Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1022/12.4BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:05/07/2020
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:IRS;
RETENÇÃO NA FONTE;
RENDIMENTOS DE CAPITAIS;
SUBSCRIÇÃO DO CAPITAL SOCIAL;
SÓCIOS
Sumário:I - Nos termos do disposto no art. 5º, nº 2, al.h) do CIRS, devem ser qualificados como rendimentos de capitais, de entre outros, os rendimentos derivados de lucros distribuídos por sociedades e os adiantamentos por conta desses lucros a favor dos respectivos sócios que sejam pessoas singulares.
II - Por sua vez, o art. 6º, nº 4 do CIRS estabelece uma presunção, no sentido de que as quantias lançadas a favor dos sócios, em quaisquer contas correntes de sócios de sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial e que não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício do cargo social, correspondem a lucros ou a adiantamento por conta de lucros, devendo, por isso, ser sujeitas a tributação, nos termos do art. 5º, nº 1 e 2, al.h) do CIRS.
A referida presunção é ilidível, mediante prova em contrário, nos termos do nº 5 da mesma norma.
III - Tendo a AT demonstrado a legalidade do seu agir, incumbia à recorrente o ónus de demonstrar que o dinheiro não pertencia aos accionistas mas sim à sociedade recorrente tal como invoca, ónus que não cumpriu de todo, pelo que forçoso é concluir que a recorrente não logrou ilidir a presunção constante do art. 6º, nº 4, do CIRS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO
L….. – …..S, S.A, deduziu IMPUGNAÇÃO Judicial contra a liquidação de retenções na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º …..237, do período de tributação de 2009, no valor de € 773.389,46, e a corresponde liquidação de juros compensatórios, com o n.º …..270, no valor de € 73.228,32, o que perfaz o valor total a pagar de € 846.617,78.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, por decisão de 20 de Junho de 2018, julgou improcedente a impugnação.

Inconformada, a Massa Insolvente de L….. – ….., S.A, veio recorrer da referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«A) - Quanto à primeira questão de saber se AT podia desencadear um procedimento de inspeção para efeitos de apuramento das liquidações de imposto e juros compensatórios de IRS-retenções na fonte, do período de 2009, entende-se que a douta sentença recorrida padece de nulidade consubstanciada na contradição entre os factos dados como provados e a aplicação do direito aos mesmos.
B) - Da conjugação dos factos provados nos ponto 21, 5 e 13 do probatório resulta: por um lado, que a inspeção efetuada ao ano de 2009, corrigiu IRS – retenção na fonte tendo por base o apuramento da matéria coletável de IRC aos exercício de 2008 e 2009; por outro lado, a correção à matéria coletável de IRC ao exercício de 2008 foi efetuada ao abrigo de uma segunda inspeção ao mesmo exercício e em sede de IRC.
C) - Formalmente não há duas inspeções em sede de IRS – ret. na fonte ao exercício de 2009, mas o procedimento inspetivo relativo ao exercício de 2009 socorre-se das conclusões apuradas num segundo procedimento inspetivo ao exercício de 2008, o qual é ilegal, determinando a ilegalidade das correções aí apuradas, e, consequentemente determina a ilegalidade das correções fiscais apuradas no procedimento inspetivo ao exercício de 2009, porque assentes em valores ilegalmente apurados.
D) - Com efeito, a recorrente não podia ser objeto de nova inspeção externa ao exercício de 2008, pois a AT não podia, a coberto de pretensos novos factos ou pretensos factos supervenientes, vir a usar a segunda inspeção externa para tomar conhecimento de factos ou de determinados documentos constantes da contabilidade antes objeto de inspeção, mas que por falta de cumprimento dos deveres de diligência (que se impõe à AT) não foram relevados.
E) - A esta conclusão chegou o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, no âmbito do processo de impugnação n.º 1028/12.3BELRA, cuja decisão julgou procedente o pedido de anulação da liquidação de IRC do ano de 2008 - da qual foi interposto recurso e do qual se aguarda decisão definitiva - onde se diz o seguinte: “(…)não obstante estar munida, em termos formais, de um despacho de autorização, a AT excedeu a auto-vinculação a que se impôs no âmbito do procedimento de inspecção sob escrutínio, em violação do n.º 3 do art. 63.º da LGT.”.
F) - O que significa que todas as correções, determinadas no segundo procedimento inspetivo, feitas ao exercício de 2008, que não têm a ver com aquelas irregularidades apontadas, configura uma inspeção ilegal na medida em que extravasa os poderes e os motivos que fundamentaram a prolação do despacho do Ex.mo Diretor Geral datado de 2/12/2010.
G) – Em face da ilegalidade da segunda inspeção externa ao exercício de 2008 são ilegais as correções à matéria coletável em sede de IRC aí determinadas, e consequentemente, são ilegais as correções à base tributável em sede de IRS – ret. na fonte do exercício de 2009, na parte em que apura imposto sobre € 2.488.336,40, pois este montante foi ilegalmente apurado aquando da segunda inspeção ao exercício de 2008.
H) - Quanto à segunda questão, discorda-se da decisão do douto tribunal “a quo” ao entender que ato de inspeção realizado pelos SIT da DF Leiria, após a notificação da nota de diligência e antes da notificação do relatório final, é um ato permitido por lei por se tratar de um ato adicional ou complementar dos atos anteriormente realizados, entendendo a recorrente que a mesma fez uma errónea aplicação das normas legais aplicáveis aos factos dados como provados.
I) – Verifica-se no ponto 17 do probatório que os elementos e documentos pedidos pela AT, após a notificação da nota de diligência e antes do relatório final, são o cerne da fiscalização efetuada, pelo que não visavam complementar ou esclarecer itens da contabilidade previamente recolhidos nas instalações, pois, eles são, na verdade, itens da contabilidade que a AT não recolheu aquando da inspeção externa efetuada nas instalações da recorrente e que podia e deveria ter feito aquando da sua deslocação.
J) - Pelo que, os atos praticados após a entrega da nota de diligência não foram atos complementares de inspeção, mas sim atos de inspeção a realizar aquando da diligência externa efetuada pelos SIT da DF de Leiria, donde, após 21/09/2011, devem ser considerados ilegais os atos praticados.
L) - Ora, como já depois de 21/09/2011 a recorrente foi notificada e entregou documentos, estes não podem fundamentar qualquer correção uma vez que a AT já tinha terminado as diligências de recolha de elementos principais do procedimento inspetivo externo.
M) - Pelo que, também por esse motivo é ilegal a liquidação de IRS – ret na fonte, uma vez que se fundamenta em atos de inspeção praticados para além do prazo de entrega da nota de diligência.
N) - Quanto à terceira questão apreciada, a douta sentença recorrida estribou-se no previsto no n.º 4 do art.º 6º do CIRS e concluiu que a impugnante, ora recorrente, não logrou ilidir a presunção aí prevista.
O) - Sucede, contudo, que os acionistas C….. e F….. não foram beneficiários efetivos da quantia correspondente ao aumento do capital social ou de outra, resultante da creditação da conta 2649, por contrapartida dos lançamentos indevidos de compras inexistentes.
P) - Em teoria, dos lançamentos contabilísticos - que permitiram o aumento de capital social - resultaria um direito de créditos dos acionistas da recorrente, contudo, e como ficou provado, na prática esse mero lançamento contabilístico na conta dos subscritores de capital C….. e F….. e posterior aumento das participações sociais, não se tornou num direito efetivo e, muito menos, o recebimento de rendimentos de capitais tributáveis em IRS.
Q) – Nem se diga que o facto de ter existido um aumento das participações sociais, através da deliberação da Assembleia Geral de 17/07/2009, representou um aumento do património dos acionistas, porque para assim ser, teria que ter ficado provado que a partir dessa data os subscritores do aumento obtiveram algum tipo de rendimentos proveniente dessas participações aumentadas, como seja efetiva distribuição de lucros ou dividendos, ou que tivessem alienados as participações e obtido produto pela venda.
R) - Na verdade, aquela aludida deliberação social veio a ser retificada em 30/07/2012, precisamente por o dinheiro não pertencer aos acionistas, mas sim à sociedade recorrente.
S) - Retificação da deliberação social que passou a determinar que o aumento do capital social, reportado à data de primeira deliberação (17/07/2009), não foi efetuado em dinheiro, mas sim em incorporação de reservas, em que o aumento passou a ser subscrito igualitariamente e proporcionalmente às participações de cada um dos acionistas – Sr. C….., Sr. F….. e L….. SGPS, SA.
T) - Deliberação social retificada em 2012 que, embora produza efeitos para o futuro, veio a dar forma legal ao que existia na realidade desde 2009.
U) - Com efeito, pela deliberação de julho de 2009 os acionistas viram aumentada a sua participação social, mas tal aumento foi fictício e não correspondeu a um benefício efetivo.
V) - Assim, entre o primeiro registo do aumento de capital e a sua retificação, os acionistas não obtiveram nenhum acréscimo patrimonial resultante de lançamentos indevidos na contabilidade.
X) - Pelo que, não poderá concluir-se que o aumento de capital em 2009 constituiu uma forma de aumento do património dos acionistas C….. e F….., porque com a retificação da modalidade de aumento de capital em 2012, e porque não houve qualquer alteração nos subscritores de capital ou das suas participações, os efeitos da retificação reportam-se à data de 17/07/2009.
Z) - Daí que a tributação a título de retenção na fonte com base no aumento de capital social na parte relativa aos € 3.866.947,00 constitua uma tributação de um rendimento inexistente, não devendo manter-se, na ordem jurídica, a douta sentença recorrida.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, devendo ser dado provimento ao recurso anulando a douta sentença recorrida e, consequentemente, anulada a liquidação impugnada.»
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.
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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.

