Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10075/13
Secção:CA - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:07/30/2013
Relator:COELHO DA CUNHA
Descritores:DIREITO AO ASILO.
ÓNUS DA PROVA.
RECEIO DE PERSEGUIÇÃO POLITICA OU RELIGIOSA.
IRRELEVÂNCIA DE RAZÕES DE ORDEM MERAMENTE FAMILIAR.
Sumário:I – Incumbe ao requerente o ónus da prova dos factos integradores do direito de asilo.

II – Entre tais factos salienta-se o receio justificado de exercício de actividades em prol da democracia, da liberdade e da paz social, que devem ser reais e não meramente subjectivas.

III – O direito ao asilo ou à autorização de residência por razões humanitárias não pode ser justificado pela alegação de que a requerente pretende ser coagida por seu pai a casar com um muçulmano.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na Secção Administrativa do TCA-Sul



1. Relatório
A... , nacional da Nigéria, nascida em 15.08.1996, impugnou judicialmente no TAC de Lisboa, a decisão do Sr. Director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que não admitiu o pedido de asilo por ela formulado.
A Mmª Juiz do TAC de Lisboa, por decisão de 09.04.2013, julgou a acção improcedente.
Inconformada, a A. interpôs recurso jurisdicional para este TCA-Sul, em cujas alegações enunciou as conclusões seguintes:
1- A ora recorrente interpôs acção administrativa requerendo a anulação da decisão do Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que não admitiu o pedido de asilo formulado por esta no posto de fronteira do Aeroporto Internacional de Lisboa.
2 - Pedido esse que não foi aceite.
3- Não se conformando com tal decisão, apresentou a presente acção, a qual foi julgada improcedente.
4 - Salvo e devido respeito e a melhor opinião, não podemos concordar com tal decisão, a recorrente chegou ao posto de fronteira no dia 25.02.2013, proveniente de Bissau, não sendo portadora de qualquer documento de identificação.
5 - Foi recusada à recorrente a entrada em território nacional, tendo esta apresentado um pedido de asilo às autoridades portuguesas.
6 - Foi esta ouvida quanto aos fundamentos do seu pedido de asilo, tendo mesmo assim sido recusado.
7 - A recorrente alegou motivos válidos e que enquadrariam o pedido de asilo por razões humanitárias.
8 - Mesmo assim foi recusado o pedido, embora existam dúvidas o que sempre levaria à aceitação do pedido para melhor análise, em consonância com princípio do "non-refoulement", consagrado no artigo 33ª da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e não à sua recusa.
9 - Deve neste caso, ser de alguma razoabilidade assumir a presunção dos factos apresentados pela recorrente como verdadeiros!!
10 - Os motivos apresentados pela recorrente são suficientes e credíveis para que possa beneficiar de protecção internacional e enquadrável na Lei de Asilo, por se encontrar em risco de sofrer ofensa grave, ou seja, a sua integridade física!!!!
11- Entendemos que tal situação é suficiente para enquadrar o seu pedido de protecção às Autoridades Portuguesas, devendo ser considerado procedente por provado o pedido de asilo, formulado pela Autora no posto de fronteira do Aeroporto Internacional de Lisboa.
12 - Violou assim, a decisão impugnada, entre outros os artigos n°s. 7º, 19°, e 34°., todos da Lei 27/08 de 20.08.
13 - Deveria pelo menos ter sido julgada procedente a protecção subsidiária, constante da alínea c) do artigo 7° da Lei do Asilo.
15 - Assim, a decisão ora recorrida é anulável, nos termos do disposto no artigo 135° do CPA, por não ter aplicado a alínea c) do artigo 7° da Lei do Asilo.”
A entidade recorrida não contra-alegou.
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
x x
2. Fundamentação
2.1. De facto
A sentença recorrida considerou provada a seguinte matéria de facto, com relevo para a decisão:
A)- A Autora apresentou-se junto do posto de fronteira do Aeroporto Internacional de Lisboa no dia 25/02/2013, proveniente de Bissau - cfr. acordo das partes e fls. 6 do processo administrativo (PA);
B) - A Autora identificou-se como A... e indicou como data de nascimento 1996.08.15 - cfr. fls. 6-7 do PA);
C) - Em 25 de Fevereiro de 2013 foi elaborado pelo SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS, o "RELATÓRIO DE OCORRÊNCIAS", de fls. 2-5 do PA); que aqui se dá por integralmente reproduzido e de que se extrai o seguinte:
"(...) 2. PERCURSO
Proveniência: BISSAU
Voo: TP 200
(...) 3. PROPOSTA
Proponho que seja recusada a entrada em Portugal à passageira supra identificada, ao abrigo dos artigos art. 32.°, N.°1, al. a) e 09° da Lei 23/07 de 04 de Julho alterada e republicada pela Lei 29/2012 de 9 de Agosto, por não ser portadora de documento de viagem válido e reconhecido para entrar em T.N. (...)
4. DESPACHO
(...) recuso a entrada em T.N. à c.e. que declarou ser A... , com os fundamentos e nos termos legais constantes do primeiro parágrafo da proposta (...)" Concordo com os fundamentos da proposta. (...)" - cfr. fls. 2-4 do PA);

