Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:29/23.0 BCLSB
Secção:JUIZ PRESIDENTE
Data do Acordão:02/10/2023
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:JUSTIÇA DESPORTIVA
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
FUMUS BONI IURIS
PROCEDIMENTO SANCIONATÓRIO
CONTAGEM DOS PRAZOS
Sumário:
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Decisão
(artigo 41.º, n.º 7, da Lei do TAD)


I. Relatório

J ………………., jogador de futebol profissional da S …………….. – Futebol SAD, com os demais sinais dos autos, intentou no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), em 7.02.2023, contra a Federação Portuguesa de Futebol uma acção de impugnação de acto administrativo com requerimento de providência cautelar de suspensão de eficácia do acto impugnado, tendo por objecto a decisão proferida em 6.02.2023 pelo Pleno do Conselho de Disciplina, Secção Profissional, da Federação Portuguesa de Futebol, no âmbito do recurso hierárquico impróprio n.º …2022/23, que confirmou a decisão proferida em processo sumário em 31.01.2023, que lhe aplicou uma medida disciplinar de 2 jogos de suspensão e multa de EUR 2.550,00, por referência ao artigo 158.º-a) do RDLPFP, por factos ocorridos no jogo n.º …….. entre a ………..– Futebol SAD e a ………………… – Futebol, SAD, realizado no dia 28.01.2023, a contar para a Taça da Liga.

Juntou 3 documentos com o r.i., procuração forense e o comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida.

O Requerente da providência veio alegar, essencialmente, que a decisão suspendenda é ilegal por ter sido determinada com inobservância do direito de audiência prévia do requerente. Como o mesmo afirma: “[e]m suma, os fundamentos de impugnação invocados pelo requerente assentam numa única e muito simples questão de Direito que foi erradamente apreciada pelo Conselho de Disciplina: a (in)observância do direito de audiência prévia do requerente”.

Alega que a decisão condenatória em crise foi proferida antes do termo do prazo regulamentar de que o requerente dispunha para se defender, obliterando assim os seus direitos de audiência e defesa, sem qualquer justificação, e incorrendo em flagrante violação do regime disposto nos artigos 13.º, alínea d), 14.º, n.º 1 e 2, 214.º e 259.º, n.º 1, do RDLPFP e, bem assim, nos artigos 32.º, n.º 10, e 269.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa.

Alega ainda que a decisão de suspensão por 2 jogos afecta de forma grave e irreparável a sua esfera jurídica enquanto jogador de futebol profissional e os seus direitos fundamentais à liberdade de livre exercício (efectivo) da profissão. Nos termos da sua alegação, “[o]s efeitos descritos são especialmente gravosos atendendo ao facto de que o requerente é um experiente jogador futebol de 30 anos que se encontra numa fase da sua carreira especialmente importante, seja para assegurar o seu lugar na equipa, seja para se valorizar desportivamente, participando no próximo jogo da sua equipa, o qual se reveste de capital importância para a concretização dos seus objectivos profissionais e desportivos”.

Por fim vem alegado que o decretamento da providência não causa qualquer prejuízo à requerida.



II. Da intervenção do Presidente do TCA Sul

Por despacho do Exmo. Presidente do TAD, de 8.02.2023, foram os autos remetidos a este TCA Sul para apreciação e decisão, na constatação de não ser viável, em tempo útil, a constituição do colégio arbitral.

Vejamos se estão reunidos os pressupostos que justificam a intervenção do Presidente do TCA Sul.

O artigo 41.º da Lei do TAD, sob a epígrafe “procedimento cautelar”, estatui no seu n.º 7 que “consoante a natureza do litígio, cabe ao presidente do Tribunal Central Administrativo do Sul ou presidente do Tribunal da Relação de Lisboa a decisão sobre o pedido de aplicação das medidas provisórias e cautelares, se o processo ainda não tiver sido distribuído ou se o colégio arbitral ainda tiver constituído”.

Refere o Exmo. Presidente do TAD, no despacho por si proferido, que:

“(…)

A Requerente alega, sumariamente e para o que aqui releva, que não tendo o recurso para o TAD efeitos suspensivos da decisão sancionatória, estando aprazada para o próximo dia 12 de fevereiro próximo - isto é, dentro de quatro dias - a disputa de jogo da competição em que está envolvido, a tutela do seu direito ao exercício da profissão só estará garantida se vier a ser decretada em tempo útil a pedida suspensão da deliberação que considera inválida por ilegal.

Razão por que pede a intervenção do Presidente do Tribunal Central Administrativo do Sul nos termos e para os efeitos do artigo 41.º n.º 7 da LTAD, com dispensa de audição da Requerida.

Perante o que antes se sintetiza:

1. Nos casos em que se suscite a questão da aplicabilidade do n.º 7 do artigo 41.º da LTAD, ao Presidente do TAD cumpre apenas transmitir a informação necessária a que o Ex.mo Desembargador Presidente do Tribunal Central Administrativo do Sul possa decidir se estão reunidas as condições de que depende o conhecimento de providências cautelares neste âmbito.

2. Nada obstando, no plano formal, à admissão pelo TAD do requerimento arbitral, e, no seu âmbito, a providência cautelar pretendida, assentando a especial urgência na circunstância de ocorrer evento desportivo no próximo domingo, dia 12 de fevereiro, limita-se o signatário a confirmar que, atentos os termos da LTAD que dispõem sobre a constituição obrigatória de colégio arbitral (artigos 23,° n.° 2 e 28.° n.°s 1 e 2), não se afigura viável a sua constituição em tempo que objetivamente possibilite a apreciação pelo TAD da medida requerida.

