre Tribunal a reapreciação da matéria de facto, sempre se impõe no caso sub judice que os autos baixem à 1.ª instância para a ampliação da matéria de facto, face ao disposto no artigo 662.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT;

56.ª Sem prejuízo do acima exposto, e ainda que não se considerem procedentes os vícios acima invocados, o que apenas por cautela e dever de patrocínio se concede, importa referir que a decisão recorrida incorre também em violação do princípio do inquisitório;

57.ª Como refere PEDRO VIDAL MATOS, “ (…) na escolha entre o princípio dispositivo e o princípio inquisitório tem que prevalecer este último, por ser o previsivelmente mais adequado a atingir a verdade num contexto de desigualdade de partes” (cf. «O Princípio Inquisitório no Procedimento Tributário», Coimbra Editora, p. 58). É também o ensinamento de SALDANHA SANCHES para quem “(…) do princípio da legalidade fiscal decorre naturalmente o princípio da verdade material como objectivo do processo fiscal, sob pena de os órgãos da Administração (…) deixarem por cumprir as obrigações que constitucionalmente lhes são atribuídas (…)” (cf. «Princípios do Contencioso Tributário», Lisboa, Outubro 1987, pp. 33);

58.ª Também como refere ELISABETE LOURO MARTINS, “ (…) o Tribunal não pode concluir que formou convicção sobre um determinado facto em consequência de o Impugnante ou a Administração Fiscal não terem produzido prova sobre um determinado facto determinante, desde que o Tribunal tenha a possibilidade de oficiosamente determinar que a prova seja produzida”. (cf. «O ónus da prova no Direito Fiscal», Coimbra Editora, pp. 262);

59.ª Deste modo, estando na disponibilidade do Tribunal recorrido a requisição de documentos adicionais, caso entendesse que os juntos pelo ora Recorrente não eram suficientes para prova dos factos alegados – o que não se concede, mas por mera cautela de patrocínio se equaciona – então só lhe será lícito concluir pela falta de prova de um determinado facto se da aludida requisição de documentos adicionais não decorrer a prova desse facto. Já não lhe será possível, pois, concluir a priori pela falta de prova de um determinado facto sem desencadear, primeiro, a devida investigação. Assim, impunha-se-lhe requisitar documentos que julgasse oportunos, sob pena de violação do princípio do inquisitório e da verdade material;

60.ª Um eventual entendimento segundo o qual a presunção de veracidade dos elementos constantes da contabilidade constitui uma exceção ao princípio do inquisitório incorre em inconstitucionalidade por violação do princípio da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efetiva previstos nos artigos 18.º, n.º 2 e 20.º, n.º 5, ambos da CRP, o que se invoca para os devidos efeitos legais;

61.ª Razão pela qual, em face de todo o exposto, se impõe a anulação da sentença recorrida, por violação do princípio do inquisitório;

62.ª No que respeita à correção relativa a “reformas antecipadas”, entende o Recorrente que a sentença recorrida incorre em omissão de pronúncia, na medida em que o Tribunal a quo não cuidou de analisar o pedido subsidiário formulado pelo Recorrente na sua impugnação judicial, qual seja, o da aplicação do método alternativo previsto nas Informações n.º 624/99 e n.º 1004/2001, o qual consiste em considerar como custo fiscal anual por trabalhador o valor resultante da divisão do montante da contribuição extraordinária que lhe diz respeito pelo número de anos que restam para atingir a idade legal da reforma;

63.ª Tratando-se esta de questão sobre a qual se lhe impunha tomar conhecimento, a decisão que não a conheceu incorre em nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 125.º do CPPT e na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT;

64.ª Com efeito, tal como sublinha JORGE LOPES DE SOUSA, haverá nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando “(…) o tribunal, pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse ter tomado posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. No entanto, mesmo que entenda não dever conhecer de determinada questão, o tribunal deve indicar as razões por que não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela.” (cf. «Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado», Volume II, Áreas Editora, 6.ª edição, 2011, p. 366, sublinhados nossos);

65.ª Razão pela qual deve ser julgado procedente o presente recurso e determinada a revogação da sentença recorrida, proferindo-se nova decisão que julgue procedente a impugnação judicial;

66.ª Sem prejuízo do acima exposto, entende ainda o Recorrente que, no que respeita à correção identificada em epígrafe, incorre a sentença recorrida em erro de julgamento da matéria de direito, na medida em que os fundamentos em que a mesma se alicerça são improcedentes;

67.ª Ao contrário do que concluiu o Tribunal recorrido, no caso sub judice, o que releva para efeitos fiscais são as dotações efetuadas ao Fundo de Pensões e reconhecidas contabilisticamente de acordo com as normas do Banco de Portugal, e não o valor pago por este aos trabalhadores, já que o custo suportado pelo contribuinte corresponde ao valor daquelas dotações e não ao valor efetivamente pago pelo Fundo;

68.ª Conforme dispõe o artigo 17.º do CIRC, o lucro tributável é determinado com base na contabilidade;

69.ª Por seu turno, determina a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º do CIRC que a contabilidade deverá estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor;

70.ª O enquadramento contabilístico para o exercício de 2002 das contribuições extraordinárias efetuadas em virtude de reformas antecipadas encontrava-se previsto no Aviso n.º 12/2001, de 23 de Novembro, do Banco de Portugal, cuja alínea b) do parágrafo 1.º referia que os bancos devem reconhecer, anualmente, os acréscimos de responsabilidades resultantes de programas de reformas antecipadas, registando-as, de acordo com a alínea c) do n.º 1 do parágrafo 2.º, como “despesas com custo diferido”, sendo amortizados “…no prazo máximo de 10 anos a contar da data efetiva da reforma.” (sublinhado nosso);

71.ª No estrito cumprimento das políticas contabilísticas definidas sobre esta matéria pelo Banco de Portugal, o Recorrente encontrava-se a reconhecer fiscalmente, por um período de dez exercícios, o valor das contribuições efetuadas no exercício de 2002, a título de reformas antecipadas, tal como se encontra a reconhecer em dez anos o valor das contribuições efetuadas em exercícios anteriores;

72.ª Na medida em que as importâncias reconhecidas como custo fiscal no exercício de 2002 decorrem do cumprimento das regras contabilísticas aplicáveis ao Recorrente, e não se encontrando prevista no CIRC qualquer derrogação a essas regras, esse custo deverá ser integralmente aceite para efeitos fiscais;

