Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2716/04.3BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:06/24/2021
Relator:LUISA SOARES
Descritores:IRC
CUSTOS DEDUTÍVEIS
INDISPENSABILIDADE
Sumário:I- Nos termos do art. 23º do CIRC, na redacção ao tempo, um custo é fiscalmente dedutível se estiver comprovado e for indispensável para a realização dos proveitos.
II. A indispensabilidade assenta numa relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, visando direta ou indiretamente, a obtenção de lucros, tendo presente o seu objecto societário.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

A Fazenda Pública, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada por L....., SA., contra o indeferimento da reclamação graciosa interposta contra a liquidação adicional de IRC do exercício de 1997 no montante de € 310.242,49.

A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:
“I.
A Fazenda Pública considera que a decisão recorrida não faz, salvo o devido respeito, uma correta apreciação da matéria de facto relevante e não faz uma acertada aplicação e interpretação das normas legais aplicáveis ao caso sub judice.
II.
Da análise dos fundamentos da correção que constam do relatório, bem como dos documentos carreados para os autos, bem como do depoimento da testemunha, verificamos que não se encontra resposta adequada para o caso concreto, nomeadamente no que diz respeito a gastos com ofertas (computadores, carro, cristais).
III.
A douta sentença recorrida entende que os custos contabilizados pela impugnante como relativos a promoção e publicidade, nos quais inclui a aquisição de computadores, um automóvel, cristais, jornadas de caça, constituem gastos relacionados com a promoção dos produtos que a impugnante fabrica e comercializa.
IV.
Contudo, verificamos que os documentos não identificam os destinatários dos bens, não sendo por isso possível aferir se o montante do gasto referente a ofertas, nomeadamente de computadores, taças, bandejas, cristais e um automóvel constituem ou não despesas no âmbito da atividade da empresa.
V.
Com efeito, verificamos que os documentos apresentados pelo sujeito passivo não permitem aferir quem são os beneficiários das ofertas, e consequentemente em que medida o custo poderia contribuir para a formação de proveitos.
VI.
A sentença recorrida ter-se-á porventura baseado no depoimento da testemunha. Contudo, do depoimento da mesma não resulta que o mesmo tenha tido conhecimento direto de quem foram os beneficiários, sendo certo que o mesmo não especifica o que foi dado e a quem.
VII.
Com efeito, a testemunha começa por esclarecer que não se encontrava ainda ao serviço da empresa em 1997, tendo iniciado funções em 2000, tendo acompanhado a ação de inspeção.
VIII.
Não se compreende assim como pode a testemunha afirmar que os bens das ofertas tiveram determinado destino, não sendo os beneficiários identificáveis na contabilidade da sociedade.
IX.
De facto, se a informação referente aos beneficiários estivesse na contabilidade, esta teria sido apreendida pelos serviços de inspeção, e não foi.
X.
Importa salientar nomeadamente que nem sequer se encontra identificado a quem foi atribuído o Renault Twingo supostamente sorteado entre os trabalhadores, ficando assim por se saber se o mesmo teve aquele destino ou se afinal o destino foi outro.
XI.
Em suma, não basta que em abstrato uma despesa possa hipoteticamente configurar um gasto, sendo necessário que a empresa justifique, nomeadamente pela identificação concreta dos beneficiários de cada bem como do âmbito ou contexto da sua atribuição, pois só assim será possível relacionar o gasto com a atividade.
XII.
Assim sendo, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar procedente a presente impugnação judicial, enferma de erro de julgamento e de interpretação de lei e viola o disposto artigo 23.º do CIRC.
XIII.
Relativamente às despesas com alojamento e deslocações, despesas de viagens e rendas, a sentença considera que o pagamento das despesas não configura uma duplicação de despesas como defende a Autoridade Tributária e Aduaneira no relatório final do procedimento inspetivo, mas sim como um ato de gestão empresarial.
XIV.
A Fazenda Pública não se pode conformar com a douta sentença, porquanto o pagamento de despesas com alojamento, deslocações, viagens e rendas quando suportado em duplicado não poderá ser considerado em qualquer situação, um ato de gestão empresarial, pois se o gasto é suportado por uma via, não se pode considerar que o trabalhador tem sempre direito à mesma compensação por outra via, impondo-se assim verificar caso a caso se o pagamento corresponde a uma despesa efetivamente relacionada com o âmbito da atividade da empresa.
XV.
De igual modo, relativamente às deslocações em viatura própria, considerou a sentença recorrida que os documentos comprovativos em sede de IRC não têm de assumir as formalidades essenciais exigidas para as faturas em sede de IVA.
XVI.
Contudo, não basta dar como provado que a cliente tinha clientes em todo o território nacional para que por esse facto se aceite toda e qualquer deslocação em qualquer parte do país, impondo-se estabelecer um nexo lógico de causalidade em função de cada trabalhador e das suas funções concretas.
XVII.
Não se encontrando demonstrada a indispensabilidade dos custos para a obtenção de proveitos, cabendo ao sujeito passivo o ónus de o demonstrar nos termos do artigo 23º do CIRC, quando questionado pela AT, não poderá aceitar-se a dedução do custo.
XVIII.
Juros e diferenças de câmbio: A douta sentença julga procedente a impugnação baseando-se na informação da reclamação graciosa.
XIX.
Contudo, a Fazenda Pública não pode conformar-se com a douta sentença porquanto da fundamentação da decisão da reclamação graciosa, não consegue a Fazenda Pública extrair a possibilidade de deduzir custo em 1997.
XX.
A reclamação graciosa refere que verificou que tal montante foi considerado como proveito em 2000 após reclamação de créditos, pelo que, se o sujeito passivo acrescer em 1997, teria de deduzir o custo no ano 2000.
XXI.
Refere ainda que não se conclui que os valores tenham sido acrescidos no exercício de 2000.
XXII.
Relativamente à correção referente a indemnização, a douta sentença julga procedente por considerar que já não é possível a correção simétrica, por razões e tempestividade.
XXIII.
Importa no entanto salientar que, em qualquer caso se impunha que se encontrasse demonstrados os pressupostos das operações, nomeadamente através do necessário suporte documental.
XXIV.
Face ao exposto, não se considera demonstrada a indispensabilidade do custo nos termos do artigo 23º do CIRC.
XXV.
É de referir que foi emitido parecer pelo Ministério Público, no sentido de ser negada procedência à impugnação.
XXVI.
Assim sendo, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar procedente a presente impugnação judicial, enferma de erro de julgamento e de interpretação de lei e viola o disposto no artigo 23.º do CIRC.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente.
Porém, V. Exªas decidindo, farão a costumada JUSTIÇA.”.

* * *
A Recorrida não apresentou contra-alegações.
* *
O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao presente recurso.
* *
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito por violação do disposto no art. 23º do CIRC, ao ter julgado parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra o indeferimento da reclamação graciosa interposta contra a liquidação adicional de IRC do exercício de 1997.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão:
A) A impugnante dedica-se à industria farmacêutica, fabricação de medicamentos que comercializa, nomeadamente, junto dos hospitais e farmácias (cf. artigo 5º da pi);

B) Em 1998.05.29, a Impugnante preencheu e entregou a declaração de rendimentos modelo 22, relativa ao exercício de 1997 (cf. doc. nº 1, a fls. 16 do suporte físico do processo);

C) A declaração de rendimentos identificada na alínea que antecede foi alvo de ação de inspeção que corrigiu a matéria coletável declarada em € 588 030,29 (cf. fls. 510 do PA);