No presente caso vem invocada pelo Exmo. Senhor Presidente do TAD a impossibilidade de constituição do colégio arbitral em tempo útil, atentos os prazos legalmente estabelecidos (v. supra).

Reiterando os fundamentos constantes do despacho transcrito e considerando a necessidade de cumprimento das regras adjectivas previstas na Lei do TAD, de que resultaria a preclusão da tutela efectiva do direito invocado, terá que concluir-se que está preenchido o requisito de que depende a intervenção do Presidente do TCA Sul.


III. Da dispensa da audição da Requerida e dos requerimentos probatórios

De acordo com o n.º 5 do art. 41.º da Lei do TAD, “[a] parte requerida é ouvida dispondo, para se pronunciar, de um prazo de cinco dias quando a audição não puser em risco sério o fim ou a eficácia da medida cautelar pretendida”.

Donde, considerando que a audição da entidade requerida, por força do prazo injuntivamente fixado neste preceito, que é de 5 dias e não pode ser legalmente encurtado, é susceptível de pôr em risco a eficácia da medida cautelar pretendida, ao abrigo do disposto neste art. 41.º, n.º 5 da Lei do TAD, dispensa-se a audição da Requerida, procedendo-se de imediato à apreciação do mérito da presente providência cautelar. Sendo que o jogo abrangido pela presente providência, que o ora Requerente identifica, ocorrerá no próximo dia 12 de Fevereiro (sábado).

Considerando a natureza do processo, após a análise sumária dos documentos juntos, entende-se que nenhuma outra prova carece de ser produzida, sendo, portanto, a existente suficiente para a apreciação do mérito da causa.



IV. Da instância

As partes são legitimas e o processo é o próprio.

Não existem excepções ou outras questões prévias que devam ser, desde já, conhecidas e que obstem à apreciação do mérito da providência requerida.

Atenta a natureza indeterminável dos interesses em discussão no presente processo, nos termos previstos no art. 34.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, fixa-se ao presente processo o valor de EUR 30.000,01.


V. Fundamentação

V.i. De facto

Com interesse para a decisão da presente providência cautelar, relevam os seguintes factos, documentalmente comprovados:

a) O requerente, J ………………. é jogador de futebol profissional da ………………… – Futebol SAD.

b) O Requerente foi notificado por e-mail de 30.01.2023, enviado às 09:37 h, da Comissão de Instrução Disciplinar, para oferecer pronúncia, até às 12:00h do dia seguinte [31.01.2023], sobre a “factualidade a si respeitante presente nos relatórios oficiais quanto ao jogo oficial em que interveio [jogo n.º ……… entre a ………………. – Futebol SAD e a …………….. – Futebol, SAD, realizado no dia 28.01.2023, a contar para a Taça da Liga]”, conforme constante do doc. 1 junto.

c) Como consta do “Mapa de Castigos”, junto aos autos no doc. 1, foi aplicado ao Requerente “2 jogos de suspensão” e “EUR 2550.00 Multa”:

« Imagem no original»

d) A sanção descrita em c) foi decidida na reunião de 31.01.2023, do Conselho de Disciplina – Secção Profissional da FPF, em processo sumário, e integra o “mapa de processos sumários” publicado, nesse mesmo dia, às 18:36 h, conforme consta do e-mail e “mapa” anexos que integram o doc. 1 junto.

e) Dessa decisão apresentou o ora Requerente “recurso para ao Pleno da Secção Disciplinar” do Conselho de Disciplina da FPF, no dia 3.02.2023, pedindo a procedência do mesmo e a revogação da decisão recorrida, com a absolvição do arguido de qualquer ilícito disciplinar, como constante do doc. 1 junto.

f) Por acórdão de 6.02.2023, do Conselho de Disciplina – Secção Profissional da FPF, foi deliberado: “improcedente o presente Recurso Hierárquico Impróprio e, consequentemente, confirmada a decisão disciplinar recorrida”.

g) Como constante do “comunicado oficial n.º 199”, encontra-se marcado o jogo n.º ……..da 20.ª Jornada da “Liga Portugal bwin”, “ …….P – …P”, a realizar no dia 12.02.2023, às 18:00 h – cfr. documento 2 junto.

Nada mais vindo alegado, de facto, nada mais importa indiciariamente provar.



V.ii. De direito

A título preliminar importa deixar estabelecido que não se encontra em discussão a validade dos cartões exibidos ao ora Requerente no jogo em questão, o que, desde logo, estaria excluído da jurisdição do Tribunal Arbitral do Desporto e portanto também do âmbito da competência deste TCA Sul, por ser exclusiva das federações desportivas a resolução de questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares directamente respeitantes à prática da própria competição desportiva (cfr. art. 4.º n.º 6, da Lei do TAD).

Como também não está em causa valorar a conduta do arguido e ora Requerente para efeitos do preenchimento dos elementos do tipo de ilícito disciplinar de injúrias e ofensas à reputação, previsto e punido no art. 158.º, al. a), do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portugal [“Os jogadores que usem expressões, verbalmente ou por escrito, ou façam gestos de carácter injurioso, difamatório ou grosseiro são punidos: a) no caso de expressões dirigidas contra a equipa de arbitragem, com a sanção de suspensão a fixar entre o mínimo de um e o máximo de quatro jogos e, acessoriamente, com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 15 UC e o máximo de 75 UC”].

