Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:01187/06
Secção:2.º JUÍZO
Data do Acordão:07/11/2006
Relator:LUCAS MARTINS
Descritores:DERROGAÇÃO DO SIGILO BANCÁRIO
PRESSUPOSTOS LEGAIS
PROCEDIMENTO INSPECTIVO
PROCEDIMENTOTRIBUTÁRIO
Sumário:A AT para diligenciar e obter a derrogação do sigilo bancário dos contribuintes, ao abrigo do art.º 63.º-B , n.º 2/c , da LGT , carece de recorrer a um procedimento inspectivo nos termos delimitados no RCPIT.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:- M..., com os sinais dos autos , por se não conformar com a decisão proferida pela Mm.º juiz do TAF de Lisboa 2 (Loures) e que lhe julgou improcedente o recurso que houvera interposto de decisão do Sr. Director-Geral dos Impostos autorizando o acesso da AT à sua documentação bancária , dela veio interpor o presente recurso , formulando , para o efeito , as seguintes conclusões;

a) Entendeu-se na sentença que não colhia o vertido na P.I. no sentido de que tinha sido omitido a abertura de um procedimento de inspecção externa , já que estava em causa um procedimento de liquidação que culminou com tal acto adicional em termos de IRS.

b) Para rebater o argumento do ora recorrente diz a sentença que o procedimento de derrogação do sigilo bancário se integra num procedimento de recolha de dados preparatório de uma eventual inspecção.

c) Na realidade de todas as versões conhecidas daquele artigo nunca constou que a derrogação do sigilo bancário fosse um meio ao dispor da DGCI para preparar uma eventual inspecção e os motivos susceptíveis de permitir a derrogação do sigilo bancário estão sujeitos a uma tipicidade fechada.

d) Pelo que por aqui , e desde já , falece razão a sentença.

e) Entendeu-se também na sentença que estava demonstrado um dos pressupostos que legitimariam a DGCI a proceder à derrogação do sigilo bancário , o da recusa de acesso por parte do recorrente á sua documentação bancária e para concluir tal diz-se na sentença que o recorrente mais não pretendeu do que se furtar à questão.

f) As denominadas questões que a sentença considera laterais foram as de solicitar , ao abrigo do princípio da colaboração , a clara indicação , por parte da DGCI , dos concretos elementos/documentos bancários cuja entrega fora solicitada.

g) O artigo 59º da Lei Geral Tributária dispõe «Os órgãos da administração tributária e os contribuinte estão sujeitos a um dever de colaboração recíproco

h) Tal dever de cooperação é recíproco.

i) Considerou também a sentença estar preenchido o requisito da existência de indícios da prática de crime doloso em matéria tributária isto com base numa escritura celebrada entre a sociedade “Muralhas” e Nuno Ricardo Moura Laborinho e na qual , alegadamente , tinha sido omitido ao valor real de venda € 77.313,68 (48.882,19 + 28.413,49).

j) Acrescentando-se que este valor não constava da declaração de IRS do ano de 2001 do ora recorrente e que tal constituiría uma vantagem patrimonial indevida.

k) Olvida a sentença um facto fundamental fixado no probatório e é ele o de que a DGCI já havia procedido à liquidação relativa a esse rendimento alegadamente omitido – Ponto U) dos factos dados como provados.

l) É inquestionável que a DGCI procedeu a tal fixação sem ser necessário recorrer à derrogação.

m) Diz-se por outro lado na sentença ,a dois tempos , que a derrogação do sigilo bancário se torna necessária para aquilatar da eventual responsabilidade criminal do recorrente.

n) A admissibilidade do acesso à documentação bancária prevista na alínea c) do nº 2 do artigo 63º-B da LGT não visa assegurar as necessidades de investigação ou de instrução dos processos criminais.

o) Mais se escreve na sentença que em nada colidia com a derrogação o facto da DGCI , na decisão que levou a tal , nada referir em relação à alegada vantagem patrimonial ilegítima do recorrente ser , ou não , superior € 7.500.

p) Apoia-se a sentença numa série de “alvitrares” sem qualquer sustentáculo fáctico para considerar correcta a derrogação.

q) Ou seja presume a sentença que foram cometidos , em cadeia , o crime previsto no artigo 103º do RGIT bem como omitidos valores de rendimentos.

r) Decorrendo o princípio da presunção da presunção de inocência da própria Lei Fundamental – artigo 32º , nº 2.