73.ª Contrariamente ao sufragado pelo Tribunal recorrido, o procedimento contabilístico adotado pelo Recorrente não viola o princípio da especialização dos exercícios, na medida em que a periodização da relevação do custo obedeceu ao determinado no Aviso n.º 12/2001. Não obedeceu a qualquer normativo fiscal, porquanto o mesmo era inexistente à data dos factos (2002). Com efeito, nenhuma regra de periodização existia no CIRC que legitimasse a correção da administração tributária;

74.ª Tal situação só se veio a alterar com o artigo 57.º, n.º 2, alínea h), da Lei n.º 53-A/2006, com vigência a 1 de janeiro de 2006, nos termos do qual os custos referentes às aludidas dotações para fundos de pensões passaram a ser custo do exercício em que os pensionistas passam a receber as pensões, não podendo estar, portanto, o exercício de 2002 abrangido por essa alteração, sob pena de violação do princípio da não retroatividade, previsto no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, o que desde já se invoca para os devidos efeitos legais;

75.ª Neste mesmo sentido, o Acórdão do TCAS, de 16.03.2010 (processo n.º 03810/10), ao referir que “ (…) estando em causa o exercício de 2002, só a partir da publicação da Lei 53-A/2006, de 29/12 (OE 2007), por via do seu artigo 57°/2/h) é que os custos referentes a dotações para pensões (…) passaram a ser custo apenas no exercício em que os pensionistas passam a receber as pensões, pelo que não se aplica à situação em análise qualquer regra de periodização” (sublinhados nossos);

76.ª Em todo o caso, veio muito recentemente, por Acórdão de 25.04.2015 (proc. n.º 08149/14), o TCAS acolher o entendimento aqui sufragado pelo Recorrente, defendendo que não merecia qualquer censura a sentença recorrida que decidiu nos seguintes termos: “ (…) a impugnante é uma instituição bancária. Como tal, encontra-se abrangida pelas diretivas emanadas do Banco de Portugal, nomeadamente no que concerne às opções contabilísticas a adotar. Donde, terá necessária aplicação ao caso a referenciada amortização dos valores relativos a acréscimos de responsabilidades no prazo máximo de 10 anos, nos termos do citado artigo 3.º do Aviso n.º 12/2001 (…). No caso vertente, estamos perante uma situação muito particular: existe um plano de amortização dos valores da transferência das dotações anteriormente efetuadas, a vigorar por um período de 10 anos. Donde, haverá que conjugar o princípio da especialização dos exercícios com o princípio da proporcionalidade, por forma a garantir que os encargos do presente exercício tenham uma efetiva conexão com os montantes anteriormente entregues ao fundo de pensões nos exercícios antecedentes (…). O princípio da especialização dos exercícios não é violado com a consideração anual como custo fiscal da parte proporcional das contribuições efetuadas para o fundo de pensões, conforme o plano de diferimento anteriormente delineado (…).” (sublinhados nossos);

77.ª Decorre da citada jurisprudência que a dedutibilidade dos custos em causa não viola o princípio da especialização dos exercícios, bem pelo contrário, pois se apenas se deduzisse fiscalmente os montantes pagos pelo Fundo, haveria um desfasamento entre os encargos incorridos no exercício e os deduzidos, uma vez que as dotações não coincidem com os montantes pagos pelo Fundo;

78.ª Também não colhe o argumento de que deve haver uma correspondência quantitativa e temporal entre as contribuições realizadas e os pagamentos de pensões pelo fundo, porquanto é evidente que nunca existe correspondência entre as contribuições de reforma efetuadas pela entidade patronal num determinado exercício e as pensões de reforma pagas aos trabalhadores nesse mesmo exercício. Por natureza e definição, as pensões de reforma atribuídas hoje dizem respeito a contribuições efetuadas em anos anteriores e as contribuições que se efetuem hoje dirão respeito a pensões que só virão a ser pagas no futuro;

79.ª E se o montante que vem a ser pago pelo Fundo é superior ou inferior, em função de alguma alteração ocorrida após o cálculo atuarial na base das contribuições, essa circunstância em nada releva para os encargos da entidade patronal pois o montante da dotação que já foi despendido não se altera. Os encargos com contribuições realizadas pelo Recorrente é que são os efetivos custos incorridos pelo Recorrente;

80.ª Certo é que o entendimento vertido na sentença recorrida não segue o entendimento mais recente da jurisprudência e que melhor se coaduna com o caso sub judice. Ainda, na medida em que está em causa o exercício de 2002, não é aplicável qualquer regra de periodização, porquanto a mesma não existia à data;

81.ª Caso assim não se entenda – o que não se concede, mas por mera cautela de patrocínio se equaciona -, então nesse caso sempre terá que ser aplicável ao Recorrente o método alternativo previsto nas Informações n.º 624/99 e n.º 1004/2001, porquanto, em primeiro lugar, a referida dificuldade de diferimento do custo está mais que demonstrada e, em segundo lugar, encontrando-se tal método alternativo a ser adotado pela generalidade das instituições bancárias, não pode a administração tributária pretender tratar diferenciadamente os contribuintes na matéria em análise;

82.ª Entendimento contrário violará necessariamente os princípios da justiça e da igualdade, constitucionalmente consagrados nos artigos 266.º, n.º 2 e 13.º da CRP;

83.ª Cumpre aludir ao acórdão do TCAS, de 8.1.2015 (proc. n.º 03804/10), que se debruça sobre a articulação entre o princípio da justiça com o princípio da especialização dos exercícios, e o qual concluiu que “ (…) o princípio da especialização não pode comprometer ou afrontar os valores gerais que serve, nem conduzir a uma solução materialmente injusta.”;

84.ª No que se refere ao princípio da igualdade, impõe o mesmo que situações iguais sejam tratadas de forma igual e que situações distintas sejam tratadas diferentemente (cf., entre outros, JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, «Constituição Portuguesa Anotada», Tomo I, Coimbra Editora, 2005, pág. 121);

85.ª Razão pela qual incorre a sentença recorrida em erro de julgamento de direito, devendo a mesma ser revogada e ser proferida nova decisão que julgue procedente a impugnação judicial.
86.ª Impõe-se, por fim, ao abrigo do disposto no artigo 614.º, n.º 2, do CPC, a retificação do excerto da sentença quanto à dispensa do remanescente para “Ficam as partes dispensadas de efetuar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte que exceda € 275.000,00, nos termos do n.º 7, do artigo 6.º do RCP.”

