Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:192/09.3BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:02/24/2022
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:IVA
PRO RATA
AFETAÇÃO REAL
Sumário:I. Para os sujeitos passivos mistos de IVA, ou seja, que pratiquem operações sujeitas e operações isentas de IVA, a dedução de IVA pode ser determinada por recurso (em alternativa ou em simultâneo) ao método da afetação real e/ou ao do pro rata (global ou parcial).

II. O método da afetação real pressupõe a possibilidade de determinar concretamente os inputs afetos às atividades tributadas e às atividades isentas, deduzindo-se integralmente o IVA suportado, no primeiro caso, e não se deduzindo no segundo.

III. No caso dos sujeitos passivos mistos, o método a utilizar, para cálculo do imposto dedutível, deverá ser o que assegure a maior neutralidade.

IV. A análise, por parte da AT, da situação de um sujeito passivo, em termos de método de dedução utilizado, exige, antes de mais, que a administração demonstre, de forma sustentada, os pressupostos legais que legitimam a sua atuação.

V. Tal demonstração não se verifica quando a mesma se reduz a afirmações de carater conclusivo e parcamente consubstanciadas.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 05.11.2018, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por Q..., SGPS, S. A. (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto o indeferimento do recurso hierárquico que versou sobre o indeferimento das reclamações graciosas que, por seu turno, tiveram por objeto as liquidações adicionais de imposto sobre o valor acrescentado (IVA), referentes a períodos dos anos de 1995, 1999 e 2000.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nessa sequência, apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“A - Visa o presente recurso demonstrar à evidência o desacerto do sentido preconizado pela douta decisão recorrida, que concluiu pela anulação das liquidações impugnadas, por a AT não ter coligido nem provados os elementos necessários para concluir terem sido efetuadas deduções de IVA superior às devidas.

B - Começou o Tribunal a quo por apreciar a legalidade da correção levada a cabo pela AT ao desconsiderar o método de afetação real, aplicando o método do pro-rata, por entender que o ora Recorrido realizando operações sujeitas a imposto e outras isentas que não conferem direito a dedução, “deduziu na totalidade, o IVA constante em vários documentos cuja utilização foi comum aos diversos sectores de atividade e em que havia necessidade de repartir o imposto suportado a montante pelas diferentes actividades, consoante conferissem ou não o direito à dedução, pelo mecanismo previsto no artigo 23.° do CIVA”.

C - Com o devido respeito, considera a aqui Recorrente que a sentença recorrida padece de manifestos vícios consubstanciados numa errada aplicação do direito, maxime do regime legal do direito à dedução do IVA dos sujeitos passivos mistos, estatuído no artigo 23° do CIVA, assim como do regime legal do ónus de prova no âmbito do procedimento e processo tributário.

D - A repartição do ónus da prova no domínio do procedimento e do processo tributário assume a seguinte formulação, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária e dos contribuintes recai sobre quem os invoque (art.° 342.° n.° 1 Código Civil e art.° 74.° n.° 1 LGT).

E - In casu, a aplicação deste regime determina que o ónus da prova dos factos constitutivos do direito à dedução do imposto recaia sobre o sujeito passivo, ora Recorrido, que beneficiará da existência do facto favorável à sua pretensão: aumento da percentagem do imposto dedutível, em consequência da demonstração de que todos os custos incorridos dizem respeito aos setores de atividade sujeitos a imposto (art.° 23.° do CIVA).

F - Violou o Tribunal a quo o regime de repartição do ónus da prova, incorrendo, dessa forma, em erro de julgamento.

G - Sendo o ora Recorrida um sujeito passivo misto, uma vez que pratica simultaneamente operações que conferem direito à dedução de IVA (Centro Hípico, Restaurante Picadeiro, Vale da Foz, Manutenção da Quinta e Serviços Centrais) e operações que não conferem direito a essa dedução (Arrendamento Imobiliário e Venda de Lotes), optou, a mesma, de entre os métodos previstos no art.° 23.° do CIVA, afetação real ou pro-rata, pelo método de afetação real.

H - No método adotado, de afetação real, o direito à dedução é apurado considerando o grau, proporção ou intensidade da utilização dos bens ou serviços em cada atividade, usando critérios de imputação objetivos que devem ser adaptados à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da atividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações.

I - O ora Recorrido limitou-se a deduzir na totalidade o IVA constante em vários documentos cuja utilização foi comum aos diversos setores de atividade, sem conseguir provar que os custos diziam respeito apenas a setores sujeitos a imposto.

J - Considerou a Inspeção Tributária que alguns custos imputados pela ora Impugnante a atividades sujeitas a IVA e, portanto, objeto de dedução, efetivamente, não eram custos exclusivos das atividades sujeitas, mas antes custos comuns a atividades sujeitas a IVA e a atividades isentas, pelo que, nesse sentido, não podiam ter sido deduzidos na totalidade.

K - Refuta o ora Recorrida, sem, no entanto, conseguir provar tal facto, que a posição da Inspeção Tributária, referindo que relativamente às atividades isentas, arrendamento Imobiliário e venda de Lotes, não foram incorridos custos, é incorreta, discordando, nesse sentido, da correção efetuada pela Inspeção no sentido do apuramento do IVA pelo método do pro-rata, para que fosse repartido o imposto suportado pelas atividades que conferem ou não o direito à dedução.

L - Embora em sede de inquirição de testemunhas e de depoimento de parte, tenha sido, por diversas vezes salientado que quer a venda de lotes de terreno, quer o arrendamento, não acarretou custos nos anos em causa, a verdade é que no centro de custos de serviços centrais, a chamada administração, inclui custos relacionados quer com a sede, quer com a gestão dos outros centros, como se retira expressamente do depoimento de parte e da inquirição das testemunhas. Veja-se o minuto 8:32 e ss do depoimento de parte.

M - Havia uma pessoa afeta à atividade de arrendamento e de venda de lotes, a qual mostrava as casas, arrendava-as, cobrava as rendas, além das despesas de administração relacionadas com todos os centros de custos, como telefones, contabilidade, secretariado, honorários da administração, consumos elétricos... Veja-se o minuto 15:10 e ss do depoimento de parte.

N - A mesma pessoa que celebrava os contratos de mediação imobiliária, que pagava as comissões pela promoção e venda de alguns dos lotes, contratos e comissões apuradas pela Inspeção Tributária e constantes dos Relatórios de Inspeção Tributária.

O - No entanto, nada disso foi considerado como custo relevante pelas testemunhas e pela parte, uma vez que nos anos em causa, 1995, 1999 e 2000, as obras já se encontravam terminadas e, portanto, todos os custos associados às atividades de arrendamento imobiliário e de venda de lotes de terreno terminaram exatamente no ano anterior aos anos de causa!

P - Com o devido respeito, haveria muitos mais custos a imputar às atividades isentas além das obras e não nos parece verossímil que os custos tenham terminado todos em 1994 ou que tenham sido levados a cabo apenas no ano de 1998, de forma que nos anos de 1995, 1999 e 2000 não tenha havido qualquer tipo de custo.

Q - Aliás, ficou demonstrado nos Relatórios de Inspeção Tributária, que foram pagos honorários pela demarcação dos lotes de terreno, foram feitos alguns anúncios em jornais da época a publicitar os lotes de terreno para venda, foram celebrados contratos de mediação imobiliária e pagas as correspondentes comissões.

R - Ficou demonstrado em Tribunal que foram usadas viaturas para mostrar os lotes de terreno e os imóveis a arrendar, desconhecendo-se se as vendas/arrendamentos foram concretizadas logo relativamente ao primeiro interessado ou se foi necessário mostrar os imóveis e os lotes de terreno a vários interessados.

S - Tal facto não é, de todo, irrelevante, em termos de custos.

T - Além disso, embora todos tenham sido perentórios no sentido da inexistência de qualquer espécie de custo nesses anos relacionado com a venda de lotes, a verdade é que desconhecem quantos imóveis foram efetivamente arrendados nos anos em questão, se os mesmos já estavam arrendados ou se foram arrendados depois.

U - Refira-se que, em causa, estão 13 (treze) imóveis, conforme referido pela parte, sendo substancialmente diferente, em termos de custos, se os mesmos foram todos arrendados nos anos em causa, se não o foram, ou até, tendo sido arrendados em anos posteriores, se os trabalhos no sentido do seu arrendamento tiveram início nos anos em causa. Veja-se a inquirição da testemunha F..., ao minuto 4 e ss. O mesmo se refira relativamente aos lotes de terreno.

V - A venda de 10 (dez) a 20 (vinte) lotes de terreno implica obrigatoriamente custos que não são assim tão irrelevantes como as testemunhas e a parte quiseram fazer passar em Tribunal.

W - Pelo exposto, verifica-se um erro de julgamento sobre a matéria de direito, decorrente da circunstância de, ter sido feita uma errada aplicação do direito, maxime do regime legal do direito à dedução do IVA dos sujeitos passivos mistos, estatuído no artigo 23° do CIVA, assim como do regime legal do ónus de prova no âmbito do procedimento e processo tributário.

Pelo que, nestes termos se impõe a sua revogação e substituição por acórdão que, julgue procedente o presente recurso, e, consequentemente procedente a presente Impugnação Judicial, nos termos das conclusões que seguem e que V. Exas melhor suprirão, julgando legal a sobredita correção.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença, como é de Direito e Justiça.”

A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

“1 - A Fazenda Pública, ao contrário de rebater a decisão a quo, nas suas posições e respectivas apreciações, limita-se a transcrever parte e a secundar, de modo confuso e incoerente, a posição sustentada pela Administração Fiscal no Relatório da fiscalização e a atacar a conduta da ora Recorrida na sua interpretação das disposições legais do reconhecimento da legalidade da dedução do imposto sobre despesas incorridas em actividades tributáveis.