D) - Em 25 de Fevereiro de 2013 foi elaborada a "INFORMAÇÃO/ NOTIFICAÇÃO" que a Autora se recusou a assinar, para efeitos de lhe ser dado conhecimento da decisão referida na alínea C), nos termos do instrumento de fls.8 do PA), que aqui se dá por integralmente reproduzido e de que se extrai o seguinte:
"Em cumprimento do disposto no n°1 do Art°38° da Lei 23/07 de 04 de Julho alterada e republicada pela Lei n°29/2012 de 9 de Agosto, é informado (a) / notificado (a) o(a) passageiro(a) que se identificou como A... , proveniente de BISSAU, alegadamente de nacionalidade NIGERIANA, do sentido da proposta de Recusa de Entrada em Território Nacional, devido ao facto de não ser portadora de documento de viagem reconhecido como válido, situação prevista nos artigos art°32°, n°1, al. a) e 9° da Lei 23/07 de 04 de Julho alterada e republicada pela Lei n°29/2012 de 9 de Agosto. (...)" - cfr. fls. 8-14 do PA;
E) - Em 25 de Fevereiro de 2013, a Autora formulou pedido de asilo no Posto de Fronteira do Aeroporto de Lisboa - cfr. fls. 8 do PA);
F) - No dia 25 de Fevereiro de 2013 a Autora prestou declarações no SEF, no Gabinete de Asilo e Refugiados, nos termos do "AUTO DE DECLARAÇÕES", de fls. 23-24 do PA), que aqui se considera integralmente reproduzido e de que se extrai o seguinte:
"(.. .)Aos 25 de Fevereiro de 2013, pelas 11 horas e 20 minutos, no Centro de Instalação Temporária Aeroporto de Lisboa, perante mim Paulo Conceição, Inspector-adjunto, instrutor do processo, compareceu a cidadã que se identificou como A... , nascida aos 15.08.1996, em Benim City - Nigéria, filha de Peter Okundia e de Stella Okundia, a qual respondeu de livre e espontânea vontade às questões relacionadas com o pedido de asilo por si apresentado ao Estado português.
P: Qual a sua religião?
R: Sou cristã.
P: Qual a sua escolaridade?
R: Estudei durante 6 anos.
P: Qual o seu estado civil?
R: Sou solteira.
P: Onde vivia e qual a sua actividade laboral?
R: Vivia em Benim City. Não trabalhava estava a estudar na escola St Maria Donthy Schol. Estava em casa dos meus pais.
P: Vivia com quem?
R: Com os meus pais, três irmãos e quatro irmãs.
P: A sua família continua a viver ali?
R: Sim.
R: Abandonou o seu País, porque?
R: O meu pai queria obrigar-me a casar com um homem.
P: Quem era este homem?
R: É um homem muçulmano e chama-se B... .
P: Qual a religião dos seus pais?
A requerente recusa-se a colaborar não respondendo às questões que lhe são colocadas.
P: No âmbito do seu pedido de asilo é necessário recolher as suas impressões digitais. Porque é que não permite a recolha das suas impressões digitais?
A requerente recusa-se a colaborar não permitindo a recolha das impressões digitais nem informando sobre a(s) razão(ões).
Declaro ter sido informado de que o meu pedido de asilo vai ser analisado por um único Estado Membro, que será aquele que os critérios enunciados no Capítulo III do Regulamento CE N.°34372003 do Conselho de 18.02.03, designarem como responsável.
Mais declaro, dar o meu consentimento, quando tal seja necessário, para a comunicação dos motivos invocados no pedido de asilo e a respectiva decisão a outro Estado Membro.
E mais não disse, nem lhe foi perguntado lido o presente auto em língua inglesa, compreende, o vai assinar juntamente comigo pelas 12 horas, hora a que findou este acto.
O Declarante
A requerente recusa-se a O Inspector-Adjunto
Assinar assinatura ilegível

