Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:652/14.4 BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:02/15/2024
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:LIBERDADE DE INDAGAÇÃO,INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DAS REGRAS DE DIREITO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
ARGUIÇÃO DE NOVOS VÍCIOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
NULIDADE SECUNDÁRIA
Sumário:I - O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, do CPC), sem prejuízo de, em regra, só poder servir-se dos factos articulados pelas partes.

II – A nulidade por excesso de pronúncia traduz a impossibilidade de o juiz conhecer causas de pedir não invocadas ou exceções que estejam na exclusiva disponibilidade das partes.

III – Uma vez que o Ministério Público pode arguir vícios do despacho de reversão que não tenham sido arguidos pelo oponente, não enferma de nulidade por excesso de pronúncia a sentença que julgou procedente a oposição à execução fiscal com base na falta de fundamentação do despacho de reversão invocada unicamente pelo Representante do Ministério Público.

IV - Nestes casos, o parecer proferido pelo Magistrado do Ministério Público deve ser notificado às partes. A omissão de tal notificação traduz a não observância do princípio do contraditório, uma nulidade processual secundária que não é do conhecimento oficioso.

V - Cabia à Recorrente arguir tal nulidade no momento em que interpôs o presente recurso jurisdicional, o que aqui não foi feito. Assim, a nulidade em causa ficou sanada, não podendo já ser conhecida.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção de execução fiscal e de recursos contra-ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais, da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

F ……………………….., executado por reversão no processo de execução fiscal n.º ……………………..510 e apensos, instaurado contra a sociedade “G …………….. – ……………… Serviços, Lda.”, por dívida de IVA, IRS e coimas fiscais, todas relativas a 2007 e 2008, deduziu no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra oposição à referida execução fiscal.

Por sentença de 28/06/19, o referido Tribunal julgou parcialmente procedente a oposição, o que fez nos seguintes termos: “Com a fundamentação supra, procede parcialmente a presente oposição, quanto às dívidas revertidas contra o oponente, no PEF n.º…………………..510 e apensos, relativas a coimas, improcedendo quanto ao mais”.

Inconformada com o assim decidido, a FAZENDA PÚBLICA apelou para este Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul), formulando na sua alegação as seguintes conclusões:

I - Vem o presente recurso reagir contra a Sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo em 28- 06-2019, a qual julgou parcialmente procedente a Oposição à execução fiscal n.º ……………..510 e apensos, deduzida por F R…………………….., com o NIF …………., revertido no processo de execução fiscal acima referenciado, o qual havia sido originariamente instaurado contra a sociedade “G…………….. – …………………SERVIÇOS, LDA.”, com o NIF ……….., para a cobrança de dívidas fiscais provenientes de IRS, IVA e Coimas, dos anos de 2007 e 2008, já devidamente identificadas nos autos, no montante de € 22.445,75 (vinte e dois mil, quatrocentos e quarenta e cinco euros e setenta e cinco cêntimos)

II - Nos termos do n.º 1 do artigo 125.º do CPPT que “Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”.

III - Pois que não compete ao Juiz ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, sendo que a apreciação, pelo Juiz, de questões de que não deveria ter tomado conhecimento é que justifica plenamente a nulidade da sentença, pois que o excesso de pronúncia se traduz numa violação do princípio do dispositivo que contende com a liberdade e a autonomia das partes.

IV - A Sentença deve, em respeito pelo acima transcrito, conhecer de todas as questões suscitadas pelas partes, seja como fundamento do pedido formulado pelo autor, seja como fundamento das excepções deduzidas, e bem assim das controvérsias que as partes sobre elas suscitem, ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras.

V - Nos presentes autos, perscrutado todo o petitório aduzido pelo Oponente, não se vislumbram laivos expositivos tendentes a sindicar uma eventual falta de fundamentação (motivação decisória) do despacho de reversão.

VI - Pelo contrário, compulsada a petição inicial subscrita pelo Oponente – constante de fls. 19 da numeração do SITAF, por ser aquela que foi aperfeiçoada em ordem ao suprimento das excepções verificadas nas petições apresentadas anteriormente, cfr. artigo 560.º do CPC, ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT – o que se pretende demonstrar é que a administração tributária não logrou fazer a prova do exercício de facto da gerência da originária executada por banda daquele.

