Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:207/09.5BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:05/08/2019
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:FATURAÇÃO FALSA /IRC
ÓNUS DA PROVA
FUNDADA DÚVIDA
FUNDAMENTAÇÃO DO ATO
PRINCÍPIOS NORTEADORES PROCEDIMENTO
Sumário:I-No domínio da faturação falsa, compete à Administração Tributária demonstrar que os indícios por si recolhidos no decurso da ação inspetiva são sérios e suficientes para concluir pela inexistência ou simulação de uma relação económica que sustente as faturas.
II-Não é exigível que a Administração Tributária efetue uma prova direta da simulação, pelo que cumprindo esse ónus e ilidindo a presunção de veracidade da declaração do sujeito passivo consagrada no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, passa a competir a este o ónus da prova da realidade subjacente à fatura, infirmando os indícios recolhidos pela entidade fiscalizadora.
III- Da interpretação conjugada dos artigos 266.º, nº.2, da C.RP, 5.º, nº2 do CPA, 55.º da LGT e 46.º do CPPT, resulta que a Administração Tributária deve abster-se da imposição aos contribuintes de obrigações que comportem e traduzam injustiças, que sejam desnecessárias ou inadequadas à satisfação dos fins que aquela visa prosseguir ou que vão além do que seja necessário e adequado impor aos mesmos contribuintes. Inexiste qualquer preterição desses normativos se a Administração Tributária cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia, tendo adotado uma postura colaborante, com total apelo ao inquisitório e ao apuramento da verdade material.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

l – RELATÓRIO

S....................................., Unipessoal, Lda veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, constante de fls. 215 a 226 dos autos do presente processo que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e respetivos juros compensatórios, respeitantes aos exercícios de 2004 e 2006, no valor de € 51.774,46 e €58.411,96, respetivamente.

A Recorrente, a fls. 239 a 255 dos autos, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“1 - A acção inspectiva levada a cabo pela Administração Tributária, que originaram as liquidações adicionais de IRC, dos exercícios dos anos de 2004 e 2006, ora impugnadas, surge na sequência de uma inspecção efectuada à firma Q...................., que naqueles anos foi seu subempreiteiro.

2 - No relatório inspectivo da Q..................... a Administração Tributária, concluiu, pela existência de indícios fortes de emissão de facturas falsas por parte deste sujeito passivo.

3 - Em sequência é efectuada uma acção de inspecção ao ora impugnante, onde se diz: "presumivelmente não correspondem a serviços efectivamente prestados". (sublinhado nosso).

4 - Daí se verifica que quanto à Q......................., "existem indícios fortes", mas no que concerne à ora impugnante, a Administração Tributária apenas, se refere a "presumivelmente".

5 - Não tendo a Administração Tributária demonstrado a existência de indícios objectivos e seguros de que as facturas emitidas não titulam verdadeiros serviços prestados, não está legitimada a exercer o seu poder de correcção da matéria tributável por falta de pressupostos que a legitimam.

6 - Se não foi posta em causa a contabilidade da ora impugnante na acção inspectiva e está alicerçada em suporte documental, não pode a Administração Tributária por em causa esses serviços prestados, pelo facto de o emitente das facturas ser no seu entender emissor de facturação falsa.

7 - Esse pressuposto desacompanhado de outros elementos fácticos que revelem falsificação de facturas é manifestamente insuficiente de só por si ilidir a presunção de veracidade de que goza a contabilidade do adquirente dos serviços, a S......................., ora recorrente.

8 - Os pagamentos a dinheiro, usual neste tipo de actividade em pequenas obras de subempreitada, não desrespeitam as normas contabilísticas.

E,

9 - Não permite ao credor mais exigir do que já recebeu e, liberta o devedor da obrigação.

10 - A Lei Geral Tributária não impede os pagamentos a dinheiro, só sanciona esse procedimento e não mais.

11 - Penalização que só veio a estar plasmada no Regime Jurídico das Infracções Tributárias a partir de 1 de Janeiro de 2007, data posterior aos exercícios objecto da fiscalização - anos de 2004 e 2006.

12 - Resulta da prova produzida - documental e testemunhal, que os serviços de subempreitada foram efectivamente prestados pelo subempreiteiro, Q............. à S.......................

13 - De todo o exposto, não restam quaisquer dúvidas que as correcções efectuadas à matéria colectável e os seus fundamentos, enfermam de errado enquadramento jurídico-fiscal, por parte da douta sentença, com o devido respeito e, que é muito, fruto dum deficiente percurso interpretativo dos normativos legais subjacentes à relação material controvertida e, da concomitante factualidade.

14 - E, não virem a ser goradas as legítimas expectativas da impugnante, ora recorrente, alicerçadas nos princípios da legalidade, igualdade, equidade, proporcionalidade, adequação e segurança jurídica, ínsitas de um Estado de Direito.