s) No sentido de que a derrogação não serve para se buscarem elementos que levem à tomada de conhecimento da prática de crimes já decidiram os nosso tribunais superiores de que são exemplo os arestos supra citados.

t) A sentença recorrida violou o artigo 8º , nº 3 do Código Civil porquanto , atenta a abundante jurisprudência supra referida , que se pronunciou em sentido contrário ao sustentado na sentença em situações similares , deveria aquela ter-se conformado com a mesma o que não fez.

u) Pelo que por tudo quanto vem de se alegar , e por violação dos artigos 59º , 63º , nº 2 al) c da LGT , 7º do CPA , 103º do RGIT , 32º , nº 2 da CRP e 8º , nº 3 do Código Civil , não pode a sentença aqui colocada em crise ser mantida.

- Conclui que , pela procedência do recurso , se revogue a decisão recorrida , a qual deverá ser substituída por outra que dê provimento à sua pretensão.

- Contra-alegou o recorrida Director-Geral dos Imposto , pugnando pela manutenção do julgado , nos termos do seguinte quadro conclusivo;

1) A douta sentença recorrida , ao decidir não conceder provimento ao recurso , analisou correctamente as questões trazidas aos autos e fez uma correcta interpretação e apreciação da matéria probatória , não enfermando por isso de erro de julgamento , motivo pela qual deverá ser mantida.

2) Assim , deverá ser dada razão ao douto Tribunal “a quo” , por distinguir correctamente entre motivos e pressupostos , ao considerar que o acto do Director-Geral dos Impostos que autorizou o acesso da administração tributária à documentação bancária do contribuinte , não está ferido de invalidade pelo facto de surgir na sequência de um procedimento preparatório de recolha de dados , nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artº 44º do CPPT.

3) A apreciação da validade do procedimento de sigilo bancário é independente da apreciação de validade de qualquer procedimento anterior , seja ele de inspecção tributária ou de outra natureza , uma vez que assentam em pressupostos diferenciados e são regulados por normas legais diversas , correndo por forma independente e autónoma.

4) É também evidente a distinção entre motivos , objectivos e pressupostos do procedimento de derrogação de sigilo bancário , uma vez que a necessidade de a este recorrer pode justificar-se , na medida em que se pretende o acesso a documentos que não foram obtidos no âmbito de um procedimento anterior , podendo determinar uma alteração da matéria tributável que aquele tenha fixado.

5) Estabelecido que o silêncio teria o valor de recusa , o recorrente ao não ter declarado clara e inequívocamente que recusava o acesso à sua documentação bancária , independentemente do teor da argumentação por si apresentada , aliás irrelevante para o caso , leva a que se tenha de concluir pela verificação de falta de autorização , estando preenchido o primeiro requisito exigido pelo artº 63º-B da LGT.

6) Não é possível concluir pela não verificação do pressuposto de recusa de acesso aos dados bancários do recorrente , em virtude da alegada existência de violação do dever de colaboração por parte da entidade recorrida , em conformidade com o disposto nos artigos 59º da LGT e 7º do CPA , inexistindo entre ambos os factos qualquer nexo de causalidade justificativo da sua conduta.

7) A sentença recorrida , ao admitir a existência de indícios da prática e crime fiscal , não viola a presunção de inocência consagrada no nº 2 do artº 32º da CRP , uma vez que o invocado normativo constitucional , apenas respeita a processo-crime e aos indivíduos que tenham sido constituídos arguidos.

8) O procedimento de derrogação de sigilo bancário não condena de antemão os sujeitos passivos pela prática do/s crime/s que nele se indicia/m , nem lhes retira a possibilidade de em sede própria se defenderem , cabendo somente à Administração Tributária , e a fim de preencher os pressupostos constantes da alínea c) do nº 2 do artº 63º-B da LGT , reunir indícios da prática de crime fiscal que as entidades competentes , essas sim , utilizarão pela via adequada.

9) A sentença recorrida também não viola o nº 3 do artº 8º do Código Civil , porquanto não vai contra abundante jurisprudência que se tenha pronunciado em sentido contrário , como resulta claro das seguintes decisões do TCA Sul: Acórdão de 29/11/2005 proferido no recurso nº 846/05 , Acórdão de 21/12/2005 proferido no recurso nº 882/2005 , Acórdão de 14/03/2006 proferido no recurso nº 1066/2006 e Acórdão de 29/11/2005 proferido no recurso nº 827/05.

10) Por outro lado , não deverá o recurso ser apreciado nesta matéria , uma vez que as conclusões aí retiradas , sendo genéricas , deficientes , insuficientes , obscuras e sem suporte factual , não são susceptíveis de serem apreciadas.