D) Do relatório elaborado pela Equipa 30 dos Serviços de Inspeção Tributária da 1ª Direção de Finanças de Lisboa, constante de fls. 507 a 515 do PA e que aqui se dá por integralmente reproduzido, transcreve-se:
(…)
Da análise interna da Declaração Modelo 22 de 1997, verificou-se que:
1) Foram contabilizados na conta 62 - Fornecimentos e Serviços Externos, nas rubricas de 62212, - Combustíveis: 62217, - Deslocações e estadas: 62218, - Ofertas: 62219 - Rendas, etc. (…), diversos custos, no montante de PTE: 67.642.533$00, (…) que não estão devidamente documentados, [alínea h) do n° 1 do artigo 41° do CIRC] e outros que simultaneamente não se consideram comprovadamente indispensáveis para a formação dos proveitos (artigo 23° CIRC).
- Foram contabilizados na subconta 62218 - Ofertas, diversos custos no montante de PTE 3.926.999$00, onde não foram identificados os destinatários das referidas ofertas de modo a comprovar a indispensabilidade de tais custos para a formação dos proveitos, de acordo com o estipulado no artigo 23° CIRC e ofício n° 5764 do SAIR de 02/03/93. Por outro lado, não ficou demonstrado, em todas as ofertas, o tipo de relações existentes entre a A..... e os destinatários das ofertas e em que medida o custo com estas ofertas contribuiu para a formação dos proveitos.
- Os montantes contabilizados na rúbrica de “Ofertas” são relativos a computadores, um carro, cristais, jornadas de caça, etc. Estes custos não são indispensáveis para a formação dos proveitos (artigo 23° CIRC), uma vez que nada nos prova que estes custos contribuíram para a formação dos proveitos.
Foram contabilizados na conta 62227 - Deslocações e Estadas, em diversas subcontas, custos no montante de PTE 2.456.149$00 na subconta 6227100015, relativos a despesas com alojamentos, lavandaria e restaurantes. Simultaneamente eram pagos, nos mesmos documentos, aos mesmos empregados e nos mesmos períodos “ajudas de custo” e nalguns casos subsídios de refeição. As ajudas de custo englobam a alimentação e o alojamento. Assim parece-nos haver uma duplicação de custos, pelo que as despesas com alojamentos, lavandarias e restaurantes são objeto de correção (artigo 23° CIRC).
Está contabilizada ainda na conta 62227, a verba de PTE 47.650.134$00 relativos a:
- Diversos documentos com km percorridos por vários empregados, em viaturas próprias. Nalguns casos foi efetuado de forma muito sucinta um boletim itinerário. No entanto, em nenhum foi indicado, em simultâneo, os dias da deslocação, com indicação do local e hora de partida o percurso efetuado e o local e hora de chegada e o motivo das deslocações.
- Quilómetros em viatura própria, cujos documentos de suporte não foram emitidos pelos próprios empregados, mas sim pela Administração que informava do pagamento a diversos empregados, de um montante e indicava os dias da deslocação e o número de km que esses empregados tinham efetuado. Neste caso, parece-nos impossível, que os empregados tenham efetuado nos mesmos dias o mesmo número de km. Dado terem-se deslocado diversos empregados, com o mesmo trajeto, nos mesmos dias teria sido mais vantajoso para a empresa alugar um transporte coletivo para que os seus empregados se deslocassem, de forma confortável, descansada e segura e assim pudessem dar mais rentabilidade nesses dias à empresa. Não se provando a indispensabilidade deste tipo de custos, os mesmos são acrescidos ao resultado fiscal declarado.
- Foram ainda contabilizadas deslocações ao estrangeiro, cujos documentos de suporte são documentos internos, logo não estão devidamente documentados (alínea h) do n°1 do artigo 41° do CIRC) e outras deslocações, onde não constam os beneficiários das viagens, nem a que titulo se deslocaram. Deste modo não se pode comprovar a indispensabilidade destes custos para a formação dos proveitos (artigo 23° do CIRC).
- Estão ainda contabilizadas rendas de casa, estadias, combustíveis, conservação e reparação, combustíveis, etc., cujos documentos de suporte são documentos internos, além de não estarem devidamente documentados estes custos [alínea h) do n°1 do artigo 41° do CIRC], não se pode aferir da indispensabilidade dos mesmos para a formação dos proveitos (artigo 23° do CIRC)
2) A empresa contabilizou na conta 64 - Despesas com o Pessoal, custos no montante de PTE 2.752.780$00 (…) relacionados com ordenados cujos documentos de suporte são documentos internos. Além de não estarem devidamente documentados estes custos [alínea h) do n°1 do artigo 41° do CIRC], não se pode aferir da indispensabilidade dos mesmos para a formação dos proveitos. Estão ainda contabilizados subsídios de refeição que foram pagos simultaneamente com o pagamento de ajudas de custo, pelo que foram corrigidos, dado não se provar a indispensabilidade dos mesmos para a formação dos proveitos. (artigo 23° do CIRC);
3) Foi contabilizada na conta 65 - Outros Custos e Perdas Operacionais a verba de PTE 43.666$00 relativa a congressos, propondo-se a sua correção por não estar devidamente documentada [alínea h), n°1 do artigo 41°]
4) Foram contabilizados na conta 69, custos 47.450.509S00 (…) relativos a:
- 6980810009 - Indemnização - PTE 34.000.000$00
Não é aceite como custo a importância de PTE 34.000.000$00, contabilizada na subconta 69808 - na rubrica Custos e Perdas Extraordinários - Outros, uma vez que e de acordo com elementos enviados com a audição prévia, se verifica que se trata de um encargo da A..... em relação à sociedade S....., devendo aquela pagar a esta até 16/06/93 a importância de 795.000 francos franceses mais juros. Ora e como vem enunciado no n°2, do artigo 18° do CIRC, só são componentes negativas do exercício as que na data do encerramento são imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas o que não é o caso. Assim, a verba de PTE 34.000.000$00 é acrescida ao resultado fiscal declarado (artigo 18° do CIRC).
Nesta rúbrica não foi aceite como custo a verba de PTE 4.833.312$00, (…) por tratar-se de uma diferença de câmbio de 1987 (art° 18° CIRC).
Estão ainda contabilizadas as verbas de PTE 489.452$00, relativa a 1/97 e PTE 489.452$00, relativa a 2/97, no entanto não nos foi enviado qualquer suporte documental, relativo às mesmas. Pelo que são acrescidas ao resultado fiscal declarado.
Na rúbrica 6980910062 estão contabilizados custos no montante de PTE 7.785.613$00, (…) que se referem a anos anteriores e não obedeceram ao principio da especialização dos exercícios (artigo 18° do CIRC).
DIREITO DE AUDIÇÃO
O contribuinte exerceu o seu direito de audição, nos termos do artigo 60° da Lei Geral Tributária, tendo entregue uma petição escrita, em 08/07/2002, que constituí o anexo 2 de 8 folhas, bem como uma pasta de documentos, que constituem duplicações de documentos que fazem parte do anexo 1.
Embora o contribuinte na sua audição apenas concorde com o valor de PTE 44.461.220$00, a sua petição escrita foi atendida apenas parcialmente, pelo que, as correções propostas de PTE 142.322.421$00 (…), foram alteradas para PTE 117.889.488S00, uma vez que:
Por lapso, foram relacionadas em duplicado, as verbas de PTE 451.207$00 e 191.776$00 aquando da feitura do mapa.
O contribuinte foi ainda atendido no montante de PTE 23.789.950$00 referente a Juros de mora e compensatórios, pois foram justificados os juros de mora e verificou-se que os juros compensatórios foram acrescidos na mod.22 de IRC de 1997.
Para além do que já foi referido apraz-nos acrescentar que
Em relação às Ofertas o Laboratório não teve em consideração a legislação em vigor à data do Ministério da Saúde relativamente ao assunto “ofertas”, nomeadamente o Decreto-Lei 100/94 que referia no seu artigo 10° “Incentivos”, do Decreto-Lei n° 100/94 referia no seu n° 1 - É proibido ao responsável pela promoção de medicamentos dar ou prometer, direta ou indiretamente, ofertas, benefícios pecuniários ou em espécie, com exceção de objetos de valor intrínseco insignificante, e que não estejam relacionados com a prática da medicina ou da atividade farmacêutica.
As ofertas são dadas de uma maneira geral a clientes ou a fornecedores da empresa, ora os médicos, não são nem uma coisa nem outra. Os delegados ao visitarem os médicos para a divulgação dos seus produtos, deveriam apenas fazer a divulgação e promoção dos mesmos e não efetuarem ofertas aliciantes. A saúde pública neste caso é levada para 2º plano, porque em 1º plano apenas interessam as vendas dos produtos do laboratório, e para tal há que induzir os médicos, bastando para tal todo o tipo de ofertas, sendo algumas bastante aliciantes (viagens, um carro, computadores, etc.).
Nas restantes correções, não foram carreados para o processo elementos que alterassem as inicialmente propostas.
(…)