O que aqui se discute é saber se os direitos de audiência e defesa invocados pelo requerente foram preteridos, ou não, no procedimento disciplinar; concretamente se notificado do teor dos aludidos relatórios no dia 30.01.2023, poderia aquele exercer o seu direito de resposta até ao termo do dia 31.01.2023 e não como entendido pela Requerida apenas até à hora determinada na notificação (até às 12:00h do dia 31.01.2023). É essa – e apenas essa – a questão objecto da lide e que nos cumpre decidir.

Vejamos então.

V.ii.i Do decretamento das providências cautelares

Nos termos do disposto no art. 41.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, aprovada pela Lei n.º 74/2013, de 6 de Setembro, “[o] TAD pode decretar providências cautelares adequadas à garantia da efetividade do direito ameaçado, quando se mostre fundado receio de lesão grave e de difícil reparação, ficando o respetivo procedimento cautelar sujeito ao regime previsto no presente artigo. E, de acordo com o n.º 9 desse artigo, “[a]o procedimento cautelar previsto no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, os preceitos legais relativos ao procedimento cautelar comum, constantes do Código de Processo Civil”.

Dispõe o art. 368.º do CPC:

1- A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.

2 - A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar.

3 - A providência decretada pode ser substituída por caução adequada, a pedido do requerido, sempre que a caução oferecida, ouvido o requerente, se mostre suficiente para prevenir a lesão ou repará-la integralmente.

4 - A substituição por caução não prejudica o direito de recorrer do despacho que haja ordenado a providência substituída, nem a faculdade de contra esta deduzir oposição, nos termos do artigo 370.º.

Como já se deixou estabelecido anteriormente, são requisitos essenciais destas providências cautelares (cfr., i.a., a decisão de 5.11.2021, proc. n.º 130/21.5BCLSB; idem, a decisão de 17.12.2021, proc. n.º 155/21.0BCLSB, e, mais recentemente, a decisão de 20.01.2023, proc. n.º 17/23.7BCLSB):

a) A titularidade de um direito que releva do ordenamento jurídico desportivo ou relacionado com a prática do desporto; e

b) O receio fundado da lesão grave e de difícil reparação desse direito.

Sendo que esta titularidade do direito, deve ser séria; ou seja, no sentido de que ao requerente da providência lhe venha a ser reconhecida razão, ainda que essa análise deva ser feita – como não podia deixar de o ser, face à natureza deste meio processual – sob os ditames próprios de uma summario cognitio. Dito de modo diverso, é pressuposto (cumulativo) do decretamento da providência, a probabilidade séria (fumus boni juris), embora colhida a partir de análise sumária (summaria cognitio) e de um juízo de verosimilhança, de o direito invocado e a acautelar já existir ou de vir a emergir de acção constitutiva, já proposta ou a propor.

Por sua vez, na demonstração do grau de probabilidade ou verosimilhança em relação à existência do direito invocado pelo requerente da providência, concorre não só o acervo probatório constante do processo e que se revele adequado a formar a convicção do julgador quanto ao grau de probabilidade de existência do direito invocado, como a jurisprudência tirada sobre casos análogos e cuja decisão seja proferida por referência ao mesmo quadro normativo. Não poderá afirmar-se a “probabilidade séria da existência direito” invocado, se esse mesmo direito não é reiteradamente reconhecido nas acções principais que sobre ele versam.

E como sempre por nós foi feito anteriormente, cumpre sublinhar que estamos no domínio cautelar, por definição de natureza instrumental, com prova sumária e perfunctória, não sendo, portanto, exigível uma prova total para a decisão cautelar. Essa tarefa instrutória e de produção e decisão da prova ficará reservada para a acção principal, sob pena de se desvirtuar a perfunctoriedade dos processos cautelares.

A apreciação que é feita em sede de procedimento de cautelar assenta, assim, num mero juízo de verosimilhança. Ao apreciar a providência, o tribunal “não se baseia sobre a certeza do direito do requerente, mas apenas sobre uma probabilidade séria da existência desse direito (fumus boni iuris; summaria cognitio; não verdadeira prova, mas simples justificação)” (cfr. Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, 1993, p. 9).

V.ii.ii Do fumus boni juris

O fumus boni juris decorre da suficiência da mera justificação dos fundamentos do mesmo.

No caso concreto, o Requerente alega, nos termos que melhor constam da p.i., que a medida provisória é ilegal. Afirma que a decisão suspendenda é nula por ter sido determinada com inobservância do direito de audiência prévia do requerente, uma vez que a mesma foi decretada quando ainda estava a correr o prazo legal para se pronunciar.

Em síntese, neste capítulo, nos termos da sua alegação:

“(…) resulta evidente que os direitos de audiência e defesa invocados pelo requerente foram preteridos pelo Conselho de Disciplina.

66. Com efeito, considerando que, por um lado, o artigo 259.° do RDLPFP estabelece que no âmbito dos processos disciplinares sob a forma sumária os arguidos são notificados dos relatórios oficiais de jogo para “no prazo de um dia, querendo, se pronunciarem por escrito”,

67. e, por outro, que o artigo 14.º, n.º 2, do RDLPFP determina que “Na contagem dos prazos não se inclui o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr”,

68. dúvidas inexistem de que, tendo o requerente sido notificado do teor dos aludidos relatórios no dia 30 de Janeiro de 2023, então o mesmo poderia exercer o seu direito de se pronunciar e, assim, se defender até ao termo do dia 31 de Janeiro de 2023.

69. Pois que, como bem refere Luís Verde de Sousa, “na contagem dos prazos procedimentais, dies a quo non consideratur”

70. Desse modo, uma vez que o Conselho de Disciplina proferiu a decisão disciplinar sumária que sancionou o requerente antes de findo o prazo de que este dispunha para se pronunciar, no dia 31 de janeiro, torna-se claro e manifesto que os direitos de audiência e defesa do requerente foram violados.