VII - Por manifestamente conclusivo, atente-se ao teor do que se encontra postulado a § 14.º, § 15.º e § 19.º da p.i, donde se extrai que “…está uniformizada a jurisprudência no sentido que cabe à Finanças provarem que à designação de Gerentes, correspondeu o efectivo exercício da função, não se bastando a lei, para responsabilizar os Gerentes, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização (…) O que, no presente caso, salvo o devido respeito, é o que acontece (…) Como as Finanças não invocaram como fundamento da Reversão operada que o Oponente exerceu efectivas funções de Gerente nos períodos referidos, não pode, como vimos, o Tribunal inferir da gerência de direito”.

VIII - Na verdade, no caso sub judice, a questão a resolver prendia-se, exclusivamente, com a prova da gerência de facto da sociedade devedora originária, ónus que se encontra a cargo da administração tributária e que, segundo o Oponente, não terá sido cumprido.

IX - Ora, não tendo o Oponente suscitado a questão da falta de fundamentação do despacho de reversão aquando da apresentação da competente p.i. de Oposição à execução fiscal, com o devido respeito, que é muito, nem sequer devia o Douto do Tribunal a quo ter emitido pronúncia sobre o assunto.

X - Sabemos, de facto, que em matéria de reversão do processo de execução fiscal e nos termos do disposto no artigo 24.º da LGT e no artigo 8.º do RGIT, a questão relativa à gerência de facto da sociedade devedora originária assume contornos jurídicos bem distintos daquela relativa à falta de fundamentação do despacho de reversão.

XI - Sendo que, seguindo o entendimento propugnado pela Jurisprudência dos Tribunais Superiores, estes vícios de falta de prova dos pressupostos da reversão devem ser destacáveis relativamente à alegada falta de fundamentação da reversão, cfr. acórdão do TCA Sul, de 05-06- 2012, proferido no âmbito do recurso n.º 05431/12

XII - Note-se, ainda, ao entendimento vertido no acórdão do STA de 24-05-2016, proferido no âmbito do recurso n.º 036/16, no sentido de que, não tendo sido pelo Oponente invocado qualquer fundamento susceptível de configurar falta de fundamentação do despacho de reversão, entende-se que tal vício forma não pode ser conhecido, sob pena de nulidade da decisão, por excesso de pronúncia.

XIII - Em suma, no caso em apreço, a questão da falta de fundamentação do despacho de reversão, não foi alegada na petição inicial, não constituía causa de pedir e estava completamente ausente do processo, não sendo de ponderar, sequer, a possibilidade do seu conhecimento oficioso.

XIV - Desta forma, com o devido respeito, que é muito, nem sequer devia o Douto Tribunal a quo emitido pronúncia sobre o assunto; tendo-o feito, foi muito além do conhecimento das questões que lhe foram suscitadas pelas partes.

XV - Assim, verifica-se que a Sentença ora recorrida, se encontra ferida de nulidade, por violação do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT, do n.º 1 do artigo 125.º e do n.º 2 do artigo 211.º, ambos do CPPT, no n.º 1 do artigo 74.º e do n.º 1 do artigo 99.º, todos da LGT.

Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente Recurso ser provido e, consequentemente, ser revogada a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, com as demais e devidas consequências legais, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!


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Não foram apresentadas contra-alegações:

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A Exma. Magistrada do Ministério Público (EMMP) pronunciou-se no sentido de ser negado provimento do recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