De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, são as seguintes as questões a resolver:

- saber se a sentença recorrida padece de nulidade consubstanciada na contradição entre os factos dados como provados e a aplicação de direito aos mesmos,

e em caso negativo,

saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento quanto à questão de saber se a AT podia desencadear um procedimento de inspecção para efeitos de apuramento das liquidações de imposto e juros compensatórios de IRS-retenções na fonte, do período de 2009;

- saber se a AT podia praticar novos actos de inspecção após a notificação à impugnante da nota de diligência e antes do relatório final da inspecção;

- saber se as retenções na fonte de IRS são devidas em função da subscrição do capital social da impugnante por dois dos seus sócios.

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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto

A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«1. Da Acta n.º 8 da Assembleia Geral da Impugnante, datada de 17 de Julho de 2009, consta, designadamente, que “(…)





(…)




(…)” (cfr. Acta, de fls. 452 e 453 do processo administrativo tributário, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

2. No ano de 2009, na sequência da Acta descrita no ponto antecedente, foi efectuada a subscrição do aumento do capital social da Impugnante através de entradas em dinheiro registadas na conta n.º 2649, em nome dos sócios C….. e F….. (cfr. confissão constante da petição inicial e depoimento de testemunha);

3. Do extracto da conta n.º 2649 identificada no ponto antecedente consta que“





















” (cfr. extracto de conta, de fls. 454 e 455 do processo administrativo tributário, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

4. No dia 09 de Setembro de 2009, foi registado, junto da Conservatória do Registo Comercial da Batalha, o aumento do capital social da Impugnante, em € 4.525.000,00, subscrito por entradas em dinheiro (cfr. publicação on-line de acto societário, de fls. 447 do processo administrativo tributário, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

5. A coberto da ordem de serviço n.º OI….., dos Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Leiria, a Impugnante foi alvo de um procedimento de inspecção externa, de âmbito parcial, com referência ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), dos exercícios de 2006, 2007 e 2008 (cfr. relatório final da inspecção tributária, de fls. 04 a 07 e 11 a 31 do processo administrativo tributário, em apenso, e carta aviso, de fls. 86 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

6. O procedimento de inspecção identificado no ponto antecedente foi motivado por divergências no Sistema de Intercâmbio de Informações sobre o IVA (VIES) (cfr. relatório final da inspecção tributária, de fls. 11 a 31 do processo administrativo tributário, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

7. O procedimento de inspecção identificado no ponto n.º 5 do probatório terminou, no dia 06 de Novembro de 2009 (cfr. relatório final da inspecção tributária, de fls. 04 a 07 e 11 a 31 do processo administrativo tributário, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

8. O procedimento de inspecção identificado no ponto n.º 5 do probatório terminou sem a proposta de correcções, em virtude da Impugnante ter regularizado, voluntariamente, as divergências detectadas (cfr. artigo 14.º da contestação, admitido por acordo);

9. No dia 25 de Novembro de 2010, os serviços do Gabinete do Subdirector- Geral da Inspecção Tributária elaboraram uma informação, onde se pode ler, designadamente, que “(…)




(…)













(…)” (cfr. informação, de fls. 34 a 36 do processo administrativo tributário, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

10. Sobre a informação descrita no ponto antecedente recaiu um despacho do Director-Geral dos Impostos, datado de 02 de Dezembro de 2010, no sentido de “

Concordo.

Autorizo a realização de novo procedimento inspectivo, nos termos propostos.

(…)” (cfr. despacho, de fls. 34 do processo administrativo tributário, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

11. Através de ofício, datado de 02 de Agosto de 2011, os Serviços de Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Leiria, comunicaram à Impugnante a decisão descrita nos pontos antecedentes (cfr. ofício, de fls. 37 do processo administrativo tributário, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

12. No dia 03 de Agosto de 2011, a Impugnante recebeu o ofício identificado no ponto antecedente (cfr. data e assinatura apostas no aviso de recepção, de fls. 39 do processo administrativo tributário, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

13. A coberto da Ordem de Serviço n.º OI….., de 09 de Novembro de 2010, dos Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Leiria, a Impugnante foi alvo de um procedimento de inspecção externa, de âmbito geral, relativamente aos exercícios de 2007 e 2008 (cfr. resumo das conclusões do relatório final da inspecção tributária, de fls. 04 e 06 e 11 e 13 do processo administrativo tribuário, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

14. A coberto da Ordem de Serviço n.º OI….., de 17 de Março de 2011, dos Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Leiria, a Impugnante foi alvo de um procedimento de inspecção externa, de âmbito geral, relativamente ao exercício de 2009 (cfr. resumo das conclusões do relatório final da inspecção tributária, de fls. 04 e 07 e 11 e 14 do processo administrativo tributário, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

15. No dia 21 de Setembro de 2011, os Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Leiria, entregaram à Impugnante a nota de diligência relativa à Ordem de Serviço n.º OI….. (cfr. data e assinatura apostas na nota de diligência, de fls. 89 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

16. Na mesma data os Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Leiria, entregaram à Impugnante a nota de diligência relativa à Ordem de Serviço n.º OI…..(cfr. data e assinatura apostas na nota de diligência, de fls. 90 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

17. Através do ofício n.º 005971, os Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Leiria, solicitaram à Impugnante que “(…)





















(…)” (cfr. ofício, de fls. 174 a 176 do processo administrativo tributário, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

18. O ofício descrito no ponto antecedente foi recebido, no dia 06 de Outubro de 2011 (cfr. assinatura e data apostas no aviso de recepção, de fls. 178 do processo administrativo tributário, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

19. No dia 18 de Outubro de 2011, deu entrada, na Direcção de Finanças de Leiria, a resposta da Impugnante ao ofício descrito nos pontos antecedentes, acompanhada dos documentos solicitados (cfr. resposta e data aposta nessa resposta, de fls. 179 e seguintes do processo administrativo tributário, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

20. No dia 01 de Março de 2012, os Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Leiria, elaboraram o relatório final de inspecção tributária, relativo ao procedimento efectuado a coberto das Ordens de Serviço n.ºs OI….. e OI….. (cfr. relatório final de inspecção tributária, de fls. 04 a 07 e 11 a 31 do processo administrativo tributário, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

21. No relatório identificado no ponto antecedente consta, designadamente, que “(…)





(…)






(…).” (cfr. relatório final de inspecção tributária, de fls. 04 a 7 e 11 a 31 do processo administrativo tributário, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

22. Sobre o relatório descrito nos pontos antecedentes recaiu um despacho, do Director de Finanças Adjunto, da Direcção de Finanças de Leiria, datado de 13 de Setembro de 2012, no sentido de “

Concordo com o teor integral do relatório que sanciono, assim como as correcções de impostos – IRC, IVA e Retenções na Fonte de IRC, atento os fundamentos de facto e de direito descritos no ponto III.