E) Em 2002.09.18, foi emitida a liquidação adicional nº ....., de IRC do exercício de 1997, constante de fls. 24 do suporte físico do processo e que aqui se dá por integralmente reproduzida, com valor a pagar de € 310 242,49 e data limite de pagamento de 2002.11.04;

F) Em 2002.11.05, no Serviço de Finanças de Lisboa-13, deu entrada reclamação contra a liquidação adicional de IRC, constante de fls. 2 a 6 do PA-RG e que aqui se dá por integralmente reproduzida;

G) Em 2004.06.15, pelo Diretor de Finanças Adjunto foi proferido despacho de indeferimento da reclamação apresentada pela Impugnante contra a liquidação adicional de IRC do exercício de 1997, constante de fls. 464 do PA-RG, que aqui se dá como integralmente reproduzida, e da qual se transcreve:
Concordo, pelo que, com os fundamentos constantes do presente projeto de decisão e respetivos pareceres, é o pedido em apreço de indeferir.
Notifique-se para o exercício do direito de audição, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 60º da LGT.
(…)

H) Por carta registada em 2004.06.17, devolvida ao remetente, foi comunicado à Impugnante o projeto de despacho de indeferimento da reclamação e para exercer o direito de participação na decisão, na modalidade de audição prévia (cf. fls. 471 a 473 do PA-RG);

I) Por nova carta registada em 2004.07.07, foi enviado à Impugnante o projeto de despacho de indeferimento da reclamação e para exercer o direito de participação na decisão, na modalidade de audição prévia (cf. fls. 478 a 479 do PA-RG);

J) Em 2004.07.23, a Impugnante exerceu o direito de audição prévia por escrito (cf. fls. 480 a 486 do PA-RG);

K) Por despacho de 2004.10.15, do Diretor de Finanças Adjunto, exarado na informação de 2004.08.25, da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, constante de fls. 493 do PA-RG e que aqui se dá como integralmente reproduzida, foi indeferida a reclamação apresentada pela Impugnante; deste transcreve-se:
Concordo, pelo que convolo em definitivo o projeto de decisão e com os fundamentos constantes daquele, bem como da presente informação e respetivos pareceres.
Indefiro o pedido da reclamante.
Notifique-se.
(…)

L) Da informação de 2004.08.25, da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, constante de fls. 493 a 503 do PA-RG e que aqui se dá como integralmente reproduzida, transcreve-se:
(…)
22.7.Juros
Os juros no montante de € 4 882,75 contabilizados como custos extraordinários do exercício são relativos a encargos suportados mensalmente pela empresa por conta de terceiros a quem prestou garantia.
Tal montante e outros não identificados no âmbito desta análise após possibilidade de reclamação de créditos no processo de recuperação de empresas, foi no exercício de 2000, contabilizado eitos, logo se esse valor for acrescido em 1997 terá de ser deduzido naquele exercício.
Foram analisados os documentados pela reclamante a fls. 438 a 440, e não se conclui que os valores tenham sido acrescidos no exercício de 2000.
(…)

M) Por carta registada com aviso de receção assinado em 2004.10.26, foi comunicado à Impugnante o indeferimento da reclamação graciosa apresentado (cf. fls. 504 e 505 do PA-RG);

N) Por carta registada em 2004.11.10, a presente impugnação foi enviada ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa (cf. fls. 15 do suporte físico do processo);

O) Em 1997.02.04, T....., Lda., emitiu o recibo nº 2/97, a favor de L....., no montante de PTE 105 000$00 (cf. doc. nº 4, a fls. 37 e 38 do suporte físico do processo);

P) Em 1997.02.04, T....., Lda., emitiu a fatura nº 2/97, a favor de L....., no montante de PTE 35 000$00, relativo a jornadas de caça (cf. doc. nº 4, id.);

Q) Em 1997.02.28, S....., Lda., emitiu a venda a dinheiro nº 1966, a favor de L....., mo montante global de PTE 144 000,00, dos quais PTE 39 517$11 – centro, PTE 31 676$42 – taça sirrus, PTE 41 130$06 – taça athena e PTE 31 676$42 – vaso sirrus (cf. doc. nº 5, a fls. 39 do suporte físico do processo);

R) Em 1997.03.11, C....., Lda., emitiu a venda a dinheiro nº 3849, a favor de L....., SA, no montante global de PTE 222 000$00, relativo a computador ..... 150mhz, 16Mb/hd 1.2 Gb (cf. doc. nº 6 a fls. 40 do suporte físico do processo);

S) Em 1997.04.03, C....., Lda., emitiu a venda a dinheiro nº 4172, a favor de L....., SA, no montante global de PTE 429 000$00, relativo a computador ..... 166mhz, 32Mb/hd 2.5 Gb (cf. doc. nº 7 a fls. 41 do suporte físico do processo);

T) Em 1997.04.21, U....., Lda., emitiu a fatura nº 270095, a favor de L....., SA, no montante global de PTE 239 850$00, relativo a PC Pentium Intel 133/16 Ram (cf. doc. nº 8 a fls. 42 do suporte físico do processo);

U) Em 1997.05.15, C....., Lda., emitiu fatura nº 430, a favor de L....., SA, no montante global de PTE 158 999$00, relativo a computador ..... 120mhz, 16Mb/hd 1.2 Gb (cf. doc. nº 9 a fls. 43 do suporte físico do processo);

V) Nos meses de janeiro, março, abril, maio, junho, julho, setembro e dezembro, foram preenchidos boletins de itinerário relativos a deslocações em viatura própria de M..... de Lisboa a Chaves, Guarda, Viseu, Caminha, Vila Real, Setúbal, Porto, Faro, Coimbra e Valença (cf. doc. nº 29 – fls. 134 a 144 do suporte físico do processo);

W) Nos meses de janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, julho, setembro, outubro, novembro e dezembro, foram preenchidos boletins de itinerário relativos a deslocações em viatura própria de M..... de Lisboa ao Carregado e Porto (cf. doc. nº 30 – fls. 145 a 155 do suporte físico do processo);

X) Nos meses de janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro, foram preenchidos boletins de itinerário relativos a deslocações em viatura própria de I..... de Lisboa ao Porto, Leiria, Carregado, Batalha, Portimão, Viseu, Alcoutim, Castelo Branco, Proença a Nova, Cernache do Bom Jardim, Almodôvar, Aveiras de Cima, Constância, Aveiro, Anadia, Sobreda Formosa e Vila Nova de Ourém (cf. doc. nº 31 – fls. 156 a 167 do suporte físico do processo);

Y) Em 1995.05.08, E....., Lda., emitiu 2ª via de fatura recibo nº 1075, a favor de L....., SA, no montante global de PTE 169 065$00, referente a anúncio publicado do produto ..... na Revista de Psiquiatria na Prática Médica (cf. doc. nº 80 a fls. 434 do suporte físico do processo);

Z) Em 1995.07.31, E....., Lda., emitiu 2ª via de fatura recibo nº 1174, a favor de L....., SA, no montante global de PTE 169 065$00, referente a anúncio publicado do produto ..... no nº 4 da Revista de Psiquiatria na Prática Médica (cf. doc. nº 81 a fls. 435 do suporte físico do processo);

AA) Em 1995.05.31, E....., Lda., emitiu 2ª via de fatura recibo nº 1108, a favor de L....., SA, no montante global de PTE 169 065$00, referente a anúncio publicado do produto ..... no nº 3 da Revista de Psiquiatria na Prática Médica (cf. doc. nº 82 a fls. 436 do suporte físico do processo);

BB) Em 1995.11.27, E....., Lda., emitiu 2ª via de fatura recibo nº 1186, a favor de L....., SA, no montante global de PTE 175 500$00, referente a anúncio publicado do produto ..... na Revista de Psiquiatria na Prática Médica (cf. doc. nº 83 a fls. 437 do suporte físico do processo).

b) Factos não provados
Os factos constantes das precedentes alíneas consubstanciam o circunstancialismo que, em face do alegado nos autos, se mostra provado com relevância, necessária e suficiente à decisão final a proferir, à luz das possíveis soluções de direito.