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida e, nessa medida, a anulação do ato em crise nos termos peticionados, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!»

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A recorrida, devidamente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.
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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«a) O impugnante encontra-se colectado em sede de IRC pelo exercício da actividade bancária (cfr. fls. 221 do processo administrativo apenso);
b) A Administração Tributária procedeu a correcções à declaração modelo 22 de IRC do ano de 2002, apresentada pelo impugnante, na sequência de inspecção tributária, no seguimento do que foi emitida a nota de liquidação de IRC nº 2005 8310006417 do ano de 2002 e respectivos juros e demonstração de acertos n.º 2005 00000052175, no montante de € 3.754.756,64., com data limite de pagamento em 15/06/2015, tendo a impugnante deduzido reclamação graciosa em 21/07/2005 (cfr. fls. 129 dos presentes autos, fls. 197 e 198 do processo administrativo e fls. 2 e segs. do procedimento de reclamação graciosa);
c) O impugnante deduziu impugnação da liquidação adicional relativa ao exercício de 2001, que correu termos no Tribunal Tributário de Lisboa, com o n.º 1047/06.9BELSB, onde, para além do mais, sindicou as desconsiderações fiscais das provisões para créditos de cobrança duvidosa, no montante de € 667.311,19 e das provisões para depreciação de títulos e imobilizações financeiras, no montante de € 293.356,42 (cfr. fls 255 a 310);
d) Em 21/07/2005, o impugnante procedeu ao pagamento por conta, com referência à liquidação identificada na alínea b) supra, relativamente à correcção com que se conformou, no montante de € 153.787,50 (cfr. fls. 126 e artigo 16º da p.i.);
e) Na sequência da dedução da reclamação graciosa, em 02/08/2005, o impugnante prestou garantia bancária n.º 013/2015 para garantir o pagamento da quantia que possa vir a ser exigida no processo de execução fiscal que vier a ser instaurado para cobrança coerciva da liquidação de IRC do ano de 2002, a que se refere a alínea b) supra (cfr. fls. 206 do processo administrativo apenso);
f) Das correcções efectuadas pela inspecção tributária o impugnante manifestou discordância, relativamente às seguintes correcções ao resultado tributável:
(i) provisões para riscos gerais de crédito, no montante de € 9.434.534,43;
(ii) não aceitação de custos com reformas antecipadas, no montante de €787.530,39;
As quais fundamentam-se no seguinte:
«III – 1.1.1.1. Provisões para riscos gerais de crédito (art.º 34.º, alínea d) do CIRC)
- Eur. 9.434.534,43

A rubrica “619 – Provisões diversas – P/ riscos gerais de crédito”, constante do balancete global, reportado a 31/12/2002, apresenta um saldo no valor de Eur. 114.196.576,31, respeitando o montante de Eur. 114.194.764,53 à actividade sujeita a tributação pelo regime geral de IRC.
No decurso do exercício em análise o Banco efectuou a reposição de uma parte do saldo acumulado desta provisão, no montante de Eur. 19.381.440,84, contabilizada na conta “8490 – Reposições e anulações de provisões/ Diversas/Riscos gerais de crédito ”, tendo deduzido no campo 228 do Quadro 07 da D.R. mod 22 o montante de Eur. 14.750.039,32, que incluiu o montante de Eur. 9.434.534,43, relativo à reposição de provisões para riscos gerais de crédito tributadas.
A Lei 30-G/2000, de 29 de Dezembro, veio estabelecer um novo regime de tributação para as provisões para riscos gerais de crédito, constituídas pelas empresas sujeitas à supervisão do Banco de Portugal. Aquele normativo aditou ao artigo 34.º do CIRC o n.º 3, nos termos do qual, quando houver reposições de provisão para riscos gerais de crédito são considerados proveitos do exercício para efeitos fiscais, “(…) em primeiro lugar, aquelas que tenham sido custo fiscal no exercício da respectiva constituição.”
O que significa que as reposições das provisões desta natureza, efectuadas a partir do exercício de 2001, serão consideradas proveitos fiscais do exercício até à concorrência do montante destas provisões que anteriormente foi aceite como custo fiscal. Paralelamente, apenas quando for reposta a totalidade do saldo que foi aceite como custo fiscal, é que poderá ser considerado proveito não fiscal, e portanto ser deduzido extracontabilisticamente no Quadro 07, o montante que, no ano da respec tiva constituição, também não foi considerado como custo fiscal. Uma vez que, quando a reposição tiver por objecto montantes não reconhecidos anteriormente como custo, os valores repostos não serão considerados proveitos fiscais do exercício e, consequentemente, não serão objecto de tributação em sede de IRC.
Nestes termos, tendo em consideração que o saldo acumulado destas provisões, relativo à actividade sujeita, no início do ano de 2002, era de Eur. 117.195.577,73, dos quais Eur. 33.229.003,43 não foram considerados custo fiscal, apenas quando tiver sido resposto o montante referente às provisões consideradas como custos fiscalmente dedutíveis, é que o Banco poderá deduzir na D.R. mod 22 o valor destas anteriormente tributado.
Face ao exposto, efectuou-se uma correcção fiscal, no montante de Eur. 9.434.534,43, nos termos do n.º 3 do artigo 34.º do CIRC.
(…)
III – 1.2. Reformas antecipadas (art.º 23.º, n.º 4 do CIRC)
- Eur. 1.208.607,08

Constatou-se que, durante o exercício de 2002, o Banco afectou negativamente o lucro tributável, pelo montante de Eur. 14.139.514,20, relativo a reformas antecipadas de trabalhadores, ocorridas nos exercícios de 1995 a 2002, conforme se passa a descrever:
Dedução no campo 237 do Q.07 da D.R. mod. 22, referente aos duodécimos das dotações dos anos 1995, 1996, 1998, 2000 e 2001, no montante total de Eur. 12.001.787,53;
Valor relativo a reformas antecipadas referentes a 2001 e 2002 registado na conta “6718 – Perdas relativas a exercícios anteriores”, no valor de Eur. 1.007.498,27 e Eur. 1.130.228,40, respectivamente.
As situações em causa, por se referirem a reformas antecipadas, não têm enquadramento no artigo 40,º do CIRC, uma vez que estamos perante encargos efectivamente suportados pelo Banco e que constituem verdadeiros direitos adquiridos pelos trabalhadores, que geram rendimentos tributáveis em IRS na esfera do beneficiário, encontrando-se, desta forma desprovidas de carácter de incerteza quanto `s efectividade dos sutos que caracterizam as situações enquadráveis no citado artigo.
Assim sendo, o enquadramento deve ser efectuado nos termos previsto do artigo 23.º, n.º 4 do CIRC. O facto da responsabilidade ser transferida para o Fundo de Pensões, não sendo o Banco a suportar directamente os encargos com os trabalhadores, não constitui objecção a que as contribuições efectuadas possam ter enquadramento no artigo 23.º do CIRC. Por outro lado, o Banco não poderá beneficiar de tratamento fiscal mais favorável do que aquele que lhe seria aplicável se suportasse directa e efectivamente tais encargos.
Deste modo, o Banco só poderá considerar como custo fiscalmente dedutível a parte proporcional das contribuições efectuadas para o Fundo de Pensões, que corresponda aos encargos que suportaria com os trabalhadores, caso fosse este a pagar directamente as pensões.