(…)”(cfr. despacho, de fls. 07 e 11 do processo administrativo tributário, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

23. Através do ofício n.º 1621, de 19 de Março de 2012, a Direcção de Finanças de Leiria comunicou à Impugnante o relatório final de inspecção tributária descrito nos pontos antecedentes (cfr. ofício, de fls. 01 do processo administrativo tributário, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

24. O ofício identificado no ponto antecedente foi recebido, em 20 de Março de 2012 (cfr. data e assinatura apostas no aviso de recepção, de fls. 02 do processo administrativo tributário, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

25. No dia 19 de Março de 2012, os serviços da administração tributária emitiram, em nome da Impugnante, a liquidação de retenções na fonte de IRS n.º …..237, relativa ao período de tributação de 2009, no valor a pagar de € 773.389,46, cujo prazo de pagamento voluntário terminou, em 26 de Abril de 2012 (cfr. liquidação de retenções na fonte de IRS, de fls. 100 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

26. Na mesma data, os serviços da administração tributária emitiram, em nome da Impugnante, a liquidação de juros compensatórios n.º …..270, sobre o imposto identificado no ponto antecedente, no valor a pagar de € 73.228,32, cujo prazo de pagamento voluntário terminou, em 26 de Abril de 2012 (cfr. liquidação de juros compensatórios, de fls. 100 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

27. No dia 31 de Agosto de 2012, a Impugnante intentou a presente impugnação judicial junto deste Tribunal (cfr. registo do SITAF, de fls. 01 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

28. Da Acta n.º 17 da Assembleia Geral da Impugnante, datada de 30 de Julho de 2012, consta, designadamente, que “(…)

(…)





(…)” (cfr. acta, de fls. 180 e 181 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

29. No dia 29 de Agosto de 2012, foi registada, junto da Conservatória do Registo Comercial da Batalha, a rectificação da forma de subscrição do aumento do capital social da Impugnante para incorporação de reservas (cfr. certidão permanente, de fls. 179 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).


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Nada mais foi provado com relevância para a decisão em causa, atentos o pedido e a causa de pedir.

Motivação da decisão de facto

A decisão sobre a matéria de facto provada, constante dos pontos n.ºs 1 e 3 a 29 do probatório, teve por base o exame dos documentos que constam junto aos autos e ao processo administrativo tributário, em apenso, tudo conforme especificado a propósito de cada um dos pontos do probatório, sendo certo que nenhum dos referidos documentos foi objecto de impugnação por qualquer uma das partes, nos termos do art. 115.º, n.º 4, do CPPT e dos arts. 444.º e 446.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do art. 2.º, al. e), do CPPT.

Neste contexto, é de referir que os documentos juntos pela Impugnante, de fls. 185 a 907 dos autos, não foram relevados por este Tribunal.

Com efeito, o que está aqui em causa é a legalidade de um acto de liquidação de retenções na fonte de IRS sobre rendimentos de capitais que terão sido colocados à disposição de dois sócios da Impugnante, assim como da liquidação dos correspondentes juros compensatórios, à luz do disposto no art. 99.º do CPPT.

Pelo que, reportando-se os referidos documentos a meras alterações contabilísticas efectuadas posteriormente à realização do procedimento de inspecção e, bem assim, à emissão dos actos de liquidação objecto da presente impugnação, conforme, aliás, é admitido pela própria Impugnante na petição inicial, as mesmas não possuem a virtuosidade de alterar os pressupostos dessas liquidações e, por inerência, de determinar a respectiva anulação.

Melhor explicitando, o que importa aqui é a materialidade subjacente aos elementos contabilísticos em questão, não podendo a Impugnante esperar que a mera alteração formal desses elementos, aquando da propositura da acção, beneficie de qualquer presunção de veracidade e de boa-fé, capaz de abalar as conclusões de um procedimento inspectivo que lhe antecedeu e que detectou diversas irregularidades na sua elaboração e, muito menos, esperar que tal seja suficiente para impor a anulação dos actos de liquidação subsequentes.

Aqui chegados, resta somente referir que a convicção do Tribunal sobre o facto provado no ponto n.º 2 do probatório derivou da confissão expressa da Impugnante, constante dos artigos 26.º, 37.º, 48.º, 59.º, 70.º, 81.º, 92.º, 103.º, 122.º, 131.º, 139.º, 148.º, 159.º, 170.º, 190.º, 201.º, 212.º e, sobretudo, 217.º da petição inicial, nos termos dos arts. 352.º, 355.º, n.ºs 1 a 3, e 356.º, n.º 1, do Código Civil (CC) e do art. 465.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi do art. 2.º, al. e), do CPPT, assim como do depoimento da testemunha P….., o qual, por ter sido Fiscal Único e Revisor Oficial de Contas da Impugnante, à data dos factos, demonstrou conhecer, pessoalmente, a titularidade da conta n.º 2649 e a respectiva movimentação.

O depoimento da testemunha C….., Inspectora Tributária, não foi considerando relevante por este Tribunal, na medida em que a mesma limitou-se a apontar as irregularidades que detectou ao longo do procedimento de inspecção e que já constam do relatório final da inspecção tributária, descrito nos pontos n.ºs 20 a 22 do probatório.»

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II.2. De Direito

Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou a presente impugnação judicial totalmente improcedente e, em consequência, decidiu:

a) Manter na esfera jurídica da Impugnante a liquidação de retenções na fonte de IRS n.º …..237, relativa ao período de tributação de 2009, no valor a pagar de € 773.389,46, assim como a correspondente liquidação de juros compensatórios, com o n.º …..270, no valor a pagar de € 73.228,32; e,

b) Condenar a Impugnante em custas, ficando, porém, a mesma dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a final, sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário [art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, ex vi art. 2.º, al. e), do CPPT, e arts. 6.º, n.ºs 1 e 7, e 7.º, n.º 1, do RCP e da Tabela I-A, em anexo].