2 - Ao invés de atacar propriamente a decisão a quo nos seus fundamentos, a Fazenda Pública ainda que aludindo genericamente à decisão na seguinte passagem «Violou o tribunal a quo o regime de repartição do ónus da prova, incorrendo dessa forma, em erro de julgamento» (cfr. página 27 das alegações da Recorrente) limita-se a repetir o Relatório da fiscalização como se não tivesse havido sentença.

3 - Pelo que não podem ser admitidas estas alegações que se apresentam em violação ao disposto nos artigos 640.° do CPC, ex-vi 2º do CPPT e a vasta jurisprudência superior - cfr. por todos, Acórdão TCA-Norte n° 2370/08.3BEPRT, 1ª secção, 2/24/2012 e Acórdão TCA-Norte n° 28/11.5BECBR, 1ª secção, 6/8/2012 e Acórdãos do STA no Rec. 39.981 de 6/11/1997, no Rec. 766/03 de 3/4/2004 e no Rec. 13.331 de 1/22/1992.

4 - Ademais as alegações da Recorrente -que absorvem, ao sancionarem, os vícios da actuação da administração fiscal neste processo - estão em contradição com os concretos meios probatórios constantes no processo e não atendem à boa interpretação e aplicação do direito, do tribunal a quo, violando o disposto no n.° 1 do art. 23.° do Código do IVA e também o artigo 73.° da LGT.

5 - Com efeito a resolução da disputa que opõe a Recorrida à Autoridade Tributária teve origem em meras suposições dos técnicos tributários que elaboraram os relatórios de fiscalização (o primeiro relativo a 1995 e o segundo relativo a períodos de 1999 e 2000) que ao depararem com a venda de lotes de terreno num elevado valor, ou seja, actividade isenta de imposto, depreenderam que os custos proporcionalmente incorridos pela empresa nos centros de custos «Manutenção da Quinta» (007) e «Serviços Centrais» (008) estariam relacionados com esta «actividade» isenta de IVA pelo que veio proceder as liquidações em crise;

6 - Ora, o tribunal decidiu anular as correcções que a AT efectuou ao IVA deduzido ao abrigo do artigo 23.º do Código do IVA;

7 - De igual modo, ficou amplamente evidenciado nos autos que as liquidações e os actos que as mantêm padecem também do vício de violação de forma por falta de fundamentação nos termos do artigo 77.° da LGT, sem que a AT tivesse demonstrado ter havido qualquer distorção na aplicação deste método.

8 - Com efeito resultou dos factos evidenciados e provados por documentos e depoimentos testemunhais e de parte acima identificados com detalhe o seguinte:

a) A ora Recorrida desenvolveu, durante os exercícios em causa, diversas actividades economicamente distintas de que são exemplos a exploração de um Centro Hípico, a venda de água proveniente de furos de captação do Vale da Foz constituído por prédios rústicos, a respectiva venda de lenha, a manutenção remunerada da Quinta, a venda de lotes de terreno e o arrendamento urbano;

b) De entre as várias actividades desenvolvidas, algumas estão sujeitas e outras isentas de IVA, pelo que, nos termos da legislação aplicável, a ora Recorrida optou, como vinha fazendo há anos, em sede de direito à dedução, pelo método de afectação real de custos;

c) Assim, à data dos factos, que se distribuem pelos anos de 1995, 1999 e 2000, a ora Recorrida imputava os custos incorridos a oito centros de custos diferentes, quais sejam, o 001 - Centro Hípico, o 002 - Restaurante Picadeiro, 003 - Arrendamentos Imobiliários, 004- Vale da Foz, 005- Águas, 006 -Venda de Lotes, 007- Manutenção da Quinta e 008- Serviços Centrais;

d) De entre os serviços praticados sujeitos a IVA, incluem-se os serviços de manutenção da Quinta (os quais são facturados aos proprietários), os quais compreendem a limpeza dos arruamentos dos terrenos circundantes; a manutenção das iluminarias de circulação; as reparações de pavimentos e bermas adjacentes, passeios, pintura de lombas; a manutenção da sinalética de circulação - serviços de vigilância; a aplicação de herbicidas nas zonas de circulação; a manutenção e operação dos sistemas de câmaras de vigilância; a manutenção de portões e barreiras automáticas de acesso;

e) Também constitui uma actividade sujeita a IVA, praticada pela recorrida a captação e venda de água do Vale da Foz do Guincho que teve um intenso período de investimento e realização de despesas, inclusive nos anos 1995, 1999 e 2000 em causa, cuja remuneração/contrapartida, tem vindo a aumentar ao longo do tempo;

f) No conjunto de todas as actividades representadas nos oito centros de custos registados na contabilidade da Recorrida apenas duas se encontram isentas de IVA: o arrendamento imobiliário residual e as vendas de lotes de terrenos as quais não incluem qualquer intervenção física nos mesmos;

g) Nos anos em causa nos autos ou seja 1995, 1999 e 2000, a venda dos lotes em stock e o arrendamento de outros imóveis originariamente preparados para a venda, não levou a incorrer em custos significativos;

h) Demonstrou-se que a projecção que as actividades isentas tinham nos serviços administrativos era muito reduzida não representando, em qualquer caso, mais de 5% dessa laboração;

i) De facto, mesmo depois de vendidos os lotes de terreno e os arrendamentos se mantinham estáveis nas únicas 13 casas afastadas do empreendimento e destinadas a esses fins, a sociedade manteve a mesma dimensão de serviços centrais - cfr. declaração de parte e depoimento das testemunhas;

j) Nem sequer era necessário incorrer em custos com a promoção dos lotes de terreno para venda pois eram os potenciais adquirentes que se dirigiam directamente à sede da Recorrida para proceder à respectiva aquisição não existindo «uma estrutura especifica para vender esses imóveis»;

k) Também se demonstrou que os trabalhos de infraestruturação dos lotes foram realizados nos anos imediatamente seguintes à obtenção pela Recorrida dos dois alvarás de construção datados de 1988 e 1995;

l) Assim, em 1995, o custo com as obras e a preparação dos lotes de terrenos para venda no âmbito do primeiro alvará de loteamento n.° 872/88 de construção, datado de 1988, já tinham terminado e as obras de urbanização no âmbito do segundo alvará de loteamento n.° 973/95, datado de 1995 ainda não tinham começado;

m) E, em 1999 e 2000 já tinham terminado no essencial as obras relativas ao segundo alvará de loteamento n.° 973/95;

n) Naturalmente por força da afectação real, foi integralmente deduzido pela ora Recorrida, nos períodos referidos, o IVA suportado nas operações relacionadas com as actividades sujeitas, as quais se identificaram sempre por imputação ao respectivo centro de custos;

o) A Recorrida incorria nestes custos para a prestação de serviços remunerados através da contrapartida recebida dos proprietários e clientes as quais se encontravam contratualizadas nos contratos de aquisição ou de fornecimento;

p) Esses custos com os serviços centrais e manutenção da Quinta incluíam: «Telefones, contabilidade, secretariado, honorários da administração, eram custos de electricidade, de consumos eléctricos com a sede social, (...) custos de manutenção da quinta que eram remunerados pelos residentes, ou seja, nós prestávamos serviços de manutenção, que é o centro de custos 07, no qual imputávamos as despesas com a manutenção dos arruamentos, das zonas verdes, da portaria, da segurança mas também imputávamos as receitas que cobrávamos aos residentes, uma espécie de condomínio, na medida em que as ruas são privadas.

q) No que diz respeito à actividade de arrendamento conclui-se que, nos anos em causa, a mesma foi completamente residual tendo resultado de treze casas fora do empreendimento e que embora tivessem sido construídas para venda tiveram de ser afectas a destino diferente ao longo de vários anos, por força da crise na sector imobiliário.

r) Também ficou demonstrado que a administração fiscal nunca veio impôr quaisquer condições especiais à utilização do método da afectação real pela ora Recorrida.

s) E que, inquestionavelmente, a ora Recorrida tem-se pautado pela boa organização das suas contas ao longo dos anos.

t) Ora conforme resulta da douta sentença a Administração Fiscal alterou potestativamente o método de dedução de IVA nos diversos períodos, tendo-se-lhe afigurado adequada a aplicação de pro-rata em percentagens absolutamente díspares, baseadas em cálculos imperceptíveis e claramente arbitrários.

u) Com efeito «nada expendeu na sua fundamentação que permita concluir quais em, em concreto, são os serviços que considera ser de desconsiderar, apenas se bastando com uma mera exemplificação» -cfr. pág. 27 da decisão.

v) Quanto aos arrendamentos demonstrou-se que os mesmos não geravam custos significativos não tendo sequer havido gastos com publicidade ou outros pois esses esporádicos encargos eram assegurados pelo pessoal da empresa.

w) Ficou demonstrado que todos os custos incorridos no exercício da sua actividade são na verdade imputáveis às actividades tributáveis, não existindo despesas com relevância fiscal que possam ser atribuídas às vendas de lotes ou aos residuais arrendamentos

x) Sucede até que a própria Administração Fiscal manifestara expressamente, em relação a outros exercícios, que a “afectação real de custos estava a ser efectuada correctamente, encontrando-se os inventários físicos devidamente discriminados e referenciados” - Ofícios n.°s 9794/99.04.27 (exercício de 1997) e 9795/99.04.27 (exercício de 1998) e respectivas informações externas datadas de 26 de Fevereiro de 1999 e 9 de Abril de 1999, respectivamente.

y) Motivo pelo qual nunca veio impor quaisquer condições especiais à utilização do método da afectação real pela ora Recorrida.

z) A Administração tributária procedeu a correcções ao lucro tributável, com recurso a métodos indirectos, ao exercício de 1995 da Recorrida, no montante de € 2.044. 180,03 (Esc. 409.821.300).