IV – Motivação da decisão de facto
A decisão da matéria de facto, consoante ao que acima ficou exposto, efetuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo e no depoimento da testemunha que os confirmaram.
A testemunha ouvida, M....., economista, muito embora com ligações profissionais à Impugnante, prestou depoimento claro, seguro e com conhecimento dos factos aos quais respondeu.”.
* * *
Nos termos e ao abrigo do preceituado no artigo 662.º do Código de Processo Civil, e após a audição do depoimento da testemunha e ainda por estarem documentalmente provados e serem pertinentes para a boa decisão da causa e das questões colocadas em recurso, acorda-se em aditar ao probatório os seguintes factos:

CC) Em 10/10/97 foi emitida pela Renault a factura nº 003278 em nome de L....., S.A., com referência a um veículo da marca Renault, modelo Twingo, com a matrícula ..... pelo valor de 1.100.000$00 encontrando-se manuscrito na referida factura a menção “concurso 50º aniversário” (cfr. teor do documento de fls. 45 dos autos).

DD) Em 09/06/1993 foi emitida pela I....., SA a interpelação dirigida à impugnante com o seguinte teor:
“ De acordo com o nº 4 do protocolo celebrado em 14 de janeiro de 1993 entre a sociedade S..... e os L....., cuja cópia se anexa à presente w na medida em que V. Exas, não efectuaram a transferência dos produtos mencionados no protocolo, ficam interpelados para efectuarem a esta empresa até 16/06/93 o pagamento de 795.000 francos franceses ou o equivalente em escudos portugueses” (cfr. fls. 446 dos autos).

EE) Por sentença de 14/12/1994 do 1º Juízo Cível de Lisboa foi a Impugnante condenada ao pagamento de 22.506.450$00 acrescida de juros até integral pagamento à I....., SA., tendo a sentença sido confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30/05/1996 (cfr. teor de fls. 468/492 dos autos).

FF) As partes mencionadas na alínea anterior “…assumiram uma solução negociada. Assim, a I..... propõe-se suspender o processo judicial em curso e mandar cancelar de imediato as penhoras das contas bancárias nas seguintes condições :
a) Fixação da dívida em 34.000.000$00
b) Pagamento imediato de 12.000.000$00
c) Pagamento do remanescente em 4 prestações mensais de 5.500.000$00
d) O pagamento das prestações seria garantido por cheques pré-datados” (cfr. teor de fls. 496 dos autos).

GG) Os cheques mencionados na alínea anterior emitidos pela Impugnante encontram-se datados de 22/04/97, 23/05/97, 23/06/97, 23/07/97 e 23/09/97 (cfr. fls. 497/498 dos autos).

HH) A Impugnante pagou em 03/02/1997 e 04/03/1997 juros e encargos mensais ao Banco Mello resultantes duma participação na sociedade S....., SA., e da qual foi avalista (cfr. documentos de fls. 439 a 441 e depoimento da testemunha).

II) As denominadas “jornadas de caça” eram encontros destinados à promoção dos produtos essencialmente junto de médicos e que no final tinham uma actividade de caça (cfr. depoimento da testemunha).

JJ) As taças e vasos eram oferecidos a título de “patrocínios” a actividades lúdicas organizadas por médicos (cfr. depoimento da testemunha).

KK) Os computadores eram oferecidos a centros de Saúde e Hospitais com vista à promoção do laboratório junto dessas entidades e dos médios que lá trabalhavam (cfr. depoimento da testemunha).

LL) O Renault Twingo que foi comprado pela Impugnante a um preço simbólico, foi sorteado por todos os trabalhadores na festa do 50º aniversário dos Laboratórios como um incentivo aos trabalhadores (cfr. depoimento da testemunha).

MM) Os brindes foram oferecidos a todos os convidados para a festa do 50º aniversário dos laboratórios e também para ofertas aos visitantes da Impugnante (cfr. depoimento da testemunha).


IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Por sentença do Tribunal Tributário de Lisboa foi julgada parcialmente procedente a impugnação judicial da liquidação adicional de IRC do exercício de 1997 no valor de € 310.242,49, tendo em consequência sido anulada a referida liquidação excepto na parte relativa à correcção da dedução de despesas de exercícios anteriores no montante de € 22.775,88.

O tribunal recorrido considerou que determinadas despesas efectuadas pela ora Recorrida e que tinham sido desconsideradas pela administração tributária constituíam custos para efeitos do art. 23º do CIRC.

Importa antes de mais analisar o conceito fiscal de custo a que alude o art. 23º do CIRC na redacção ao tempo, segundo o qual “1. Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes (…)”, seguindo-se, na previsão da norma, uma enumeração exemplificativa dos custos, designadamente “b) encargos de distribuição e venda, abrangendo os de transporte, publicidade e colocação de mercadorias”.

A noção de custos ou perdas engloba desta forma todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, procedendo aquela norma a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo.

A definição fiscal de custo assenta numa visão ampla de actividade e de necessidade da empresa, distinguindo entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável, e os que não podem ser aceites para tal efeito. Os custos ou perdas da empresa são dedutíveis fiscalmente quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa e a ausência de qualquer destes requisitos implica a sua não consideração como custos.

Assim, para que o custo seja aceite fiscalmente necessita por um lado de estar comprovado/documentado e por outro de ser indispensável para a realização dos proveitos.

Quanto à comprovação da existência do custo ela será efectuada na maior parte dos casos através da factura respectiva, presumindo-se a veracidade do custo que documenta, no entanto, esse custo pode ser comprovado por outro documento, que, se insuficiente poderá ser complementado através de recurso a outros meios de prova, designadamente outra prova documental e testemunhal.

Neste contexto há ainda de ter em consideração o disposto no então art.º 41.º, n.º 1, al. h), do CIRC, que previa que não eram dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os encargos indevidamente documentados.

O outro requisito é o da indispensabilidade do custo, sendo certo que o juízo de comprovada indispensabilidade é um juízo casuístico, pois só analisando concretamente cada custo poder-se-á aferir da respetiva indispensabilidade.

Como se afirma no Acórdão deste TCA de 14/02/2019 – proc. 74/01.7BTLRS
O requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à A. Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. Não obstante, se a A. Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário”.

Ora na interpretação do art. 23º do CIRC a doutrina e a jurisprudência têm entendido que o requisito da indispensabilidade não se refere à necessidade nem à conveniência, sob pena de intromissão da administração tributária na autonomia e na liberdade de gestão da empresa exigindo-se apenas uma relação de causalidade económica no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa visando directa ou indirectamente a obtenção de proveitos.

Como se menciona no Ac. do TCA Sul já citado “a-É entendimento da jurisprudência que a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa de cariz subjectivista. Um custo é indispensável quando se relacione com a actividade da empresa, sendo que os custos estranhos à actividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão actual do código - cfr.artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica;
b-Um custo indispensável não tem de ser um custo que directamente implique a obtenção de proveitos. Há vários custos que só mediatamente cumprem essa função e que nem por isso deixam de ser considerados indispensáveis, nos termos do artº.23, do C.I.R.C.;
c-A questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (cfr.artº.75, nº.1, da L.G.T.) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível, em sede do citado artº.23, do C.I.R.C.”.

Se o custo não for considerado indispensável, não integrando a previsão do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, pode ser desconsiderado pela administração tributária, cabendo-lhe o ónus da prova de pôr em causa a indispensabilidade desse custo, passando então o contribuinte a ter o ónus da prova de que os custos são indispensáveis, sendo o ónus do contribuinte balizado pelos termos em que a administração tributária fundamentou a sua posição.

Atento o quadro legal acima exposto vejamos o caso em apreço.

Os serviços de inspeção tributária efectuaram diversas correções não tendo sido aceites como custos algumas rubricas por não estarem devidamente documentadas (cfr. alínea h) do nº 1 do art. 41º do CIRC e outras por simultaneamente não se considerarem indispensáveis para a formação dos proveitos (cfr. alínea D) do probatório).

Concretizando, e no que concerne ao objecto do presente recurso importa analisar as despesas efectuadas pela Recorrida quanto à promoção e venda de fármacos, despesas em benefícios dos trabalhadores e indemnização judicial a terceiros.