Inconformada, a Massa Insolvente de L….. – ….., S.A., veio recorrer da referida decisão invocando [conclusões de recurso A) a G)], que quanto à primeira questão de saber se AT podia desencadear um procedimento de inspeção para efeitos de apuramento das liquidações de imposto e juros compensatórios de IRS-retenções na fonte, do período de 2009, entende-se que a douta sentença recorrida padece de nulidade consubstanciada na contradição entre os factos dados como provados e a aplicação do direito aos mesmos. Da conjugação dos factos provados nos ponto 21, 5 e 13 do probatório resulta: por um lado, que a inspeção efetuada ao ano de 2009, corrigiu IRS – retenção na fonte tendo por base o apuramento da matéria coletável de IRC aos exercício de 2008 e 2009; por outro lado, a correção à matéria coletável de IRC ao exercício de 2008 foi efetuada ao abrigo de uma segunda inspeção ao mesmo exercício e em sede de IRC. Formalmente não há duas inspeções em sede de IRS – ret. na fonte ao exercício de 2009, mas o procedimento inspetivo relativo ao exercício de 2009 socorre-se das conclusões apuradas num segundo procedimento inspetivo ao exercício de 2008, o qual é ilegal, determinando a ilegalidade das correções aí apuradas, e, consequentemente determina a ilegalidade das correções fiscais apuradas no procedimento inspetivo ao exercício de 2009, porque assentes em valores ilegalmente apurados. Com efeito, a recorrente não podia ser objeto de nova inspeção externa ao exercício de 2008, pois a AT não podia, a coberto de pretensos novos factos ou pretensos factos supervenientes, vir a usar a segunda inspeção externa para tomar conhecimento de factos ou de determinados documentos constantes da contabilidade antes objeto de inspeção, mas que por falta de cumprimento dos deveres de diligência (que se impõe à AT) não foram relevados. A esta conclusão chegou o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, no âmbito do processo de impugnação n.º 1028/12.3BELRA, cuja decisão julgou procedente o pedido de anulação da liquidação de IRC do ano de 2008 - da qual foi interposto recurso e do qual se aguarda decisão definitiva - onde se diz o seguinte: “(…)não obstante estar munida, em termos formais, de um despacho de autorização, a AT excedeu a auto-vinculação a que se impôs no âmbito do procedimento de inspecção sob escrutínio, em violação do n.º 3 do art. 63.º da LGT.”. O que significa que todas as correções, determinadas no segundo procedimento inspetivo, feitas ao exercício de 2008, que não têm a ver com aquelas irregularidades apontadas, configura uma inspeção ilegal na medida em que extravasa os poderes e os motivos que fundamentaram a prolação do despacho do Ex.mo Diretor Geral datado de 2/12/2010. Em face da ilegalidade da segunda inspeção externa ao exercício de 2008 são ilegais as correções à matéria coletável em sede de IRC aí determinadas, e consequentemente, são ilegais as correções à base tributável em sede de IRS – ret. na fonte do exercício de 2009, na parte em que apura imposto sobre € 2.488.336,40, pois este montante foi ilegalmente apurado aquando da segunda inspeção ao exercício de 2008.

Vejamos.
Vem a recorrente invocar que a sentença recorrida padece de nulidade consubstanciada na contradição entre os factos dados como provados e a aplicação do direito aos mesmos.
Embora a recorrente não indique qualquer norma em que fundamenta a invocação da nulidade, julgamos que a mesma se refere à nulidade nos termos do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. c), do CPC (redacção da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho), que dispõe que é nula a sentença, além do mais, quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que exista um vício de contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença. Constituindo a sentença um silogismo lógico-jurídico, de tal forma que a decisão seja a conclusão lógica dos factos apurados, aquela nulidade só se verifica quando das premissas de facto e de direito se extrair uma consequência oposta à que logicamente se deveria ter extraído. No processo judicial tributário o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no art.125.º, n.º 1, do CPPT (cfr. Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado e Comentado, vol. II, 6.ª ed., p. 361 e s.).

No caso em apreço, pode já adiantar-se, não vislumbramos que a decisão recorrida padeça da nulidade em análise e a própria impugnante também não diz em que consiste essa contradição limitando-se a indicar os números de determinados factos provados (21, 5 e 13) mas sem dizer concretamente de que modo tal factualidade entra em contradição com a decisão.

A decisão recorrida consignou a factualidade que julgou relevante, autonomizando-a e discriminando-a (v. supra), sendo que o discurso fundamentador da decisão recorrida estriba-se nessa mesma factualidade, alcançando o julgador uma determinada conclusão jurídica contida nesses parâmetros.

Não existe, pois, um vício de contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença. Pelo contrário, o percurso fundamentador e decisório do Tribunal foi desenvolvido e explanado dentro de um quadro lógico e congruente.
Quando muito, poderia ocorrer erro de julgamento que apreciaremos mais adiante, mas esse não se subsume ao vício invocado.
Pelo exposto, não pode senão concluir-se que a decisão impugnada não padece do vício que lhe vem imputado de oposição dos fundamentos com a decisão.

Apreciando quanto ao erro de julgamento.

Invoca a recorrente que a primeira questão em causa nos autos se prende com saber se a AT podia desencadear um procedimento de inspecção para efeitos de apuramento das liquidações de imposto e juros compensatórios de IRS-retenções na fonte, do período de 2009.

A sentença recorrida pronunciou-se do seguinte modo:
«- A primeira questão que cumpre a este Tribunal decidir consiste em saber se a administração tributária podia desencadear um procedimento de inspecção para efeitos de apuramento das liquidações de imposto e de juros compensatórios ora impugnadas.
(…)
Cumpre, por isso, apreciar e decidir.
De acordo com o preceituado no art. 63.º, n.º 4, da LGT “[o] procedimento da inspecção e os deveres de cooperação são os adequados e proporcionais aos objectivos a prosseguir, só podendo haver mais de um procedimento externo de fiscalização respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação mediante decisão, fundamentada com base em factos novos, do dirigente máximo do serviço, salvo se a fiscalização visar apenas a confirmação dos pressupostos de direitos que o contribuinte invoque perante a administração tributária e sem prejuízo do apuramento da situação tributária do sujeito passivo por meio de inspecção ou inspecções dirigidas a terceiros com quem mantenha relações económicas.” (redacção vigente à data dos factos)
Perante esta disposição legal, constata-se que, em regra, a administração tributária não pode proceder a mais do que um procedimento externo de inspecção, relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação, sob pena de violar o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, consagrado nos arts. 18.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), e concretizado, genericamente, no plano tributário, no art. 55.º da LGT, no art. 46.º do CPPT, e nos arts. 5.º e 7.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA).
Com efeito, subentende-se aqui que um único procedimento externo de inspecção relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação é de per si suficiente para que a administração tributária fique devidamente inteirada acerca da respectiva situação tributária, não sendo admissível que a eventual falta de diligência no cumprimento dos seus deveres de fiscalização lhe permita realizar mais do que um procedimento inspectivo externo, relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação, com todos os inconvenientes que daí advêm para o contribuinte, em função dos especiais deveres de colaboração que lhes são exigidos no decurso do mesmo, em conformidade com o disposto nos arts. 28.º a 30.º do RCPITA (vide, neste sentido, Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, 2012, 4.ª edição, Encontro da Escrita, págs. 549; e, acórdão do TCAS, de 27.10.2014, processo n.º 07343/14).
Sem prejuízo, como para toda a regra existem excepções, a administração tributária pode levar a cabo mais do que um procedimento externo de inspecção sobre o mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação em três situações distintas, a saber:
- Quando a nova inspecção for autorizada pelo dirigente máximo do serviço, com fundamento em factos novos, entendendo-se como tal não só os que sejam objectivamente supervenientes, como aqueles que cheguem ao conhecimento da administração tributária posteriormente (vide, neste sentido, Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, 2012, 4.ª edição, Encontro da Escrita, págs. 549 e 550; e, acórdão do TCAS, de 27.10.2014, processo n.º 07343/14);
- Quando a nova inspecção vise apenas a confirmação dos pressupostos de direitos que o contribuinte tenha invocado diante da administração tributária, nomeadamente o direito a benefícios fiscais; ou,
- Quando o apuramento da situação tributária do sujeito passivo seja efectuado através de inspecção ou inspecções dirigidas a terceiros com quem o mesmo mantenha relações económicas.
Como não poderia deixar de ser, qualquer uma destas situações é plenamente justificável, na medida em que, em nenhuma delas, está em causa o exercício dos deveres de inspecção de forma diligente por parte da administração tributária, sendo certo que, na segunda situação anteriormente apontada, é também do interesse do próprio contribuinte que seja realizado um novo procedimento de inspecção externa à sua situação tributária.
Vejamos então o que sucede no caso dos presentes autos.
Da análise do elenco dos factos provados, resulta que, a coberto da Ordem de Serviço n.º OI….., dos Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Leiria, a Impugnante foi alvo de um procedimento externo de inspecção, de âmbito parcial, com referência ao IRC e ao IVA, dos exercícios de 2006, 2007 e 2008, com fundamento em divergências no VIES, tendo o mesmo terminado, no dia 06 de Novembro de 2009, sem correcções (cfr. pontos n.ºs 5 a 8 do probatório).
Resulta, ainda, dos autos que, a coberto da Ordem de Serviço n.º OI….., de 17 de Março de 2011, dos Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Leiria, a Impugnante foi alvo de um procedimento externo de inspecção, de âmbito geral, relativamente ao exercício de 2009, na sequência do qual foram efectuadas as correcções que estão na origem das liquidações de retenções na fonte de IRS e dos correspondentes juros compensatórios ora impugnadas (cfr. pontos n.ºs 14, 20 a 22 e 25 a 27 do probatório).
Deste modo, torna-se evidente que a limitação à realização de um novo procedimento de inspecção, constante do art. 63.º, n.º 4, da LGT, não é aplicável ao caso sub judice, na medida em que os procedimentos de inspecção supra identificados não incidiram, na parte que aqui nos importa, sobre o mesmo imposto e período de tributação (cfr. pontos n.ºs 5 a 8, 14, 20 a 22 e 25 a 27 do probatório).
Consequentemente, ao contrário do que parece ser do entendimento da Impugnante, não só não era necessária a autorização do Director-Geral do Impostos para a realização de uma nova inspecção, com fundamento em factos novos, como os eventuais vícios daí derivados são totalmente irrelevantes para a apreciação da validade das liquidações aqui impugnadas (cfr. pontos n.ºs 4 a 14, e 20 a 22 e 25 a 27 do probatório).
Termos em que não assiste razão à Impugnante quanto à primeira questão colocada nos presentes autos.»