11) Não é determinante , para aferir nem da legitimidade da actuação da entidade recorrida , nem da conformidade com o disposto na alínea c) do nº2 do artº 63º-B da LGT , ter já sido fixada a matéria tributável do recorrente para o ano em causa , ao abrigo do método previsto no artº 89º do CIRS , uma vez que tal método de liquidação oficiosa pode ser utilizado tantas vezes , quantas se apurar que o rendimento real do sujeito passivo é superior ao rendimento declarado.

12) Por isso e até se tornar definitiva , ou pelo decurso do prazo , ou pela impossibilidade de alterar a própria matéria tributável , a natureza de tal liquidação oficiosa é provisória , podendo sempre ser alterada caso sejam recolhidos elementos novos , sendo o procedimento de derrogação de sigilo bancário um dos meios idóneos para fazer tal recolha.

13) Se o procedimento de derrogação bancária não é o meio adequado para responsabilizar criminalmente o sujeito passivo pela prática de infracções tributárias de tipo criminal , é no entanto um processo idóneo para recolher indícios de tal conduta , pela razão que tal procedimento de recolha é indispensável para efeitos de preenchimento do pressuposto da alínea c) do nº2 do artº 63º-B da LGT.

14) Indícios aqueles que estão sobejamente reunidos , devendo entender-se que em sede de procedimento de derrogação de sigilo bancário , o que importa é verificar se estão preenchidos os pressupostos enunciados na alínea c) do nº2 do artº 63º-B da LGT , mas já não é necessário que esteja provado o tipo criminal que indiciariamente se imputa ao sujeito passivo , não tendo certamente que ser apresentadas e demonstradas provas definitivas da existência de todos os elementos do tipo criminal.

15) Mesmo assim e quanto ao valor da vantagem patrimonial ,a entidade recorrida provou que o recorrente recebeu numa conta de que é titular , dois cheques no valor total de € 77.313,67 , valor este que integrou num dado momento e em bruto , o património pessoal do recorrente , o que implica a aquisição efectiva de uma vantagem patrimonial no valor total do depósito.

16) De tudo isto , resultando indiciariamente provado que o valor da vantagem patrimonial obtida com a conduta , ainda que esquema descrito tenha sido detectado , foi até ao momento se não igual , certamente superior a € 77.313,67, atendendo a que a empresa de que o recorrente é sócio-gerente , vendeu 22 fracções de um mesmo imóvel , podendo presumir-se , por raciocínio silogístico e de acordo com as regras da experiência , que o esquema descrito não se reduziu apenas à fracção dos autos.

17) E bastando-se o artº 63º-B da LGT com a existência de indícios , não exigindo a prova do ilícito criminal em causa , no caso concreto , mesmo sem considerar o valor dos cheques aqui em causa , este juízo de probabilidade dispõe por si só , de aptidão suficiente para concluir pela existência de prática de crime fiscal previsto e punido pelo artº 103º do RGIT.

18) Mas , mesmo que não tivesse sido indiciado e provado o valor da vantagem patrimonial e a douta sentença não o tivesse considerado da forma que o fez , sempre se dirá que o que verdadeiramente importa e o que a Administração Tributária tem de provar e efectivamente provou , é a verificação dos pressupostos constantes da alínea c) do artº 63º-B da LGT o que fez , e não os pressupostos do artº 103º do RGIT , isto é , elementos típicos do crime de fraude fiscal , nomeadamente o valor da vantagem patrimonial.

19) No caso concreto , ,e atendendo a toda a matéria dada como provada , é forçoso concluir que os factos apresentados dispõem por si só de suficiente consistência e aptidão , para criar a certeza sobre a verificação dos pressupostos previstos no artº 63º-B nº2 alínea c) da LGT , uma vez que existem não só factos que indiciam a prática de crime doloso em matéria tributária , como existem também factos concretamente identificados , gravemente indiciadores da falta de veracidade do declarado , resultantes de uma conduta ilegítima voltada para a obtenção de vantagens patrimoniais indevidas.

- O EMMP , junto deste tribunal , emitiu o douto parecer de fls. 245 , para que se remete , pronunciando-se , a final , no sentido de ser negado provimento ao recurso.

*****


- Com dispensa de vistos , vêm os autos à conferência para decisão.