aa) Estas correções projectaram-se também na denegação de IVA deduzido pois influenciarem o cálculo do pro-rata por parte da AT;

bb) Deste procedimento ilegal da AT resultou que a matéria que se discute nos presentes autos inclui a liquidação, por via da alteração e reflexo no pro-rata apurado pela AT, de um montante de IVA sobre vendas presumidas posteriormente anuladas pelos tribunais de € 2.044.180,03 (Esc. 409.821 300).

cc) Ora, por este motivo o cálculo do pro-rata de 1995 efectuado pela AT reflectiu os seguintes valores de «bens e serviços que não dão lugar a dedução»: € 4.226.201,39 [Esc. 847.277308] dos quais o montante de € 2.044.180,03 [Esc. 409.821.300] correspondem a valores de vendas apuradas com recurso a métodos indirectos as quais foram anuladas pelo tribunal.

dd) Ora, daqui decorre que cerca de metade do numerador, foi artificiosamente empolada pela AT, como se apurou por decisão transitada em julgado em sede de IRC;

ee) Assim, tendo sido anulada pelos tribunais definitivamente essa correcção e portanto concluído que não ocorreram quaisquer vendas nesse montante, essa decisão tornou patente a ilegalidade da respectiva correcção do IVA como implicitamente refere o tribunal a quo ao remeter as consequências dessa decisão para a execução do respectivo julgado.

ff) Aliás, ao longo de todo o procedimento, foram sucessivos os erros de cálculo incorridos pelos Serviços, demonstrando não só um certo desconhecimento ao nível das boas práticas de análise contabilística como, o que é mais grave, alguma leviandade no modo como foram tiradas conclusões sobre a contabilidade da empresa.

gg) É que, inquestionavelmente, a ora Recorrida tem-se pautado pela boa organização das suas contas ao longo dos anos.

hh) Ainda assim, a Administração Fiscal alterou potestativamente o método de dedução de IVA nos diversos períodos, tendo-se-lhe afigurado adequada a aplicação de pro-rata em percentagens absolutamente díspares, baseadas em cálculos imperceptíveis e claramente arbitrários.

ii) Porém, não demonstrou em qualquer momento que o sujeito passivo tivesse qualquer dificuldade em determinar objectivamente que custos correspondem a actividades concretas.

jj) Em 1999 nem sequer foi tomado em conta o ano fiscal na sua integralidade, tendo apenas sido utilizadas, para efeitos de cálculo do pro-rata definitivo (18%), as operações relativas à segunda metade do ano, quando, a querer calcular aquela percentagem, ela deveria ser calculada sobre o total de operações daquele exercício.

kk) Concluiu-se relativamente ao centro de custos «Manutenção da Quinta», que está apenas afecto a actividades sujeitas a IVA, pois não beneficiam desses serviços os lotes para venda, sem qualquer intervenção humana, e os bens dados em arrendamento.

ll) Também relativamente ao centro de custos «008 Serviços Centrais» se demonstrou que os mesmos estavam afectos às actividades sujeitas.

mm) A venda de lotes de terreno não implicou, intrinsecamente, a execução, nos exercícios em causa, de quaisquer trabalhos sobre os lotes de terreno em stock, pelo que não houve recurso a quaisquer fornecimentos e serviços de terceiros sujeitos a IVA relacionados com essa actividade.

nn) Efectivamente, nos exercícios em causa, os custos inerentes à venda de lotes de terreno (que se resumem a lotes de terreno, sem edificado) prendem-se apenas com encargos notariais, suportados pelos vendedores ou adquirentes, pelo que não existem quaisquer facturas imputáveis a este centro de custos porque não existiram serviços prestados ou bens adquiridos que visem possibilitar a venda.

oo) Assim, em rigor, aquela actividade isenta não precisou nem beneficiou do contributo dos Serviços Centrais nem teve qualquer ligação com a Manutenção da Quinta, sendo abusiva a conclusão unilateral da fiscalização, que não logrou entender a actividade da Recorrida, ao pretender que os custos imputados a estes dois centros eram custos comuns.

pp) Aliás, conforme consta da decisão à data dos factos não existia qualquer norma no Código do IVA que obrigasse ao preenchimento de determinados pressupostos para a aceitação de encargos como custos fiscais, tendo o tribunal sufragado a mesma posição.

qq) Foi pois, bem decidido pelo tribunal que o IVA suportado deve ser deduzido ao abrigo do artigos 23.° do Código do IVA.

rr) Finalmente, o tribunal também aplicou bem o direito aos factos ao ter decidido que para além do direito ao reembolso do imposto, também são devidos juros indemnizatórios à Recorrida, por a liquidação adicional em apreço ter resultado de erro imputável aos serviços, verificando-se todos os pressupostos legais de aplicação dos artigos 30.º, 43.°, n.° 1 da LGT e do artigo 61.º do CPPT.

Termos em que, a decisão a quo Recorrida, não merece censura, devendo V.Ex.as não conceder provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo a sentença, tudo com as devidas consequências legais.

Assim se respeitará o DIREITO e será feita JUSTIÇA!”.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Há erro na decisão proferida sobre a matéria de facto?

b) Verifica-se erro de julgamento, na medida em que houve uma errada aplicação do regime legal do direito à dedução do IVA dos sujeitos passivos mistos e, bem assim, das regras de distribuição do ónus da prova?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“a) A impugnante foi alvo de duas acções de inspecção, circunscritas aos exercícios de 1999 e 2000 (cfr. relatório de inspecção de fls. 94 e ss. dos autos);

b) A impugnante foi alvo de acção de inspecção, circunscrita ao exercício de 1995 (cfr. relatório de inspecção de fls. 177 e ss. dos autos);

c) Relativamente a 1995, a AT concluiu por correcções em sede de IVA, no valor de 3.116.922$00 (cfr. documento de fls. 177 do PAT);

d) Lê-se do relatório de inspecção, relativo ao exercício de 1995, além do mais (cfr documento de fls. 140 e ss. do PAT):

(…)


«Imagem no original»

e) Em anexo ao relatório de inspecção, encontra-se o seguinte quadro, que se dá por reproduzido (cfr. documento de fls. 42 do PAT, volume I):


«Imagem no original»

(…)


«Imagem no original»

f) Da acção de inspecção ao IVA do período 02/1999 a 07/1999, foi concluído existir IVA em falta, no valor de 3.237.558$00 (cfr. quadro resumo de fls.122 dos autos);

g) Lê-se do relatório de inspecção, que incidiu sobre os meses de Fevereiro e Julho de 1999, além do mais, o seguinte (cfr. ponto III.2 do Relatório de Inspecção”, fls. 122 e ss. dos autos):


«Imagem no original»

(…)”

h) Está anexo ao relatório o quadro seguinte, que se dá por integralmente reproduzido (cfr. documento de fls. 69 do PAT):


«Imagem no original»

(…)

«Imagem no original»

i) Da acção de inspecção ao IVA do período 08/1999 a 10/2000, foi concluído existir IVA em falta, relativo ao período do exercício de 1999, e de 2000, no valor de 29.447,29euros, e de 41.774,92euros, respectivamente (cfr. quadro resumo de fls. 94 dos autos);

j) Lê-se do relatório de inspecção, que incidiu sobre o período compreendido entre Agosto de 1999 a Outubro de 2000, além do mais, o seguinte (cfr. ponto 111.2 do Relatório de Inspecção”, fls. 94 e ss. dos autos):


«Imagem no original»

k) Pela acção de inspecção, foi elaborado o anexo n.°1 ao relatório, que se dá por reproduzido, onde se lê (cfr. documento de fls. 214 do PAT):


«Imagem no original»

l) Foram emitidas as seguintes liquidações adicionais de IVA (cfr. documento de fls. 340 a 363 do PAT — Volume I):

PeríodoN.°JC / Imposto
199500110649IVA
951200110648JC
951100110647JC
951000110646JC
950900110645JC
950800110644JC
199903314109IVA
991203314108JC
991103314107JC
991003314106JC
990903314105JC
990803314104JC
0004023097IVA
001004023096JC
000904023095JC
000804023094JC
000704023093JC
000604023092JC
000504023091JC
000404023090JC
000304023089JC
000204023088JC
000104023087JC
m) As liquidações a que se refere a alínea anterior, encontram-se pagas (cfr. documentos de fls. 340 a 361 dos autos);

n) Aos 29/12/2000, a impugnante apresentou reclamação graciosa contra os actos de liquidação de IVA, do exercício de 1995 (cfr. documento de fls. 2 do PAT — Volume II);

o) A reclamação graciosa foi indeferida (crfr. Despacho de fls. 188 do PAT);

p) A impugnante apresentou, em 26/04/2004, recurso hierárquico contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, deduzida conta as liquidações de IVA de 1995 (cfr. documento de fls.3 de segunda parte do Volume II do PAT);

q) A 27/10/2008 foi indeferido o RH (cfr. documento de fls. não numeradas, segunda parte do Volume II do PAT);

r) A 29/12/2000, a impugnante apresentou reclamação graciosa contra os actos de liquidação de IVA, do exercício de 1999 —período de Fevereiro e Julho (cfr. documento de fls. 2 e ss. do volume III do PAT);

s) A reclamação graciosa a que se refere a alínea anterior, foi indeferida (cfr. Despacho de fls. 136 do PAT, Volume III);

t) A impugnante apresentou, em 26/04/2004, recurso hierárquico contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, deduzida conta as liquidações de IVA de 021999 e 071999 (cfr. documento não numeradas da segunda parte do Volume III do PAT);

u) A 27/10/2008 foi indeferido o RH (cfr. documento de fls. não numeradas, segunda parte do Volume III do PAT);

v) A 30/04/2004, a impugnante apresentou reclamação graciosa contra os actos de liquidação de IVA, do exercício de 1999 — período de Agosto a Dezembro (cfr. documento de fls. 2 e ss. do volume IV do PAT);

w) A 04/10/2007, a reclamação graciosa a que se refere a alínea anterior, foi indeferida (cfr. Despacho de fls. 136 do PAT, Volume IV);

x) A impugnante apresentou, em 08/11/2007, recurso hierárquico contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, deduzida conta as liquidações de IVA de 081999 a 121999 (cfr. documento não numeradas da segunda parte do Volume IV do PAT);