Resultou do probatório que da análise interna da Declaração Modelo 22 de 1997, os serviços de inspecção tributária verificaram que foram contabilizados na conta 62 - Fornecimentos e Serviços Externos, nas rubricas de 62212, - Combustíveis: 62217, - Deslocações e estadas: 62218, - Ofertas: 62219 - Rendas, etc. (…), diversos custos, no montante de PTE: 67.642.533$00, (…) que não estavam devidamente documentados, [alínea h) do n° 1 do artigo 41° do CIRC] e outros que simultaneamente não se consideraram comprovadamente indispensáveis para a formação dos proveitos (artigo 23° CIRC).

Mais fundamentaram as correções da seguinte forma:

Foram contabilizados na subconta 62218 - Ofertas, diversos custos no montante de PTE 3.926.999$00, onde não foram identificados os destinatários das referidas ofertas de modo a comprovar a indispensabilidade de tais custos para a formação dos proveitos, de acordo com o estipulado no artigo 23° CIRC e ofício n° 5764 do SAIR de 02/03/93. Por outro lado, não ficou demonstrado, em todas as ofertas, o tipo de relações existentes entre a A..... e os destinatários das ofertas e em que medida o custo com estas ofertas contribuiu para a formação dos proveitos. Os montantes contabilizados na rúbrica de “Ofertas” são relativos a computadores, um carro, cristais, jornadas de caça, etc. Estes custos não são indispensáveis para a formação dos proveitos (artigo 23° CIRC), uma vez que nada nos prova que estes custos contribuíram para a formação dos proveitos.”.

Quanto a esta correcção a sentença recorrida verteu a seguinte fundamentação:

“3 .1 Das Ofertas – correção no montante de PTE 3 926 999$00

(…) Estão em causa os custos contabilizados pela Impugnante como relativos a promoção e publicidade e que foram considerados em sede de fiscalização como não indispensáveis para a realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora e acrescidos à matéria coletável.

Os gastos em causa tinham sido contabilizados pela Impugnante na subconta 62218 e dizem respeito a jornadas de caça (artigos 9º a 13 da pi), que a Impugnante alega terem sido um incentivo à participação em uma ação de divulgação de produtos que fabrica, oferta de taças e vasos oferecidos aos participantes em eventos desportivos organizados por Centros de Saúde (artigos 14º a 20º da pi), a um computador oferecido à Associação Portuguesa de Médicos de Clínica Geral de Coimbra, no âmbito de ação de promoção de produtos que fabrica (artigos 22º a 23º da pi), computador oferecido à Chymiotechonon – Centro de Investigação junto da Faculdade de Coimbra, instituição que colabora com a Impugnante na pesquisa de novos produtos e processos (artigos 24º a 27º da pi), computador oferecido ao Serviço de Neurologia do Hospital do Barreiro (artigos 28º a 32º da pi) e a computadores oferecidos ao Hospital Universitário de Coimbra (artigos 34º a 36º da pi).

Vejamos, pois, o que se deve entender por gastos com publicidade e propaganda.

Nos termos do artigo 23/1.b) CIRC, consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os encargos relativos a publicidade.

A questão trazida à liça pela Impugnante, já se pronunciou a jurisprudência dos Tribunais Superiores, nomeadamente nos Ac. TCAS, CT - 2º Juízo, de 2015.05.07, Proc nº 08534/15, (Rel.: Desembargados Joaquim Condesso) e Ac. TCAS, CT, de 2017.01.12, Proc nº 09894/16 (Rel.: Desembargador Joaquim Condesso), disponíveis em www.dgsi.pt, no sentido de se do exame da factualidade provada se conclui que estamos perante despesas que se destinam, não a representar a sociedade impugnante onde esta não se encontra presente (portanto, fora da sua atividade principal), mas a assegurar o normal desenvolvimento do seu objeto social, dentro do circuito económico onde este naturalmente se manifesta, não se podem qualificar tais custos como despesas de representação, mas antes como custos inerentes ao normal desenvolvimento da atividade principal da sociedade impugnante (…), de acordo com a definição do mesmo constante do nº.1 do probatório (comércio por grosso de produtos farmacêuticos), assim devendo enquadrar-se no artº.23, nº.1, al.b), do C.I.R.C., enquanto despesas de publicidade, decisões com as quais concordamos e que vimos seguindo de perto.

Apesar de no relatório final do procedimento de inspeção tributária ser referido que as despesas em causa não estão devidamente documentadas, no sentido de não permitir identificar os beneficiários e a natureza da operação, os gastos não foram qualificados como despesas de representação ou considerados em sede de tributação autónoma, mas apenas acrescidos à matéria coletável por não se ter comprovado a sua indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Ora, o artigo 23º do CIRC deve ser interpretado conjuntamente com o artigo 41º CIRC, com a redação coeva, com a epígrafe encargos não dedutíveis para efeitos fiscais.

Nos termos do artigo 41/2 CIRC não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável os encargos suportados com receções, refeições, viagens, passeios e espetáculos oferecidos no país ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades, consideradas como despesas de representação.

Anote-se aqui que se trata de empresa obrigada a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei comercial (cf. artigos 29 a 31º do Código Comercial) e fiscal (cf. artigo 98 do CIRC), a qual permita o controlo do lucro tributável.

Ora, dúvidas não há que as despesas em causa se relacionam com a promoção dos produtos que a Impugnante fabrica e comercializa e que os gastos suportados se relacionam com o objeto social da Impugnante, constituindo custos fiscalmente dedutíveis.

Como ensina Rui Duarte Morais, o objetivo parece ser o de tentar evitar (…) que, através dessas despesas, o sujeito passivo utilize para fins não-empresariais bens que geram custos fiscalmente dedutíveis; ou que sejam pagas remunerações a terceiros com evasão aos impostos que seriam devidos por estes.

Assim, no caso em análise, encontramo-nos perante despesas que se destinam a assegurar o normal desenvolvimento do seu objeto social, dentro do circuito económico em que este naturalmente se manifesta. Dito de outra forma, encontramos perante custos inerentes ao normal desenvolvimento da atividade principal da sociedade impugnante, de acordo com a definição do mesmo constante da alínea A) dos factos provados, enquadrando-se, assim no artigo 23/1.b), do CIRC, enquanto despesas de promoção dos medicamentos que fabrica e comercializa e publicidade.

Nos dias de hoje, a própria Autoridade Tributária e Aduaneira considera que os encargos suportados com a realização de um evento de promoção e lançamento de um produto deve ser fiscalmente enquadrado como gastos de publicidade e propaganda (gastos promocionais) e não como gastos de representação, e, como tal, os mesmos não estão sujeitos a tributação autónoma, nos termos do artigo 88/7 do CIRC (…)”.

A Recorrente insurge-se contra o assim decidido invocando para o efeito que os documentos não identificam os destinatários dos bens, não sendo por isso possível aferir quem são os beneficiários das ofertas, e consequentemente em que medida o custo poderia contribuir para a formação de proveitos.

Mais afirma que sentença recorrida ter-se-á porventura baseado no depoimento da testemunha. E que do depoimento não resulta que tenha tido conhecimento direto de quem foram os beneficiários, sendo certo que não especifica o que foi dado e a quem. Com efeito, a testemunha começa por esclarecer que não se encontrava ainda ao serviço da empresa em 1997, tendo iniciado funções em 2000, tendo acompanhado a ação de inspeção. Não se compreende assim como pode a testemunha afirmar que os bens das ofertas tiveram determinado destino, não sendo os beneficiários identificáveis na contabilidade da sociedade.


Vejamos então.

Estão em causa os custos contabilizados pela Impugnante como relativos a promoção e publicidade e que foram considerados pela administração tributária como não indispensáveis para a realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora e acrescidos à matéria coletável, alegando a Recorrente que os documentos em causa não identificam os destinatários dos bens, não permitindo identificar os destinatários das ofertas e em que medida o custo poderia contribuir para a formação dos proveitos.