Concordamos, na sua totalidade, com os fundamentos do decidido pelo Tribunal a quo.
No presente caso, a impugnante/recorrente foi alvo de um procedimento externo de inspecção, de âmbito geral, relativamente ao exercício de 2009, na sequência da qual foram efectuadas as correcções que estão na origem das liquidações de IRS - retenções na fonte. A referida inspecção foi efectuada a coberto da Ordem de Serviço n.º OI….., de 17 de Março de 2011, dos Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Leiria.
Por sua vez, no âmbito do procedimento inspectivo, as correcções em sede de IRC do ano de 2008 foi efectuado a coberto da Ordem de Serviço nº OI….., de 09/11/2010.
Não se desconsidera o decidido no Proc. 1028/12.3BELRA, mas tal decisão de anulação apenas vincula a liquidação de IRC do ano de 2008, que como se viu, nem o procedimento inspectivo que lhe deu origem foi efectuado a coberto da mesma Ordem de Serviço do que a dos presentes autos.
Assim sendo, não se vislumbra qual seria o impedimento, nos termos do art. 63º, nº 4, da LGT, para desencadear um procedimento de inspecção para efeitos de apuramento das liquidações de IRS – retenções na fonte, do período de 2009, tendo em consideração que os procedimentos de inspecção supra identificados não incidiram sobre o mesmo imposto e nem sobre o mesmo período de tributação.
Por outro lado, o que está em causa nos presentes autos é IRS – retenção na fonte (de 2009) sobre rendimentos dos sócios o que não se confunde com a não aceitação de custos em 2008, na esfera da sociedade.

Tenha-se presente que o facto tributário, nos presentes autos, é outro, sendo que o aumento do capital social ocorreu no ano de 2009.

Conforme nºs 2 e 4 do probatório, no ano de 2009, na sequência da Acta descrita no nº 1, foi efectuada a subscrição do aumento do capital social da Impugnante em €4.525.000,00, através de entradas em dinheiro registadas na conta n.º 2649, em nome dos sócios C….. e F…...

Importa, pois, saber se as retenções na fonte de IRS são devidas em função da subscrição do capital social da impugnante por dois dos seus sócios, o que veremos mais adiante.
Em conclusão, e nos termos expostos, a sentença recorrida não padece do vício que lhe vem imputado.

Quanto à questão de se saber se a AT podia praticar novos actos de inspecção após a notificação à impugnante da nota de diligência e antes do relatório final da inspecção invoca a recorrente [conclusões de recurso H) a M)] que discorda-se da decisão do douto tribunal “a quo” ao entender que ato de inspeção realizado pelos SIT da DF Leiria, após a notificação da nota de diligência e antes da notificação do relatório final, é um ato permitido por lei por se tratar de um ato adicional ou complementar dos atos anteriormente realizados, entendendo a recorrente que a mesma fez uma errónea aplicação das normas legais aplicáveis aos factos dados como provados. Verifica-se no ponto 17 do probatório que os elementos e documentos pedidos pela AT, após a notificação da nota de diligência e antes do relatório final, são o cerne da fiscalização efetuada, pelo que não visavam complementar ou esclarecer itens da contabilidade previamente recolhidos nas instalações, pois, eles são, na verdade, itens da contabilidade que a AT não recolheu aquando da inspeção externa efetuada nas instalações da recorrente e que podia e deveria ter feito aquando da sua deslocação. Pelo que, os atos praticados após a entrega da nota de diligência não foram atos complementares de inspeção, mas sim atos de inspeção a realizar aquando da diligência externa efetuada pelos SIT da DF de Leiria, donde, após 21/09/2011, devem ser considerados ilegais os atos praticados. Ora, como já depois de 21/09/2011 a recorrente foi notificada e entregou documentos, estes não podem fundamentar qualquer correção uma vez que a AT já tinha terminado as diligências de recolha de elementos principais do procedimento inspetivo externo. Pelo que, também por esse motivo é ilegal a liquidação de IRS – ret na fonte, uma vez que se fundamenta em atos de inspeção praticados para além do prazo de entrega da nota de diligência.