Assim, será aceite para efeitos fiscais o montante pago pelo Fundo durante o ano de 2002 aos trabalhadores reformados antecipadamente nos exercícios de 2000 a 2002.
Face ao exposto, no projecto de conclusões do relatório foi proposta uma correcção fiscal, no total de Eur. 1.208.607,08, nos termos do artigo 23.º, n.º 4 do CIRC, em virtude dos pagamentos efectuados pelo Fundo referentes às reformas antecipadas de 2000 a 2002, no montante de Eur. 826.703,07, serem inferiores ao valor de Eur. 2.035.310,15, que influenciou negativamente o lucro tributável do Banco a título de cobertura de responsabilidades com reformas antecipadas, conforme Anexo 2.
Na sequência do direito de audição a correcção anteriormente proposta foi reduzida para Eur. 787.530,39 (Anexo 4). (ponto IX. – 1.2. do presente relatório)» (cfr. fls. 215 a 245 do processo administrativo);
g) Em 31/12/2002 a rubrica “619 – Provisões diversas – P/ riscos gerais de crédito”, constante do balancete global da impugnante, apresenta um saldo no valor de Eur. 114.196.576,31, respeitando o montante de Eur. 114.194.764,53 à actividade sujeita a tributação pelo regime geral de IRC (cfr. RIT-fls. 108 dos presentes autos; artigo 82.º da p.i.);
h) A impugnante juntou à reclamação graciosa, como documento n.º 5, mapa de apuramento da provisão para riscos gerais de crédito (cfr. fls. 82 e 83 do procedimento de reclamação graciosa);
i) A impugnante juntou à reclamação graciosa, como documento n.º 6, relação de clientes com necessidade de ajustamento de provisões (cfr. fls. 276 a 279 do procedimento de reclamação graciosa);
j) O ofício com a referência 2160/03/DSBSD, de 21/03/2003, endereçado ao B…, SA, relativo a “Provisões para créditos de cobrança duvidosa ”, tem o seguinte teor Na análise dos mapas de reporte de provisões temos vindo a verificar a existência de um nível de provisionamento para riscos gerais de crédito superior ao mínimo legal, relativamente ao qual os responsáveis dessa instituição nos informaram tratar -se de provisões relativas a riscos específicos de créditos (ainda não vencidos), em relação aos quais não existe obrigatoriedade da sua constituição.
Tendo em atenção que na conta de provisão para riscos gerais de crédito não deve ser relevado aquele tipo de provisões, informamos V.Exas. de que as provisões que se encontrem naquelas condições devem ser reclassificadas como provisões para crédito de cobrança duvidosa. (cfr. fls. 132 dos presentes autos);
k) O Impugnante, no exercício de 2002, afectou negativamente o lucro tributável, pelo montante de € 14.139.514,20, relativo a reformas antecipadas de trabalhadores, ocorridas nos exercícios de 1995 a 2002;
l) Os montantes pagos pelo fundo de pensões aos trabalhadores do impugnante reformados antecipadamente nos anos de 2000 a 2002, são inferiores ao valor que influenciou negativamente o lucro tributável do impugnante;
m) A impugnação identificada na alínea c) supra, foi julgada procedente quanto às questões relativas às desconsiderações fiscais das provisões para créditos de cobrança duvidosa, no montante de € 667.311,19 e das provisões para depreciação de títulos e imobilizações financeiras, no montante de € 293.356,42, por Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, transitado em julgado em 03/09/2013 (cfr. fls. 370 a 455);
n) A presente impugnação foi apresentada em 21/04/2005 (cfr. carimbo fls. 3).

Factos não provados
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.

Motivação
O Tribunal alicerçou a sua convicção na apreciação conjugada de toda a prova documental junta aos autos pelo impugnante e pela Fazenda Publica e nos processos apensos, indicada relativamente a cada um dos factos, cujos documentos não foram impugnados e na matéria aceite por acordo pelas partes, atenta a posição vertida nos respectivos articulados.»

****

Com base na matéria de facto supra, a Meritíssima juíza do TT de Lisboa julgou extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide relativamente às correções no montante de 293.356,42€ a título de provisões para depreciação de títulos de imobilizações financeiras efetuadas em sede de IRC, julgando quanto ao mais, parcialmente procedente a impugnação, na parte respeitante à não consideração do ajustamento fiscal de reversão de provisão tributada no exercício de 2001, a favor da impugnante, no montante de 667.311,39€.

A Recorrente não se conforma com o decidido invocando vários vícios, desde nulidades, até erro de julgamento de facto e direito que cumpre decidir, relativamente a cada uma das correções impugnadas que constituem objeto do presente recurso.

Vejamos.

Antes de mais, invoca a Recorrente a nulidade da sentença por falta de apreciação crítica da prova, nos termos do disposto no art. 123.º, n.º 2, do CPPT e art. 125.º do CPPT, relativamente à correção de provisões para riscos gerais de crédito, uma vez que não deu como provados factos corroborados por documentos que não foram impugnados e que se encontram junto aos autos, nomeadamente, os documentos n.ºs 7, 8, 9 e 10 da reclamação graciosa que foram juntos como documento n.º 1 com a p.i., que provam que as provisões em causa são para risco específico de crédito (e não risco geral de crédito). Relativamente aos documentos n.º 4, 5, 6 e 14 da reclamação graciosa, que também foi junto como documento n.º 1 com a p.i, apesar de elencados na matéria de facto dada como provada, não foram devidamente valorados. Entende que a sentença é nula, e, portanto, peticiona a baixa dos autos para a fixação de novo provatório (cf. conclusões 1.ª a 15.º das alegações de recurso).

