Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:221/19.2BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:11/14/2019
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL;
REJEIÇÃO LIMINAR;
MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO.
Sumário:I – Dispõem as alíneas b) e c) do nº1 do artigo 209º do Código de Procedimento e Processo Tributário (rejeição liminar da oposição) que, recebido o processo, o juiz rejeitará logo a oposição por não ter sido alegado algum dos fundamentos admitidos no n.º 1 do artigo 204.º e por ser manifesta a improcedência.

II - A manifesta improcedência da pretensão do Oponente justifica a prolação de despacho de rejeição liminar.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

G……., Lda, melhor identificada nos autos, veio deduzir Oposição ao Processo de Execução Fiscal n.º 1139-2019/0100…. .

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, por decisão de 03 de Abril de 2019, rejeitou a Oposição por ser manifesta a improcedência.

Não concordando com a decisão, a G…….., Lda veio interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:

«a) A sentença recorrida não tem em conta a especificidade da origem da liquidação.

b) Esta especificidade assenta no facto de a liquidação resultar da previsão legal dos n.ºs 3 e 7 ambos do art.º 139.º do CIRC que determinam em conjugação que não há reclamação e ou impugnação da liquidação que vier a resultar da violação do n.º 3 do art.º 139.º do CIRC.

c) A sentença recorrida entende que a liquidação, por ser de IRC é sempre suscetível de impugnação e ou reclamação e que portanto não há que admitir a oposição, por não ser meio processual próprio.

d) Erra, salvo o devido respeito, a sentença recorrida, uma vez que o n.º 7 do art.º 139.º do CIR proíbe meio de impugnação e ou reclamação contra liquidação que provenha de incumprimento do n.º 3 dessa mesma norma.

e) O n.º 3 e o n.º 7 do art.º 139.º do CIRC é inconstitucional por violação da al. b) do art.º 9.º da CRP, do n.º 3 do art.º 18.º da CRP, do n.º 4 do art.º 20.º da CRP, dos n.ºs 1 e 10 do art.º 32.º da CRP e dos n.ºs 2 e 3 do art.º 215.º da CRP, uma vez que não pode haver liquidação que configure um ataque ao sujeito passivo de que não se possa reclamar e ou impugnar. O sujeito passivo não pode ser atacado por meio de liquidação de que não possa reclamar e ou impugnar; a oposição não é meio único e bastante, porque na fase da dedução de oposição, já existe PEF, já existem penhoras e já o sujeito passivo / contribuinte está numa posição subjugado ao poder fa máquina de cobrança fiscal.

f) A sentença recorrida não acautela o cumprimento da al. H) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT, errando na interpretação da sua utilização, em conjugação com o erro em que também caiu quando refere que a liquidação em causa é suscetível de reclamação e de impugnação, quando os n.ºs 3 e 7 do art.º 139.º do CIRC referem que não o é.

g) A recorrente entende que a interpretação das normas em causa é esta: quando dos n.ºs 3 e 7 do art.º 139.º do CIRC, resulte uma liquidação e posteriormente um PEF, pode ocorrer oposição com base na previsão da al. h) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT por não existir outro meio de reclamação, impugnação ou recurso para essa liquidação (por estar proibido ou melhor por não ser autorizada pelos n.º 3 e 7 do art.º 139.º do CIRC).

Pelo exposto deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente e a sentença recorrida revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos de oposição, por tanto ser de Direito e de Justiça!»


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A Recorrida optou por não contra-alegar.
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*O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.


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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

A sentença recorrida rejeitou a oposição à execução deduzida pela ora Recorrente por ter considerado ser manifesta a improcedência da mesma.

Para tanto, teceu as seguintes considerações:

“(…)A Oponente invoca como primeiro fundamento da sua Oposição o disposto no artigo 204.°, n.° 1, alínea a), do CPPT que determina que a Oposição pode ter como fundamento a "Inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor á data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respectiva liquidação".

Trata-se da "ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação, que se distingue da «ilegalidade em concreto» por na primeira estar em causa a ilegalidade do tributo e não a mera ilegalidade do acto tributário ou da liquidação; isto c, na ilegalidade abstracta a ilegalidade não reside directamente no acto que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação real a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o acto foi praticado" - cfr. JORGE DE SOUSA, ob. cit., nota 4 ao artigo 204.°.

Ora, no ponto, a Oponente sustenta que é inconstitucional a norma que proíbe a reclamação/impugnação de um tributo e, em consequência, que não pode ser havida como válida e eficaz a certidão de dívida que decorre do tributo em questão, nem sequer e por consequência ser dada cobrança a essa certidão de dívida.

Ou seja, a causa de pedir subordinante da Oponente é a inconstitucionalidade da norma que proíbe a reclamação/impugnação do tributo, não do próprio tributo.

Pelo que é manifesto que a Oposição não pode, por aqui, proceder.


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Como segundo fundamento da Oposição, a Oponente apresenta o disposto no artigo 204.°, n.° 1, alínea h), do CPPT que determina que a Oposição pode ter como fundamento a "Ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação".

Ora, nos termos da parte final desta norma, este fundamento apenas é admissível quando a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação.

Como vem alegado, a dívida exequenda tem origem em liquidação de IRC, sendo que a lei prevê meio judicial de impugnação deste acto. Desde logo, o n.° 1 do artigo 137.° do Código do IRC garante que os sujeitos passivos podem impugnar a liquidação de IRC, efectuada pelos serviços da Administração Fiscal, com os fundamentos e nos termos estabelecidos no Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Assim, com fundamento em qualquer ilegalidade do acto de liquidação de IRC, pode ser deduzida Impugnação Judicial - cfr. os artigos 99.° e 102.° do CPPT.