Vejamos o que se escreveu sobre esta matéria na sentença recorrida:
«Em conformidade com o disposto no art. 61.º, n.º 1, do RCPITA “[o]s actos de inspecção consideram-se concluídos na data de notificação da nota de diligência emitida pelo funcionário incumbido do procedimento.”
E, nos termos do art. 62.º, n.º 1, do RCPITA “[p]ara conclusão do procedimento é elaborado um relatório final com vista à identificação e sistematização dos factos detectados e sua qualificação jurídico- tributária”, acrescentando o n.º 2 que “[o] relatório referido no número anterior deve ser notificado ao contribuinte por carta registada nos 10 dias posteriores ao termo do prazo referido no n.º 4 do artigo 60.º, considerando-se concluído o procedimento na data da notificação.” (redacção vigente à data dos factos)
Em face das normas anteriormente transcritas, incumbe, antes de mais, esclarecer, que uma coisa é a conclusão dos actos de inspecção tributária e outra coisa, bem diferente, é a conclusão do procedimento de inspecção tributária.
A conclusão dos actos de inspecção tributária ocorre com a notificação ao contribuinte da respectiva nota de diligência, nos termos do art. 61.º, n.º 1, do RCPITA.
Deste modo, a partir do momento em que se procede à referida notificação, preclude, geralmente, o direito da administração tributária de praticar novos actos de inspecção junto do contribuinte, o que bem se compreende.
Com efeito, com a notificação da nota de diligência não só o contribuinte fica com a convicção de que não serão praticados novos actos de inspecção que servirão de base à realização de novas correcções à sua situação tributária, como o mesmo fica com a certeza de que não voltará a ser incomodado nas suas instalações pela prática desses actos e por todos os deveres que lhes estão associados, tal como decorre disposto nos arts. 28.º a 30.º do RCPITA, podendo, assim, a sua actividade regressar à normalidade.
Não quer isto dizer que seja de todo impossível a prática de novos actos de inspecção após a notificação da nota de diligência.
Neste sentido, deve admitir-se a prática de novos actos de inspecção na sequência do exercício do direito de audição prévia sobre o projecto de relatório da inspecção tributária, nos termos do art. 60.º, n.º 1, do RCPITA e do art. 60.º, n.º 1, al. e), da LGT, sob pena dessa formalidade transformar-se num ritual inócuo, sem qualquer relevância no plano da realidade dos factos, em violação o princípio da participação dos administrados na formação das decisões que lhes dizem respeito, ínsito no art. 267.º, n.º 5, da CRP.
A isto acresce que nada obsta à realização de actos de inspecção tributária, adicionais ou complementares aos que já foram realizados, com vista à obtenção dos esclarecimentos necessários ao apuramento da situação tributária real do contribuinte, o que não só é imposto pelos princípios do inquisitório e da verdade material, previstos no art. 58.º da LGT e no art. 6.º do RCPITA, como constitui um verdadeiro desiderato constitucional no âmbito da tributação das empresas, atento o disposto no art. 104.º, n.º 2, da Lei Fundamental.
Quanto ao mais, assiste ao contribuinte o direito de se opor à realização de diligências que se mostrem inoportunas, sobretudo quando as mesmas devam ser efectuadas nas respectivas instalações (vide Joaquim Freitas da Rocha e João Damião Caldeira, in Regime Complementar do Procedimento de Inspecção tributário, Anotado e Comentado, 2013, Coimbra Editora, págs. 319 e 320).
Já a conclusão do procedimento de inspecção tributária verifica-se com a notificação ao contribuinte do correspondente relatório final, de harmonia com o estatuído no art. 62.º, n.ºs 1 e 2, do RCPITA.
Pelo que dúvidas não subsistem de que, após a concretização desta última notificação, é de todo impossível a prática de novos actos de inspecção tributária, tudo isto, claro está, sem prejuízo da administração tributária dar início a um novo procedimento de inspecção, ainda que o mesmo esteja sujeito às limitações previstas no art. 63.º, n.º 4, da LGT, anteriormente analisadas.
Vejamos então qual é o caso dos presentes autos.
In casu, verifica-se que a coberto da Ordem de Serviço n.º OI….., de 17 de Março de 2011, dos Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Leiria, a Impugnante foi alvo de um procedimento externo de inspecção, de âmbito geral, relativamente ao exercício de 2009, na sequência do qual foram efectuadas as correcções que estão na origem das liquidações de retenções na fonte de IRS e dos correspondentes juros compensatórios ora impugnadas (cfr. pontos n.ºs 14 e 20 a 22 e 25 a 27 do probatório).
Verifica-se, ainda, que, no dia 21 de Setembro de 2011, os Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Leiria, entregaram à Impugnante a nota de diligência relativa ao procedimento de inspecção supra identificado (cfr. ponto n.º 16 do probatório).
Para além disso, retira-se dos autos que, no dia 06 de Outubro de 2011, os Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Leiria, notificaram a Impugnante para entregar cópia dos documentos que suportaram determinados lançamentos contabilísticos, devidamente especificados pelo número do diário, pela identificação do exercício e pelo número de registo (cfr. pontos n.ºs 17 e 18 do probatório).
Retira-se, igualmente, dos autos, que, no dia 18 de Outubro de 2001, a Impugnante entregou, junto da Direcção de Finanças de Leiria, os documentos que lhe foram solicitados (cfr. ponto n.º 19 do probatório).
E, ainda, que, no dia 20 de Março de 2012, a Direcção de Finanças de Leiria notificou a Impugnante do relatório final da inspecção tributária (cfr. pontos n.ºs 20 a 24 do probatório).
Diante desta sucessão de factos, constata-se que, efectivamente, após a notificação da nota de diligência à Impugnante, em 21 de Agosto de 2011, e antes da notificação à Impugnante do relatório final da inspecção tributária, em 20 de Março de 2012, os Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Leiria, realizaram mais um acto de inspecção (cfr. pontos n.ºs 14, 16 a 18 e 20 a 24 do probatório).
Todavia, trata-se de um acto adicional ou complementar aos actos de inspecção anteriormente realizados, uma vez que o mesmo visou apenas esclarecer determinados itens da contabilidade da Impugnante, os quais terão sido previamente recolhidos junto das respectivas instalações (cfr. pontos n.ºs 17 e 18 do probatório).
Aqui chegados, sempre será de fazer notar que, para tal, os Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Leiria, não se deslocaram, novamente, às instalações da Impugnante, tendo solicitado os documentos tidos por necessários para concluir o procedimento de inspecção e apurar a sua situação tributária real, via postal, evitando, desta forma, maiores incómodos para a Impugnante (cfr. pontos n.ºs 17 a 19 do probatório).
Por conseguinte, a solicitação e entrega dos referidos documentos, após a notificação da nota diligência, nos termos do art. 61.º, n. 1, do RCPITA, e antes da notificação do relatório final da inspecção tributária à Impugnante, nos termos do art. 62.º, n.º 1, do mesmo compêndio legal, não possuem a virtuosidade de inquinar o procedimento de inspecção e, muito menos, de determinar a anulação dos actos de liquidação subsequentes (cfr. pontos n.ºs 16 a 26 do probatório).»

Adianta-se, desde já que, quanto a esta matéria, se concorda inteiramente com os fundamentos da sentença recorrida.

«Uma vez concluídos os actos de inspecção e efectuada a notificação da nota de diligência prevista neste preceito, fica vedada a possibilidade de prática de novos actos, não sendo possível qualquer reabertura do procedimento para prática de posterior actos de inspecção. Compreende-se que assim seja, por uma questão de certeza e segurança jurídica, já que ao ser notificado desta conclusão dos actos, a entidade inspeccionada fica desta forma com a certeza que não voltará a ser “incomodada” nem sujeita a qualquer acto de inspecção nas suas instalações. Parece-nos que ainda assim esta norma não deverá ser interpretada de forma rígida e inflexível, ou seja, não deve impedir que a Administração possa eventualmente solicitar um ou outro esclarecimento, ou algum documento, que entenda pertinente.» (1) (2)

Foi exactamente o que aconteceu nos presentes autos.
Conforme nºs 17 a 19 do probatório, no dia 6 de Outubro de 2011, os Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Leiria, notificaram a Impugnante para entregar cópia dos documentos que suportaram determinados lançamentos contabilísticos, devidamente especificados pelo número do diário, pela identificação do exercício e pelo número de registo, significando isto que os referidos lançamentos contabilísticos já eram do conhecimento da AT e que apenas foram pedidos os documentos que os suportavam, ou melhor dizendo, foram solicitados os documentos que complementavam/suportavam o conhecimento já existente por acto inspectivo anterior, o que conforme doutrina supra citada, não está vedado à AT.
E tanto assim é, que a Impugnante entregou, junto da Direcção de Finanças de Leiria, os documentos que lhe foram solicitados.

Deste modo, a solicitação e entrega dos referidos documentos, após a notificação da nota diligência, nos termos do art. 61.º, n. 1, do RCPITA, e antes da notificação do relatório final da inspecção tributária à Impugnante, nos termos do art. 62.º, n.º 1, do mesmo compêndio legal, não possuem a virtuosidade de inquinar o procedimento de inspecção e, muito menos, de tornar ilegal a liquidação de IRS – retenção na fonte, pelo que improcede o presente fundamento de recurso.