Y) A 30/10/2008 foi indeferido o RH (cfr. documento de fls. não numeradas, segunda parte do Volume IV do PAT);

z) A 25/06/2004, a impugnante apresentou reclamação graciosa contra os actos de liquidação de IVA, 2000 — período de Janeiro e Outubro (cfr. documento de fls. 2 e ss. do volume V do PAT);

aa) A 09/05/2005, a reclamação graciosa a que se refere a alínea anterior, foi indeferida (cfr. Despacho de fls. 230 do PAT, Volume V);

bb) A impugnante apresentou, em 17/06/2005, recurso hierárquico contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, deduzida conta as liquidações de IVA de 012000 a 102000 (cfr. documento fls. 49 e 72, da segunda parte do Volume V do PAT);

cc) A 27/10/2008 foi indeferido o RH (cfr. documento de fls. não numeradas, segunda parte do Volume V do PAT);

dd) Os imóveis arrendados pela impugnante encontram-se fora do perímetro da “Q...” (cfr. depoimento da primeira e terceira testemunhas)”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Não há factos alegados e não provados com interesse para a decisão da causa”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos juntos aos autos e não impugnados, conforme se indica em cada alínea do probatório, relevando ainda o depoimento das testemunhas, conforme se indica na alínea dd) dos factos provados.

As testemunhas e a parte, depuseram de forma pronta”.

II.D. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto

Ao longo das suas alegações, a Recorrente foi fazendo menção a depoimentos de testemunhas e a declarações de parte ou simplesmente mencionando que determinado facto ficou provado.

Por seu turno, a Recorrida considera que devem constar do probatório os seguintes factos provados:

a) A ora Recorrida desenvolveu, durante os exercícios em causa, diversas atividades economicamente distintas de que são exemplos a exploração de um Centro Hípico, a venda de água proveniente de furos de captação do Vale da Foz constituído por prédios rústicos, a respectiva venda de lenha, a manutenção remunerada da Quinta, a venda de lotes de terreno e o arrendamento urbano - cfr. declaração de parte e depoimento das duas testemunhas.

«(...) exploração de um centro hípico que tinha um restaurante, esse centro hípico tem cerca de 20 hectares (e 300 cavalos), tinha uma exploração de rede de águas privadas (...) que desde do tempo da fundação da empresa levou água para a quinta desde as faldas da Serra de Sintra, na Malveira da Serra, a cerca de 7 quilómetros, captou água, fez furos e minas para levar água para a Q...» - cfr. declaração de parte ao minuto 00.02.35.

b) De entre as várias actividades desenvolvidas, algumas estão sujeitas e outras isentas de IVA, pelo que, nos termos da legislação aplicável, a ora Recorrida optou, como vinha fazendo há anos, em sede de direito à dedução, pelo método de afectação real de custos - cfr. declaração de parte M… e depoimento da segunda testemunha N….

c) Assim, à data dos factos, que se distribuem pelos anos de 1995, 1999 e 2000, a ora Recorrida imputava os custos incorridos a oito centros de custos diferentes, quais sejam, o 001 - Centro Hípico, o 002 - Restaurante Picadeiro, 003 - Arrendamentos Imobiliários, 004- Vale da Foz, 005- Águas, 006 -Venda de Lotes, 007- Manutenção da Quinta e 008- Serviços Centrais - cfr. declaração de parte e depoimento da segunda testemunha.

d) De entre os serviços praticados sujeitos a IVA, incluem-se os serviços de manutenção da Quinta (os quais são facturados aos proprietários), os quais compreendem a limpeza dos arruamentos dos terrenos circundantes; a manutenção das iluminarias de circulação; as reparações de pavimentos e bermas adjacentes, passeios, pintura de lombas; a manutenção da sinalética de circulação - serviços de vigilância; a aplicação de herbicidas nas zonas de circulação; a manutenção e operação dos sistemas de câmaras de vigilância; a manutenção de portões e barreiras automáticas de acesso: «Nós facturámos contra essa manutenção que fazemos que inclui a manutenção dos arruamentos, a manutenção das áreas verdes, a segurança relacionada com a portaria, etc., iluminação pública e outros custos, facturámos aos residentes e aos detentores dos lotes (...), por mês, quando facturámos isso, cobramos 1171, que entregamos ao Estado, portanto isso é uma actividade que gera IVA a favor do Estado -cfr. declaração de parte ao minuto 00:22:37.

e) Também constitui uma actividade sujeita a IVA, praticada pela Recorrida a captação e venda de água do Vale da Foz do Guincho que teve um intenso período de investimento e realização de despesas, inclusive nos anos 1995, 1999 e 2000 em causa, cuja remuneração/contrapartida, tem vindo a aumentar ao longo do tempo cfr. declaração de parte e depoimento das testemunhas:

«A água (vendida) era utilizada para regar produção agrícola e também para abastecer a quinta, as casas, os trabalhadores, e incluindo alguns residentes. Era uma actividade privada, ainda hoje é uma actividade privada, a captação da água, e venda de água por parte da quinta, resultando exactamente dessas minas e desses poços e das condutas que foram executadas ao longo de cerca de 8 quilómetros para levar a água até à quinta, à parle onde tinha a agricultura e onde tinha residentes, fossem funcionários, fossem depois pessoas que compraram casas» - cfr. declaração de parte ao minuto 00.04.00.

«Nós tínhamos um investimento para captação de águas, abertura de furos, manutenção de condutas, distribuição, meios de armazenamento também de água, pois fazíamos exploração das águas próprias, que eram da nossa estação. Portanto, basicamente, e a manutenção da quinta.

Normalmente as despesas que havia de investimento tinha a ver com isso», cfr. depoimento da testemunha N...ao minuto 00.04.03.

f) No conjunto de todas as actividades representadas nos oito centros de custos registados na contabilidade da Recorrida apenas duas se encontram isentas de IVA: o arrendamento imobiliário residual e as vendas de lotes os quais não incluem qualquer intervenção física nos imóveis.

g) Nos anos em causa nos autos ou seja 1995, 1999 e 2000, a venda dos lotes em stock e o arrendamento de outros originariamente preparados para a venda, não levou a incorrer em custos significativos - cfr. declaração de parte e depoimento das duas testemunhas.

h) A projecção que as actividades isentas tinham nos serviços administrativos era muito reduzida não representando, em qualquer caso, mais de 5% dessa laboração -cfr. declaração de parte e depoimento das testemunhas.

i) De facto, mesmo depois de vendidos os lotes de terreno e os arrendamentos se mantinham estáveis nas únicas 13 casas afastadas do empreendimento e destinadas a esses fins, a sociedade manteve a mesma dimensão de serviços centrais - cfr. declaração de parte e depoimento das testemunhas.

j) Nem sequer era necessário incorrer em custos com a promoção dos imóveis para venda pois eram os potenciais adquirentes que se dirigiam directamente à sede da Recorrida para proceder à respectiva aquisição não existindo «uma estrutura especifica para vender esses imóveis»- cfr. declaração de parte ao minuto 00.33.45 e depoimento da testemunha F….

k) Os trabalhos de infraestruturação dos lotes foram realizados respectivamente nos anos imediatamente subsequentes à emissão dos alvarás de loteamento n.°s 872/88 e n.° 973/95 obtidos pela Recorrida e que datam de 1988 e 1995 (depoimentos das duas testemunhas).

l) Assim, em 1995, os custos relacionados com a preparação dos lotes de terreno para venda urbanizados no âmbito do primeiro alvará de loteamento n.° 872/88, datado de 1988, já tinham terminado e as obras de urbanização no âmbito do segundo alvará de loteamento n.° 973/95, datado de 1995 ainda não tinham começado - «(...) entre 89, 90, 91, 92, 93 e eventualmente 94, houve despesas de trabalhos relacionados com a actividade não sujeita, que era a actividade imobiliária. Em 95 [porque as obras relacionadas com o alvará de loteamento n.° 872/88/ estavam findas, não houve despesas relacionadas com obras, materialmente relevantes - cfr. declaração de parte ao minuto 00:13:20.

m) E, em 1999 e 2000 já tinham terminado no essencial as obras de urbanização relacionadas com o segundo alvará de loteamento n.° 973/95 - cfr. declaração de parte e depoimentos das testemunhas.

n) Naturalmente, por força da afectação real, foi integralmente deduzido pela ora Recorrida, nos períodos referidos, o IVA suportado nas operações relacionadas com as actividades sujeitas, as quais se identificaram sempre por imputação ao respectivo centro de custos (cfr. depoimentos das duas testemunhas).

o) A Recorrida incorria nestes custos para a prestação de serviços remunerados através da contrapartida recebida dos proprietários e clientes as quais se encontravam contratualizadas nos contratos de aquisição ou de fornecimento - cfr. declaração de parte e depoimento das testemunhas.