- A sentença recorrida deu , por provada e com interesse à decisão da causa , a seguinte;

- MATÉRIA DE FACTO -


A). Por escritura pública lavrada no 28º Cartório Notarial de Lisboa em 29/10/2001 , a sociedade “Muralha – Construções Urbanas , Lda.” vendeu a Nuno Ricardo Moura Laborinho , a fracção autónoma designada pela letra “H” , correspondente ao 2º andar esquerdo , do prédio urbano sito na Quinta Nova , Lote 7 , freguesia de Odivelas , à data omisso na matriz , pelo valor declarado de 20.000.000$00 (€ 99.759,58).

B). O prédio urbano , referido em A) , é constituído por 2 fracções autónomas , 20 das quais foram vendidas em 2001.

C). O comprador Nuno Ricardo Moura Laborinho emitiu , à ordem da sociedade vendedora , referida em A) , os seguintes cheques bancários:
a) Cheque nº 7745925728 , no montante de 20.000.000$00 (€ 99.759,58) , emitido na data da celebração da escritura , referida em A);
b) Cheque nº 6645925711 , no montante de 9.800.000$00 (€ 48.882,19) , emitido em 24/07/2001;
c) Cheque nº 8645925727 , no montante de 5.700.000$00 (€ 28.413,49) , emitido em 30/10/2001.

D). Os cheques referidos em b) e c) da alínea anterior foram depositados na conta nº 15884681 , do Grupo BCP , titulada pelo recorrente.

E). O recorrente é gerente da sociedade referida em A) , qualidade que já detinha em 2001.

F). Em 30/04/2002 , o recorrente apresentou a declaração modelo 3 de IRS , referente ao ano de 2001 , cuja cópia consta de fls. 23 a 27 do processo administrativo apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzida , na qual declarou rendimentos da categoria A (trabalho dependente) no montante de € 10.399,94 e rendimentos da categoria F (prediais) no montante de € 18.778,26.

G). Datado de 11/02/2005 , foi enviado ao recorrente o Ofício nº 07645 , cuja cópia consta de fls. 12 do processo administrativo apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzida , notificando-o para , no prazo de 15 dias , comparecer nos serviços de inspecção tributária , a fim de prestar esclarecimentos sobre a sua situação tributária referente ao ano de 2001.

H). Em 03/03/2005 , deu entrada na DF de Lisboa , a carta , dirigida ao Director de Finanças de Lisboa e assinada pelo recorrente , cuja cópia consta de fls. 22 do processo administrativo apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzida , acompanhadas dos documentos cujas cópias constam de fls. 23 a 34 do processo administrativo apenso e que aqui se dão, igualmente , por integralmente reproduzidas.

I). Datado de 22/06/2005 , foi enviado ao recorrente o Ofício nº 038825 , cuja cópia consta de fls. 43 do processo administrativo apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzida , solicitando-lhe autorização para consulta/acesso à sua informação e documentos bancários.

J). Em 29/06/2005 , em resposta ao ofício referido em I) , deu entrada na DF de Lisboa , o requerimento cuja cópia consta de fls. 46 a 50 do processo administrativo apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzida , acompanhada dos documentos cujas cópias constam de fls. 23 a 34 do processo administrativo apenso e que aqui se dão , igualmente , por integralmente reproduzidas.

K). Em 16/09/2005 foi proferido despacho de concordância com o conteúdo da Informação da Direcção de Finanças de Lisboa , cuja cópia consta de fls. 2 a 11 do processo administrativo apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzida.

L). Em 26/09/2005 , foi assinado pelo Director Geral dos Impostos o projecto de decisão cuja cópia consta de fls. 56 do processo administrativo apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzida.

M). Do projecto de decisão , referido em L) , bem como do teor dos pareceres emitidos sobre a matéria , foi notificado o recorrente , através do Ofício nº 068703 de 25/10/2005 , cuja cópia consta de fls. 57 do processo administrativo apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzida.

N). O recorrente exerceu por escrito o direito de audição , pela forma expressa no articulado cuja cópia consta de fls. 60 a 74 do processo administrativo apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzida , que deu entrada , na Direcção de Finanças de Lisboa , em 08/1172005.

O). Em 05/12/2005 foi proferido despacho de concordância com o conteúdo da Informação da Direcção de Finanças de Lisboa , cuja cópia consta de fls. 75 a 86 do processo administrativo apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzida.

P). Em 06/12/2005 , foi assinada pelo Director Geral dos Impostos a decisão cuja cópia consta de fls. 90 do processo administrativo apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzida , pela qual autoriza os funcionários da Inspecção Tributária , devidamente credenciados ,a aceder directamente a todas as contas bancárias e documentos bancários existentes em instituições bancárias portuguesas de que seja titular M..., contribuinte nº 102757224.