Por último, importa saber se as retenções na fonte de IRS são devidas em função da subscrição do capital social da impugnante por dois dos seus sócios.
Invoca a recorrente [conclusões de recurso O) a Z)] que sucede, contudo, que os acionistas C….. e F….. não foram beneficiários efetivos da quantia correspondente ao aumento do capital social ou de outra, resultante da creditação da conta 2649, por contrapartida dos lançamentos indevidos de compras inexistentes. Em teoria, dos lançamentos contabilísticos - que permitiram o aumento de capital social - resultaria um direito de créditos dos acionistas da recorrente, contudo, e como ficou provado, na prática esse mero lançamento contabilístico na conta dos subscritores de capital C….. e F….. e posterior aumento das participações sociais, não se tornou num direito efetivo e, muito menos, o recebimento de rendimentos de capitais tributáveis em IRS. Nem se diga que o facto de ter existido um aumento das participações sociais, através da deliberação da Assembleia Geral de 17/07/2009, representou um aumento do património dos acionistas, porque para assim ser, teria que ter ficado provado que a partir dessa data os subscritores do aumento obtiveram algum tipo de rendimentos proveniente dessas participações aumentadas, como seja efetiva distribuição de lucros ou dividendos, ou que tivessem alienados as participações e obtido produto pela venda. Na verdade, aquela aludida deliberação social veio a ser retificada em 30/07/2012, precisamente por o dinheiro não pertencer aos acionistas, mas sim à sociedade recorrente. Retificação da deliberação social que passou a determinar que o aumento do capital social, reportado à data de primeira deliberação (17/07/2009), não foi efetuado em dinheiro, mas sim em incorporação de reservas, em que o aumento passou a ser subscrito igualitariamente e proporcionalmente às participações de cada um dos acionistas – Sr. C….., Sr. F….. e L….. SGPS, SA. Deliberação social retificada em 2012 que, embora produza efeitos para o futuro, veio a dar forma legal ao que existia na realidade desde 2009. Com efeito, pela deliberação de julho de 2009 os acionistas viram aumentada a sua participação social, mas tal aumento foi fictício e não correspondeu a um benefício efetivo. Assim, entre o primeiro registo do aumento de capital e a sua retificação, os acionistas não obtiveram nenhum acréscimo patrimonial resultante de lançamentos indevidos na contabilidade. Pelo que, não poderá concluir-se que o aumento de capital em 2009 constituiu uma forma de aumento do património dos acionistas C….. e F….., porque com a retificação da modalidade de aumento de capital em 2012, e porque não houve qualquer alteração nos subscritores de capital ou das suas participações, os efeitos da retificação reportam-se à data de 17/07/2009. Daí que a tributação a título de retenção na fonte com base no aumento de capital social na parte relativa aos € 3.866.947,00 constitua uma tributação de um rendimento inexistente, não devendo manter-se, na ordem jurídica, a douta sentença recorrida.

Vejamos o que se escreveu na sentença recorrida, quanto a esta matéria:
«Do elenco dos factos provados extrai-se que, no dia 17 de Julho de 2009, a Assembleia Geral da Impugnante deliberou o aumento do correspondente capital social, em € 4.525.000,00, com a emissão de 452.500 acções, no valor de € 10,00, cada uma, mediante a subscrição dessas acções pelos sócios C….. e F….., a ser realizada através de novas entradas em dinheiro, até ao final do ano de 2009 (cfr. ponto n.º 1 do probatório).
Extrai-se, igualmente, dos autos que, na sequência da referida deliberação, foi efectuada a subscrição e realização do aumento do capital social da Impugnante, conforme foi ali determinado, através da conta n.º 2649, em nome dos sócios já identificados, sendo certo que, em 31 de Julho de 2009, foi ali registado um lançamento a débito, no montante de € 4.525.000,00, pela subscrição das acções pelos sócios, e, entre 01 de Janeiro de 2009 a 14 de Dezembro de 2009, foram ali registados vários lançamentos a crédito, no mesmo montante, pela realização do referido aumento do capital social (cfr. pontos n.ºs 2 e 3 do probatório).
E, ainda, que, no dia 09 de Setembro de 2009, foi registado, junto da Conservatória do Registo Comercial da Batalha, o referido aumento do capital social (cfr. ponto n.º 4 do probatório).
Para além disso, verifica-se que os Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Leiria, a coberto das Ordens de Serviços n.ºs OI….. e OI….., de 09 de Novembro de 2010 e 17 de Março de 2011, respectivamente, detectaram que a Impugnante, no exercício de 2009, ficou com uma disponibilidade financeira, pela inexistência de pagamentos a fornecedores, nos exercícios de 2008 e 2009, no montante total de € 3.866.947,30, o qual foi debitado na conta n.º 12, pela entrada desses meios financeiros nas contas bancárias da Impugnante (cfr. pontos n.ºs 20 a 22 do probatório).
Verifica-se, também, que os Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Leiria, detectaram que, no exercício de 2009, aquele montante foi creditado na conta n.º 12, pela saída dos meios financeiros das contas bancárias da Impugnante, e creditado nas contas n.ºs 2649 e 5117, pela realização do aumento do capital social subscrito pelos sócios C….. e F….. (cfr. pontos n.ºs 20 a 22 do probatório).
E, ainda, que, perante o que foi apurado, os Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Leiria, consideraram que a Impugnante, no exercício de 2009, colocou à disposição daqueles sócios rendimentos da categoria E, sob a forma de lucros e adiantamentos por conta de lucros, no montante total de € 3.866.947,30, sujeitos a uma retenção na fonte à taxa liberatória de 20%, dando assim origem às liquidações ora impugnadas (cfr. pontos n.ºs 20 a 22, 25 a 27 do probatório).
Ora, perante toda esta factualidade, não resta outra alternativa senão a de concluir que andou bem a administração tributária quando decidiu emitir as referidas liquidações.
Senão vejamos.
Quando a Impugnante decidiu dar execução quase integral à deliberação da Assembleia Geral, de 17 de Julho de 2009, utilizando recursos financeiros próprios, no montante total de € 3.866.947,30, ao retirar esse valor da conta n.º 12, relativa a depósitos bancários, e ao transferir o mesmo para as contas n.ºs 2649 e 5117, no decurso do ano de 2009, para efeitos de realização do aumento do capital social subscrito pelos sócios C….. e F….., ao invés de lhes exigir novas entradas em dinheiro, a Impugnante colocou à disposição destes sócios rendimentos de capitais, pagos em espécie, em conformidade com o disposto nos arts. 1.º, n.ºs 1 e 2, e 5.º, n.º 1, do CIRS, consubstanciados nas acções adquiridas através desta operação financeira (cfr. pontos n.ºs 1 a 3 e 20 a 22 do probatório).
Com efeito, não se pode ignorar que a aquisição de acções, no montante de € 3.866.947,30, a favor dos sócios C….. e F….., sem que estes tivessem despendido qualquer quantia monetária, representa para os mesmos um aumento do respectivo património, em montante equivalente (cfr. pontos n.ºs 1 a 3 e 20 a 22 do probatório).
Aqui chegados, constata-se que a administração tributária considerou que a Impugnante, no exercício de 2009, colocou à disposição dos sócios lucros e adiantamentos por conta de lucros, no montante de € 3.866.947,30, o que efectivamente está correcto (cfr. pontos n.ºs 20 a 22 do probatório).
Desde logo, porque o valor € 3.866.947,30 foi lançado na conta n.º 2649, a qual estava em nome dos sócios C….. e F…..(cfr. pontos n.ºs 1 a 3 e 20 a 22 do probatório).
Depois, porque, nos termos do art. 6.º, n.º 4, do CIRS, os lançamentos a favor dos sócios, em quaisquer contas correntes de sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis, sob a forma comercial e que não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamentos dos lucros.
Pelo que, não resultando dos autos que aquele valor tenha sido lançado na conta n.º 2649, em nome dos sócios C….. e F….., em razão de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais por parte destes, mas, outrossim, da utilização de disponibilidades financeiras da Impugnante, registadas na conta n.º 12, relativa a contas bancárias, derivadas da inexistência de pagamentos a fornecedores, nos exercícios de 2008 e 2009, no montante total de € 3.866.947,30, este valor deve ser considerado como rendimento de lucros ou adiantamento por conta de lucros a favor dos referidos sócios, por aplicação da presunção anteriormente enunciada (cfr. pontos n.ºs 1 a 3 e 20 a 22 do probatório).
Assim sendo, conclui-se que andaram bem os serviços da administração tributária quando determinaram que a Impugnante fosse sujeita ao pagamento de retenções na fonte de IRS, relativamente ao exercício de 2009, sobre o valor de € 3.866.947,30, à taxa liberatória de 20%, em conformidade com o disposto nos arts. 7.º, n.ºs 1 e 3, al. a), subalínea 2), e art. 71.º, n.º 3, al. c), do CIRS, dando assim origem às liquidações ora impugnadas (cfr. pontos n.ºs 1 a 3, e 20 a 22 e 25 a 27 do probatório).
Resta agora averiguar se a Impugnante conseguiu ilidir a presunção, ao abrigo do disposto no art. 6.º, n.º 5, do CIRS e do art. 73.º da LGT.
Vejamos então.
Refere a Impugnante que, no dia 29 de Agosto de 2012, foi registada a rectificação da forma de subscrição do aumento do capital social, passando a constar que a mesma foi efectuada por incorporação de reservas, registo esse que foi precedido de deliberação da Assembleia Geral da Impugnante, lavrada em Acta, datada de 30 de Julho de 2012, pela qual a accionista L….. – SGPS, SA, subscreveu o aumento de € 3.002.360,00, o accionista F….., subscreveu o aumento de € 761.320,00, e o accionista C….., subscreveu o aumento de € 761.320,00.
E, de facto, é isso que resulta dos autos (cfr. pontos n.ºs 28 e 29 dos probatório).