As testemunhas
Três assinaturas ilegíveis (...)"-cfr. fls. 23-24 do PA);

G) - Em 26 de Fevereiro de 2013 a Requerente constituiu mandatárias no procedimento administrativo - cfr. fls. 25-26 do PA);
H) - Com data de 27 de Fevereiro de 2013 o Conselho Português Para os Refugiados emitiu o "PARECER " de fls. 27-33 dos autos, que aqui se da por integralmente reproduzido e de que se extrai o seguinte:
"(...)- DADOS IDENTIFICATIVOS DO/A REQUERENTE
Data de Nascimento / Idade15.8.1996- 16 anos
País de
Origem/Naturalidade
Nigéria - Benin City
SexoFeminino
ReligiãoCristã
Grupo ÉtnicoEbo
Escolaridade12 anos
ProfissãoEstudante
FiliaçãoPetter Okundia e Stella Okundia
Estado CivilSolteira
Línguas em que se expressaInglesa
Principal causa da fuga do país de origemCasamento forçado
Violação sistemática dos direitos humanos das mulheres no país de origem
Países de trânsitoGuiné -Bissau
Data de Entrada em Território Nacional
Data de Apresentação do Pedido de Asilo:25-02-2013. Proveniente de Bissau, no voo TP 202.

II - INTRODUÇÃO - Entrevista de Determinação do Estatuto de Protecção
(…)
III – DECLARAÇÕES DA REQUERENTE
1. Foi forçada a casar com um homem muçulmano. Não aceitou:
2. Rejeitou, apesar da vontade da família, que pedia a sua colaboração;
3. Por isso foi ameaçada de morte que a pretendia como mulher;
4. A família insistiu porque recebia ajuda desse homem. Não sabe como e em que condições;
5. Assim, fugiu da sua cidade e preparou a viagem para Bissau com a ajuda de um africano. Viajou de carro;
6. Não sabe qual foi o circuito ou a via que seguida até embarcar, nem mesmo o que aconteceu durante a viagem;
7. Pede asilo porque deseja ser protegida.
IV - ELEMENTOS DE PROVA

A requerente não apresenta nenhum elemento de prova da sua identidade e nacionalidade. Todavia fica a convicção de que se trata de uma nacional da Nigéria. Não se conclui que as declarações da requerente merecem credibilidade no que respeita aos factos declarados bem como à sua identidade, tanto mais que não se mostrou disponível para responder às questões que lhe foram postas no sentido de fundamentar o mérito do pedido.

Contudo, pela aparência, consideramos que se trata de uma MENOR, sendo certo, igualmente, que o seu relato pode ter sustentação na origem de certos costumes vigentes no país de origem, que obrigam as raparigas muçulmanas ao casamento forçado traduzindo tal prática em violação dos seus direitos fundamentais. Assim, atendendo à menoridade declarada, cabe atender ao que o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), afirma no seu manual "REFUGEE CHILDREN- GUIDELINES ON PROTECTION AND CARE", a pp. 102 e 103:"(..) O país de asilo enfrenta normalmente a necessidade de determinar a idade de um jovem que apresentou um pedido de asilo.

Quando não é possível estabelecer a idade do requerente com recurso a documentos de identificação, as autoridades recorrem, normalmente, à avaliação da aparência física

(…)

Por vezes, são utilizados métodos científicos, tais como radiografias aos ossos e dentição. Deverão ser adoptadas precauções na utilização de tais métodos. Primeiro, tais métodos apenas asseguram estimativas da idade. (...) Quando a idade exacto é incerta, deverá ser concedida à criança o benefício da dúvida", o que agora se suscita.