«Há encargos gerais que nós cobramos, ainda hoje, aos adquirentes dos lotes, de manutenção que tinha adquirido lotes para ali residir, ou seja, o centro 07 que é relativo aos custos de manutenção da quinta, era uma actividade que gerava IVA para o Estado, no fim, gerava IVA»- cfr. declaração de parte ao minuto 00:13:04.

p) Esses custos com os serviços centrais e manutenção da Quinta incluíam: «Telefones, contabilidade, secretariado, honorários da administração, eram custos de electricidade, de consumos eléctricos com a sede social, (...) custos de manutenção da quinta que eram remunerados pelos residentes, ou seja, nós prestávamos serviços de manutenção, que é o centro de custos 07, no qual imputávamos as despesas com a manutenção dos arruamentos, das zonas verdes, da portaria, da segurança mas lambem imputávamos as receitas cpte cobrávamos aos residentes, uma espécie de condomínio, na medida em c/ue as ruas são privadas. - cfr. declaração de parte ao minuto 00:12:05.

q) No que diz respeito a actividade de arrendamento conclui-se que, nos anos em causa, a mesma foi completamente residual tendo resultado de treze casas fora do empreendimento e que embora tivessem sido construídas para venda tiverem de ser afectas a destino diferente ao longo dos anos, após a crise na venda imobiliária: («(...)não tivemos despesas com as rendas porque eram casas que estavam feitas e alugadas e era só cobrar as rendas» -cfr. declaração de parte ao minuto 00:14:25 e depoimento da testemunha F….

r) Também ficou demonstrado que a administração fiscal nunca veio impor quaisquer condições especiais à utilização do método da afectação real pela ora Recorrida (cfr. de parte e da primeira testemunha).

s) Aliás, ao longo de todo o procedimento, a Administração Fiscal reconheceu que tinha cometido erros de apreciação, e foram sucessivos os erros de cálculo incorridos pelos Serviços, demonstrando não só um certo desconhecimento ao nível das boas práticas de análise contabilística como, o que é mais grave, alguma leviandade no modo como foram tiradas conclusões sobre a contabilidade da empresa o que levou a que em sede de IRC tivesse utilizado métodos indirectos de apuramento da matéria colectável os quais vieram a ser anulados pelo tribunal (cfr. declaração de parte e depoimento das duas testemunhas).

t) E que, inquestionavelmente, a ora Recorrida tem-se pautado pela boa organização das suas contas ao longo dos anos {cfr. declaração de parte e depoimento das duas testemunhas).

u) Ainda assim, a Administração Fiscal alterou potestativamente o método de dedução de IVA nos diversos períodos, tendo-se-lhe afigurado adequada a aplicação de pro-rata em percentagens absolutamente díspares, baseadas em cálculos imperceptíveis e claramente arbitrários.

v) Quanto aos arrendamentos demonstrou-se que os mesmos não geravam custos significativos não tendo sequer havido gastos com publicidade a qual era assegurada pelo pessoal da empresa pois: cfr. declaração de parte e depoimento das duas testemunhas: «os arrendamentos acabavam e recomeçavam, mas não há uma grande actividade aí porque eu creio que desde 92 que as casas estavam arrendadas e eram 13 e resultaram de um projecto falhado, as casas foram construídas para ser vendidas e não se venderam por causa de uma crise que houve nessa altura em 92, 93, 94, não se venderam, tiveram de se arrendar».

w) Ficou, pois, demonstrado que todos os custos incorridos no exercício da sua actividade são na verdade imputáveis às actividades tributáveis, não existindo despesas com relevância fiscal que possam ser atribuídas às vendas de lotes ou aos residuais arrendamentos (idem).

x) Sucede até que a própria Administração Fiscal já manifestou expressamente, em relação a outros exercícios, que a “ afectação real de custos estava a ser efectuada correctamente, encontrando-se os inventários físicos devidamente discriminados e referenciados ” - Ofícios n°s 9794/99.04.27 (exercício de 1997) e 9795/99.04.27 (exercício de 1998) e respectivas informações externas datadas de 26 de Fevereiro de 1999 e 9 de Abril de 1999, respectivamente.

y) Motivo pelo qual nunca veio impor quaisquer condições especiais à utilização do método da afectação real pela ora Recorrida.

z) Todavia, alheia a este facto, a Administração Fiscal prosseguiu sem mais para essas liquidações, por suposta dedução indevida de IVA.

aa) A ora Recorrida procedeu ao pagamento da totalidade do imposto e juros alegadamente devidos, sem prejuízo de se ter reservado o direito a reclamar ou impugnar essas liquidações, como efectivamente veio a fazer.

bb) Por outro lado, como já se expendeu na parte introdutória destas alegações a Administração tributária procedeu a correcções ao lucro tributável, com recurso a métodos indirectos, ao exercício de 1995 da Recorrida, no montante de € 2.044.180,03 (Esc. 409.821.300).

cc) Deste procedimento ilegal da administração tributária (AT) resultou que a matéria que se discute nos presentes autos inclui a liquidação, por via da alteração e reflexo no pro-rata apurado pela AT, de um montante de IVA sobre vendas presumidas posteriormente anuladas pelos tribunais de € 2.044.180,03 (Esc. 409.821 300).

dd) Ora, por este motivo o cálculo do pro-rata de 1995 efectuado pela AT reflectiu os seguintes valores anulados pelo tribunal de «bens e serviços que não dão lugar a dedução»'. € 4.226.201,39 [Esc. 847.277308] dos quais o montante de € 2.044.180,03 [Esc. 409.821.300] correspondem a valores de vendas apuradas com recurso a métodos indirectos.

ee) Ora, daqui decorre que cerca de metade do numerador, foi artificiosamente e ilegalmente empolada pela AT, como se apurou por decisão transitada em julgado em sede de IRC;

ff) Aliás, ao longo de todo o procedimento, foram sucessivos os erros de cálculo incorridos pelos Serviços, demonstrando não só um certo desconhecimento ao nível das boas práticas de análise contabilística como, o que é mais grave, alguma leviandade no modo como foram tiradas conclusões sobre a contabilidade da empresa.

gg) É que, inquestionavelmente, a ora Recorrida tem-se pautado pela boa organização das suas contas ao longo dos anos.

hh) Ainda assim, a Administração Fiscal alterou potestativamente o método de dedução de IVA nos diversos períodos, tendo-se-lhe afigurado adequada a aplicação de pro-rata em percentagens absolutamente díspares, baseadas em cálculos imperceptíveis e claramente arbitrários, tal como resulta do seguinte quadro:
Exercício
n.° de Liquidação

Pro-Rata

1995

00110649

13%

1999 (Janeiro a Julho)

00103406

41 % (provisório)

1999 (Agosto a Dezembro)

0331409

18 % (definitivo)

2000

04023097

31
ii) Porém, não demostrou em qualquer momento que o sujeito passivo tivesse qualquer dificuldade em determinar objectivamente que custos correspondem a actividades concretas.

jj) Em 1999 nem sequer foi tomado em conta o ano fiscal na sua integralidade, tendo apenas sido utilizadas, para efeitos de cálculo do pro-rata definitivo (18%), as operações relativas à segunda metade do ano, quando, a querer calcular aquela percentagem, ela deveria ser calculada sobre o total de operações daquele exercício.

kk) O centro de custos «Manutenção da Quinta» está apenas afecto a actividades sujeitas a IVA, pois não beneficiam desses serviços os lotes para venda, sem qualquer intervenção humana, e os bens dados em arrendamento.

ll) Também o centro de custos «008 Serviços Centrais» estava afecto às actividades sujeitas.

mm) A venda de lotes não implicou, intrinsecamente, a execução de quaisquer trabalhos sobre os imóveis que foram vendidos como lotes de terreno em stock, pelo que não houve recurso a quaisquer fornecimentos e serviços de terceiros sujeitos a IVA relacionados com essa actividade.

nn) Efectivamente, os custos inerentes à venda de lotes de terreno (que se resumem a lotes de terreno, sem edificado) prendem-se apenas com encargos notariais, suportados pelos vendedores ou adquirentes, pelo que não existem quaisquer facturas imputáveis a este centro de custos porque não existiram serviços prestados ou bens adquiridos que visem possibilitar a venda.

oo) Assim, em rigor, aquela actividade não precisou nem beneficiou do contributo dos Serviços Centrais nem da Manutenção da Quinta.

pp) Por outro lado, sendo constantes as actividades desenvolvidas pela ora Recorrida ao longo dos anos e constante o método de dedução de IVA utilizado, nunca veio a Administração fiscal impor, como podia, condições especiais para a utilização do método da afectação real.

Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão (1).

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Especificamente quanto à prova testemunhal, dispõe o n.º 2 do art.º 640.º do CPC:

“2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Como tal, não basta manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­-se-lhe os ónus já mencionados (2).

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que, em relação à Recorrente, tais ónus não foram cumpridos. Com efeito, a Recorrente limita-se a indicar passagens da prova testemunhal e das declarações de parte, sem nunca referir se pretende que seja alterado, eliminado ou aditado qualquer facto, ou a indicar que facto entende que ficou provado, sem indicar que meio de prova sustenta tal entendimento. Esta circunstância implica, tal como referido pela Recorrida, rejeição do recurso, sendo, no entanto, circunscrita a este segmento.

Como tal, rejeita-se o recurso nesta parte.

Quanto à Recorrida, a mesma, usando da faculdade que lhe é conferida pelo n.º 2 do art.º 636.º do CPC, cumpriu apenas em parte com os ónus exigidos pelo art.º 640.º do mesmo código (abstraindo, por ora, do caráter conclusivo de algumas das formulações propostas).

Assim, atendendo à enumeração por alíneas supra efetuada, verifica-se que não foram cumpridos os pressupostos do art.º 640.º do CPC nos seguintes casos:

i. Falta de cumprimento do disposto no art.º 640.º, n.º 2, al. a), do CPC:

Alíneas b), c), g), h), i), k), m), n), r), s), t), v), w)

ii. Falta de cumprimento do disposto no art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC:

Alíneas f), u), y) a pp).