Apreciando.

Nos termos do n.º 2 do art. 123.º “O juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.”

E, nos termos do disposto no n.º 1, do art. 125.º do CPPT “Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.”

In casu, não se verifica a nulidade da sentença, porquanto, a Meritíssima Juíza a quo discriminou a matéria de facto provada da não provada, cumprindo, portanto, a exigência do n.º 3, do art. 123.º do CPPT, e por outro lado, não se verifica a não especificação dos fundamentos de facto da decisão, porque enuncia-se em cada uma das alíneas da matéria de facto assente, os meios de prova respetivos, e, ainda que de uma forma foram sucinta e pouco densificada, a verdade é que sob a epígrafe “Motivação” a sentença recorrida fundamenta a sua convicção na prova documental junta aos autos e no processo administrativo em apenso.

Ou seja, ao contrário do que invoca a Recorrente, não se verifica a ausência absoluta de apreciação crítica da prova produzida, pois, a “…A nulidade da sentença por não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão só se verifica quando ocorre falta absoluta de fundamentação, a qual se distingue da motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada, sendo que só aquela é considerada pela lei como nulidade, enquanto esta apenas pode afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada em sede de recurso.” – cf. acórdão do STA de 24/01/2018, proc. n.º 01411/16.

Na verdade, resulta das conclusões de recurso que o que se pretende sindicar é o erro de julgamento, pois a Recorrente entende que há factos que deveriam ter sido dados como provados e não o foram, existindo documentação que suporta a sua pretensão, e outros factos, apesar de terem sido dados como provados não foram devidamente valorados na decisão, pelo que é manifesto que a verificar-se tais vícios, serão subsumíveis o erro de julgamento de facto da sentença (que de resto também vem invocado e que se conhecerá infra), e não à nulidade prevista no art. 125.º do CPPT.

Pelo exposto, não se verifica a nulidade arguida.

Relativamente a àqueles documentos, invoca ainda a Recorrente erro de julgamento de facto relativamente à correção de provisões para riscos gerais de crédito que face aos documentos suprarreferidos, se o tribunal a tivesse devidamente dado como provado e valorado, teria concluído que se trata provisões para risco específico de crédito, até porque tal documentação não foi impugnada, pelo que a documentação goza de presunção de veracidade, devendo ser dados como provados os 32 factos enunciados nas várias subalíneas da conclusão 53.º das alegações de recurso que conduzem à procedência da impugnação judicial (cf. conclusões 16.º a 55.º das alegações de recurso).

Resulta dos autos que a correção referente a provisões para riscos gerais de crédito, ora em causa, assentou no entendimento da AT vertido no ponto III.1.1.2. do Relatório de Inspeção. Entendeu-se desconsiderar-se fiscalmente, nos termos do disposto do n.º 3, do art. 34.º do CIRC, o montante de 9.434.534,43€, na medida em que a dedução que a Impugnante fez na declaração modelo 22 do exercício de 2002, respeitante à reposição em proveitos do exercício das provisões em apreço eram indevidas, uma vez que apenas poderia ter sido efetuada quando a totalidade das provisões para riscos gerais de crédito se encontrasse tributada. A Impugnante alegou em sede de audiência prévia que adotou determinado procedimento contabilístico, nomeadamente que procedia à constituição e registo contabilístico em provisões económicas na conta #10 – Provisões diversas – P/riscos gerais de crédito, a par do registo contabilístico das provisões para riscos gerais de crédito. Ainda assim, a AT entendeu ser de manter a correção porque a ora Recorrente não demonstrou que “as provisões ditas “económicas” têm uma base de incidência constituída por créditos vivos que possam, nos termos das alíneas a) e b), do n.º 4 do Aviso, ser consideradas de cobrança duvidosa por forma a pode concluir-se que independentemente do registo contabilístico efetuado, se estava em presença de uma provisão para risco específico e, por conseguinte, sem enquadramento no n.º 3 do art. 34.º do CIRC”.

Ora, resulta claramente do relatório de inspeção, nomeadamente da parte referente à pronuncia sobre o exercício do direito de audição, que a própria Impugnante reconhece que o procedimento contabilístico que adotou não foi o adequado, neste contexto, é de sublinhar que a AT cumpriu o seu ónus da prova ao ter demonstrado suficientemente os pressupostos da correção, nos termos do disposto no art. 74.º, n.º 1, da LGT.

Por outro lado, releva ainda para este efeito o facto de a própria Recorrente admitir, ainda em sede de ação de inspeção, que “poderá existir um valor residual a corrigir, no montante de Euro 44.650,40€, correspondente à diferença entre a reposição de provisões económicas (…) e o valor deduzido na declaração Modelo 22 do IRC do exercício de 2002 (ou seja, Euro 9.434.534,43 – Euro 9.389.884,03), o qual não será objeto de contestação no presente documento”.

Neste contexto, ao longo dos artigos 73.º a 131.º, tenta demonstrar que na conta #610 – Provisões diversas – P/riscos gerais de crédito, se encontram registadas duas provisões de natureza distinta. Nessa tentativa de demonstração a Recorrente invoca diversos cálculos com percentagens, adições e subtrações, valores de créditos vencidos, crédito vivo, garantias, e socorrendo-se de diversos saldos de diversas contas da contabilidade, bem como através da elaboração de quadros, com diversos valores inscritos oriundos de diversas contas da contabilidade, listas de créditos, relativamente às quais foram alegadamente constituídas as provisões, remetendo para diversa documentação contabilística junta aos autos e ao processo administrativo.

Ora, in casu, considerando os factos que a Recorrente teria de provar implicam necessariamente a análise profunda de várias contas da contabilidade da Recorrente, bem como variada documentação contabilística de suporte, bem como diversas operações aritméticas para se poder chegar a uma conclusão sobre o alegado, é manifesto que deveria ter sido requerida pela Recorrente, na p.i., a prova pericial, que visa a perceção/apreciação de factos que exigem conhecimentos especiais que o julgador não possui.

Por conseguinte, e ao contrário do que pretende a Recorrente não há que aditar 32 factos à matéria de facto assente, porque o meio de prova adequado seria a prova pericial prevista no art. 467.º e ss do CPC, e não a prova documental, como fica evidenciado com as diversas referências que são feitas a ilações que se retiram de mapas contabilísticos cruzados com registos contabilísticos de diversas contas da contabilidade, ilações tiradas de decomposição de valores inscritos em diversas contas de provisões de diversas natureza, respeitantes a 70 clientes cuja listagem também teria de ser analisada, transições de valores em balanço e saldos, análise de reduções de valores provisionados, reforço de provisões, etc…

Face ao exposto, importa rejeitar a impugnação da matéria de facto, na medida em que o meio prova indicado pelo Recorrente (prova documental) não é a adequada para a prova dos factos relevantes para a procedência da impugnação judicial.