Q). O recorrente foi notificado da decisão , referida em P) , nos termos do ofício cuja cópia consta de fls. 89 do processo administrativo apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzido , em 09/01/2006.

R). No dia 19/01/06 , foi enviada a este Tribunal , sob registo postal ,a petição inicial dos presentes autos.

S). O recorrente , intentou , no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa (2.ª Unidade Orgânica) , uma acção Intimação para Protecção de Direitos , Liberdades e Garantias , que ali correu termos sob o nº 2635/05.6BESLB , na qual pediu que o Sr. Director-Geral dos Impostos fosse compelido judicialmente a abster-se de aceder aos documentos bancários de que o aqui recorrente fosse titular em qualquer instituição bancária portuguesa.

T). A acção referida em S) , foi objecto de despacho de rejeição liminar , cujo trânsito em julgado ocorreu em 24/11/2005 , conforme certidão de fls. 167 a 175 dos autos , que aqui se dá por integralmente reproduzida.

U). Em 13/12/2005 , foi emitida a liquidação oficiosa de IRS nº 2005 5004473772 , em nome do recorrente e de Maria do Carmo da Conceição Raimundo Barata , referente a rendimentos do ano de 2001 , e respectivos juros compensatórios , nos termos expressos nas notas demonstrativas cujas cópias constam de fls. 107 e 108 dos autos e que aqui se dão por integralmente reproduzidas.

*****


- Por se encontrar confessada pela entidade demandada , não constituir matéria inserida no âmbito de direitos indisponíveis e se revelar pertinente à decisão a proferir atentas todas as soluções jurídicas esgrimidas nos autos , adita-se , ainda e ao abrigo do art.º 712.º do CPC , ao probatório , uma nova alínea contendo a seguinte factualidade;

V). No caso vertente toda a actuação da AT foi levada a cabo à revelia de qualquer procedimento inspectivo , nos termos definidos no RCPIT – cfr. resposta do Sr. DGImpostos , constante de fls. 114 e segs. , particularmente a fls. 120 dos autos e informações para que remete o n.º 37.º de tal articulado.


- ENQUADRAMENTO JURÍDICO -


- No presente recurso , o recorrente insurge-se contra a decisão recorrida na medida em que entendeu que a decisão do Director-geral dos Impostos de derrogação do sigilo bancário era de manter na ordem jurídica , seja porque considera que no caso se não verificam os pressupostos legais que permitam tal derrogação , seja porque o referido despacho foi proferido à revelia de um procedimento inspectivo , nos termos do estatuído no RCPIT , procedimento esse que , em seu entender , era necessário ao efeito.

- Reportam-se a esta questão as conclusões a) a d) do presente recurso , sintetizando o referido nos pontos 2 a 11 das suas alegações.

- Sobre esta questão , entende o recorrido que a AT não lançou mão de qualquer procedimento de inspecção externa , nem tão pouco tinha de o fazer , como pretende o recorrente , já que a sua actuação se inscreve no âmbito do disposto nos art.ºs 44.º/1/a do CPPT e 44.º/1/2 do RCPIT consubstanciando uma “acção preparatória” , nos termos e para os efeitos delimitados em tais normativos legais (cfr. v.g. , fls. 100 dos autos).

- O Mm.º juiz recorrido , pronunciando-se expressamente sobre esta questão veio a acolher o entendimento sustentado pelo Sr. DDImpostos , nos termos que , de seguida , se transcrevem;
«Defende o recorrente a necessidade de abertura de um procedimento externos de inspecção , já que , estava em causa um procedimento de liquidação que culminou com a prolação de um acto de liquidação adicional de IRS.
Salvo melhor opinião , entendo que não lhe assiste razão quanto a este ponto.
É que , como é referido na oposição deduzida pelo Director Geral dos Impostos , o presente procedimento de derrogação do sigilo bancário não se integra num procedimento de inspecção externa , mas sim num procedimento de recolha de dados preparatório de uma eventual inspecção , a qual, no caso presente , nem veio a ocorrer , produzindo-se apenas a liquidação oficiosa referida em U) dos factos provados.
Assim a recolha de informação que conduziu ao processo de levantamento de sigilo bancário , respeitante ao ora recorrente , integra-se antes numa sucessão ordenada de actos, devidamente previstos na alínea a) do n.º 1 do art. 44.º do CPPT , que não está sujeita ao levantamento de nenhuma ordem de serviço.
E a decisão de derrogação de sigilo bancário não se fundamentou em nenhum procedimento de inspecção , mas em factos apurados no decurso de uma acção de recolha de informação , com base nos quais se considerou existir a necessidade de recorrer ao mecanismo previsto no art. 63.º-B da LGT , o qual não exige , como pressuposto de validade, a existência de qualquer procedimento de inspecção prévio.”