Pelo exposto, importa analisar este caso no âmbito dos Princípios que norteiam a protecção humanitária, cabendo assegurar o SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA, valorando de forma particularmente intensa a situação objectiva existente no país de origem da requerente, nomeadamente a prática e costumes tradicionais, com base na religião.

V - INFORMAÇÕES SOBRE O PAÍS DE ORIGEM

(...)

Assim, atendendo ao que determina o Manual do ACNUR, nos seus pontos 196 e 204, pode-se considerar que existe alguma coerência e plausibilidade em face dos factos públicos e conhecidos sobre o seu país de origem.

VI- ENQUADRAMENTO JURÍDICO

Para a análise jurídica do pedido de asilo em apreço, temos em consideração que não estão preenchidos os critérios definidos pelo artigo 1-A (2) da Convenção de Genebra de 1951, em conformidade com o art. 1 (2) do Protocolo de Nova Iorque, em correspondência com os n°s.1 e 2 do art°3° da Lei n°27/2008, de 30 de Junho.

Em conformidade com as orientações do ACNUR - o receio de perseguição será fundado, se existir uma possibilidade razoável de a requerente de asilo vir a sofrer perseguição, na eventualidade de ser devolvida ao país da sua nacionalidade (cf. parágrafo 42 do Manual do ACNUR)

Dadas tais circunstâncias, é mister proceder à ponderação do normativo previsto n°1 do artigo 7° da Lei n°27/2008, de 30 de Junho, escorado pelo Princípio do Benefício da Dúvida, e com o Princípio do "Non Refoulement" previsto no art°33° da Convenção de Genebra de 1957, preceitos que consideramos aqui integralmente reproduzidos, para surtir efeito no enquadramento do caso em apreço.

Quanto ao "terceiro país de acolhimento ", importa ter em consideração que a Guiné -Bissau não é um país que oferece garantias de segurança e de protecção, em virtude, entre outros, da proximidade com o país de origem.

VII - CONCLUSÕES

Considerando

A confrontação dos factos relatados pela requerente com a situação geral do país de origem, pode-se concluir que estamos perante um caso que merece especial atenção no âmbito dos Princípios que norteiam a protecção humanitária, cabendo assegurar o SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA;

Tendo em consideração o Princípio do "Non Refoulement", previsto no art° 33º da Convenção, por se considerar que o receio de retorno ao país de origem pode encontrar cabimento; raciocínio válido em relação "terceiro país de acolhimento""- a Guiné-Bissau.

O Conselho Português para os Refugiados pronuncia-se pela instrução do processo, com vista a garantir protecção subsidiária, à requerente, nos termos do n°1 do art°7° da Lei n°27/2008 de 30 de Junho. (...)" -cfr. fls. 27-33 do PA)

I) - Com data de 27 de Fevereiro de 2013 no Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF foi elaborada a Infª75/GAR/13, que aqui se considera integralmente reproduzida e de que se extrai o seguinte:
"(...)PROCESSO DE ASILO: 51 P/13
l. Identificação
        1.1 Nome: A...
        1.2 Data de nascimento: 15.08.1996
        1.3 Nacionalidade: Nigéria
(…)
3. Local e data de apresentação do pedido de asilo
3.1. Aeroporto de Lisboa
3.2. 25.02.2012
(...) 5. Itinerário
5.1. País de Proveniência: Guiné Bissau
5.2. Países de trânsito desde a origem:
5.3. País de destino: Portugal 5.4 Meio de transporte: Avião

