Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11478/15
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/26/2015
Relator:CONCEIÇÃO SILVESTRE
Descritores:INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DO JUÍZO SOBRE A CAUSA PRINCIPAL
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA POR IMPOSSIBILIDADE DA LIDE
Sumário:I. A decisão de indeferimento do pedido de antecipação do juízo sobre a causa principal não é passível de recurso.

II. Pretendendo o requerente obter a prorrogação de um prazo e mostrando-se este esgotado, impõe-se julgar extinta a instância por impossibilidade da lide.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO ADMINISTRATIVA DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:


RELATÓRIO

A ORDEM …………………………. vem interpor recurso jurisdicional do despacho do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que rejeitou liminarmente o pedido de decretamento de providência cautelar, bem como o pedido de antecipação da decisão da causa principal, formulando as seguintes conclusões:
“A. No dia 27 de maio de 2014, a ora requerente requereu junto do Tribunal de Círculo de Lisboa o decretamento provisório de uma providência cautelar de natureza antecipatória tendo em vista o reconhecimento, a título provisório, da inoperacionalidade do Portal das Finanças e a suspensão do prazo limite para entrega das declarações fiscais cujo prazo limite termina no mês de maio, prorrogando-se o prazo por mais 15 dias.
B. No despacho ora impugnado, o Tribunal a quo indeferiu liminarmente o pedido de decretamento provisório de providência cautelar, bem como o pedido de convolação daquela providência em processo declarativo, nos termos do artigo 121º do CPTA.
C. Ora, o instituto das providências cautelares visa a consagração do dever de abstenção da prática de um ato que lesa o direito de outrem (princípio de alterum non laderum) e o direito à tutela do seu direito.
D. Deste modo, o lesado não tem que aguardar pela consumação do dano e depois pedir uma indemnização mas pode, preventivamente, acautelar o seu direito.
E. Os procedimentos cautelares têm natureza instrumental e provisória porque pressupõem um outro processo, já pendente ou a instaurar, no qual se reconhecerá, em definitivo, o direito do requerente.
F. In casu, o decretamento da providência cautelar visa garantir, a título provisório, o adiamento do prazo da entrega das declarações fiscais para que os danos decorrentes da aplicação de coimas ilegítimas se não verifiquem; no processo principal, irá declarar-se o reconhecimento da inoperacionalidade do portal das finanças, com todos os efeitos legais que daí decorram.
G. Por outro lado, sempre se dirá que estão reunidas as condições para a antecipação da decisão do processo principal, nos termos previstos no artigo 121º do CPTA e devidamente requeridos no processo.
H. Com efeito, a ora recorrente fez prova na petição inicial (artigos 27º a 32º) da “gravidade dos interesses envolvidos” e “especial urgência na resolução definitiva”; foram também trazidos ao processo todos os elementos necessários para que seja possível uma decisão de mérito.
I. Subsidiariamente, caso assim não se entenda, sempre se dirá que o pedido apresentado tem fundamento direto no já citado artigo 268º n.º 4 da CRP, pelo que competiria ao tribunal adotar uma decisão de mérito que garantisse a protecção dos direitos e interesses dos técnicos oficiais de contas e contribuintes.
J. A decisão viola assim o disposto nos artigos 2º, n.º 1, 112º e ss, 131º, 121º todos do CPTA e artigos 20º e 268º, n.º 4 da CRP.”

Refira-se que, pese embora a recorrente tenha peticionado o decretamento provisório da providência, em rigor do que se trata é do decretamento da própria providência. Isto porque o único pedido que a mesma deduziu foi o do decretamento provisório e este não é um pedido autónomo antes pressupõe a formulação do pedido de concessão de determinada providência.

O recorrido - Ministério das Finanças - apresentou contra-alegações, concluindo nos seguintes termos:
“I. Os princípios da instrumentalidade, provisoriedade e sumaridade, que enformam o processo cautelar, não podem ser postergados.
II. O pedido de decretamento de uma providência cautelar, deverá assim respeitar tais princípios, não só a nível formal, mas igualmente substantivo.
III. O decretamento da providência cautelar requerida, pese embora pretensamente fosse requerida a título provisório, necessariamente esgotaria o objecto da acção principal, pois que ambos os pedidos coincidem, espácio-temporalmente, não podendo assim, considerar-se verificados os requisitos de provisoriedade e instrumentalidade.
IV. Sendo desiderato da recorrente, com o decretamento da providência cautelar, garantir “o adiamento do prazo da entrega das declarações fiscais, para que os danos decorrentes da aplicação de coimas ilegítimas se não verifiquem”, há que referir que não estamos perante quaisquer situação de manifesta urgência, nem tão pouco a pretensa gravidade dos interesses envolvidos, que justifique o decretamento provisório da providência ou a antecipação da decisão da causa principal.
V. Igualmente se mostra infundado o pedido de aplicação directa do n.º 4 do artigo 268º da CRP, pois não estando em causa o indeferimento liminar da pretensão da OTOC com fundamento na impropriedade do meio, mas sim na ilegalidade da pretensão levada a juízo, não se mostram verificados os pressupostos necessários para a aplicação directa daquele normativo.”