71. Designada e especialmente, os direitos do Requerente de efectivamente influenciar a decisão administrativa, intervir activamente no desenvolvimento do procedimento, verdadeiramente contraditar (ou até mesmo confessar) os factos que lhe são imputados, aditar outros que os complementem ou esclareçam, e ainda requerer a realização de diligências instrutórias complementares com vista a demonstrar a sua versão dos factos.

(…).”

Na decisão suspendenda entendeu-se, ao que aqui releva, que:

“(…)

49. Fazendo apelo ao artigo 14.º do RDLPFP, refere ainda o Recorrente que "assistisse ao arguido o direito de se pronunciar acerca dos factos descritos nos aludidos relatórios no prazo de um dia útil o Conselho de Disciplina decidiu inopinadamente coarctar essa garantia ao arguido, aplicando-lhe uma sanção disciplinar antes do termo desse período" (ver ponto 20. e B. e C. das conclusões), mas sem qualquer razão, porque efectivamente o Recorrente não viu coarctada qualquer garantia de defesa.

50. Na verdade, resulta claramente do disposto no artigo 259.º, n.º 1, do RDLPFP, que estabelece a tramitação do processo sumário, que "Os relatórios e os autos previstos no artigo anterior são transmitidos com a máxima urgência à Secção Disciplinar que, até ao dia útil seguinte ao da respectiva recepção, deles notificará os clubes e os agentes desportivos neles referidos, para, no prazo de um dia, querendo, se pronunciarem por escrito" (sublinhado nosso).

51. Ora, o prazo é de um dia e, para este concreto efeito, um dia não é a mesma coisa que um dia útil. Se o legislador regulamentar desportivo (em cujas assembleias a Sporting SAD participa activamente, aprovando as normas em causa e às quais se autovinculou) quisesse que assim fosse lido, tal deveria ter ficado escrito do mesmo modo como antes, na mesma disposição regulamentar, se alude relativamente ao prazo que a Secção Disciplinar tem para notificar os clubes e os agentes desportivos neles referidos: até ao dia útil seguinte.

Portanto, não há aqui qualquer tipo de dúvida quanto ao prazo ali fixado, que é de um dia e não de um dia útil.

Ou será que o Recorrente (ou a sua SAD empregadora), com seriedade, também defende que o prazo de dois dias para proferir a decisão em processo sumário (n.º 3 do artigo 259.º do RDLPFP), equivale a dois dias úteis?!

É evidente que não. Ninguém de boa fé poderá defender este tipo de interpretação, relativamente ao prazo de que este Conselho dispõe para proferir a sua decisão, que é dois dias e não dois dias úteis!

52. E compreende-se que assim seja, em obediência ao princípio da celeridade, que como se sabe é a principal matriz do processo sumário.

53. Por outro lado, é descabida a interpretação do Recorrente no sentido de que "Esse prazo, por força da aplicação conjunta dos artigos 14.º do RDLPFP e 87.º do CPA, é de um dia útil, não se incluindo na sua contagem o dia em que tais relatórios são notificados aos arguidos", como se conclui em B. do recurso.

54. Como estamos a falar do prazo de um dia (e não de um prazo computado em dias ou vários dias), naturalmente que esse dia de prazo corresponderá a 24 horas, interpretação que facilmente se extrai não só do teor da alínea e) do artigo do 87.º CPA - "É havido como prazo de um ou dois dias o designado, respetivamente, por 24 ou 48 horas" - como do teor da alínea d) do artigo 279.º do CC - “É havido, respetivamente, como prazo de uma ou duas semanas o designado por oito ou quinze dias, sendo havido como prazo de um ou dois dias o designado por 24 ou 48 horas".

55. Contudo, a interpretação do n.º 2 do artigo 14.º do RDLPFP, bem como da alínea b) do artigo 87.º do CPA que o Recorrente aqui nos traz, no sentido de que na contagem dos prazos não se inclui o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr, não tem qualquer fundamento sério neste domínio.

56. Na verdade, se estamos, em concreto, perante um prazo de um dia ou de 24 horas, e não de dias, não tem cabimento interpretar a norma excluindo o dia em que ocorrer o evento. Isso seria negar a própria existência do prazo.

(…)

61. Por outras palavras, em face da referida notificação, o Recorrente pôde exercer o seu direito de defesa durante pelo menos 26 horas (tempo que decorre entre as 10 horas de um dia e as 12 horas do dia seguinte), isto é, em um dia e mais algumas horas para além do prazo regularmente fixado, sendo certo que a decisão apenas foi publicada pela 18:36 horas do dia 31 de janeiro de 2023. [sublinhados no original]”

No caso, pode já adiantar-se, aceita-se que ocorre probabilidade da existência do direito invocado.

Releva para a determinação do regime da determinação do prazo e sua contagem - dies a quo e dies ad quem – o seguinte quadro normativo:

Do RDLPFP:


Artigo 14.º
Contagem dos prazos regulamentares


1. Todos os prazos previstos no presente Regulamento, quer de natureza substantiva quer de natureza procedimental, são contados nos termos do Código de Procedimento Administrativo, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.

2. Na contagem dos prazos não se inclui o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr.

3. A contagem dos prazos de caducidade e prescrição previstos no presente Regulamento, bem como para o cumprimento das sanções disciplinares e das medidas provisórias conta-se em dias consecutivos ou, quando fixados em meses ou anos, nos termos da lei civil.