Em todos estes casos ou não é indicado o meio de prova que sustenta o entendimento da Recorrida, ou é indicado o meio de prova, mas não o concreto momento da gravação relevante. No caso das alíneas v) e w) é feita a alusão à prova testemunhal e por declarações de parte, fazendo-se uma pequena transcrição, sem que se saiba a que depoimento respeita e sem que seja indicado o momento da gravação.

Como tal, rejeita-se o requerido quanto às mencionadas alíneas.

Quanto ao mais, estando reunidos, de modo que se entende suficiente, os pressupostos do art.º 640.º do CPC, passar-se-á à sua apreciação.

Refira-se ainda que nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de direito.

Feito este introito, cumpre apreciar o requerido:

¾ Facto a aditar supra identificado sob a alínea a):

A ora Recorrida desenvolveu, durante os exercícios em causa, diversas atividades economicamente distintas de que são exemplos a exploração de um Centro Hípico, a venda de água proveniente de furos de captação do Vale da Foz constituído por prédios rústicos, a respectiva venda de lenha, a manutenção remunerada da Quinta, a venda de lotes de terreno e o arrendamento urbano.

Trata-se de facto não controvertido, que resulta dos RIT, mencionados no probatório.

Como tal, indefere-se o seu aditamento.

¾ Factos a aditar supra identificados sob as alíneas d) e o):

De entre os serviços praticados sujeitos a IVA, incluem-se os serviços de manutenção da Quinta (os quais são facturados aos proprietários), os quais compreendem a limpeza dos arruamentos dos terrenos circundantes; a manutenção das iluminarias de circulação; as reparações de pavimentos e bermas adjacentes, passeios, pintura de lombas; a manutenção da sinalética de circulação - serviços de vigilância; a aplicação de herbicidas nas zonas de circulação; a manutenção e operação dos sistemas de câmaras de vigilância; a manutenção de portões e barreiras automáticas de acesso.

A Recorrida incorria nestes custos para a prestação de serviços remunerados através da contrapartida recebida dos proprietários e clientes as quais se encontravam contratualizadas nos contratos de aquisição ou de fornecimento.

Com efeito, a prova produzida em audiência, integralmente ouvida, quer através declarações de parte (M..), quer testemunhal (depoimentos de N…, trabalhadora da Impugnante há várias décadas, tendo funções de administrativa, com responsabilidades em termos de registos contabilísticos, e F…, também trabalhadora da Impugnante desde 1991 e com funções administrativas), prova essa que foi coerente e convincente e que revelou conhecimento direto dos factos, vai no sentido de que todos os trabalhos de manutenção feitos ficaram a cargo da Impugnante, que depois faturava essa prestação de serviços aos residentes ou aos proprietários, sendo tal um dos aspetos contratualmente definidos.

Face ao exposto, defere-se o requerido, ainda que com diferente formulação, sendo de aditar o seguinte facto:

ee. De entre os serviços praticados sujeitos a IVA, incluem-se serviços de manutenção da Quinta, faturados aos proprietários, e que compreendem a manutenção, limpeza e vigilância.

¾ Facto a aditar supra identificado sob a alínea e):

Também constitui uma actividade sujeita a IVA, praticada pela Recorrida a captação e venda de água do Vale da Foz do Guincho que teve um intenso período de investimento e realização de despesas, inclusive nos anos 1995, 1999 e 2000 em causa, cuja remuneração/contrapartida, tem vindo a aumentar ao longo do tempo.

Trata-se de facto, no seu essencial, não controvertido, que resulta dos RIT.

Como tal, indefere-se o seu aditamento.

¾ Facto a aditar supra identificado sob a alínea j):

Nem sequer era necessário incorrer em custos com a promoção dos imóveis para venda pois eram os potenciais adquirentes que se dirigiam diretamente à sede da Recorrida para proceder à respetiva aquisição não existindo «uma estrutura especifica para vender esses imóveis.

A prova produzida em audiência (declarações de parte e prova testemunhal), cuja razão de ciência já foi mencionada, prova essa toda ela coerente, convincente e revelando conhecimento dos factos, foi no sentido da inexistência de uma estrutura própria para promoção dos imóveis, sendo que os potenciais clientes sobretudo dirigiam-se eles próprios às instalações da Impugnante, revelando interesse em conhecer a oferta existente. A testemunha Filomena, bastante clara no seu depoimento, refere que era a si que muitas vezes os potenciais clientes se dirigiam para obter informações – resultando do seu depoimento que o trabalho associado a tal atendimento era residual.

Como tal, defere-se o requerido aditamento, não obstante com redação distinta da proposta, para que a mesma seja expurgada dos elementos conclusivos:

ff. Eram os potenciais adquirentes dos imóveis que se dirigiam diretamente à sede da Impugnante para proceder à respetiva aquisição, não existindo uma estrutura específica para promoção e venda desses imóveis.

¾ Facto a aditar supra identificado sob a alínea l):

Em 1995, os custos relacionados com a preparação dos lotes de terreno para venda urbanizados no âmbito do primeiro alvará de loteamento n.° 872/88, datado de 1988, já tinham terminado e as obras de urbanização no âmbito do segundo alvará de loteamento n.° 973/95, datado de 1995 ainda não tinham começado.

Também neste caso, o facto em causa resultou provado, não só considerando as declarações de parte invocadas, mas também a prova testemunhal produzida, cuja razão de ciência já referimos supra. Todos os depoimentos, coerentes, convincentes e revelando conhecimento direto dos factos, foram no sentido da existência dos dois alvarás, emitidos um em 1988 e outro em 1995, tendo as obras aos mesmos respeitantes terminado antes de 1995 e de 1999, respetivamente.

Como tal, defere-se o requerido, aditando-se o seguinte facto provado:

gg. Em 1995, os custos relacionados com a preparação dos lotes de terreno para venda urbanizados no âmbito do primeiro alvará de loteamento n.º 872/88, datado de 1988, já tinham terminado e as obras de urbanização no âmbito do segundo alvará de loteamento n.º 973/95, datado de 1995, ainda não tinham começado.

¾ Facto a aditar supra identificado sob a alínea p):

Esses custos com os serviços centrais e manutenção da Quinta incluíam: «Telefones, contabilidade, secretariado, honorários da administração, eram custos de electricidade, de consumos eléctricos com a sede social, (...) custos de manutenção da quinta que eram remunerados pelos residentes, ou seja, nós prestávamos serviços de manutenção, que é o centro de custos 07, no qual imputávamos as despesas com a manutenção dos arruamentos, das zonas verdes, da portaria, da segurança mas também imputávamos as receitas cpte cobrávamos aos residentes, uma espécie de condomínio, na medida em que as ruas são privadas.

Carece de relevância o aditamento deste facto, porquanto, quanto aos serviços centrais, os custos relevantes atendidos constam do RIT e, quanto aos custos de manutenção da quinta, o que de pertinente resulta do proposto já foi aditado, aquando da apreciação das alíneas d) e o).

Como tal, nesta parte, indefere-se o requerido.

¾ Facto a aditar supra identificado sob a alínea q):

No que diz respeito a atividade de arrendamento conclui-se que, nos anos em causa, a mesma foi completamente residual, tendo resultado de treze casas fora do empreendimento e que embora tivessem sido construídas para venda tiverem de ser afectas a destino diferente ao longo dos anos, após a crise na venda imobiliária.

Também neste caso se concorda com a Impugnante, considerando que resultou provado o alegado. De forma clara, coerente e congruente, quer as testemunhas, cuja razão de ciência já referimos, quer a parte, afirmaram que as 13 moradias construídas, sitas fora da quinta [como, aliás, decorre do facto dd)], tinham-no sido inicialmente para venda, o que, num momento inicial, se frustrou, motivo pelo qual as mesmas foram arrendadas. Ficou igualmente demonstrado que o impacto destes arrendamentos era residual em termos de atividade, porquanto se reduzia ao mero recebimento das rendas.

Como tal, é de aditar o seguinte facto:

hh. No que diz respeito a atividade de arrendamento, nos anos de 1995, 1999 e 2000, a mesma consubstanciavam-se no recebimento das rendas de treze casas sitas fora do empreendimento.

¾ Facto a aditar supra identificado sob a alínea x):

Sucede até que a própria Administração Fiscal já manifestou expressamente, em relação a outros exercícios, que a “afectação real de custos estava a ser efectuada correctamente, encontrando-se os inventários físicos devidamente discriminados e referenciados ” - Ofícios n°s 9794/99.04.27 (exercício de 1997) e 9795/99.04.27 (exercício de 1998) e respectivas informações externas datadas de 26 de Fevereiro de 1999 e 9 de Abril de 1999, respectivamente.

Quanto ao facto proposto, o mesmo carece de relevância, por não respeitar aos exercícios em análise.

Assim, indefere-se o seu aditamento.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, ao não decidir ser aplicável o método do pro rata de dedução e ao não atender às regras da distribuição do ónus da prova.

Apreciando.

O IVA é um imposto plurifásico, que assenta numa estrutura de entrega e respetiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir.

O direito à dedução do IVA é um direito que assiste aos sujeitos passivos de IVA, desde que os bens e os serviços, a que respeita tal imposto a deduzir, sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis.

O IVA funciona, pois, pelo método indireto subtrativo, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respetivos inputs.

Trata-se de um reflexo do princípio da neutralidade, subjacente a este imposto, que, no que toca ao direito à dedução em específico, se reflete na necessidade de o IVA não condicionar os produtores a alterar o seu processo produtivo.

Nos termos do art.º 19.º do CIVA, especificamente do seu n.º 1, al. a), os sujeitos passivos de IVA podem deduzir, ao imposto incidente sobre as suas operações tributáveis, o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos de IVA.

Por seu turno, o art.º 20.º, n.º 1, al. a), do mesmo código, determina igualmente que só é dedutível o imposto suportado relativo a bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados para a transmissão de bens e prestações de serviços sujeitas a IVA e dele não isentas.