Mas como afirma Rui Duarte Morais in Apontamentos ao IRC, Almedina 2007, p. 87 “O requisito “indispensabilidade” porque está presente relativamente a todo e qualquer custo enquanto condição da sua aceitação fiscal, não pode ser referido à natureza do encargo, mas sim às circunstâncias em que o mesmo aconteceu. Se à assunção do encargo que origina o custo presidiu uma genuína motivação empresarial - no entendimento dos sócios e/ou gestores da sociedade, os únicos a quem cabe decidir do interesse social -, o custo é indispensável. Quando se deva concluir que o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comerciais, etc.), então tal custo não deve ser havido por indispensável”.

Quanto ao depoimento da testemunha, por nós objecto de audição, importa salientar que, pese embora não estivesse ao serviço da impugnante no exercício de 1997 trata-se do seu director financeiro que, acompanhou a acção de inspeção e teve conhecimento dos factos em questão, tendo-os relatado de forma clara, segura e precisa, concretizando as formas por que eram efectuadas as promoções e ofertas junto dos médicos com vista a que estes, aquando da prescrição médica, optassem por medicamentos da Impugnante.

Ora do probatório supra mencionado resultou que a Recorrida efectou gastos com jornadas de caça, com taças, com aquisição de computadores, com o sorteio de um automóvel e com a oferta de brindes, gastos esses que se encontram comprovados através de facturas como consta das alíneas O) a U) e CC) do probatório, pelo que a questão prende-se não com a existência e comprovação do custo mas sim com a sua indispensabilidade e, atento o objecto da recorrida (indústria farmacêutica, fabricação e comercialização de medicamentos), torna-se claro que as promoções, os prémios e as ofertas efectuadas no exercício de 1997 e que constam das alíneas II) a MM) foram efectuadas e dirigidas a médicos e trabalhadores com o intuito do aumento das vendas dos medicamentos, incentivos à produção e aumento de prescrições dos medicamentos que comercializava.

Conclui-se assim que tais gastos inserem-se numa perspectiva de publicidade e promoção dos medicamentos produzidos e comercializados pela Impugnante, com o objectivo de aumento dos proveitos, razão pela qual tais gastos devem ser considerados indispensáveis para efeitos do art. 23º do CIRC e como tal aceites como custos do exercício de 1997.

Os serviços de inspecção mencionaram ainda que:

Foram contabilizados na conta 62227 - Deslocações e Estadas, em diversas subcontas, custos no montante de PTE 2.456.149$00 na subconta 6227100015, relativos a despesas com alojamentos, lavandaria e restaurantes. Simultaneamente eram pagos, nos mesmos documentos, aos mesmos empregados e nos mesmos períodos “ajudas de custo” e nalguns casos subsídios de refeição. As ajudas de custo englobam a alimentação e o alojamento. Assim parece-nos haver uma duplicação de custos, pelo que as despesas com alojamentos, lavandarias e restaurantes são objeto de correção (artigo 23° CIRC). - Está contabilizada ainda na conta 62227, a verba de PTE 47.650.134$00 relativos a diversos documentos com km percorridos por vários empregados, em viaturas próprias. Nalguns casos foi efetuado de forma muito sucinta um boletim itinerário. No entanto, em nenhum foi indicado, em simultâneo, os dias da deslocação, com indicação do local e hora de partida o percurso efetuado e o local e hora de chegada e o motivo das deslocações. - Quilómetros em viatura própria, cujos documentos de suporte não foram emitidos pelos próprios empregados, mas sim pela Administração que informava do pagamento a diversos empregados, de um montante e indicava os dias da deslocação e o número de km que esses empregados tinham efetuado. Neste caso, parece-nos impossível, que os empregados tenham efetuado nos mesmos dias o mesmo número de km. Dado terem-se deslocado diversos empregados, com o mesmo trajeto, nos mesmos dias teria sido mais vantajoso para a empresa alugar um transporte coletivo para que os seus empregados se deslocassem, de forma confortável, descansada e segura e assim pudessem dar mais rentabilidade nesses dias à empresa. Não se provando a indispensabilidade deste tipo de custos, os mesmos são acrescidos ao resultado fiscal declarado.

A empresa contabilizou na conta 64 - Despesas com o Pessoal, custos no montante de PTE 2.752.780$00 (…) relacionados com ordenados cujos documentos de suporte são documentos internos. Além de não estarem devidamente documentados estes custos [alínea h) do n°1 do artigo 41° do CIRC], não se pode aferir da indispensabilidade dos mesmos para a formação dos proveitos. Estão ainda contabilizados subsídios de refeição que foram pagos simultaneamente com o pagamento de ajudas de custo, pelo que foram corrigidos, dado não se provar a indispensabilidade dos mesmos para a formação dos proveitos. (artigo 23° do CIRC);

Quanto a estas correções a sentença recorrida fundamentou a sua decisão da seguinte forma:

“3. 2. Das despesas com alojamento e deslocações, despesas de viagens e rendas

A Autoridade Tributária e Aduaneira desconsiderou gastos no montante de PTE 2 456 149$00 contabilizados pela Impugnante na subconta 6227100015, relativos a despesas com alojamento, lavandaria e restaurantes por terem sido pagos aos mesmos trabalhadores e nos mesmos períodos ajudas de custo, bem como o montante de PTE 47 650 134$00, contabilizado na conta 62227 relativo a deslocações dentro do país e ao estrangeiro.

Vejamos:

Os custos relativos à mão-de–obra ou com regalias adicionais aos trabalhadores da empresa, não podem, sem mais ser desconsideradas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, por ser uma opção livre do empresário.

Assegurar a estabilidade da relação de emprego; prestigiar-se perante a clientela e a concorrência … para isso, [oferecendo] melhores condições de trabalho e retribuição do que aquelas a que está imperiosamente obrigado …, se o empresário fizer esta opção, [age por motivos] atinentes à remuneração do fator produtivo trabalho… como assim, assente a sua qualificação como gasto incorrido para a realização dos proveitos e para a manutenção da fonte produtora, de acordo com o explanado, impõe-se a sua dedução: as despesas em causa foram suportadas pela impugnante, no seu interesse, desde logo porque na aquisição de um fator de produção, sem que se evidencie que a sua assunção configure um ato de gestão desajustado à obtenção dos ganhos.

Assim, o facto de a empresa suportar os custos com o alojamento lavandaria e restaurantes, enquanto paga aos mesmos trabalhadores ajudas de custo pelas deslocações, não configura uma duplicação de despesas como defende a Autoridade Tributária e Aduaneira no relatório final do procedimento inspetivo, mas sim como um ato de gestão empresarial, tal como decidiram já os Tribunais Superiores, e o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão citado, com o qual concordamos, logo, o custo em causa tem de ser havido como gasto incorrido para a realização de proveitos e relacionado com o fator de produção trabalho.

Tem, pois, razão a Impugnante quanto a esta questão.

3.3. Do sorteio do Renault Twingo

O mesmo se diga, mutatis mutandis, relativamente ao sorteio de uma viatura automóvel entre os mais de quinhentos trabalhadores da empresa bem como a atribuição de lembranças de pequeno valor (brindes) pelos colaboradores e empregados, por ocasião das comemorações do cinquentenário da fundação da empresa.

Como vimos, são gastos suportados pela Impugnante oferecendo melhores condições de trabalho e de retribuição dos seus colaboradores e trabalhadores, relacionando-se com o fator de produção trabalho, ou no caso dos clientes e fornecedores que participaram nas mesmas comemorações como custos de promoção e publicidade.

Tem, pois, que ser dada razão à Impugnante: trata-se de custo dedutível, como defende.

3.4. Das deslocações em viatura própria

Os montantes recebidos pela utilização de viatura própria ao serviço da entidade patronal, são, em regra e até pela sua natureza, compensações pelos gastos suportados pelo trabalhador em favor da sua entidade patronal.

Assim, a compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal é uma despesa que a entidade patronal suporta para ressarcir o trabalhador pela utilização da viatura própria ao serviço da empresa.

A Autoridade Tributária e Aduaneira desconsiderou o custo relativo a deslocações por se mostrar suportado em documento interno que não identificava, em simultâneo, os dias da deslocação, com indicação do local e hora de partida o percurso efetuado e o local e hora de chegada e o motivo das deslocações.

Todavia, os boletins de itinerário juntos pela Impugnante com a pi identificam os dias, o local de partida e de chegada e o número de quilómetros percorridos pelo trabalhador.