Prosseguindo.

Subsidiariamente, e ainda relativamente à correção de provisões para riscos gerais de crédito, invoca a Recorrente que a decisão recorrida violou o princípio do inquisitório, porquanto a eventual falta de documento deveria ter sido requisitada pelo tribunal. Sendo que um "Um eventual entendimento segundo o qual a presunção de veracidade dos elementos constantes da contabilidade constitui uma exceção ao princípio do inquisitório incorre em inconstitucionalidade por violação do princípio da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efetiva previstos nos artigos 18.º, n.º 2 e 20.º, n.º 5, ambos da CRP, o que se invoca para os devidos efeitos legais;” (cf. conclusões 56 a 61 das alegações de recurso).

Na sentença recorrida entendeu-se que a Impugnante não fez a prova que lhe competia, considerando-se a prova documental junta aos autos.

Ora, como vimos, a prova documental não é a adequada à prova dos factos conducentes à procedência da impugnação judicial, e assim sendo, neste enquadramento, o que importa aferir é se verifica erro de julgamento da sentença recorrida por violação do princípio do inquisitório, aferindo se cumpria, ou não, à Meritíssima Juíza a quo ordenar a realização de perícia aos elementos contabilísticos junto aos autos e ao processo administrativo, substituindo-se ao Impugnante que a não requereu na p.i.

Apreciando.

Efetivamente, resulta da p.i. que a Recorrente não requereu a prova pericial, porém, como veremos infra, in casu, cabia a Meritíssima Juíza a quo ordenar a realização da mesma.

Senão, vejamos.

A prova pericial no processo de impugnação judicial vem prevista no art. 116.º, n.º 1, do CPPT, sendo que o n.º 4 remete para a regulamentação prevista no Código de Processo Civil quanto a este meio de prova, nomeadamente os artigos 467.º e ss (corresponde aos artigos 568.º e ss, na redação anterior à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho).

Nos termos do disposto no n.º 1, do art. 116.º, do CPPT poderá “haver prova pericial no processo de impugnação judicial sempre que o juiz entenda necessário o parecer de técnicos especializados.”

Por outro lado, o n.º 2 dispõe que a “realização da perícia é ordenada pelo juiz, oficiosamente ou a pedido do impugnante ou do representante da Fazenda Pública, formulado, respetivamente, na petição inicial e na contestação.”, e nos termos do n.º 3 “poderá também ser requerida no prazo de 20 dias após a notificação das informações oficiais, se a elas houver lugar”.

Portanto, resulta expressamente do n.º 2, do art. 116.º do CPPT que o juiz pode, oficiosamente, ordenar a realização da perícia, quando entenda necessário o parecer de técnicos especializados (n.º 1).

Assim sendo, ainda que a Impugnante não tenha requerido na p.i. a realização da perícia, o juiz sempre o poderá fazer oficiosamente, ao abrigo do n.º 2, do art. 116.º do CPPT, o que de resto está em conformidade com o princípio do inquisitório em processo tributário que impõe ao juiz que realize ou ordene todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade material.

Por outras palavras, o princípio do inquisitório implica que se levem a cabo diligências de prova, quer requeridas pelas partes, quer mesmo oficiosamente, quando sejam úteis, relevante ou necessárias para a descoberta da verdade material.

Efetivamente, o princípio do inquisitório encontra-se consagrado no n.º 1 do art.º 99.º da LGT, nos termos do qual “[o] tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer”, encontrando-se previsto, em termos idênticos, no art.º 13.º do CPPT.

No caso dos autos, face à matéria de facto controvertida, deveria ter sido ordenada a realização de perícia, porque relevante para o julgamento da matéria de facto - “(…) o princípio do inquisitório, a omissão de diligências de prova quando existam factos controvertidos que possam relevar para a decisão da causa, pode afectar o julgamento da matéria de facto, acarretando, consequentemente, a anulação da sentença por défice instrutório.” – ac. do STA de 23/10/2013, proc. n.º 0388/13.

Pelo exposto, nesta parte, relativamente ao referente a provisões para riscos gerais de crédito, a sentença enferma de défice instrutório, devendo ser anulada para a realização da perícia, nos termos do n.º 2, do art. 116.º do CPPT, pelo que fica prejudicado o conhecimento das inconstitucionalidades invocadas pela Recorrente, nos termos do art. 608.º, n.º 2, do CPC.

Passemos então, aos vícios imputados à sentença recorrida na parte referente à correção relativa às “reformas antecipadas”.

Quanto a esta correção invoca a Recorrente, desde logo, nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do art. 125.º, n.º 1, do CPPT, uma vez que o tribunal a quo não analisou o pedido subsidiário formulado pelo Recorrente na sua impugnação judicial, nomeadamente, o da aplicação do método alternativo previsto nas informações n.º 624/99 e n.º 1004/2001 (conclusões 62.º a 65.º, das alegações de recurso).

Contudo, desde logo, e ao contrário do que alega a Impugnante, não existe qualquer pedido subsidiário formulado na p.i., apenas existe um único pedido, o da anulação do ato tributário.

Ora, não se verifica qualquer omissão de pronúncia, porque a sentença pronunciou-se sobre a questão colocada na p.i. referente à correção quanto às “reformas antecipadas”, sufragando o entendimento de que o procedimento da Impugnante não respeita o princípio da especialização dos exercícios, sendo que, implicitamente, adotou o entendimento vertido nas orientações administrativas que suportaram a correção, e cujo entendimento aí vertido a Impugnante também coloca em causa. A sentença recorrida não tem de se pronunciar sobre todos os argumentos da Impugnante, e nessa medida, quando muito, ao não ter adotado o outro argumento vertido na p.i. não consubstancia nulidade da sentença, mas antes erro de julgamento.

Pelo exposto, não se verifica a nulidade invocada.

Prosseguindo no que diz respeito aos vícios imputados à sentença recorrida na parte referente à correção relativa às “reformas antecipadas”.