15 - O presente recurso tem por objecto a douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 28 de Maio de 2012, que veio julgar improcedente a impugnação apresentada pela ora Recorrente.

16 - A sentença recorrida enferma de uma errónea interpretação dos factos e do direito devendo, como tal, ser revogada com todas as consequências legais.

17 - Em primeiro lugar, porque os elementos probatórios - documental e testemunhais, juntos aos autos mereciam uma decisão diferente.

18 - De seguida, porque a douta sentença, quanto ao erro dos pressupostos de facto, firma-se na Jurisprudência dos Acórdãos 04871/04 e 01834/04 do TCAN, que não é dominante como se demonstrará a seguir.

19 - Ora, de acordo com as regras de repartição do ónus a prova, no caso dos autos, competia à Administração Tributária, o que não fez.

20 - No que concerne à falta de fundamentação do acto, que gera vício de forma, socorreu-se unicamente a douta sentença do Relatório da acção inspectiva, à Q.................. desprezando os elementos probatórios da ora recorrente.

21 - Acresce que, não é justo beneficiar o Estado em prejuízo da impugnante, sob pena de violação do princípio de justiça (Cfr. Acórdão do STA, de 2003.02.05, in Proc.º n.º 1648/02).

22 - A existirem fundadas dúvidas sobre a existência e quantificação dos factos tributários o tribunal deve anular os actos ora impugnados, nos termos do n.º 1 do artigo 100º do CPPT (cfr. Acórdão do TCAN, de 2005.02.24, no Proc.º n.º 145/04).

23 - A douta sentença faz tábua rasa da Jurisprudência atinente in casu, nesta esteira, de entre outros:

I. A administração tributária, na sua actuação, não pode limitar-se a externar uma fundamentação meramente formal do juízo que formula quanto à indevida dedução de custos fiscais em sede de apuramento da matéria tributável em sede de IRC por parte do sujeito passivo. Exige-se-lhe, ademais, que demonstre o bem fundado desse juízo, provando os indícios que o sustentam e demonstrando que tais indícios possibilitam a conclusão de ser correcta, do ponto de vista material, a fundamentação que adoptou.

II. Quando está em causa a correcção de liquidações de IRC por desconsideração dos custos documentados por facturas reputadas de falsas pela administração tributária, tem esta o ónus de fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação

III. Resultando os indícios recolhidos pela administração tributária insuficientes para suportar, objectivamente e às luz das regras da experiência comum, a conclusão a que chegou e na qual fez repousar a decisão de corrigir a matéria tributável e de proceder à liquidação é de concluir que esta não se desonerou das obrigações probatórias que sobre si impendiam no sentido de cumprir o programa de fundamentação substancial do acto que a lei exige.

IV. Ao corrigir infundadamente a matéria tributável e, com base nessa correcção, proceder à liquidação de imposto, a administração tributária incorre em ilegalidade implicante da invalidade de tal liquidação.

(Acórdão do TCAN, de 20 de Dezembro de 2011, Proc. n.º 00171/06.lBEBRG)

I - Não tendo a AF carreado para os autos indícios objectivos e seguros de que determinadas facturas não titulam verdadeiras transacções não está legitimada a exercer o seu poder de correcção da matéria tributável por falta dos pressupostos que a legitimem para tal.

II - Se a fiscalização dá como assente que a contabilidade do sujeito passivo da acção inspectiva está regularmente organizada e contabiliza todos os elementos nela descritos e os alicerça em suporte documental ao mesmo tempo que refere também que tais transacções estão comprovadamente pagas não pode a AF nesta situação por em causa algumas dessas transacções - totalmente documentadas - pelo facto de os emitentes das facturas serem conhecidos como emitentes habituais de facturação falsa.

III - A qualidade dos emitentes desacompanhada de outros elementos fácticos que revelem falsificação das facturas é manifestamente insuficiente de só por si ilidir a presunção de veracidade de que goza a contabilidade do comprador.

(Acórdão do TCAN de 6 de Março de 2008, Proc. n.º 00104/01 - PORTO)

Para poder exercer o seu poder de correcção do rendimento colectável é necessário primeiro que a Administração Tributária prove os pressupostos que legitimam o exercício de tal poder.

II - Não tendo a Administração Tributária durante a inspecção constatado factos ponderosos e objectivos fortemente indiciadores de que as facturas que titulam diversas transacções comerciais são falsas, isto é, apenas servem de instrumento formal para com elas se poder deduzir os custos nela referidos não cumpriu com o ónus da prova dos pressupostos, que lhe é exigida e por tal razão não abala a presunção de verdade de que goza a escrita formalmente organizada da impugnante nem determina a inversão do ónus da prova nos termos do artigo 74 da LGT.

III - A actuação correctiva da Administração nas circunstâncias referidas em II deve ter-se por ilegal e por ilegal também o acto administrativo da liquidação decorrente de tal procedimento.