4. Não há lugar à aplicação de qualquer dilação na contagem dos prazos; porém, tratando-se de prazo procedimental para a prática de atos, no território continental, por interessados com domicílio ou sede numa das Regiões Autónomas a contagem do prazo apenas se inicia depois de decorrida uma dilação de dois dias.

5. Na falta de disposição especial é de cinco dias o prazo para a prática de qualquer ato no âmbito do procedimento disciplinar.


Artigo 258.º
Base para instauração do processo sumário


1. O processo sumário é instaurado tendo por base os factos diretamente percecionados pelos membros da equipa de arbitragem, pelas forças policiais ou pelos delegados da Liga Portugal, e como tal descritos nos respetivos relatórios, ou ainda com base em auto por infração verificada em flagrante delito.

2. (…)

3. O auto relativo a infração verificada em flagrante delito é elaborado por qualquer membro da Comissão de Instrutores no prazo de três dias a contar dos factos a que o mesmo disser respeito, sob pena de caducidade.

4. O auto referido no número anterior é elaborado oficiosamente, na sequência de denúncia de qualquer clube ou agente desportivo apresentada até às 14h do último dia do prazo referido no número anterior, ou por impulso de qualquer membro da Secção Disciplinar.

5- (…)

6- (…)

7- (…)

8- (…)


Artigo 259.º
Tramitação


1. Os relatórios e os autos previstos no artigo anterior são transmitidos com a máxima urgência à Secção Disciplinar que, até ao dia útil seguinte ao da respetiva receção, deles notificará os clubes e os agentes desportivos neles referidos, para, no prazo de um dia, querendo, se pronunciarem por escrito.

2. Sem prejuízo do disposto no artigo 260.º, apenas é admitida prova por documentos, incluindo o depoimento escrito de testemunhas e meios audiovisuais.

3. Decorrido o prazo referido no n.º 1, é proferida decisão no prazo de dois dias, mediante despacho sinteticamente fundamentado, sob pena de caducidade do processo sumário.

Do Código do Procedimento Administrativo:


Artigo 87.º
Contagem dos prazos


À contagem dos prazos são aplicáveis as seguintes regras:

a) O prazo começa a correr independentemente de quaisquer formalidades;

b) Não se inclui na contagem o dia em que ocorra o evento a partir do qual o prazo começa a correr;

c) O prazo fixado suspende-se nos sábados, domingos e feriados;

d) Na contagem dos prazos legalmente fixados em mais de seis meses, incluem-se os sábados, domingos e feriados;

e) É havido como prazo de um ou dois dias o designado, respetivamente, por 24 ou 48 horas;

f) O termo do prazo que coincida com dia em que o serviço perante o qual deva ser praticado o ato não esteja aberto ao público, ou não funcione durante o período normal, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte;

g) Considera-se que o serviço não está aberto ao público quando for concedida tolerância de ponto, total ou parcial.

Assim, de acordo com a norma imperativa constante no art. 14.º, n.º 1, do RDLPFP, todos os prazos previstos no Regulamento disciplinar, quer de natureza substantiva quer de natureza procedimental, são contados nos termos do Código de Procedimento Administrativo. E de acordo com o previsto no art. 87.º do CPA – que é o artigo que rege precisamente sobre a contagem dos prazos -, não se inclui na contagem o dia em que ocorra o evento a partir do qual o prazo começa a correr (al. b)), que o prazo fixado suspende-se nos sábados, domingos e feriados (al. c), salvo se for fixado em mais de 6 meses (al. d)), sendo havido como prazo de um ou dois dias o designado, respetivamente, por 24 ou 48 horas (al e)).

Significa isto, por um lado e de modo simplificado, que o dia da notificação não é contado e que o prazo é por dias úteis (de calendário), salvo se for superior a 6 meses, considerando-se, quando assim seja estabelecido, que um prazo de 24 ou 48 horas é tido como de 1 dia ou 2 dias.

Como esclarece Fernando Gonçalves e Outros, em anotação ao art. 87.º do CPA: “[a]ssume especial importância, a concretização de que o prazo de 24 horas corresponde a um dia, ou seja, quando seja dado um prazo de 24 horas para um determinado procedimento entende-se que tal corresponde a um dia de calendário. Isto é, p.e., um prazo de 24 horas que é dado ao instrutor de processo disciplinar, que seja determinado às 14 horas de um determinado dia não termina às 14 horas do dia seguinte” (cfr. Novo Código do Procedimento Administrativo Anotado e Comentado, 6.ª ed., 2020, p. 263).

Também como ensinam Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e João Pacheco de Amorim: “(…) os prazos a observar no procedimento, desde a entrada do requerimento inicial ou do despacho oficioso até à sua conclusão, são contados em dias úteis, excluindo sábados, domingos e feriados” (cfr. Código do Procedimento Administrativo Anotado, vol. 1, 1993, p. 432).

Salvo o devido respeito, não se alcança a interpretação constante da decisão suspendenda, a qual não tem o mínimo de respaldo na letra da lei, ao pretender fazer equivaler um prazo fixado em 1 dia a um prazo de 24 horas, quando o que a lei diz – de modo expresso, claro e sem excepções - é precisamente o contrário (v. supra art. 87.º, al. e) do CPA).

E, mesmo que o prazo estabelecido no RDLPFP fosse de 24 horas, sempre o resultado seria o mesmo. À luz da aplicação do art. 87.º do Código do Procedimento Administrativo pelo art. 14.º, n.º 1, do Regulamento de disciplina, se deveria considerar, para todos os efeitos, como de 1 dia. Ou seja, o resultado seria o mesmo.