“Com interesse para a decisão da causa, mostram-se provados os seguintes factos:

a) Na sequência da Ap. 46/20011108, foi registado o contrato da sociedade com a firma G………………– …………………. Serviços Lda. (cfr. documento de fls. 100 dos autos);

b) Na sequência da Ap. 43/20061026, foi registada a designação do aqui oponente como gerente da sociedade identificada na alínea anterior, pelo período de 2006/2008, ficando registada como data de deliberação “12/03/2006” (cfr. documento de fls. 100 e ss. dos autos);

c) Na sequência da AP. 18/20100506, foi registada a cessação de funções do aqui oponente como gerente, tendo como causa a renúncia, datada de 12/03/2010 (cfr. documento de fls. 100 e ss. dos autos);

d) A 31/05/2007, foi entregue a declaração de IRC, modelo 22, da devedora originária, relativa a 2006, sendo identificado como o representante legal da sociedade, o NIF ……………. (cfr. documento de fls. 61 verso dos autos);

e) A 10/11/2008, foi entregue a declaração de IRC, modelo 22, da devedora originária, relativa a 2007, sendo identificado, como o representante legal da sociedade, o NIF ……………….. (cfr. documento de fls. 64 verso dos autos);

f) A 28/05/2009, foi entregue a declaração de modelo de IRC, modelo 22, da devedora originária, relativa a 2008, sendo identificado, como o representante legal da sociedade, o NIF ………….(cfr. documento de fls. 67 verso);

g) A 10/11/2008, foi lavrada certidão de citação, no PEF n.º ……………….510, relativa à sociedade G……………. ………………. Serviços, Lda., mostrando-se assinada pelo oponente, que assinou na qualidade de sócio-gerente (cfr. documento de fls. 70 verso dos autos);

h) A 30/05/2010, foi entregue a declaração de modelo de IRC, modelo 22, da devedora originária, relativa a 2010, sendo identificado, como o representante legal da sociedade, o NIF …………….(cfr. documento de fls. 71 verso);

i) A 19/05/2011, foi emitido despacho “Projecto de Reversão”, no PEF n.º …..……………510 e apensos, relativo ao aqui oponente (cfr. documento de fls. 92 do PEF apenso);

j) O oponente respondeu, por requerimento de fls. 131 do PEF, que se dá por reproduzido;

k) No PEF n.º ………………..510 e apensos, foi proferida informação, onde se lê, além do mais (cfr. documento de fls. 147 do PEF):

«Texto no original»


l) A 03/12/2013, foi emitido despacho, onde além do mais, se lê (cfr. documento de fls. 149 do PEF):

«Texto no original»

m) A 04/12/2013, foi emitido o ofício citação, contra o oponente, no PEF n.º…………….510, para cobrança de dívida no valor de 22.685,75euros (cfr. documento de fls. 76 dos autos):

«Quadro no original»

Não há factos alegados e não provados com interesse para a decisão da causa.

Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos juntos aos autos e não impugnados, conforme se indica em cada alínea do probatório”.


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- De Direito

A oposição em análise dirigia-se a dívidas de impostos e a dívidas resultantes de coimas e, nessa medida, estava em causa a reversão efetuada ao abrigo do artigo 24º da LGT e, bem assim, nos termos previstos no artigo 8º do RGIT.

A sentença que aqui vem posta em causa julgou a oposição parcialmente procedente e, em consequência, determinou: “procede parcialmente a presente oposição, quanto às dívidas revertidas contra o oponente, no PEF n.º ……………….510 e apensos, relativas a coimas, improcedendo quanto ao mais”. Portanto, procedeu a oposição quanto às dívidas de coimas e improcedeu no mais, isto é, quanto às dívidas de impostos.

A Fazenda Pública veio recorrer da sentença – e como não poderia deixar de ser – na parte em que a mesma lhe foi desfavorável, isto, quanto às dívidas resultantes de coimas, revertidas ao abrigo do artigo 8º do RGIT.

Como resulta das conclusões da alegação de recurso, a única questão a apreciar é a de saber se a sentença é nula por excesso de pronúncia, nulidade esta que a Recorrente defende verificar-se, pois, no seu entendimento, o Recorrido não invocou a falta de fundamentação do despacho de reversão. Nas palavras da Fazenda Pública, “a questão da falta de fundamentação do despacho de reversão, não foi alegada na petição inicial, não constituía causa de pedir e estava completamente ausente do processo, não sendo de ponderar, sequer, a possibilidade do seu conhecimento oficioso”.