Invoca ainda a Recorrente que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito, sendo que ao contrário do que concluiu o tribunal recorrido, o que releva para efeitos fiscais são as dotações efetuadas ao Fundo de Pensões e reconhecidas contabilisticamente de acordo com as normas do Banco de Portugal, e não o valor pago por este aos trabalhadores, já que o custo suportado pelo contribuinte corresponde ao valor daquelas dotações e não ao valor efetivamente pago pelo Fundo (conclusões 66.º a 82.º, das alegações de recurso). Mais invoca que entendimento contrário viola os princípios da justiça e da igualdade, constitucionalmente consagrados nos artigos 266.º, n.º 2 e 13.º da CRP (conclusão 82.º a 85.º das alegações de recurso).

Apreciando.

Resulta do relatório de inspeção que a correção em causa, no valor de 787.530,39€ assentou no entendimento da AT de que, apesar dos pagamentos efetuados pelo fundo de pensões no exercício de 2002 aos colaboradores do Banco que se reformaram antecipadamente revestirem a natureza de custos nos termos do art. 23.º, n.º 4 do CIRC, estes deveriam atentar ao princípio da especialização dos exercícios (art. 18.º, do CIRC) e nessa medida, adotou-se o entendimento vertido na informação n.º 624/99 “(…) os encargos em questão (…) serão na ótica da empresa, considerados como custo dos exercícios a que respeitam as remunerações – os do pagamento das pensões – sendo o valor das dotações destinadas à cobertura das responsabilidades em questão diferido e imputado a custos dos vários exercícios, em que os trabalhadores se mantiverem na situação de reforma antecipada, de forma proporcional às remunerações que nesses exercícios seriam pagas se os trabalhadores se mantivessem ao serviço da empresa”.

Antes de mais, e quanto ao princípio da especialização dos exercícios cumpre sublinhar que no caso em apreço não é colocada em causa a efetividade dos custos, nem existe qualquer comportamento que possa sequer, indiciar qualquer prevaricação pela Impugnante, muito pelo contrário, existe uma base legal para que a Impugnante tenha adotado o procedimento contabilístico que foi questionado pela AT, e portanto, não nos parece que o princípio da especialização dos exercícios possa constituir fundamento suficiente para sustentar a correção em causa, até porque a alínea a), do n.º 3, do art. 17.º do CIRC dispõe no sentido de que a contabilidade deve estar organizada com a normalização contabilísticas e outras disposições legais em vigor para o respetivo sector de atividade, apenas excecionando que devem ser observadas as disposições previstas no CIRC.

Como se escreveu no acórdão do TCA Sul de 13/05/2021, proc. n.º 1528/07.7BELSB “O princípio da especialização dos exercícios encontra-se consagrado no artigo 18.º do CIRC e tem uma densidade vinculativa elevada, não tolerando, fora dos casos expressamente consignados na lei, qualquer margem de manobra do contribuinte na afetação temporal dos movimentos económico-financeiros da empresa, devendo, no entanto, ser sopesado com os demais princípios constitucionais basilares, mormente, da justiça. II-Numa situação em que não é colocada em causa a efetividade dos custos e a sua documentabilidade, e já não é possível fazer-se a correção simétrica, por razões de tempestividade, então a AT deve abster-se de tributar, ressalvadas, claro, as situações em que tenha existido uma intenção deliberada de transferência de custos com o intuito de lesar o Estado.
III-Não resultando do acervo fático dos autos, por um lado, que ocorreu uma transferência de resultados com um intuito fraudulento, e por outro lado, que está inviabilizada a alocação desse custo ao exercício correspondente, ter-se-á, de propugnar pela anulação da correção.”


Na verdade, in casu, a Impugnante, enquanto instituição financeira, apurou os valores dedutíveis a título de custos de acordo com os seus registos contabilísticos que se encontram em conformidade com o Aviso do Banco de Portugal n.º 12/2001, de 23 de novembro, que estabelecia que os bancos devem reconhecer, anualmente, os acréscimos de responsabilidades resultantes de programas de reformas antecipadas, registando-as de acordo com a alínea c) do n.º 1, do parágrafo 2.º como “despesas com custo diferido”, sendo amortizáveis no prazo máximo de 10 anos a contar da data efetiva da reforma. Ou seja, a Impugnante no que diz respeito ao reconhecimento de custos com as reformas antecipadas no exercício de 2002, seguiu as regras contabilísticas que lhe são impostas pelo Banco de Portugal, pelo que, nenhuma irregularidade existe nos dados inscritos na contabilidade da Impugnante que constitua fundamento válido para fazer cessar a presunção de veracidade de que goza os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade (cf. art. 75.º, n.º 1, da LGT).

Ora, é verdade que frequentemente o legislador introduz regras fiscais que divergem das regras contabilísticas, e nessa medida, o contribuinte deve na sua modelo 22 proceder aos respetivos acréscimos e deduções, de modo a que a apuramento do lucro tributável se faça de acordo com as regras constantes do CIRC.

Sucede que, à época, neste particular, o Código do IRC, não regulava, especificamente esta matéria, introduzindo desvios às regras contabilísticas, não estabelecia para as reformas antecipadas qualquer limite à sua dedutibilidade por concretização do princípio da especialização dos exercícios. Ou seja, o CIRC não impunha sobre qualquer correção fiscal à contabilidade para efeitos de IRC, e nessa medida, prevalecem os dados e apuramentos inscritos na contabilidade que gozam da presunção de veracidade nos termos do disposto no art. 75.º, n.º 1 da LGT, que não podem ser afastados através de orientações administrativas, uma vez que não vinculam os contribuintes.

Repare-se que no próprio relatório de inspeção (cf. ponto IX. do relatório final) é reconhecida a falta de regulamentação existente no CIRC, e por isso, a necessidade de assentar a correção em instruções administrativas, nomeadamente, na informação n.º 624/99, n.º 1004/2001, n.º 1974/2002, e n.º 1788/2002, cujos entendimentos vertidos nas mesmas, foram sancionadas por Despacho do Diretor-Geral dos Impostos. No relatório de inspeção expressamente se diz que as correções em causa tiveram como base o entendimento vertido nessas informações “na ausência de critério legal para concretizar o princípio da especialização” dos exercícios.

Sucede que essa fundamentação vertida no relatório de inspeção não colhe, não tem a virtualidade de se substituir ao CIRC e afastar a presunção de veracidade dos dados inscritos na contabilidade de que beneficia o contribuinte, porque as orientações ou instruções administrativas apenas vinculam a AT.