Por outro lado, poderia o legislador regulamentar ter sujeitado a contagem deste prazo a regra distinta, o que não fez. Não excepcionou esta matéria no catálogo que contemplou nos números 2 a 7 do art. 14.º do RDLPFP, nem no art. 259.º do mesmo Regulamento estabeleceu um qualquer prazo ou termo de prazo de modo específico (como o fez, v.g., no art. 258.º, n.º 4, em que estabelece uma determinada hora limite para o termo do prazo). Nem equacionou sequer a possibilidade de redução do prazo; por exemplo, quando fundamentadamente entendesse que o seu decurso viesse a impossibilitar a efectivação da aplicação da sanção.

De igual modo, o argumentário relativo à celeridade do procedimento não colhe, pois que o prazo de 1 dia é em si mesmo considerado já um prazo curtíssimo.

Como, também, não será óbice à contagem do prazo a eventual existência de um período normal de funcionamento dos serviços. A isso responde o art. 104.º do CPA que consagra, no seu n.º 2, que os requerimentos enviados por transmissão electrónica de dados podem ser apresentados em qualquer dia e independentemente da hora da abertura e do encerramento dos serviços.

Isto estabelecido, o que desde logo transparece dos autos é que a medida disciplinar foi aplicada ao Requerente sem o efectivo cumprimento do seu direito de defesa.

Na verdade, o dia em que o evento se iniciou – o dia da notificação: dia 30.01 – não se pode contar como já incluído no prazo de 1 dia, regulamente estabelecido, pelo que esse prazo só se poderá ter por terminado às 24:00 do dia seguinte, ou seja, do dia 31.01. A não ser assim, então é que o prazo injuntivo de 1 dia, previsto no art. 259.º, n.º 1, para os clubes ou agentes se pronunciarem, ficaria obliterado.

Certo é que, já com relevo para a matéria substantiva, dispõe o art. 214.º do RDLPFP, sob a epígrafe “obrigatoriedade de audição do arguido”, que: “[a] aplicação de qualquer sanção disciplinar é sempre precedida da faculdade de exercício do direito de audiência pelo arguido”.

Este comportamento do Conselho de Disciplina da Requerida tem relevância, não só ao nível dos direitos de defesa do arguido, como, também, ao nível do controlo de 2.º grau relativamente à fundamentação do acto e à proporcionalidade da medida punitiva aplicada.

Em relação aos direitos de defesa do arguido, é sabido que decorre dos princípios constitucionais, designadamente do art. 20.º da CRP, o direito a um processo equitativo, que e se concretiza através de outros princípios, entre os quais “o direito de defesa e o direito ao contraditório traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e de direito, oferecer provas, controlar as provas da outra parte, pronunciar-se sobre o valor e resultado destas provas” (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª Ed., 2007, p. 415). E entre essas dimensões do princípio do contraditório temos a proibição da indefesa, a que se associa o princípio de participação efectiva das partes no desenvolvimento do litígio, materializado no direito de cada um a ser ouvido em juízo antes de a decisão ser tomada.

Em conclusão, estamos perante uma situação em que existe preterição de audiência prévia, dado resultar processualmente (indiciariamente) adquirido que o órgão decisor proferiu decisão final estando ainda em curso o prazo legal – regulamentar – de defesa, o qual era de 1 dia injuntivamente.

E é sabido que existe jurisprudência firmada relativamente às sanções aplicadas em processos sumários e a afectação do direito de defesa dos arguidos: i.a. os ac.s do T. Constitucional n.º 594/2020, de 10.11.2020, processo n.º 49/2, e acórdão nº 742/2020, de 10.12.2020, proc. nº 506/20; idem, os ac.s deste TCAS de 10.12.2019, proc. nº 49/19, de 18.12.2019, proc. nº 35/19, de 16.04.2020, de 30.04.2020, de 26.11.2020, de 10.12.2020, de 21.01.2021 proc. n.º 114/20, de 18.02.2021 proc. 112/20, e 18.03.2021, proc. n.º 121/19.

Assim, no caso em apreço, apresenta-se já como seguro que a decisão disciplinar em causa foi aplicada ao arguido no procedimento disciplinar e aqui Requerente antes do termo do prazo legalmente estabelecido para este exercer os seus direitos de audiência e defesa, nessa medida violando os art.s 13.º, al. d), 214.º e 259.º, n.º 1, do RDLPFP e o conteúdo essencial do direito fundamental de defesa previsto no art. 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa.

Pelo que o acto que aplicou a medida disciplinar aqui em discussão será inválido e, inclusive, sancionado com o desvalor jurídico mais grave: a nulidade.

E assim sendo, para tanto bastando, num juízo de prognose de summaria cognitio - que é o que aqui se impõe -, pode concluir-se pela verificação de uma titularidade séria do direito invocado pelo Requerente. Ou seja, a providência requerida passa o crivo do requisito do fumus boni juris.

V.ii.ii i Do periculum in mora

Em relação ao periculum in mora, alega que a suspensão de eficácia do acto em análise é a única via de garantir a efectividade dos seus direitos subjectivos, que se encontram ameaçados por esse acto.

Neste ponto sustenta que:

“(…) nos termos do disposto no artigo 39.º n.º 1 do RDLPFP, a sanção de suspensão por um jogo aplicada ao requerente é cumprida no jogo oficial seguinte, impedindo o jogador de nele ser utilizado, e, à luz dos artigos 216.º n.º 8 e 274.° n° 2 do RDLPFP é executória a partir do dia imediatamente seguinte ao da sua notificação.