No caso de sujeitos passivos mistos, ou seja, que pratiquem operações sujeitas e operações isentas de IVA, a dedução de IVA pode ser determinada por recurso a dois métodos (em alternativa ou em simultâneo): o da afetação real e o do pro rata (global ou parcial).

Como se refere no Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) de 16.09.2021, Balgarska natsionalna televizia, C-21/20, EU:C:2021:743, n.ºs 48 a 52:

“48. A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o direito dos sujeitos passivos de deduzirem do IVA de que são devedores o IVA devido ou pago em relação aos bens adquiridos e aos serviços que lhes foram prestados a montante constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação da União. Como o Tribunal de Justiça salientou reiteradamente, esse direito faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado [v., neste sentido, Acórdãos de 15 de setembro de 2016, Senatex, C-518/14, EU:C:2016:691, n.os 26 e 37 e jurisprudência referida, e de 18 de março de 2021, A. (Exercício do direito a dedução), C-895/19, EU:C:2021:216, n.o 32].

49. O regime de dedução instituído pela Diretiva IVA visa, com efeito, desonerar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, uma neutralidade perfeita quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam, em princípio, elas próprias sujeitas a IVA [Acórdãos de 10 de novembro de 2016, Baštová, C-432/15, EU:C:2016:855, n.o 42 e jurisprudência referida, e de 18 de março de 2021, A. (Exercício do direito a dedução), C-895/19, EU:C:2021:216, n.o 33].

50 A esse título, em primeiro lugar, resulta do artigo 168.o da Diretiva IVA que, para poder beneficiar do direito a dedução, é necessário, por um lado, que o interessado seja um «sujeito passivo», na aceção desta diretiva, e, por outro, que os bens ou os serviços invocados para fundamentar esse direito sejam utilizados a jusante pelo sujeito passivo para os fins das suas próprias operações tributadas e que, a montante, esses bens sejam entregues ou esses serviços sejam prestados por outro sujeito passivo (Acórdãos de 5 de julho de 2018, Marle Participations, C-320/17, EU:C:2018:537, n.o 26 e jurisprudência referida, e de 3 de julho de 2019, The Chancellor, Masters and Scholars of the University of Cambridge, C-316/18, EU:C:2019:559, n.o 23).

51 Em contrapartida, quando bens ou serviços adquiridos por um sujeito passivo estão relacionados com operações isentas ou que não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do IVA, não pode haver cobrança do imposto a jusante nem dedução deste a montante (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de setembro de 2017, Iberdrola Inmobiliaria Real Estate Investments, C-132/16, EU:C:2017:683, n.o 30, e de 3 de julho de 2019, The Chancellor, Masters and Scholars of the University of Cambridge, C-316/18, EU:C:2019:559, n.o 24).

52 Decorre desta jurisprudência que é a utilização dos bens e dos serviços adquiridos a montante para fins de operações tributáveis que justifica a dedução do IVA pago a montante…”.

Acrescente-se, ainda, como se refere, v.g., no Acórdão do TJUE de 12.11.2020, Sonaecom, C-42/19, EU:C:2020:913, n.ºs 55 a 59:

“55. Quanto ao contexto em que o artigo 17.°, n.° 2, alínea a), da Sexta Diretiva se insere, há que salientar que, em matéria de dedutibilidade do imposto pago a montante sobre bens de utilização mista, o artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alíneas a) a d), desta diretiva enumera diferentes correções que os Estados-Membros podem adotar para, nomeadamente, aplicar regras de cálculo do pro rata de dedução mais precisas do que a prevista no artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, da referida diretiva, tendo em conta as características específicas próprias das atividades do sujeito passivo em causa.

56 Neste contexto (…), os Estados-Membros podem prever métodos de cálculo diferentes do critério de repartição baseado no volume de negócios previsto na Sexta Diretiva, quando o método escolhido garanta um resultado mais preciso (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de novembro de 2012, BLC Baumarkt, C-511/10, EU:C:2012:689, n.os 23 a 26, e de 9 de junho de 2016, Wolfgang und Dr. Wilfried Rey Grundstücksgemeinschaft, C-332/14, EU:C:2016:417, n.° 33).

57 Além disso, resulta do artigo 20.°, n.° 6, da Sexta Diretiva, relativo ao ajustamento da dedução do imposto pago a montante, que esta dedução deve ser (…) adaptada com a maior exatidão possível à utilização efetiva, a fim de se evitarem «vantagens ou [...] prejuízos injustificados» para o sujeito passivo.

58 Assim, resulta não apenas do artigo 17.°, n.° 2, alínea a), mas também de outras disposições da Sexta Diretiva que esta se baseia na lógica de que a dedução do imposto pago a montante pelo sujeito passivo deve corresponder com a maior exatidão possível à utilização efetiva dos bens e dos serviços adquiridos por aquele.

59 Por conseguinte, uma utilização efetiva dos bens e dos serviços prevalece sobre a intenção inicial”.

O método da afetação real pressupõe a possibilidade de determinar concretamente os inputs afetos às atividades tributadas e às atividades isentas, deduzindo-se integralmente o IVA suportado, no primeiro caso, e não se deduzindo no segundo.

Já o método do pro rata implica o cálculo da percentagem correspondente ao montante anual de operações que dão direito à dedução, sendo que é apenas deduzido o IVA dos inputs na percentagem que seja determinada, sendo, para o efeito, fundamental demarcar que operações são consideradas no numerador e no denominador da fração de cálculo do pro rata de dedução.

Considerando o disposto no art.º 23.º do CIVA, especificamente no seu n.º 4 (redação à época em vigor):

“A percentagem de dedução referida no n.º 1 resulta de uma fração que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das transmissões de bens e prestações de serviços que dão lugar a dedução nos termos do artigo 19.º e n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo, incluindo as operações isentas ou fora do campo do imposto, designadamente as subvenções não tributadas que não sejam subsídios de equipamento”.

O pro rata de dedução, considerando o critério consagrado no n.º 4 do art.º 23.º do CIVA, seria calculado nos seguintes termos:

Feito este introito, resulta, desde logo, que são de sublinhar dois aspetos:

a) Em primeiro lugar, para que se aplique o método do pro rata de dedução é necessário que estejamos perante sujeitos passivos mistos, ou seja, sujeitos passivos que pratiquem operações tributadas e operações isentas;

b) Em segundo lugar, ainda que sejam sujeitos passivos mistos, o método a utilizar deverá ser o que assegure a maior neutralidade do imposto.

Como referido por Xavier de Basto e Odete Oliveira («Desfazendo mal-entendidos em matéria de direito à dedução de imposto sobre o valor acrescentado: as recentes alterações do artigo 23.º do Código do IVA», Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 1, n.º 1, Almedina, 2008, pp. 58 e 59): “Os sujeitos mistos (…) devem (…) ter direito à dedução integral quanto ao imposto contido em bens e serviços que são só utilizados em operações tributadas (e isentas com direito à dedução) e não devem ter qualquer direito a deduzir quanto ao imposto contido em bens e serviços que são só utilizados em operações que não conferem direito à dedução. A disciplina do artigo 23.º, interpretado de acordo com a sua fonte comunitária que é o n.º 5 da 6ª directiva, não se impõe, sem mais considerações, aos sujeitos passivos mistos, mas apenas aos bens e serviços utilizados pelos sujeitos passivos em que não seja possível separar a utilização respectiva em operações que conferem e operações que não conferem direito à dedução”.

É igualmente pertinente atentar no decidido no Acórdão do TJUE, de 16.02.2012, Varzim Sol, C-25/11, EU:C:2012:94, n.ºs 36 a 42:

“36 Importa recordar que, segundo jurisprudência assente, o direito a dedução, previsto nos artigos 17.° e seguintes da Sexta Diretiva, faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Exerce-se imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efetuadas a montante. Qualquer limitação do direito a dedução do IVA tem incidência no nível da carga fiscal e deve aplicar-se de modo semelhante em todos os Estados-Membros. Em consequência, só são permitidas derrogações nos casos expressamente previstos pela Sexta Diretiva (v., nomeadamente, acórdão Comissão/França, já referido, n.° 28).

37 A este respeito, o artigo 17.°, n.° 1, da referida diretiva prevê que o direito a dedução se constitui no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, e o n.° 2 do mesmo artigo autoriza o sujeito passivo, desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributáveis, a deduzir do IVA de que é devedor o imposto devido ou pago em relação a bens que lhe são ou serão fornecidos e a serviços que lhe são ou serão prestados por outro sujeito passivo (v. acórdão Comissão/França, já referido, n.° 29).

38 Quanto aos sujeitos passivos mistos, resulta do artigo 17.°, n.° 5, primeiro e segundo parágrafos, da Sexta Diretiva que o direito a dedução é calculado segundo um pro rata determinado em conformidade com o artigo 19.° desta diretiva. O referido artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, autoriza, no entanto, os Estados-Membros a prever um dos outros métodos de determinação do direito a dedução enumerados nesse parágrafo, isto é, nomeadamente, o estabelecimento de um pro rata distinto para cada setor de atividade ou a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e serviços a uma atividade precisa (v. acórdão Comissão/França, já referido, n.° 30).

39 O artigo 11.°, A, n.° 1, alínea a), da Sexta Diretiva prevê que as subvenções diretamente relacionadas com o preço de um bem ou de um serviço são tributáveis nos mesmos termos que aquele. Quanto às subvenções que não estão diretamente relacionadas com o preço, o artigo 19.°, n.° 1, desta diretiva prevê que os Estados-Membros podem incluí-las no denominador do cálculo do pro rata aplicável, quando um sujeito passivo efetua simultaneamente operações que conferem direito a dedução e operações isentas (v. acórdão Comissão/França, já referido, n.° 31).