Vejamos, então, lembrando que, nos termos do disposto no artigo 125º, nº 1 do CPPT, “Constituem causas de nulidade da sentença (…) a pronúncia sobre questões que não deva conhecer” e que de igual modo dispõe o artigo 615º, nº1, al. d) do CPC, segundo o qual “É nula a sentença quando o juiz (…) conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Tal nulidade, como bem se percebe, está relacionada com o disposto sobre as questões a resolver na sentença, concretamente com o preceituado no artigo 608º, nº2 do CPC, na parte em que determina que o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

Quer isto dizer, pois, que o juiz não pode conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de exceções que estejam na exclusiva disponibilidade das partes, sob pena de nulidade da sentença. Do mesmo modo, será nula a sentença, por excesso de pronúncia, quando o juiz, ao arrepio do princípio do dispositivo, no que à conformação objetiva da instância respeita, não considera os limites (da condenação) impostos pelo artigo 609º, nº 1 do CPC e condena, ou absolve, em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso do pedido.

Desde já se adianta que a sentença não incorreu em excesso de pronúncia e, como tal, por este motivo, a sentença não é nula.

Em primeiro lugar, deve dizer-se que, bem ou mal (não está em causa no presente recurso), a Mma. Juíza considerou, lida a p.i, que, e em relação às dívidas de impostos, não estava em causa a questão da ilegitimidade mas antes – isso sim - a falta de fundamentação do despacho de reversão.

Ora, como resulta da lei, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, do CPC), sem prejuízo de, em regra, só poder servir-se dos factos articulados pelas partes.

Portanto, mesmo que o Oponente não tivesse subsumido (denominado) a sua alegação à falta de fundamentação do despacho de reversão, nada impedia o Tribunal de, perante o conteúdo da mesma, lhe dar diversa conformação jurídica. Isso mesmo aqui aconteceu.

Vejamos, em concreto, a parte da sentença desfavorável à Recorrente.

Atentemos, desde já, ao que evidencia a EMMP no seu parecer que passamos a transcrever:

“Ora, douta sentença recorrida entendeu, para além do mais, quanto às dividas fundadas no artigo 8º, nº1 do RGIT que não existe qualquer presunção de culpa de que beneficie a FP pelo que concluiu que “ a invocação da falta de culpa, basta para que proceda a oposição quanto às dividas relativas a coimas, tal como o invocado pelo DMMP”.

Ora, no que respeita às coimas fiscais, considerando que a responsabilidade subsidiária a que se alude nos artigos 23º e 24º da LGT se reporta a dividas de tributos, a transmissão das dividas por coimas só pode radicar no disposto no artº 8º do RGIT como aconteceu nos presentes autos.

Todavia, de acordo com o artº 8º do RGIT a responsabilidade subsidiária apenas ocorre quando por culpa do gerente o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o pagamento, não existindo, nesta matéria qualquer presunção de culpa ao contrário do que sucedia na vigência da alínea b) do nº1 do artº 112º da LGT , sendo necessária a prova da culpa pela insuficiência do património da sociedade para pagamento das coimas ou a imputabilidade da falta de pagamento ao gerente ( cfr., designadamente, AC. do STA de 24- 03-2010, 01216/09) .

Nos termos do artº 342º do CC, àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado. Cabia, assim, à AT a alegação e prova de factos consubstanciadores de que a sua actuação havia sido culposa ( cfr., nomeadamente, AC do STA de 29/01/90, AC Dout. nº 372º, 323), AC do STA de 12/11/97, rec. 21469).

Contudo, desde logo se verifica que a AT não alegou/demonstrou no despacho de reversão nem provou a pertinente factualidade quanto à culpa do oponente pelo que não podia ser o oponente responsável pelo pagamento das referidas coimas fiscais tanto mais que do exame critico dos elementos juntos aos autos também se não pode concluir pela responsabilidade do oponente pelo que a invocação do Ministério Público da 1ª instância, nesta matéria, lograva procedência tal como foi entendido na douta sentença ora recorrida .