Certo que o artigo 139°, n.° 7, do CIRC, para prova do preço efectivo na transmissão de imóveis impõe a existência de um procedimento especial que funciona, nestes casos, como condição de impugnabilidade. Mas tal não obsta à conclusão de que o CIRC assegura meio judicial de impugnação contra o acto de liquidação, antes impõe a conclusão contrária: que é possível a impugnação da liquidação e que a prova deve ser feita através de procedimento próprio. Se o sujeito passivo entender que esse procedimento não é necessário, por padecer do vício de violação de lei ordinária ou constitucional, deve discuti-lo na própria Impugnação por ser o meio judicial que a lei lhe garante.

Pelo que estando assegurado meio judicial de impugnação da liquidação, é manifesto que não é procedente a dedução de Oposição à Execução também com fundamento na alínea li) do n.° 1 do artigo 204.° do CPPT.(…)”

III – Direito

Cumpre decidir.

A questão objecto do presente recurso consiste em saber se incorreu em erro de julgamento a decisão recorrida ao indeferir liminarmente a oposição por entender ser manifesta a sua improcedência, na medida em que não foram invocados quaisquer fundamentos de oposição, pretendendo a Recorrente discutir a legalidade em concreto da dívida exequenda, sendo que para tal pretensão existe meio processual adequado.

Vem, por outro lado, invocada pela Recorrente a inconstitucionalidade dos nºs 3 e 7 do artigo 139º do CIRC, por violação da alínea b) do artigo 9º da CRP, do nº3 do artigo 18º da CRP, do nº4 do artigo 20º da CRP, dos nº1 e 10 do artigo 32º da CRP e dos nºs 2 e 3 do artigo 215º da CRP, uma vez que não pode haver liquidação que configure um ataque ao sujeito passivo de que não se possa reclamar ou impugnar.

Vejamos.

A decisão recorrida (fls. 23 e 24) rejeitou liminarmente a oposição, por manifesta improcedência, com a seguinte fundamentação:

· por um lado, vindo invocada a inconstitucionalidade da norma que proíbe a reclamação/impugnação do tributo e não do tributo, que não é subsumível ao preceituado na alínea a) do nº1 do artigo 204º do CPPT, é manifesta a improcedência da oposição;

· por outro lado, estando em causa dívida proveniente de liquidação de IRC, a lei prevê meio judicial de impugnação deste acto (a que não obsta a exigência do procedimento especial previsto no nº7 do artigo 139º do CIRC), pelo que é manifesta a improcedência da oposição com fundamento na alínea h) do nº1 do artigo 204º do CPPT.

Vejamos, então, se se verifica fundamento para o despacho de rejeição/indeferimento liminar.

Dispõem as alíneas b) e c) do nº1 do artigo 209º do Código de Procedimento e Processo Tributário (rejeição liminar da oposição) que, recebido o processo, o juiz rejeitará logo a oposição por não ter sido alegado algum dos fundamentos admitidos no n.º 1 do artigo 204.º e por ser manifesta a improcedência.

A jurisprudência do STA já, por várias vezes, expressou o entendimento de que o indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo em todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo.
Assim, o despacho de indeferimento liminar só é admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e razoavelmente indiscutível que torne dispensável assegurar o contraditório (art. 3.º, n.º 3, do CPC (Redacção então em vigor.)) e inútil qualquer instrução e discussão posterior, isto é, «quando o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, seja desperdício manifesto de actividade judicial» - cf. neste sentido o Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 26.09.2012, recurso 377/12, de 16.05.2012, recurso 212/12, de 12.01.2011, recurso 766/10 e de 24.02.2011, recurso 765/10, todos in
www.dgsi.pt.

No caso apreço, adiante-se desde já, entendemos que a improcedência da pretensão do oponente é clara e indiscutível justificando a prolação do despacho de indeferimento liminar.

Da análise global da petição inicial é indubitável que a Recorrente não invoca qualquer fundamento de oposição subsumível aos previstos no artigo 204º do CPPT.

Efectivamente, como bem refere a sentença recorrida, a invocada inconstitucionalidade é estranha aos pressupostos de direito da liquidação de IRC que está na origem da dívida exequenda, uma vez que se refere à norma que limita a impugnação/reclamação, pelo que não se pode considerar fundamento de oposição àquela execução, como bem decidiu a sentença recorrida. De referir que a Recorrente sempre poderia ter deduzido impugnação judicial da liquidação de IRC invocando essa mesma inconstitucionalidade (do nº7 do artigo 139º do CIRC). No entanto, como o não fez em momento oportuno, não é a oposição à execução fiscal que pode suprir a sua inércia.

Por outro lado, o que a Recorrente pretendia era discutir a legalidade concreta da liquidação de IRC, o que não é admissível em sede de oposição à execução fiscal, salvo se reunidas as circunstâncias previstas na alínea h) do nº1 do artigo 204º do CPPT, o que não se verifica no caso, já que, como se diz na sentença recorrida, a Recorrente sempre poderia ter deduzido impugnação judicial daquela liquidação, não obstante a exigência de procedimento especial previsto no nº7 do artigo 139º do CIRC, condição de impugnabilidade, não cumprida pela Recorrente.

Isto dito, temos por verificada a manifesta improcedência da pretensão da Recorrente, justificativa da prolação de despacho de rejeição liminar, pelo que improcedem as conclusões de recurso.

IV - Decisão


Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 14 de Novembro de 2019


(Isabel Maria Fernandes)

(Catarina Almeida e Sousa)

(Benjamim Barbosa)