40 É facto assente que, quanto ao litígio no processo principal, a Varzim Sol foi autorizada a efetuar a dedução segundo um método diferente do método pro rata determinado nos termos do artigo 19.° da Sexta Diretiva, isto é, com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e serviços a uma atividade precisa, método este referido no artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, desta diretiva.

41 Ora, uma vez que as atividades que a Varzim Sol exerce nos setores da restauração e da animação estão sujeitas a IVA, o direito a dedução segundo o método da afetação real incide sobre a totalidade dos impostos que oneraram as operações efetuadas a montante.

42 Com efeito, visto o sujeito passivo ter sido autorizado a efetuar a dedução segundo o método da afetação real, as disposições do artigo 19.° da Sexta Diretiva não são aplicáveis e não podem, assim, limitar o direito a dedução nos referidos setores, conforme esse direito resulta desta diretiva” (sublinhados nossos).

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

In casu, estamos perante correções efetuadas, que abrangem três anos: 1995, 1999 e 2000.

Não obstante as liquidações impugnadas terem por sustentação distintos relatórios de inspeção tributária (RIT), a sua fundamentação, no que ao caso releva, é similar.

Assim, extrai-se dos RIT:

a) Relativamente ao ano de 1995:

1. A Impugnante é um sujeito passivo misto, deduzindo o IVA segundo o método da afetação real, conforme declaração de alterações apresentada junto dos serviços da AT;

2. A sua contabilidade está organizada por centros de custos;

3. O sujeito passivo considerou integralmente dedutível o IVA suportado, relativo às aquisições de bens e prestações de serviços imputadas no centro de custo 6 (administração e serviços centrais);

4. A AT considerou que, de entre esses bens e serviços, houve alguns cuja utilização / aquisição foi comum a todos os setores de atividade (material de escritório, contabilidade, revisão de contas, honorários de advogados, telefone, segurança, computador, impressora, obras contabilizadas em imobilizações em curso), concluindo que se deveria ter recorrido ao método do pro rata de dedução;

5. Considerou-se como valores das transmissões de bens e prestações de serviços que não conferem direito à dedução o de 847.277.308$00, onde se inclui um valor corrigido por recurso a métodos indiretos – que veio ulteriormente a ser anulado, ao nível do IRC, por Acórdão de 12.07.2017 deste TCAS, proferido no âmbito do processo 06845/13;

b) Relativamente aos períodos compreendidos entre fevereiro e julho de 1999 e aos períodos compreendidos entre agosto de 1999 e outubro de 2000:

1. A Impugnante não deduziu IVA relativamente aos centros de custo 003 (arrendamentos imobiliários) e 006 (vendas de lotes) e deduziu-o quanto aos demais;

2. No centro de custo 0007 (manutenção da quinta) e no centro de custo 0008 (serviços centrais) foram detetados custos comuns aos vários setores de atividade (aquisição de materiais, serviços de segurança/vigilância, pequenas obras, serviços de coordenação e fiscalização de obras e gestão dos serviços de manutenção, material de escritório, contabilidade, revisão de contas, honorários de advogados, comunicações, instalação de redes, equipamento informático, etc.);

3. Para estes, deveria ter-se lançado mão do método do pro rata de dedução.

Em anexo aos RIT, consta um elenco dos documentos que, no entender da AT, consubstanciam custos comuns [cfr. factos e), h) e k)].

Comece-se por se sublinhar que, como resulta dos RIT, a Impugnante tinha a sua contabilidade organizada por centros de custos, forma de organização, à partida, adequada, quando se pretende lançar mão do método da afetação real, como era o seu caso. Essa contabilidade não foi posta em causa, presumindo-se verdadeira [cfr. art.º 75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT)].

Como se extrai do teor dos RIT, foi considerando esta organização em centros de custos que a Impugnante determinou, atento o método da afetação real, qual o IVA que era dedutível, porque relacionado com a atividade tributada, e qual não era dedutível, porque respeitante à atividade isenta.

Discordou, no entanto, a AT desta atuação da Impugnante.

Antes de analisarmos com maior detalhe os termos da discordância da AT, cumpre sublinhar que, ao contrário do que a FP defende, não cabe, sem mais, à Impugnante o ónus da prova de que os bens e serviços que a AT considerou terem afetação mista tinham na verdade afetação à atividade não isenta.

Veja-se que a Impugnante declarou os valores do IVA dedutível, de acordo com o método que aplicava, presumindo-se tais declarações como verdadeiras (art.º 75.º, n.º 1, da LGT).

Logo, em situações como a dos autos, cabe à AT, antes de mais, demonstrar o erro que imputa à atuação da Impugnante, atento o disposto no art.º 74.º, n.º 1, da LGT. Ou seja, a AT tem de cabalmente demonstrar os pressupostos da sua atuação.

Apenas se for cumprido este ónus por parte da AT, caberá ao contribuinte alegar e demonstrar factualidade que afaste o entendimento da administração.

No entanto, sublinhamos, a montante, a AT tem de cumprir o seu ónus probatório.

Como se refere, entre outros, no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 15.11.2017 (Processo: 0485/17):

“É sabido que, de acordo com o princípio geral, no âmbito do procedimento e do processo tributário o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da AT e dos contribuintes recai sobre quem os invoque (nº 1 do art. 342° do CCivil e nº 1 do art. 74° da LGT).

Assim, dado, ainda o princípio da legalidade administrativa, impende sobre a AT o ónus de provar a factualidade que a leve a proceder a correcções à matéria colectável declarada pelos sujeitos passivos. Ou seja, cabe à AT «o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, como factos constitutivos de tal direito, em termos daquele princípio da legalidade, segundo a sua actual compreensão, entendido não como mero limite à actividade da administração mas como fundamento de toda a sua actividade», cabendo, por sua vez, «ao contribuinte apresentar prova bastante da ilegalidade do acto, quando se mostrem verificados estes pressupostos». Similarmente com o que sucede no âmbito de outras isenções de IVA, também no caso presente se pode considerar que «quando o acto de liquidação adicional do IVA se fundamente no não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte cabe à administração apenas a prova da verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação (...) e ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto (...)».”

Assim, para que o ónus da prova passe a caber ao sujeito passivo, em casos como o dos autos, é fundamental que a AT tenha de forma sustentada demonstrado a verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua atuação.

O que, no presente caso, não ocorreu.

Com efeito, como resulta dos RIT, e na senda do mencionado pelo Tribunal a quo, a AT sustentou toda a sua atuação em afirmações conclusivas e não consubstanciadas cabalmente (nem por recurso à análise dos anexos aos RIT, que são meros elencos de documentos contabilísticos, parcamente identificados).

No fundo, a AT partiu da nomenclatura de determinados centros de custos (a saber, manutenção da quinta e serviços centrais) e daí concluiu, sem mais, que parte dos custos, exemplificativamente enumerados, eram comuns.

Não há qualquer análise dos centros de custos relativos às atividades isentas, não obstante os mesmos existirem.

Não há qualquer análise aos termos em que as atividades isentas e tributadas eram efetivadas. Aliás, resultou provado que, no que respeita à manutenção da quinta, havia faturação dos serviços prestados aos proprietários, atividade tributada, o que nem é aflorado pela AT nos RIT.

Não há uma análise detalhada da própria atividade relacionada com o setor isento (designadamente não há qualquer análise em torno do número dos imóveis arrendados ou vendidos), não havendo, consequentemente, qualquer aferição do seu peso residual em termos de atividade (que não é simplesmente aferível pelo volume de negócios).

Há uma seleção de despesas indiscriminada, sendo mesmo pouco percetível, em muitos dos casos, a motivação inerente à sua consideração como custo comum. Vejam-se os casos relativos a “alguma obras”, “pequenas obras”, “aquisições de materiais”, “coordenação e fiscalização de obras”, “honorários de advogados”, despesas em que, atento o seu descritivo, dificilmente não é possível determinar a que atividade são afetos e que, de forma global e conclusiva, foram considerados pela AT como respeitando a ambas as atividades.

Esta abordagem global, conclusiva, impeditiva mesmo da aferição da natureza de cada um dos custos considerado como comum, sempre feriria de ilegalidade a correção em causa, ainda que se pudesse considerar que alguns custos (com eletricidade, por exemplo) seriam comuns. Com efeito, sendo a correção feita de forma global, em bloco, sem cabalmente se explanar até a mensuração de cada um dos custos considerados comuns, tal conduz a que o caráter não sustentado das conclusões extraídas pela AT afete as correções na sua globalidade.

Portanto, para que fosse exigível à Impugnante a prova que a Recorrente refere ser exigível, cumpria que previamente a AT tivesse cabalmente sustentado o pressuposto de que os concretos serviços ou bens referidos eram comuns às atividades sujeita e isenta. O que não fez.

Acrescente-se, ademais, que resultou provado que o peso destas atividades nos anos em causa, em termos de alocação de recursos, era diminuto e meramente residual, não existindo sequer uma estrutura dedicada a essa parte da atividade, que se limitava à cobrança de rendas e à venda de um número não concretamente apurado de lotes.

Carece de relevância o alegado quanto ao facto de não ser verosímil que as obras tenham terminado justamente nos anos anteriores aos em causa. Trata-se de um juízo opinativo da Recorrente, que não merece qualquer apreciação.

Acrescente-se que dos RIT não decorre que não tenha havido, de todo, custos com as atividades isentas, resultando mesmo das verificações da AT que o IVA referente aos bens e serviços imputados aos respetivos centros de custos não foram objeto de dedução. O que decorre dos RIT é que, como já referimos, não é feita uma análise dos centros de custos em causa, o que se revelaria imprescindível.

Face ao exposto, carece de razão a Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 24 de fevereiro de 2022

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)

(1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.
(2) V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.