Na verdade, compulsado o teor do projecto de reversão e o teor do despacho de reversão( cfr. fls. 92 e 149 do PEF apenso) verifica-se que deles nada se pode extrair quanto à alegação ou demonstração da culpa do Oponente na insuficiência do património societário para pagamento das coimas em divida.

Ao exposto acrescem os fundamentos vertidos no douto Acórdão do STA proferido a 31-10-12, 0948/12, que decidiu questão similar, aos quais aderimos integralmente pelo que nos dispensamos de os reproduzir, dando-os aqui por integralmente reproduzidos e passando a transcrever apenas o respetivo sumário:

“ Porque o Ministério Público pode arguir vícios do despacho de reversão que não tenham sido arguidos pelo oponente, não enferma de nulidade por excesso de pronúncia a sentença judicial que julgou procedente a oposição à execução fiscal com base na falta de fundamentação do despacho de reversão invocada unicamente pelo Representante do Ministério Público…”

Pelo exposto, emito parecer no sentido da improcedência do recurso .”

Vejamos, então.

Quanto às dívidas de coimas, considerou a sentença, ainda que de forma muito sintética, o seguinte:

“Mas se assim é quanto às dívidas fundadas no artigo 24.º, n.º1, alínea b) da LGT, o mesmo não se pode entender quanto às fundadas no n.º1 do artigo 8.º do RGIT, visto que naquela norma, quer estejamos perante a alínea a) ou alínea b), não existe qualquer presunção de culpa, ao contrário do que já referimos quanto ao artigo 24.º da LGT.

Assim sendo, a invocação da falta de culpa, basta para que proceda a oposição, quanto às dívidas relativas a coimas, tal como invocado pelo DMMP”.

Como resulta dos autos, concretamente de fls. 129 a 136, a questão da falta de alegação e prova, por banda da AT, Exequente, da culpa do revertido na circunstância de o património social se ter tornado insuficiente para o pagamento das coimas aplicadas foi um vício expressamente suscitado pelo Magistrado do Ministério Público junto do TAF de Sintra, no parecer emitido ao abrigo do disposto no artigo 121.º do CPPT, aplicável ao processo de oposição à execução fiscal (cfr. artigo 211º do CPPT).

Com efeito, em tal parecer pode ler-se, além do mais, que:

“Acresce que a responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes assenta, não no próprio facto típico que é caracterizado como infracção contra-ordenacional, mas num facto autónomo, inteiramente diverso desse, que se traduz num comportamento pessoal determinante da produção de um dano para a Administração Fiscal.

É esse facto, de carácter ilícito, imputável ao agente a título de culpa, que fundamenta o dever de indemnizar, e que, como tal, origina a responsabilidade civil.

Tudo leva, por conseguinte, a considerar que não existe, na previsão da norma do artigo 8º, n.º 1, alíneas a) e b), do RGIT, um qualquer mecanismo de transmissibilidade da responsabilidade contraordenacional, nem ocorre qualquer violação do disposto no artigo 30º, n.º 3, da Constituição, mesmo que se pudesse entender - o que não é liquido - que a proibição aí contida se torna aplicável no domínio das contra-ordenações”.

No caso “sub judice”, a A. T. não logrou, como lhe competia, demonstrar e provar que foi por culpa da oponente que o património social se tornou insuficiente para permitir o pagamento das coimas aplicadas”.

Vejamos.

Nos termos do artigo 121º. nº 1, do CPPT, “[a]presentadas as alegações ou findo o respectivo prazo e antes de proferida a sentença, o juiz dará vista ao Ministério Público para, se pretender, se pronunciar expressamente sobre as questões de legalidade que tenham sido suscitadas no processo ou suscitar outras nos termos das suas competências legais”.

Como se refere no acórdão do STA, de 31/10/12, proferido no processo nº 948/12, “Embora uma interpretação estritamente literal do art. 121.º do CPPT e que não atenda ao seu segmento final – «ou suscitar outras nos termos das suas competências legais» – possa sugerir que não é possível ao Ministério Público suscitar questões de legalidade que não tenham sido suscitadas no processo, não subscrevemos esse entendimento, sustentado pela Recorrente. Como demonstra JORGE LOPES DE SOUSA, o mesmo não obedece às melhores regras da hermenêutica jurídica. Comentando aquela norma legal, diz este Autor: «No n.º 1 deste art. 121.º refere-se que a vista ao Ministério Público lhe é dada para se pronunciar expressamente sobre as questões de legalidade que são objecto do processo ou suscitar outras que se enquadrem nas suas competências legais.