Vejamos:

Dizia o artigo 41.f) CIRC: as despesas com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não faturadas a clientes, escrituradas a qualquer título, na proporção de 20%, exceto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS, na esfera do respetivo beneficiário.

Ora, com redação da lei vigente ao tempo que importa ter em conta não se exigia qualquer requisito formal que deveriam revestir os documentos, nem quanto aos elementos que deveriam constar dos mesmos.

Como vimos já, nos termos do artigo 23º do CIRC consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Estatuindo, o artigo 41°, n° 1, alínea h) do CIRC: não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício: h) Os encargos não devidamente documentados ...»

Assim sendo, a realização de gastos tem de estar devidamente justificada por meio de documento para que seja fiscalmente dedutível enquanto custo fiscal.

Ora, e como se decidiu no Acórdão do TCAS de 23.04.2015, proferido no processo nº 06468/13, disponível em www.dgsi.pt, com o qual concordamos e para cuja fundamentação remetemos, transcreve-se do sumário:

I. Em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23.º, n.º 1, e 41.º, n.º 1, alínea h), do CIRC (na redação aplicável aos autos), não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as faturas em sede de IVA, bastando documento, que até poderá ser interno, desde que descreva suficientemente todos os elementos da operação que titulam;

II. Os documentos internos terão de conter os elementos essenciais da operação que titulam por forma a possibilitar à AT quer ao controle da legalidade da dedução para efeitos fiscais do gasto, quer da respetiva tributação dos montantes auferidos pelos prestadores de serviços, o que não ocorre se os documentos internos não identificam de forma adequada as pessoas singulares que prestaram os serviços, nem se encontram assinados quaisquer recibos que atestem quem e quanto recebeu.».

No caso, no que toca aos documentos internos a que alude o Relatório de Inspeção e juntos pela Impugnante verifica-se que dos mesmos constam os seguintes elementos: o local de partida e de chegada, o dia do evento, os quilómetros percorridos; e encontram-se assinados pelos sujeitos que efetuaram as deslocações e quantia recebida.

Perante estas circunstâncias fácticas, entendemos que os documentos incluem os elementos essenciais da operação que titulam de modo a permitir à Autoridade Tributária e Aduaneira o controle da legalidade da dedução para efeitos fiscais do custo gasto.

Em suma, afigura-se-nos que está evidenciado que o intuito da assunção do encargo suportado a titulo de deslocações e estadas tenha a ver com o interesse e escopo da Impugnante na medida em que, resulta assente, e não vem impugnado que no ano de 1997, a Impugnante tinha clientes em todo o território nacional e no estrangeiro.

Tem, pois, razão a Impugnante quanto a esta questão”.

Mais uma vez a Fazenda Pública dissente do decidido afirmando que o pagamento de despesas com alojamento, deslocações, viagens e rendas quando suportado em duplicado não poderá ser considerado em qualquer situação, um ato de gestão empresarial, pois se o gasto é suportado por uma via, não se pode considerar que o trabalhador tem sempre direito à mesma compensação por outra via, impondo-se assim verificar, caso a caso, se o pagamento corresponde a uma despesa efetivamente relacionada com o âmbito da atividade da empresa. De igual modo, relativamente às deslocações em viatura própria, considerou a sentença recorrida que os documentos comprovativos em sede de IRC não têm de assumir as formalidades essenciais exigidas para as faturas em sede de IVA. Contudo, não basta dar como provado que a Recorrida tinha clientes em todo o território nacional para que por esse facto se aceite toda e qualquer deslocação em qualquer parte do país, impondo-se estabelecer um nexo lógico de causalidade em função de cada trabalhador e das suas funções concretas.

Alega que não se encontrando demonstrada a indispensabilidade dos custos para a obtenção de proveitos, cabendo ao sujeito passivo o ónus de o demonstrar nos termos do artigo 23º do CIRC, quando questionado pela AT, não poderá aceitar-se a dedução do custo.

Também não lhe assiste razão porquanto tem sido entendimento jurisprudencial que, o facto de a entidade empregadora atribuir ajudas de custo aos seus trabalhadores, não a impede de efectuar pagamentos de refeições, estadas e deslocações, quer em viaturas da empresa quer em viatura própria do trabalhador e pagas ao Km, sem que tais despesas deixem de ser aceites como custo. Trata-se de opções da entidade empregadora em relação às quais a administração tributária não se deve imiscuir, o que importa é que tais despesas sejam indispensáveis à obtenção dos proveitos ou à manutenção da fonte produtora.

Neste sentido destacamos o Acórdão do STA de 29/03/2006 ao enunciar de forma clara que: “I - Constituem custos fiscalmente dedutíveis, para efeitos do disposto no artigo 23º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, os pagamentos feitos a restaurantes por uma empresa de construção civil como contrapartida do fornecimento de refeições tomadas por trabalhadores seus que desloca para obras situadas em vários locais.

II - O facto de a empresa pagar aos mesmos trabalhadores subsídio de refeição não configura uma duplicação de custos capaz de afastar a dedutibilidade das despesas feitas nos restaurantes.”.

Resulta assim evidente que o juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos é exclusivo do empresário, não cabendo à Administração Tributária ajuizar sobre as opções de gestão. O que importa é aferir se o custo é indispensável para a obtenção dos proveitos no sentido de que foi ou não motivado com o intuito empresarial de obtenção de proveitos, e no caso em apreço tal como foi decidido na 1ª instância, considera-se que a realização das despesas com os trabalhadores foi motivada com tal intuito, devendo ser aceites como custos fiscalmente de dedutíveis.

Quanto ao sorteio do veículo automóvel Renault Twingo pelos trabalhadores, tal como foi já referido, não só este custo está documentalmente provado (cfr. alínea CC) do probatório), como também deve ser considerado indispensável porquanto foi realizado o seu sorteio na festa do 50º aniversário da Impugnante com a presença de todos os trabalhadores e como uma forma de incentivo à produção (cfr. alínea LL) do probatório), pelo que, considera-se que esse gasto deve ser aceite como custo nos termos do art. 23º do CIRC nos termos acima expostos.

Os serviços de inspecção verificaram ainda que foram “contabilizados na conta 69, custos 47.450.509S00 (…) relativos a: - 6980810009 - Indemnização - PTE 34.000.000$00

Não é aceite como custo a importância de PTE 34.000.000$00, contabilizada na subconta 69808 - na rubrica Custos e Perdas Extraordinários - Outros, uma vez que e de acordo com elementos enviados com a audição prévia, se verifica que se trata de um encargo da A..... em relação à sociedade S....., devendo aquela pagar a esta até 16/06/93 a importância de 795.000 francos franceses mais juros. Ora e como vem enunciado no n°2, do artigo 18° do CIRC, só são componentes negativas do exercício as que na data do encerramento são imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas o que não é o caso. Assim, a verba de PTE 34.000.000$00 é acrescida ao resultado fiscal declarado (artigo 18° do CIRC).

Nesta rúbrica não foi aceite como custo a verba de PTE 4.833.312$00, (…) por tratar-se de uma diferença de câmbio de 1987 (art° 18° CIRC).”

A este propósito, escreveu-se na sentença recorrida o seguinte:

“5. Juros – correção no montante de € 4 882,74

A Autoridade Tributária e Aduaneira corrigiu o declarado pela Impugnante por não aceitar como custo fiscal de PTE 4 833 312$00 (…) por tratar-se de uma diferença de câmbio de 1987 (artigo 18° CIRC).

A Impugnante alega que esta verba respeita a encargos suportados mensalmente por prestação de garantia em processo judicial, que poderão vir a ser reclamados em processo que corre termos no Tribunal Judicial da Sertã.

Todavia, se bem interpretamos o constante do ponto 22.7 da informação da Divisão de Justiça Administrativa que o despacho do Diretor de Finanças Adjunto acolhe, a própria Fazenda Pública além de aceitar que se trata de encargos com a prestação de garantia em processo judicial em curso, diz que este valor não pode ser acrescido em 1997.

Trata-se, assim de custo do exercício, suportado no ano de 1997.

Tem, pois, que ser dada razão à Impugnante quanto a esta questão.