80. Destarte, em virtude da sanção que lhe foi ilegalmente aplicada, o requerente foi e será impedido de desempenhar aquela que é a sua actividade profissional, participando em jogos das competições profissionais de futebol ao serviço da sua entidade empregadora, aproveitando a oportunidade para exibir e valorizar a sua cotação enquanto jogador profissional de futebol com vista a potenciar o desenvolvimento da sua carreira.

81. Desde logo, não só foi o requerente impedido de participar no jogo referente à jornada … da Liga Portugal Bwin, disputado no recente dia …………. de 2023, pelas 21:15 horas, entre as equipas da …….. SAD e da ………... SDUQ, como poderá ainda vir a ser impedido de participar no jogo referente à jornada 20 da mesma competição, agendado para o próximo dia 12 de Fevereiro de 2023, pelas 18:00 horas.

82. É inquestionável, portanto, que a sanção imposta ao requerente traduz uma limitação à liberdade de exercício de profissão consagrada no artigo 47.º, n.º 1, da CRP, nos termos do qual “Todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade”

(…)

86. Os efeitos descritos são especialmente gravosos atendendo ao facto de que o requerente é um experiente jogador futebol de 30 anos que se encontra numa fase da sua carreira especialmente importante, seja para assegurar o seu lugar na equipa, seja para se valorizar desportivamente, participando no próximo jogo da sua equipa, o qual se reveste de capital importância para a concretização dos seus objectivos profissionais e desportivos.

87. Sendo a suspensão da eficácia da decisão impugnada a única forma de o requerente novamente exercer na plenitude as suas funções a tempo do referido jogo e, assim, obviar o risco de se ver novamente afastado da equipa.

(…)”

Vejamos agora se vem demonstrado o periculum in mora, sendo que o Requerente aceita expressamente que a sanção de multa aplicada não se reveste das características necessárias para preencher os pressupostos deste requisito, uma vez que sempre poderá dessa quantia ser ressarcido (cfr. art. 78 do r.i.).

Assim sendo, apenas se apreciará este requisito no que contenda com a sanção de suspensão aplicada.

A propósito do periculum in mora, veja-se o que se concluiu no ac. de 11.02.2021 do T. R. de Lisboa, no proc. n.º534/16.5T8SXL-A.L1-2:

“(…) não é toda uma qualquer ou mera consequência que previsivelmente ocorra antes de uma decisão definitiva, que se configura com capacidade de justificar o recurso e decretamento de uma medida provisória com reflexos imediatos na esfera jurídica da requerida contraparte;

III - efectivamente, de acordo com a legal enunciação, só lesões graves e dificilmente reparáveis têm a virtualidade e viabilidade de permitir ao tribunal, mediante iniciativa do interessado, a tomada de uma decisão que o coloque a coberto e salvaguarda da previsível lesão;

IV – destra forma, a decisão cautelar do tribunal, de forma a evitar a lesão, está condicionada à projecção da lesão como grave, bem como ao facto, em cumulação, de ser dificilmente reparável do direito afirmado;

(…)

VII - revelando-se, inclusive, necessário o preenchimento concludente ou impressivo de tal requisito de periculum in mora, devendo a gravidade e a difícil reparação da lesão ou dano, configurar-se com um plus, acrescento ou excesso de risco, relativamente àquele que normalmente existe e é inerente à pendência de qualquer acção ;

(…).”

O periculum in mora, como afirmado no ac. 14.06.2018 do STA, proc. n.º 435/18, “constitui verdadeiro leitmotiv da tutela cautelar, pois é o fundado receio de que a demora, na obtenção de decisão no processo principal, cause uma situação de facto consumado ou prejuízos de difícil ou impossível reparação aos interesses perseguidos nesse processo que justifica este tipo de tutela urgente”.

No caso, o que se detecta é que o periculum in mora alegado funda-se, como se disse já, na impossibilidade de o Requerente exercer efectiva e plenamente as funções de jogador do Sporting Clube de Portugal, com afectação do direito ao livre exercício de profissão. E concretamente traduz-se na impossibilidade de jogar no próximo dia 12.02.2023 (cfr. facto g) supra).

O fundado receio ou periculum in mora, cuja verificação é necessária para a procedência do procedimento cautelar comum, tem de resultar da alegação de factos que permitam afirmar, com objectividade e distanciamento, a seriedade e actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo. Como ensina Abrantes Geraldes: “só devem ter-se em conta para a aferição da existência do requisito do “periculum in mora” as lesões graves e dificilmente reparáveis, em que se exigem maiores cuidados, devendo o juiz “convencer-se da seriedade da situação invocada pelo requerente e da carência de uma forma de tutela que permita pô-lo a salvo de lesões graves e dificilmente reparáveis.// A gravidade da lesão previsível deve ser aferida tendo em conta a repercussão que determinará na esfera jurídica do interessado” (in Temas Da Reforma Do Processo Civil, vol. III, 1998, pp. 83 a 88).

E como a jurisprudência tem entendido, a “previsível gravidade da lesão deve ser aferida tendo em conta a repercussão que determinará na esfera do interessado, abrangendo tanto os prejuízos materiais, como os prejuízos imateriais ou morais, por natureza irreparáveis ou de difícil reparação” (cfr., i.a., o ac. do T.R.Coimbra, proc. n.º 306/15.4T8FND.C1). É que, como bem sintetiza Antunes Varela, as providências cautelares “visam precisamente impedir que, durante a pendência de qualquer acção declarativa ou executiva, a situação de facto se altere de modo que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se deste modo combater o periculum in mora (o prejuízo da demora inevitável do processo), a fim de que a sentença não se torne numa decisão puramente platónica” (cfr. A. Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2.ª ed. revista e actualizada, 1985, p. 23).