6. Dos factos
1. A requerente foi interceptada à porta da aeronave proveniente de Bissau - Guiné -Bissau, Voo TP 202, no aeroporto de Lisboa, aos 25.02.2013. Em virtude de se encontrar indocumentada foi a mesma conduzida à Unidade de apoio.
2. A requerente identificou-se como A... , nascida a 15.08.1996, nacional da Nigéria. A requerente recusou-se a prestar quaisquer outras declarações. Solicitou então protecção ao Estado Português.
3. Face ao exposto, foi recusada a entrada em território nacional ao requerente nos termos da al. a), n.°1, do art° 32° e dos art°s 9 e 10° todos, da Lei 23/07 de 04 de Julho, alterada e republicada pela Lei 29/2012 de 09 de Agosto.
4. Em cumprimento do disposto no n°1 do art°16° da Lei n°27/08, de 30.06 foi o requerente ouvido quanto aos fundamentos do seu pedido de asilo, tendo prestado as declarações, que se resumem no seguinte:
a) Declarou ser cristã;
b) Ser solteira;
o) Vivia em Benim City. Não trabalhava. Estava a estudar na escola St Maria Dorothy School;
d) Vivia com os meus pais, três irmãos e quatro irmãs.
e) Abandonou o seu País porque o seu pai a queria obrigar a casar com um homem muçulmano de nome B... .
5. O Conselho Português para os Refugiados (CPR) produziu parecer (fls. 27 a 33) pronunciando-se pela admissibilidade do pedido de asilo nos termos do n°1 do art°7° da Lei n°27/2008, de 30 de Junho.
7. Da apreciação da admissibilidade do pedido
Em primeiro lugar, cabe referir que a requerente declara ser menor de 16 anos de idade. Refere que vive e estuda em Benim City, frequentando o 6° ano de escolaridade.
De registar também que a requerente não permitiu a recolha das suas impressões digitais, o que constitui igualmente cláusula de inadmissibilidade, prevista na alínea q), n°2, do art°19 da Lei 27/2008, de 30.06.
Acontece que o ponto 203 do Manual de Procedimentos do ACNUR visa especificamente sobre o beneficio da duvida, estipulando que, após o requerente ter feito um esforço genuíno para substanciar o seu depoimento pode existir falta de elementos de prova para fundamentar algumas declarações, sendo nesse caso de conceder o beneficio da dúvida. Tal situação não se verifica no presente caso, pelo acima exposto, pelo que não se trata de uma situação que consinta a aplicação do benefício da dúvida.
Face ao exposto, concluímos que o pedido de asilo é infundado, traduz-se numa utilização abusiva do instituto do asilo e claramente inadmissível nos termos do artigo das alíneas m) e q), do n.° 2, do artigo 19° da Lei n°27/2008, de 30.06 e deste modo não satisfazer nenhum dos critérios definidos pela Convenção de Genebra e Protocolo de Nova Iorque com vista ao reconhecimento do Estatuto de Refugiado.
8. Da Autorização de Residência por motivos humanitários
O artigo 7° da Lei n°27/08, de 30-06, atribui aos estrangeiros que não se enquadram no âmbito de aplicação do direito de asilo previsto no artigo 3°, a possibilidade de obterem uma autorização de residência por razões humanitárias, quando estes sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao seu país de origem ou de residência habitual, devido a situações sistemática de violação dos direitos humanos ou por se encontrarem em risco de sofrer ofensa grave.
Na aplicabilidade do regime previsto no art°7° há que ter em conta o caso concreto, ou seja, analisar até que ponto podem os requerentes invocar com razão que se encontram impossibilitados de regressar ao seu país de origem ou de residência habitual, devido a uma situação de sistemática violação dos direitos humanos ou por aí se encontrarem em risco de sofrer ofensa grave.
Como ficou exposto no ponto 7, existem fundadas razões para concluir que o relato e perfil da requerente não merecem credibilidade, o que afasta a possibilidade de lhe ser concedido o benefício da dúvida, por isso não é de admitir que a requerente, atento o seu caso individual, sinta algum constrangimento na sua esfera pessoal pelas razões que podem levar a concessão de protecção.
Assim, tendo em linha de conta as circunstâncias expostas no ponto 7 da presente informação, afigura-se, por via do disposto no artigo 34° da Lei 27/2008, de 30.06, que manda aplicar às situações previstas no artigo 7°, as disposições constantes das secções I, II, III, IV do capitulo III, também a concessão de autorização de residência por razões humanitárias pode ser liminarmente indeferida nos casos previstos no n°19º, da mesma lei.
Nesta medida, atento o exposto no ponto 7, não existem fundamentos para que possa ser aplicado ao caso em análise o regime previsto no artigo 7° da Lei n°27/08, de 30.06.
9. Proposta
Face aos factos atrás expostos, consideramos o pedido de asilo infundado, por não se enquadrar em nenhuma das disposições previstas na Convenção de Genebra e no Protocolo de Nova Iorque.
Tendo em conta o exposto no ponto 8 da presente informação, consideramos igualmente que o caso não é susceptível de enquadramento no regime de protecção subsidiara previsto no artigo 7° da mesma Lei.
Assim, submete-se à consideração do Ex.mo Director-Nacional Adjunto do SEF a não admissão do pedido de asilo, nos termos das alíneas m) e q) do n°2 do artigo 19°, e n°4 do artigo 24°, ambos da Lei n°27/08, de 30 de Junho. (...)" - cfr. fls. 34-38 do PA e fls. 12-16 dos autos;