O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não se pronunciou.
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Por despacho de fls. 73 dos autos foram suscitadas duas questões: a inadmissibilidade do recurso do despacho do TAC de Lisboa na parte em que indeferiu o pedido de antecipação da decisão da causa principal e a impossibilidade da lide com referência ao recurso do referido despacho na parte em que indeferiu liminarmente o pedido de decretamento da providência cautelar.
Notificadas as partes para se pronunciarem sobre tais questões, nenhuma o fez.

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Sem vistos, cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTAÇÃO

Da inadmissibilidade do recurso do despacho do TAC de Lisboa na parte em que indeferiu o pedido de antecipação da decisão da causa principal

O artigo 121º do CPTA prevê a possibilidade de o tribunal, ouvidas as partes pelo prazo de 10 dias, antecipar a da decisão da causa principal, preenchidos que sejam os seguintes requisitos (cfr. n.º 1):
- Ocorrer “manifesta urgência na resolução definitiva do caso” com o que “não se compadece … a adopção de uma simples providência cautelar”;
- “Tenham sido trazidos ao processo todos os elementos necessários para o efeito”.
Acerca da recorribilidade desta decisão, prescreve o n.º 2 deste preceito que “a decisão de antecipar o juízo sobre a causa principal é passível de impugnação nos termos gerais”.
Resulta, pois, de forma inequívoca deste preceito que apenas o despacho no sentido de antecipar a decisão da causa principal é susceptível de recurso.
Ao invés, o despacho que indefira o pedido feito por uma das partes nesse sentido não é passível de recurso.
O n.º 2 do artigo 121º do CPTA é absolutamente claro quando se refere apenas à “decisão de antecipar o juízo sobre a causa principal”. E havendo que presumir que o legislador se expressou correctamente, usando os termos adequados, impõe-se concluir que se houvesse intenção de abranger também a decisão de indeferimento do pedido de antecipação do juízo sobre a causa principal, a mesma não deixaria de ser explicitada. Não o tendo feito, não pode o interprete fazê-lo, tanto mais que não encontra na letra da lei o mínimo de correspondência.
Concluímos, em face do exposto, pela inadmissibilidade do recurso do despacho do TAC de Lisboa na parte em que indeferiu o pedido de antecipação da decisão da causa principal.

Da impossibilidade da lide com referência ao recurso do despacho do TAC de Lisboa na parte em que indeferiu liminarmente o pedido de decretamento da providência cautelar

A recorrente pediu ao TAC de Lisboa que decretasse “a suspensão do prazo limite para entrega das declarações fiscais cujo termo do prazo de envio termina no mês de Maio, prorrogando-se o prazo por mais 15 dias”.
Ou seja, e como a recorrente refere nas suas alegações de recurso [cfr. alínea F)], “o decretamento da providência cautelar visa garantir, a título provisório, o adiamento do prazo da entrega das declarações fiscais”.
Acontece que, quando a providência cautelar foi instaurada - em 26/05/2014 (cfr. certidão de fls. 2 dos autos) - o dito prazo que a recorrente pretendia prorrogar estava prestes a esgotar-se e havia já decorrido na sua totalidade quando foi apresentado o recurso - em 13/06/2014 (cfr. certidão de fls. 2 dos autos) -.
E se assim é, mostra-se agora impossível prorroga-lo, como a recorrente pretende, pois que não é possível prorrogar um prazo já esgotado.

DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
(i) Em rejeitar o presente recurso jurisdicional e não conhecer do seu objecto na parte que respeita à impugnação do indeferimento do pedido de antecipação da decisão da causa principal;
(ii) Em julgar extinta a instância por impossibilidade da lide na parte que respeita à impugnação do indeferimento liminar do pedido de decretamento da providência cautelar
Custas pela recorrente.


Lisboa, 26 de Fevereiro de 2015


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(Conceição Silvestre)


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(Cristina dos Santos)


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(Paulo Pereira Gouveia)