6. Indemnização – correção no montante de PTE 34.000.000$00

A Autoridade Tributária e Aduaneira desconsiderou a dedução de PTE 34 000 000$00, contabilizada na subconta 69808 - na rubrica Custos e Perdas Extraordinários - Outros, uma vez que (…) se verifica que se trata de um encargo da A..... em relação à sociedade S....., devendo aquela pagar a esta até 16/06/93 a importância de 795.000 francos franceses mais juros. Ora e como vem enunciado no n°2, do artigo 18° do CIRC, só são componentes negativas do exercício as que na data do encerramento são imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas o que não é o caso. Assim, a verba de PTE 34.000.000$00 é acrescida ao resultado fiscal declarado (artigo 18° do CIRC).

Foi assim desconsiderado no exercício de 1997 o custo que se reportava a 1993, não contabilizado naquele ano e, em relação ao qual, a Impugnante não constituiu provisão, por violação do princípio da especialização de exercícios consagrado no artigo 18º CIRC, acrescendo o montante ao lucro tributável declarado.

A questão trazida à liça pelas partes foi já objeto de decisão por parte dos tribunais superiores, das quais se cita o Ac. STA, 2ª Seção, de 2018.03.14, Proc. nº 0716/13 (Rel.: Conselheiro Pedro Delgado)13, disponível em www.dgsi.pt, decisão com a qual concordamos e que vamos seguir de perto.

Tal como no caso que nos serve de fundamento, os custos em questão não eram manifestamente imprevisíveis.

Na verdade, tendo a Impugnante sido judicialmente demandada por outro laboratório que exige o pagamento de quantias a que se considera com direito, ocorre, na procedência da ação, uma obrigação de pagamento que corresponde a um custo aceite pela lei fiscal.

Encargo esse para o qual a lei previa a possibilidade de constituição de provisão com relevância fiscal. Com efeito, a lei permitia que fossem deduzidas para efeitos fiscais … as provisões que se destinarem a ocorrer a obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso por factos que determinariam a inclusão daqueles entre os custos do exercício [artigo 33/1.c) do CIRC, com a redação coeva].

É certo que a constituição de uma provisão implica uma avaliação por parte do sujeito passivo ou um juízo de prognose, um juízo formulado de uma perspetiva ex ante.

Como ensina Rui Duarte Morais14, dada a incerteza que qualquer pleito judicial envolve, existe sempre um risco real de a empresa ser condenada no valor total peticionado, pelo que, verificando-se os demais condicionalismos legais, deverá ser aceite a relevância fiscal de uma provisão correspondente ao montante do pedido.

Assim o exigia o princípio contabilístico da prudência: a Impugnante deveria ter constituído a provisão em 1993.

Todavia, no ano de 2002, em que a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu à correção impugnada, já a Impugnante não podia proceder à revisão da autoliquidação de 1993, por estar ultrapassado o prazo para o fazer, vendo-se assim impossibilitada de efetuar a dedução do custo em qualquer dos anos.

Nestes casos, em que não é já possível a correção simétrica, por razões de tempestividade, tem sido entendido que o custo, ainda que indevidamente contabilizado, deve ser aceite, nomeadamente quando a respetiva imputação não tenha resultado de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercícios.

São casos de prevalência do princípio da justiça sobre o princípio da especialização de exercícios, em que a Autoridade Tributária e Aduaneira se deve abster de efetuar a correção, por poder conduzir a uma situação flagrantemente injusta e, nessas situações, é de fazer operar o princípio da justiça, consagrado nos artigos 266/2 da CRP e 55º da LGT, para obstar a que se concretize essa situação de injustiça repudiada pela Constituição.

Na ponderação dos valores em causa (por um lado o princípio da especialização dos exercícios que é uma regra legislativamente arbitrária de separação temporal, para efeitos fiscais, de um facto tributário de duração prolongada e, por outro lado, o princípio da justiça, que reflete uma das preocupações nucleares de um Estado de Direito), é manifesto que, numa situação de incompatibilidade se deve dar prevalência a este último princípio.

Neste contexto haveremos de concluir que serão de considerar anuláveis, por vício de violação de lei, atos de correção da matéria tributável que, como no caso em análise, conduzam a situações injustas deste tipo.

Pelo que é de aceitar, para efeitos fiscais, a contabilização efetuada pela Impugnante já que não estão alegados ou provados factos através dos quais se demonstre que houve a intenção deliberada de proceder à transferência de resultados de exercício ou de fuga à tributação.

Tem, pois, que ser dada razão à Impugnante quanto a esta questão.”.

Vem mais uma vez a Fazenda Pública manifestar a sua discordância com o assim decidido afirmando, quanto aos juros, que a reclamação graciosa refere que verificou que tal montante foi considerado como proveito em 2000 após reclamação de créditos, pelo que, se o sujeito passivo acrescer em 1997, teria de deduzir o custo no ano 2000. Refere ainda que não se conclui que os valores tenham sido acrescidos no exercício de 2000.

Na verdade não é muito perceptível a fundamentação da reclamação graciosa porquanto se por um lado afirma que o montante foi considerado como proveito em 2000 após reclamação de créditos, depois acrescenta que não se conclui que os valores tenham sido acrescidos no exercício de 2000, razão pela qual o tribunal considerou que aquele montante referente aos juros deveria ser aceite como custo do exercício de 1997, entendimento que se mostra correcto.

Do probatório ora aditado verifica-se que os juros e encargos em questão foram pagos em 03/02/1997 e 04/03/1997 ao Banco Mello resultante de uma participação da Impugnante na sociedade S....., SA., da qual era avalista (cfr. alínea HH) do probatório), razão pela qual deve ser aceite como custo do exercício de 1997.

Finalmente quanto à correção relativa à indemnização, a Recorrente invoca que em qualquer caso se impunha que se encontrasse demonstrados os pressupostos das operações, nomeadamente através do necessário suporte documental.

Ora no caso da indemnização, resultou provado que esse valor decorre de um encargo assumido pela Recorrida perante uma outra sociedade e que deveria pagar até 16/06/1993 uma determinada importância. Contudo do probatório ora aditado esse encargo foi reconhecido por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou a sentença proferida pelo 1º Juízo Cível da Comarca de Lisboa ao condenou a impugnante ao pagamento à I....., SA., de uma determinada importância acrescida de juros (cfr. alíneas DD) e EE) do probatório).
Mais ficou provado que por acordo entre a Impugnante e a I....., esta suspendia o processo judicial em curso e mandava cancelar de imediato as penhoras das contas bancárias nas seguintes condições :
a) Fixação da dívida em 34.000.000$00
b) Pagamento imediato de 12.000.000$00
c) Pagamento do remanescente em 4 prestações mensais de 5.500.000$00
d) O pagamento das prestações seria garantido por cheques pré-datados, tendo estes sido emitidos pela Impugnante e datados de 22/04/97, 23/05/97, 23/06/97, 23/07/97 e 23/09/97 (cfr. alíneas FF) e HH) do probatório).

Resulta desta forma que o montante de 34.000.000$00 referente à indemnização deve ser aceite como custo do exercício de 1997 como resulta das alíneas FF) e HH) do probatório.

Por tudo o que vem exposto conclui-se ser de negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida com a presente fundamentação.

Da condenação em custas

Nas causas de valor superior a € 275.000,00 a regra continua a ser o pagamento integral da taxa de justiça resultante da aplicação dos critérios legais, assumindo natureza excepcional a dispensa, pelo juiz, de pagamento do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais.
Tal dispensa – total ou parcial – só deverá ocorrer em situações de manifesto desequilíbrio entre o montante a pagar e a actividade desenvolvida pelo tribunal, o que se entende verificar.
Como tal, ponderando, a complexidade da matéria jurídica e o número de questões colocadas e, atendendo à lisura da conduta das partes e ao valor do processo, que é de € 310.242,49, justifica-se a dispensa total de pagamento do remanescente de taxa de justiça.

* *
V- DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os juízes da 2ª Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida com a presente fundamentação.

Custas pela Recorrente, dispensando-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Lisboa, 24 de Junho de 2021
[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Cristina Flora e Tânia Meireles da Cunha].
Luisa Soares