J) - Com data de 28 de Fevereiro de 2013 o Director-Nacional Adjunto do SEF proferiu relativamente ao pedido de asilo formulado pela Autora a seguinte decisão:
"(...) Considerando o disposto nas alíneas b), c), m) e q) do n°2 do art. 19°, e no nº 4 do art. 24° ambos da Lei n°27/08, de 30 de Junho, com base na informação n°75/GAR/13 do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, recuso o pedido de asilo apresentado pela cidadã que se identificou como A... , nacional da Nigéria.
Com base na mesma informação e nos termos das disposições legais acima citadas, aplicáveis por força do disposto no artigo 34° da Lei n°27/08, de 30 de Junho, considero não se enquadrar este caso no regime previsto no artigo 7° da supra citada Lei e, por isso, não admitir o pedido para efeitos de concessão de autorização da residência por razões humanitárias à cidadã acima identificada.
Notifique-se a interessada nos termos do n°5 do artigo 24° da Lei n°27/08, de 30 de Junho. (...)”.
- cfr. fls. 39 do PA e fls. 11 dos autos;
K) - A decisão referida na alínea antecedente foi expedida via fax, em 28 de Fevereiro de 2013, à mandatária da Autora - cfr. fls. 43-44 do PA);
L) - A Autora em 28 de Fevereiro de 2013 recusou-se a assinar o instrumento de fls. 45 do PA), destinado a dar-lhe conhecimento da decisão de não admissão do seu pedido de asilo, referida na alínea J) antecedente - cfr. fls. 45 do PA.
x x
2.2. De Direito
A sentença recorrida concluiu que a A., ora recorrente, não reúne os pressupostos de facto para que lhe seja concedida autorização de residência por razões humanitárias, nos termos do artigo 7º da Lei 27/2008, de 30 de Junho.
Nas conclusões das suas alegações, a recorrente invoca o princípio do "non-refoulement", consagrado no arigo 33º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e defendeu “ ser de alguma razoabilidade assumir a presunção dos factos por si apresentados como verdadeiros (conc.8ª e 9ª).
Alega ainda que os motivos apresentados pela recorrente são suficientes e credíveis para que possa beneficiar de protecção internacional e enquadrável na Lei do Asilo, por se encontrar em risco de sofrer ofensa grave, ou seja, a sua integridade física (conc.10ª).
Conclui a recorrente as suas alegações imputando à decisão recorrida a violação dos artigos 7º. 19º e 34º da Lei nº27/2008, de 30 de Junho, devendo ser admitido o pedido de asilo formulado (conc.11ª a 14ª).
É esta a questão a apreciar.
O artigo 3º da Lei 27/2008, de 30 de Junho, relativo à concessão do direito de asilo, garante tal direito a estrangeiros e apátridas perseguidos em consequência do exercício de actividades em favor da democracia e da libertação social e nacional, da paz, da liberdade e dos direitos da pessoa humana, ou por razões de raça, religião ou opiniões políticas, dispondo o artigo 19º da Lei 27/2008 que o pedido é inadmissibilidade quando for evidente que não satisfaz nenhum dos critérios definidos pela Convenção de Genebra e Protocolo de Nova Iorque.
Ora, o que resulta da factualidade assente não é favorável à requerente de asilo. Esta identificou-se como A... , nascida a 15.08.1996, e recusou-se a prestar quaisquer outras declarações ( Facto F)), apesar de solicitar protecção ao Estado Português.
Face ao exposto, foi-lhe recusada a entrada em território nacional, acabando no entanto a requerente por declarar, quanto aos fundamentos do seu pedido, ser cristã, ser solteira, ter vivido em Benin City, não trabalhar, estudando apenas, viver com os pais, três irmãos e quatro irmãs e ter abandonado o seu país porque o seu pai a queria obrigar a casar com um homem muçulmano de nome B... (cfr. Factos A) a F)).
Exara a sentença recorrida que, apesar de vários pedidos de colaboração, a requerente não demonstrou qualquer interesse em colaborar com o examinador durante a entrevista, o que constitui cláusula de inadmissibilidade prevista na alínea m) do nº2 do artigo 19º da Lei 27/2008, de 30 de Junho.