Efetivamente, a doutrina é pacífica nesse entendimento, os “despachos interpretativos, as instruções e as circulares dimanadas da Administração Fiscal para esclarecer ou uniformizar o entendimento da lei e o procedimento dos serviços [, tendo] de peculiar o facto de desenvolverem a sua eficácia exclusivamente na ordem interna da Administração de onde provêm. Não vinculam nem os contribuintes, nem os tribunais. E por isso, ao contrário do que com os regulamentos sucede, não são fonte de direito, mas meras resoluções administrativas” (cf. Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, I, Lisboa, 1974, págs. 139 e 140).

“As chamadas orientações administrativas, tradicionalmente apresentadas [nas] mais diversas formas como instruções, circulares, ofícios-circulares, ofícios-circulados, despachos normativos, regulamentos, etc., e que são muito frequentes no direito dos impostos (...), por terem como destinatário apenas a administração tributária, só esta lhes deve obediência, sendo, pois, obrigatórios apenas para os órgãos situados hierarquicamente abaixo do órgão autor dos mesmos” (cf. José Casalta Nabais, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2000, pág. 180).

De igual modo, a jurisprudência é pacífica no sentido de que as circulares não constituem fonte de direito, mas apenas a manifestação geral do entendimento da Administração tributária, cujo conteúdo só vincula os Serviços: “As circulares administrativas em matéria tributária têm valor simplesmente administrativo, vinculando apenas os órgãos da Administração Fiscal mas sem carácter normativo direto para os contribuintes ou para os tribunais” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 15 de Novembro de 1995, Processo n.º 19.451, em idêntico sentido, ac. do STA de 21/06/2017, Processo n.º 0364/14).

Pelo exposto, a AT não pode fazer assentar a correção em causa nos autos, nomeadamente limitando o quantum dos custos dedutíveis anualmente, com fundamento no princípio da especialização dos exercícios, porque a repartição anual dos custos se encontra regularmente inscrita na contabilidade, de acordo com as regras contabilísticas legalmente aplicáveis à Impugnante enquanto Instituição Financeira, sendo certo que a lei fiscal, nomeadamente o CIRC, não prevê expressamente, qualquer restrição à dedutibilidade destes custos regularmente contabilizados. Assim sendo, a atuação contabilística da Impugnante encontra guarida na alínea a), do n.º 3, do art. 17.º do CIRC que dispõe no sentido de que a contabilidade deve estar organizada com a normalização contabilísticas e outras disposições legais em vigor para o respetivo sector de atividade, apenas excecionando que devem ser observadas as disposições previstas no CIRC, exceção que, à época não se verifica pela ausência de regulamentação da matéria no Código do IRC.

Pelo exposto, e nesta parte, relativamente às correções relativas às “reformas antecipadas” assiste razão à Recorrente quanto ao erro de julgamento de direito de que enferma a sentença recorrida, que nesta parte, deverá ser revogada.

Finalmente cumpre apenas referir que na conclusão 86.º da Recorrente vem requerer, ao abrigo do disposto no art. 614.º, n.º 2 do CPC, a retificação do excerto da sentença quanto à dispensa do remanescente da taxa de justiça, nada mais há a decidir, pois a fls. 582 dos autos a Meritíssima Juíza a quo, para além de ser pronunciar sobre as nulidades arguidas no sentido da sua não verificação, entendeu não se verificar qualquer erro de escrita na decisão quanto à dispensa do remanescente da taxa de justiça.

Em suma, a sentença recorrida na parte referente às provisões para riscos gerais de crédito, enferma de défice instrutório, devendo ser anulada para a realização da perícia, nos termos do n.º 2, do art. 116.º do CPPT, e quanto à parte refente às “reformas antecipadas” deverá ser revogada por erro de julgamento de direito.

Vencida na presente causa a Recorrida na parte em que se concedu provimento ao recurso, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas nesta parte (n.º 1, 1.ª parte), sendo sem custas na parte em que se anula a sentença recorrida.
Contudo, a recorrida não tendo apresentado contra-alegações não é responsável pelo pagamento da taxa de justiça – cf. acórdão do STA de 13/12/2017: “I - As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (artigos 529.º n.º 1, do CPC, e 3º, nº 1, do RCP). II – A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente (artigos 529º, nº 2, e 6º, nº 1, do CPC) e apenas é devida no seu pagamento pela parte que demande (artigo 530.º n. 1, do CPC).

Nos termos do n.º 7 do art. 6.º do RCP, «[n]as causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».

In casu, atendendo à complexidade da causa e a conduta processual das partes, e mais ponderado o montante da taxa de justiça que será devida com base no valor da causa, face ao concreto serviço prestado, revela-se adequado e necessário face ao princípio da proporcionalidade, dispensar o remanescente da taxa de justiça, nos termos do n.º 7 do art. 6.º do RCP.
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Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

I - Deve ser ordenada oficiosamente a prova pericial, nos termos do art. 116.º, n.º 2 do CPPT, quando a perceção e a apreciação de factos exigem conhecimentos especiais que o julgador não possui, sendo necessário o parecer de técnicos especializados;

II - A AT não pode efetuar uma correção relativa a “reformas antecipadas”, nomeadamente limitando os respetivos quantum dos custos dedutíveis anualmente, com fundamento no princípio da especialização dos exercícios e orientações administrativas, quando a repartição anual desses custos se encontra regularmente inscrita na contabilidade de acordo com as regras contabilísticas legalmente aplicáveis à Impugnante enquanto Instituição Financeira, nomeadamente de acordo com as regras emanadas pelo Banco de Portugal, quando a lei fiscal, in casu, o CIRC, não prevê expressamente, qualquer restrição à dedutibilidade destes custos regularmente contabilizados, tal como resulta da aplicação do disposto na na alínea a), do n.º 3, do art. 17.º do CIRC.

DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção, da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul:
i) anular a sentença recorrida na parte referente às correções relativas às provisões para riscos gerais de crédito, devendo os autos regressarem à 1.ª instância, para a instrução dos autos supra enunciada, e subsequente tramitação, e prolação nova decisão quanto a esta correção impugnada;

ii) quanto ao mais objeto do recurso, conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida.
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Custas pela Recorrida na parte em que se concede provimento ao recurso, dispensando-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça, sendo que não é responsável pelo pagamento da taxa de justiça, porque não contra-alegou.
D.n.
Lisboa, 7 de abril de 2022.

Cristina Flora (Relatora)

Patrícia Manuel Pires (1.ª adjunta)

Vital Lopes (2.º adjunto)