- A apreciação desta questão , a título prévio , afigura-se-nos primordial , na medida em que , na eventualidade de se concluir que a razão assiste ao recorrente , isto é , que a derrogação do sigilo bancário e a consequente análise dos documentos e informações bancários do recorrente , devem ser levados a cabo no âmbito de um procedimento de inspecção , como tal definido pelo RCPIT , então , porque mais do que a preterição de qualquer formalidade no âmbito de tal procedimento(1) nos encontramos perante uma ausência total do mesmo , impor-se-á concluir pela eliminação da decisão do Sr.DGImpostos , independentemente de , no caso , se verificarem ou não , os pressupostos de que a lei substantiva faz depender a derrogação do sigilo bancário.

- Trata-se , adiantamo-lo , desde já , de questão em que a solução que , a final se virá a perfilhar , não se encontra isenta de dúvidas , mas , que a nosso ver e à luz da interpretação que fazemos dos dispositivos legais convocáveis , se nos afigura a mais curial , tanto mais , que constitui questão que não lográmos encontrar concretamente debatida doutrinária ou jurisprudencialmente.

- Vejamos então;

- Estatuí , o art.º 63.º , da LGT , (redacção dada pela Lei 30-G/2000DEZ29) , no seu n.º 1 , que;

“Os órgãos competentes podem, nos termos da lei, desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes , nomeadamente:
a) Aceder livremente às instalações ou locais onde possam existir elementos relacionados com a sua actividade ou com a dos demais obrigados fiscais;
b) Examinar e visar os seus livros e registos da contabilidade ou escrituração , bem como todos os elementos susceptíveis de esclarecer a sua situação tributária ;
c) Aceder, consultar e testar o seu sistema informático, incluindo a documentação sobre a sua análise, programação e execução ;
d) Solicitar a colaboração de quaisquer entidades públicas necessária ao apuramento da sua situação tributária ou de terceiros com quem mantenham relações económicas ;
e) Requisitar documentos dos notários, conservadores e outras entidades oficiais ;
f) Utilizar as suas instalações quando a utilização for necessária ao exercício da acção inspectiva.”

- Por seu turno , o art.º 44.º/1 , delimita , nas suas diversas alíneas , acções de considerar como abarcadas pelo âmbito do procedimento tributário , de uma forma enunciativa , sendo que , da mesma forma que ali integra , v.g. , a liquidação de impostos , o faz também relativamente às “(...) acções preparatórias ou complementares da liquidação dos tributos , incluindo parafiscais , ou de confirmação dos factos tributários declarados pelos sujeitos passivos ou outros obrigados tributários.”

- Este normativo compagina-se com o art.º 54.º/1 da LGT , que se reporta ao procedimento tributário , aí e ao que agora nos importa se determinando que;

“1 . O procedimento tributário compreende toda a sucessão de actos dirigida à declaração de direitos tributários, designadamente:
a) As acções preparatórias ou complementares de informação e fiscalização
tributária ;
b) A liquidação dos tributos quando efectuada pela administração tributária;
c) A revisão, oficiosa ou por iniciativa dos interessados, dos actos tributários;
d) O reconhecimento ou revogação dos benefícios fiscais;
e) A emissão ou revogação de outros actos administrativos em matéria
tributária;
As reclamações e os recursos hierárquicos ;
g) A avaliação directa ou indirecta dos rendimentos ou valores patrimoniais;
h) A cobrança das obrigações tributárias, na parte que não tiver natureza judicial.”