Acresce que a requerente não permitiu a recolha das suas impressões digitais, incorrendo na clausula de inadmissibilidade prevista na alínea q), nº2 do artigo 19º da Lei 27/2008.
Enfim, a requerente, apesar de solicitar protecção, assumiu uma atitude evasiva e ambígua e não substanciou o seu depoimento, sendo a responsável pela falta de elementos de prova.
Passemos ao ponto seguinte (autorização de residência por motivos humanitários).
O artigo 7º da Lei 27/2008, de 30 de Junho constitui uma forma de protecção subsidiária, admitindo a autorização de residência por razões humanitárias aos requerentes que se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer por sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por sofrerem o risco de sofrer ofensa grave.
A ofensa grave, exemplificativamente enumerada, pode consistir em:
-Pena de morte ou execução;
-Tortura grave contra a vida ou integridade física do requerente, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional.
Isto posto, analisemos a situação concreta dos autos.
Desde já se diga que não se verifica a violação do princípio do "non-refoulement”, consagrado no artigo 33º da Convenção de Genebra, que no essencial protege os requerentes de asilo contra a expulsão ou repulsão, directa ou indirecta, para um local onde a vida ou liberdade estejam ameaçadas, por motivos raciais, religiosos ou políticos.
A ora recorrente não invoca quaisquer factos susceptíveis de integrar o conceito de perseguição política, racial ou religiosa que justifiquem o pedido de asilo, limitando-se a alegar vagos receios subjectivos, o que é insuficiente. Não concretiza, também, o exercício de qualquer actividade em prol da democracia e da liberdade ou da paz, na defesa de direitos humanos.
Assim, as lacónicas declarações da ora recorrente não satisfazem as exigências do “Manual de Procedimentos da ACNUR”, que parcialmente se transcrevem:
«(...)Já o ponto 205 do referido Manual, refere:
"(a) requerente deverá:
(i) Dizer a verdade e apoiar integralmente o examinador no estabelecimento dos factos referentes ao seu caso.
(ii) Esforçar-se por apoiar as suas declarações com todos os elementos probatórios disponíveis e dar uma explicação satisfatória em relação a qualquer falta de elementos
de prova. Se necessário, ele deve esforçar-se por obter elementos de prova adicionais.
(iii) Fornecer todas as informações pertinentes sobre a sua pessoa e a sua experiência passada com o detalhe necessário para permitir ao examinador o estabelecimento dos factos relevantes. Deve-lhe ser solicitado que dê uma explicação coerente de todas as razões invocadas que fundamentam o seu pedido de estatuto de refugiado e deve responder a todas as questões que lhe são colocadas. "(...)».

As razões laconicamente enunciadas pela requerente apenas se traduzem numa questão de ordem familiar, relacionadas com a pretensa exigência de o seu pai a querer obrigar a casar com um homem muçulmano.
Tal circunstância é de ordem meramente privada e insusceptível de preencher o conceito de asilo ou sequer de autorização de residência por razões humanitárias, cujo ónus de prova impendia sobre a recorrente (cfr. entre outros, os Acs do TCA-Sul de 03.02.2005, 31.05.2012 e de 04.10.2012, respectivamente nos processos nº00218/04, 08703/12 e 09098/12).
Acresce que as declarações prestadas no SEF, para além de vagas e insuficientes, bem como a recusa de permitir a recolha de impressões digitais, suscitam sérias dúvidas sobre a idoneidade e sinceridade, delas não resultando que a vida da mesma corra qualquer risco sério ou que corra o risco de ser agredida por seu pai ou alegado futuro marido, cuja identidade se desconhece.
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3. Decisão
Em face do exposto, acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional e em confirmar a sentença recorrida.
Sem custas (artigo 84º da Lei nº27/2008, de 30 de Junho).
Lisboa, 30/07/2013
COELHO DA CUNHA
CARLOS ARAÚJO
JORGE CORTÊS