E sabido é que os danos ou prejuízos imateriais ou morais são por natureza irreparáveis ou de difícil reparação (cfr. o ac. de 8.04.2021 do T.R. de Guimarães, proc. n.º 1053/21.3T8GMR.G1; idem, o ac. de 11.02.2021 do T.R. de Lisboa, proc. n.º534/16.5T8SXL-A.L1-2). Sendo que a privação ou limitação do exercício daqueles direitos constituem, por regra, em si mesmo, um dano de difícil reparação.

Também no que concerne à gravidade, “apenas merecem a tutela provisória consentida pelo procedimento cautelar comum as lesões graves e de difícil reparação, ficando arredadas do círculo de interesses acautelados pelo procedimento cautelar comum, ainda que se mostrem de difícil reparação, as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida” (idem, o ac. do T.R. de Lisboa citado).

De igual modo, afirmou o STJ, no acórdão de 7.12.2017, proc. n.º 697/16.0T8VVD.G1, que “[n]o essencial, pretendem-se prevenir os prejuízos que decorrem da natural demora do processo - o periculum in mora. // Decidiu o S.T.J., no Ac. de 18/03/2010, que a providência deve ser decretada, “sempre que se esteja ante uma lesão grave, atenta a importância patrimonial ou extrapatrimonial do direito ou do bem que aquele incide (objecto mediato) e que está em risco de ser sacrificado, e não seja razoável exigir que tal risco seja suportado pelo titular do direito ameaçado, na medida em que a reparação de tal dano seja avultada ou mesmo impossível (ut Procº. 1004/07.8TYLSB.L1.S1, Cons.º Álvaro Rodrigues in www.dgsi.pt).

Ora, de acordo com o probatório em conjugação com as regras da experiência, o cenário de impossibilidade de o jogador ora Requerente participar em competições desportivas, pelo período em que foi sancionado, constitui, em si, um prejuízo grave e de difícil reparação. Ou, para utilizar uma terminologia própria do contencioso administrativo, uma situação de facto consumado. Dito de outro modo, caso o Requerente venha a obter ganho de causa na acção principal, sempre os efeitos danosos se teriam produzido e consumado integralmente (o requisito do periculum in mora encontrar-se-á preenchido sempre que exista fundado receio de que quando venha a ser proferida uma decisão no processo principal a mesma já não venha a tempo de dar resposta adequada ou cabal à situação jurídica e pretensão objeto de litígio – v. ac. do STA de 17.12.2019, proc. n.º 620/18.7BEBJA).

Aliás, em caso idêntico, foi por nós proferida decisão em 7.02.2022, no processo n.º 34/22.4BCLSB e, recentissimamente, em 20.01.2023, no processo n.º 17/23.7BCLSB.

Deste modo, tudo ponderado, na situação concreta em análise, temos, igualmente, por verificado o requisito do periculum in mora.

V.ii.iv Do requisito da proporcionalidade

Verificados estes requisitos, cumpre ainda ao tribunal verificar se o decretamento da providência é susceptível de causar à Requerida um prejuízo que excede consideravelmente o dano que se pretende evitar (art. art. 368.º, n.º 2, do CPC). Isto é, importa verificar da proporcionalidade do decretamento da providência, perante os valores contrapostos.

O decretamento de uma qualquer providência cautelar implica necessariamente a formulação de um juízo de proporcionalidade acerca dos respectivos efeitos, “o que reclama na actuação do julgador, no momento da decisão, a conjugação e a interferência dos factores de ponderação, de bom senso e equilíbrio na busca da justa medida que permita estabelecer a melhor composição dos interesses conflituantes” (cfr., i.a., o ac. de 23.11.2004 do T.R.de Coimbra, proc. n.º 3064/04; idem o ac. de 4.07.2019 do STJ, proc. n.º 32/19.5YFLSB).

Embora se possa presumir que em causa estará a afectação dos valores da autoridade e do prestígio da organização desportiva do futebol e da dignidade, estabilidade e tranquilidade das respetivas competições, certo é que, tendo presente a conduta do arguido que eventualmente preencha o tipo de ilícito disciplinar em questão e a sanção concretamente aplicada, nada nos autos evidencia que o decretamento da providência cause qualquer prejuízo relevante à Requerida, para além do (mero) retardamento da acção punitiva. Mas isto é a consequência “natural” do provimento da medida cautelar.

Para além de que só uma considerável desproporção relativamente às consequências para o requerido será capaz de justificar a recusa da providência (cfr., sobre esta matéria, Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, 4.ª ed., 2010, pp. 245-251); o que não se afigura ser o caso.

Pelo que, tudo visto, entende-se nada obstar ao decretamento da providência requerida, o que se determinará no local próprio (infra).



VI. Decisão

Pelo exposto decide-se:

- Julgar procedente a providência cautelar requerida e suspender a execução da sanção de 2 jogos de suspensão, aplicada ao Requerente, J …………….., em 31.02.2023, no âmbito do processo sumário que lhe foi movido com a referência …………..

Custas da responsabilidade do Requerente, que do processo tirou proveito (art. 539.º, n.º 1, do CPC), a atender, a final, na acção principal (art. 539.º, n.º 2, do CPC).

Notifique pelo meio mais expedito; também o TAD.

Lisboa, 10 de Fevereiro de 2023

Pedro Marchão Marques
Juiz presidente