Assim, a referência a pronúncia «sobre as questões de legalidade suscitadas no processo» não tem um alcance restritivo das possibilidades de intervenção do Ministério Público, estendendo-se as suas possibilidades de intervenção processual a todas as que se coadunam com a sua função estatutária nos tribunais administrativos e fiscais.

Nestes termos, além das expressamente previstas possibilidades de se pronunciar sobre as questões de legalidade suscitadas no processo e suscitar questões que obstem ao conhecimento do mérito do pedido, o Ministério Público poderá também promover o que tiver por conveniente, como lhe é genericamente permitido pelo art. 6.º, n.º 1, do EMP, designadamente promover a regularização da petição e sanação de irregularidades processuais, deduzir excepções, arguir nulidades, e requerer a realização de diligências.

Do preceituado na alínea b) do n.º 2 do art. 124.º do CPPT, conclui-se que o Ministério Público pode também arguir vícios do acto impugnado que não tenham sido arguidos pelo impugnante, possibilidade essa que estava expressamente prevista para os recursos contenciosos de actos administrativos, na alínea d) do art. 27.º da LPTA, e está também prevista para as acções administrativas especiais, nos n.ºs 3 e 4 do art. 85.º do CPTA» (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, anotação 4 ao art. 121.º, pág. 300.).

É certo que, como referido nas alegações de recurso, CASALTA NABAIS defendeu que além das questões de legalidade que tenham sido suscitadas no processo, o Ministério Público só pode suscitar questões que obstem ao conhecimento do pedido, não podendo, portanto, levantar questões novas de legalidade (Direito Fiscal, 5.ª edição, Almedina, pág. 425.).

No entanto, essa tese não foi acolhida pela jurisprudência (Sobre a possibilidade de o Ministério Público arguir vícios não arguidos pelo impugnante, vide os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: –de 22 de Março de 1995, proferido no processo n.º 18.996, publicado no Apêndice ao Diário da República de 31 de Julho de 1997 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/1995/32210.pdf), págs. 880 a 883, com sumário disponível em -http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/191c800bdd5ec649802568fc00393d8f?OpenDocument; –de 29 de Outubro de 1997, proferido no processo n.º 18.997, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Março de 2001 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/1997/32240.pdf), págs. 2750 a 2752; –de 5 de Novembro de 1997, proferido no processo n.º 21.043, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Março de 2001 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/1997/32240.pdf), págs. 2849 a 2851; –de 25 de Março de 1998, proferido no processo n.º 21.168, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Novembro de 2001 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/1998/32210.pdf), págs. 952 a 954; –de 31 de Outubro de 2000, proferido no processo n.º 25.516, publicado no Apêndice ao Diário da República de 31 de Janeiro de 2003 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2000/32241.pdf), págs. 3999 a 4002; –de 8 de Fevereiro de 2006, proferido no processo n.º 810/05, publicado no Apêndice ao Diário da República de 29 de Setembro de 2006 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2006/32210.pdf), págs. 239 a 243.) nem pela doutrina, sendo que JORGE LOPES DE SOUSA a criticou expressamente, pelos motivos que vimos de citar (JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 5.ª edição, volume I, nota de rodapé com o n.º (2), anotação 4 ao art. 121.º, pág. 861.)”

No mesmo sentido, e quanto à oposição e à invocação de novos vícios do despacho de reversão, veja-se o acórdão citado pela EMMP neste Tribunal, proferido no STA, em 31/10/12, no processo nº 0948/12, em cujo sumário se pode ler que “Porque o Ministério Público pode arguir vícios do despacho de reversão que não tenham sido arguidos pelo oponente, não enferma de nulidade por excesso de pronúncia a sentença judicial que julgou procedente a oposição à execução fiscal com base na falta de fundamentação do despacho de reversão invocada unicamente pelo Representante do Ministério Público”.