- A questão está , pois , em saber-se se , ao abrigo do preceituado em tais normativos e no n.º 2 , al. c) , do art.º 63.º-B da LGT(2) (na redacção da Lei 30-G/2000 já referida), se pode entender que a actuação da AT no caso vertente e que culminou com o despacho do Sr. DGImpostos , sendo manifestamente de integrar no âmbito de procedimento tributário , está , no entanto , situada á margem da necessidade de se inserir num procedimento inspectivo , nos termos delimitados pelo RCPIT , uma vez que , como nos parece bem de ver , do teor dos transcritos preceitos legais não é possível concluir num sentido ou noutro; Na realidade e ao que aqui importa , qualquer deles se limita a afirmar algo que se não controverte , isto é que , que as acções preparatórias , com o âmbito ali fixado , consubstanciam uma das várias vertentes em que se pode focalizar o “procedimento tributário” , procedimento esse em cujo conceito , como referem os Cons. JLSousa , BSRodrigues e o Prof. DLCampos(3) «É abrangida (...) toda a actividade da administração tributária que tem em vista a declaração dos direitos tributários.» , e , por inerência as diligências tidas por necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, no dizer do referido art.º 63.º da LGT.

- Ora , o RCPIT , refere logo no seu art.º 2.º quais os objectivos visados com o procedimento de inspecção tributária , delimitando-os como sendo os de se alcançar “(...) a observação das realidades tributárias, a verificação do cumprimento das obrigações tributárias e a prevenção das infracções tributárias (...)” (cfr. seu n.º 1) através de actuações como as que , enunciativamente refere no seu n.º 2 e , concretamente , nas destinadas à “(...) confirmação dos elementos declarados pelos sujeitos passivos e demais obrigados tributários (...)” à “(...) indagação de factos tributários não declarados pelos sujeitos passivos (...)” bem como a “(...)Quaisquer outras acções de averiguação ou investigação de que a administração tributária seja legalmente incumbida (...)” –(cfr. suas als. a) ,b) e l))-.

- Mas , do que se vem de referir , parece , salvo melhor opinião em contrário , que o ordenamento jurídico vigente , resultante do conjunto dos preceitos legais referidos, vai no sentido de , em casos como o vertente , tal como advoga o recorrente , a AT , para diligenciar e obter a derrogação do sigilo bancário dos contribuintes , particularmente e ao que aqui importa , ao abrigo do art.º 63.º-B , n.º 2/c , da LGT , na redacção apontada , careça de recorrer a um procedimento inspectivo nos termos delimitados no RCPIT.

- E , neste sentido crê-se podermo-nos socorrer , desde logo , com o preceituado no art.º 44.º do CPPT(4) , acima referido , quando , no seu n.º 2 , determina que “As acções de observação das realidades tributárias , da verificação do cumprimento das obrigações tributárias e de prevenção das infracções tributárias são reguladas pelo Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária.”.

- Como referem aqueles ilustres autores , na obra citada “Concretizam-se neste artigo os objectivos das acções de inspecção tributária ampliando-se o seu alcance em relação ao preceituado no art . 63.° da L.G.T., onde se refere que a inspecção abrange as diligências necessárias ao «apuramento da situação tributária dos contribuintes»; Ora , do que se vem de referir temos por correcto o entendimento de que , a derrogação do sigilo bancário dos contribuintes , ao abrigo do art.º 63.º-B referido , mais não é do que o conjunto de procedimentos prosseguidos pela AF , visando a declaração de direitos tributários , nos termos conjugados do art.º 44.º do CPPT , 54.º da LGT e das referenciadas alínea do art.º 2.º do RCPIT , particularmente das duas primeiras.

- Citando uma vez mais os mesmos autores em anotação ao referido art.º 63.º da LGT As acções de fiscalização tributária são um dos tipos de procedimento tributário arrolados no art . 54.° da L.G.T..
Têm por objectivo a averiguação da situação tributária dos contribuintes, designadamente a observação da realidade tributária e o cumprimento das obrigações tributárias,e a prevenção das infracções tributárias (n.° 1 deste artigo e art . 2.°, n.° 1, do R.C.P.I.T.).
Tais acções apenas podem ser levadas a cabo pelos órgãos a quem a lei atribui competência que são” a DSPIT , a nível da Direcção Geral , as DFinanças , a nível regional e os SFinanças a nível local , já que , sendo embora certo outras entidades fiscais haverem a quem , os distintos diplomas legais , e , no caso particular que nos ocupa , o art.º 132.º do CIRS , atribuem deveres de fiscalização , não lhes confere , contudo , os poderes de inspecção previstos no art.º 63.º da LGT , e onde se crê ser de situar a actuação no sentido da derrogação do sigilo bancário , em situações como a vertente , enquadrando-se , de outra banda , no âmbito da fiscalização prevista no art.º 134.º do CIRS que , por seu turno , faz expressa remessa para aquele art.º 63.º da LGT e para o RCPIT.