No entanto, tal rectificação apenas produz efeitos para o futuro, na medida em que, a partir do momento em que a Assembleia Geral da Impugnante deliberou, no dia 17 de Julho de 2009, o aumento capital social, em € 4.525.000,00, que esse aumento foi subscrito e realizado pelos sócios C….. e F….., ao longo do ano de 2009, e que o mesmo foi objecto de registo comercial, em 09 de Setembro de 2009, esses sócios ficaram investidos num conjunto de direitos e deveres associados ao aumento da sua participação no capital social da sociedade, os quais vigoraram perante a sociedade e os restantes sócios, até ao dia 30 de Julho de 2012, data da acta da deliberação rectificativa, e perante terceiros, até ao dia 29 de Agosto de 2012, data do respectivo registo comercial (vide Jorge M. Coutinho de Abreu, in Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. I, 2013, Almedina, págs. 717 a 720) (cfr. pontos n.º 1 a 4 e 28 e 29 do probatório).
Por último, também não se compreende a alegação da Impugnante, no sentido de que o lançamento contabilístico do aumento de capital, ocorrido em 31 de Julho de 2009, pelo débito na conta n.º 2649, com a inerente subscrição da totalidade do valor de € 3.866.947,30, faz com que os pagamentos contabilizados e registados depois de 31 de Julho de 2009, no montante global de € 2.007.182,15, tenham de ser deduzidos àquele valor, não podendo assim ser sujeitos a retenção na fonte.
Isto porque, o lançamento a débito na conta n.º 2649 traduz tão-somente o compromisso que os subscritores do aumento do capital social assumiram para com a sociedade, no sentido de procederem ao pagamento das partes sociais que subscreveram, tornando-se, desta forma, seus devedores até que seja efectuado o pagamento integral do montante subscrito (vide António Borges, Azevedo Rodrigues e Rogério Rodrigues, in Elementos de Contabilidade Geral, 1998, 16.ª edição, Áreas Editora, pág. 399).
Deste modo, conclui-se que a Impugnante não logrou ilidir a presunção constante do art. 6.º, n.º 4, do CIRS, pelo que as liquidações são de manter na correspondente esfera jurídica.»

Concorda-se inteiramente com os fundamentos da sentença recorrida, que fazemos nossos, quanto à matéria em apreço.
Em sede de recurso, vem a recorrente invocar que os accionistas C….. e F….. não foram beneficiários efectivos da quantia correspondente ao aumento do capital social porque para assim ser teria que ficar provado que a partir dessa data – 17/07/2009 - os subscritores do aumento obtiveram algum tipo de rendimentos provenientes dessas participações aumentadas.
Mas não tem razão.
Nos termos do disposto no art. 5º, nº 2, al.h) do CIRS, devem ser qualificados como rendimentos de capitais, de entre outros, os rendimentos derivados de lucros distribuídos por sociedades e os adiantamentos por conta desses lucros a favor dos respectivos sócios que sejam pessoas singulares.
Por sua vez, o art. 6º, nº 4 do CIRS estabelece uma presunção, no sentido de que as quantias lançadas a favor dos sócios, em quaisquer contas correntes de sócios de sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial e que não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício do cargo social, correspondem a lucros ou a adiantamento por conta de lucros, devendo, por isso, ser sujeitas a tributação, nos termos do art. 5º, nº 1 e 2, al.h) do CIRS.
A referida presunção é ilidível, mediante prova em contrário, nos termos do nº 5 da mesma norma.
Pelo que tendo a AT demonstrado a legalidade do seu agir, incumbia à recorrente o ónus de demonstrar que o dinheiro não pertencia aos accionistas mas sim à sociedade recorrente tal como invoca, ónus que não cumpriu de todo, limitando-se a alegar que teria de ficar provado que os subscritores do aumento obtiveram algum tipo de rendimento, bem como, que a aludida deliberação social veio a ser rectificada em 30/07/2012 dando forma legal ao que já existia em 2009.
Quanto ao primeiro argumento - que teria de ficar provado que os subscritores do aumento obtiveram algum tipo de rendimento – mais não é que uma tentativa de inverter o ónus da prova sem qualquer base legal para tal, tendo em conta a necessidade de ilidir a presunção, ao abrigo do disposto no art. 6º, nº 5, do CIRS e do art. 73º da LGT.
Quanto ao 2º argumento – que a deliberação social veio a ser rectificada em 30/07/2012 dando forma legal ao que já existia em 2009, como a recorrente bem sabe, tal rectificação só produz efeitos para o futuro, e que desde que a Assembleia Geral da impugnante deliberou – dia 17/07/2009 – o aumento do capital social, esse aumento foi subscrito e realizado pelos sócios C….. e F….., que foi objecto de registo comercial, e que por isso, esses sócios ficaram investidos num conjunto de direitos e deveres associados ao aumento da sua participação no capital social da sociedade, os quais vigoraram até à data da rectificação da deliberação que só aconteceu em 30/07/2012.
Face ao exposto, forçoso é concluir que a impugnante/recorrente não logrou ilidir a presunção constante do art. 6º, nº 4, do CIRS.
Termos em que improcede o presente fundamento de recurso.

Em conclusão, julga-se totalmente improcedente o presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva do presente acórdão.


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Uma pequena nota final relativamente à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº 7 do RCP.

No caso concreto, ponderado o comportamento processual das partes litigantes, a complexidade do processo, e atendendo a que as questões decidendas não exigiram do julgador especiais e diversos conhecimentos técnicos e jurídicos, consideramos ser de dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 7, do RCP.


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III – DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao presente recurso e manter a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, sem prejuízo do eventual apoio judiciário, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 7, do RCP.

Registe e notifique.

Notifique, também, o DIAP – 1ª Secção de Leiria, Inquérito, Proc. 29/11.3IDLRA.

Lisboa, 7 de Maio de 2020


[Lurdes Toscano]

[Maria Cardoso]

[Catarina Almeida e Sousa]


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(1) Anotação ao art. 61º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), Anotado e Comentado, Joaquim Freitas da Rocha e João Damião Caldeira, disponível em http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/57722/1/RCPIT%20ANOTADO%20E%20COMENTADO.pdf
(2) Sublinhado nosso