Assim, face ao disposto na lei e com apoio na jurisprudência citada, impõe-se concluir que nada obsta – antes sendo permitido – a que o Ministério Público argua vícios do despacho de reversão contestado que não tenham sido invocados pelo Oponente.

Assim sendo, como é, não poderemos deixar de concluir que a sentença recorrida se moveu dentro dos limites daquilo que lhe era possível conhecer, apreciando e decidindo um vício suscitado por quem, no processo, o poderia suscitar.

Por conseguinte, a sentença recorrida não padece de nulidade decorrente do excesso de pronúncia, por ter julgado procedente a oposição nos termos em que o fez, com base num vício invocado pelo Exmo. Magistrado do Ministério Público.

É verdade, e não o desconsidera este Tribunal, que o parecer proferido pelo Magistrado do Ministério Público não foi notificado às partes, sendo certo que tal notificação se impunha, já que, nos termos expostos, aí foi invocado um novo vício do despacho de reversão contestado.

Com efeito, não subsistem dúvidas que, num caso como aquele que nos ocupa, a falta de notificação do parecer às partes (concretamente, à Fazenda Pública) comprometeu a possibilidade de estas se pronunciarem sobre a nova questão invocada, o que não pode deixar de configurar uma nulidade processual, face ao disposto nos artigos 3º e 195º, do CPC.

Na verdade, o referido artigo 195º, nº 1 estabelece que “Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa” e o artigo 3.º, nº3 do CPC estabelece que “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

Ora, as nulidades de processo que não sejam de conhecimento oficioso têm de ser arguidas, em princípio, perante o Tribunal que as cometeu (cfr. artigos 196º e 199º, do CPC). São as nulidades secundárias, com o regime de arguição previsto no artigo 199º, do CPC. “Mais, tratando-se de irregularidade anterior à decisão final, a sua arguição deve ser efectuada junto do próprio Tribunal recorrido, em consonância com o preceituado no citado artº.199, do C.P.Civil. Por outro lado, as irregularidades não qualificadas como nulidades principais ou de conhecimento oficioso (cfr.artº.98, do C.P.P.T.) ficam sanadas com o decurso do prazo em que podem ser arguidas, o que significa que tudo se passa como se elas não tivessem sido praticadas. Por último, se o interessado, além de pretender arguir a nulidade processual, quiser também interpor recurso da decisão que foi proferida, deverá cumulativamente apresentar requerimentos de arguição da nulidade e de interposição de recurso, não podendo fazer a arguição das ditas nulidades neste último (cfr.ac.T.C.A.Sul - 2ª.Secção, 14/5/2013, proc. 6018/12; ac.T.C.A. Sul - 2ª.Secção, 14/11/2013, proc. 6971/13; ac.T.C.A. Sul - 2ª.Secção, 13/2/2014, proc. 7308/14; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.86 e seg.)” – cfr., entre muitos outros, o acórdão deste TCA Sul, de 08/03/18, no processo nº 541/14.2BELRA.

Em suma, configurando tal omissão de notificação e, nessa medida, a não observância do princípio do contraditório, uma nulidade processual secundária que não é do conhecimento oficioso, não poderia a Recorrente ter deixado de a arguir no momento em que interpôs o presente recurso jurisdicional, o que não foi feito.

Assim, a nulidade em causa ficou sanada, não podendo já ser conhecida.

Face a todo o exposto, e uma vez que a Recorrente não põe em causa o julgamento efetuado relativamente ao vício que levou à procedência da oposição na parte respeitante à dívida de coimas, mas apenas que tal vício tenha sido conhecido, nada mais há a apreciar.

Nestes termos, e dispensando-nos de mais amplas considerações, julgam-se improcedentes as conclusões da alegação de recurso e nega-se provimento ao mesmo.


*

III - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais, da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 15/02/24

(Catarina Almeida e Sousa)

(Hélia Gameiro)

(Lurdes Toscano)