- Esgrime , no entanto , a AT , com o art.º 44.º do RCPIT , que , expressamente , peceitua;

“1. O procedimento de inspecção é previamente preparado, programado e planeado tendo em vista os objectivos a serem alcançados .
2. A preparação prévia consiste na recolha de toda a informação disponível
sobre o sujeito passivo ou obrigado tributário em causa, incluindo o processo individual arquivado nos termos legais na Direcção-Geral dos Impostos, as informações prestadas ao abrigo dos deveres de cooperação e indicadores económicos e financeiros da actividade .
3 O disposto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações,
às pessoas previstas no n.° 3 do artigo 2.° quando as mesmas sejam incluídas no âmbito do procedimento de inspecção.
4. A programação e planeamento compreendem a sequência das diligências
da inspecção tendo em conta o prazo para a sua realização previsto no presente diploma e a previsível evolução do procedimento.”

- E , daqui , pretende extrapolar , que a sua actuação , no caso “sub judicio” , não violou o ordenamento jurídico , particularmente o RCPIT , na medida em que se traduz numa acção preparatória ou prévia , nos termos dos n.ºs 1 e 2 do preceito acabado de transcrever.

- Ora , salvo o devido respeito , estes actos preparatórios ou prévios, precisamente por que o são , não se podem confundir com os próprios actos substantivos da inspecção , isto é , com os actos que se visam praticar com o procedimento de inspecção , antes se devem a limitar a coligir os elementos que venham a possibilitar , de forma célere , aderente , uniforme e com o menor prejuízo possível para o inspeccionado , o apuramento das situações tributárias em causa , ou , o que se crê ser o mesmo e citando , uma vez mais aqueles autores e obra (5) “O preceito estabelece as orientações mínimas a serem tidas em conta nos procedimentos de inspecção, visando a uniformidade dos modos de actuação num campo onde essa falta tem sido quase absoluta.” (sublinhados da nossa autoria).

- Em resumo , crê-se que a derrogação do sigilo bancário , pelas implicações que é susceptível de acarretar para o inspeccionado e que , por isso , não constitui um procedimento que esteja sujeito a meros critérios de oportunidade da AT , ainda que no desiderato de indagar se aquele declarou os seus efectivos e reais rendimentos , antes supondo a verificação de um quadro legal apertado e exigente , v.g e ao que aqui importa, de indiciação da prática de crime fiscal doloso , possa , simultâneamente , e ao abrigo de uma norma de natureza meramente adjectiva , ser alcançável à margem do procedimento inspectivo , tal como delimitado pelo RCPIT , e , nessa medida , das inerentes garantias que o mesmo confere.

- E a ser assim , como se começou por apontar , crê-se que , independentemente da verificação , ou não , no caso concreto , dos pressupostos legais plasmados no art.º 63.º-B da LGT , para a derrogação do sigilo bancário do recorrente ,-questão que ,por isso , nos abstemos de apreciar , por prejudicada-, se tem de concluir que , o despacho da autoria do Sr. DGImpostos aqui em questão , porque não proferido no âmbito de um procedimento inspectivo , nos termos delimitados pelo RCPIT , se não pode manter na ordem jurídica; E porque a decisão recorrida assim não entendeu , idêntica conclusão se impõe extrapolar relativamente a ela.

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- D E C I S Ã O -


- Nestes termos acordam , os juizes da secção de contencioso tributário deste TCAS , em conceder provimento ao recurso , revogando-se a decisão recorrida e, em consequência , em conceder provimento ao recurso interposto da decisão proferida pelo Sr. DGImpostos em P). do probatório , cuja anulação se determina.
- Sem custas.

LISBOA, 11/07/2006

LUCAS MARTINS
EUGÉNIO SEUQUEIRA
IVONE MARTINS

(1) Na medida em que não terão , todas , as mesmas consequências jurídicas.
(2) Na medida em que , salvas as excepções legais (n.º 2 do preceito) possibilita o acesso , por parte da AT aos documentos bancários dos contribuintes quando estes recusem a respectiva exibição ou consulta , sempre que existam indícios da prática de crime doloso em matéria tributária , designadamente em geral nas situações em que existam factos concretamente identificados gravemente indiciadores da falta de veracidade do declarado.
(3) Cfr. LGT anotada 3.ª ed.
(4) Com o que se conjugará , também , o disposto no n.º 4 do art.º 54.º da LGT quando determina que “Sem prejuízo do disposto na presente lei, o exercício do direito de inspecção tributária constará do diploma regulamentar próprio”.
(5) Anotação ao art.º 44.º do RCPIT.