(Acórdão de 3 de Abril de 2008 do TCAN, Proc. n.º 00789/04 – VISEU)

24 - O Tribunal "a quo", nos presentes autos obnubila a sua função, viola as regras constitucionais gerais do Estado de Direito, nomeadamente dos princípios da legalidade, e, ainda das específicas da actividade administrativa, nomeadamente da proporcionalidade, da justiça, da equidade e da boa-fé - arts. 18º, 103º e 266º da CRP.

25 - Todos estes elementos da solução de direito e de facto são suficientes, para a terem sido considerados, com toda a certeza, a decisão adoptada pelo Tribunal a quo, da qual se recorre seriam diferentes.

26 - Independentemente de qualquer divergência de interpretação, a recorrente está convicta da bondade do seu raciocínio, o que não pode confundir-se com má fé processual.

27 - Ao decidir como decidiu, o Digníssimo Juiz "a quo" fez uma errada interpretação da lei aplicável e dos factos e, em consequência erro de julgamento.

28 - Todos estes elementos probatórios são suficientes, para a terem sido considerados, com toda a certeza, a decisão adoptada pelo Tribunal recorrido seria diferente.

Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis e, com o douto suprimento de V. Exa., deve o presente RECURSO ser julgado procedente, por provado, e, consequentemente, deve a douta sentença recorrida ser revogada, com a consequente invalidade e anulação das liquidações impugnadas, com as demais consequências legais.”


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A Recorrida Fazenda Pública, devidamente notificada para o efeito, optou por não apresentar contra-alegações.

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A Digna Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido da improcedência total do recurso (fls. 267 a 269 dos autos).

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«a) A Impugnante, S.................................... Unipessoal, Lda., é uma sociedade comercial que exerce a actividade de construção de edifícios CAE 41200 e é tributada no regime geral de IRC - acordo;

b) A 16.04.2007, através do ofício n.º 03.........., a Impugnante foi notificada pelos Serviços de Inspecção Tributária para proceder ao envio dos seguintes elementos relativos aos exercícios de 2003, 2004, 2005 e 2006, do sujeito passivo – Q..............Unipessoal, Lda.: "a) Fotocópias da(s) conta(s) corrente(s), das facturas e dos meios de pagamento (cheques frente e verso) utilizados com o(s) referido(s) fornecedor(es); b) Provas documentais - contratos de empreitada, autos de medição, seguros de pessoal em obra, bem como quaisquer outros elementos que comprovem inequivocamente a realização das obras pelo(s) fornecedor(es) antes referido(s) (...)" - cfr. fls. 194 do PAT, que se dá por integralmente reproduzida;

c) Em resposta ao solicitado na alínea anterior, em 02.05.2007, a Impugnante informou os Serviços de Inspecção Tributária que:

"1. A firma do signatário contratou algumas subempreitadas com a firma Q.........................Unipessoal, Lda. nos anos indicados. Junta em anexo os orçamentos respectivos e as facturas respectivas.

2. Não existem cheques comprovativos do pagamento uma vez que as referidas facturas eram pagas a dinheiro a pedido da referida firma. Regra geral, esse dinheiro servia para pagar salários aos trabalhadores do referido subempreiteiro.

3. Quanto às demais provas solicitadas, o contrato de empreitada, autos de medição, seguros de pessoal e outros, o signatário informa que não possui esses documentos.

Quanto a contratos e autos é do conhecimento geral que esse tipo de documentos não são utilizados em pequenas obras.

Quanto aos seguros, informa-se que os seguros do pessoal do referido subempreiteiro seriam suportados por ele e não pelo signatário" - cfr. fls. 196 a 230 do PAT - que se dão por integralmente reproduzidas;

d) Em Abril de 2008, em cumprimento das Ordens de Serviço nºs. 012................ e 012................., a Impugnante foi objecto de uma acção inspectiva interna, de âmbito parcial, aos exercícios de 2004 e 2006 - acordo;

e) A 01.09.2008, na sequência da acção inspectiva ao exercício de 2004, foi elaborado Relatório de Inspecção, do qual se destaca o seguinte: "(...) 3.1.2. - Correcções aritméticas, em sede de IRC: Face à informação recolhida pelos Serviços de Inspecção e a consequente emissão de ficha de fiscalização, os suportes formais (facturas ou documentos equivalentes) aos custos contabilizados pelo sujeito passivo S................................ UNIPESSOAL LDA, referentes aos serviços prestados pelo(s) subempreiteiro(s) Q.................................. Unipessoal, Lda que contribuíram para o apuramento e declaração da matéria colectável, do sujeito passivo em análise, presumivelmente não correspondem a serviços efectivamente prestados pelo(s) mesmo(s), dado que a(s) inspecção(ões) efectuada(s) ao(s) fornecedores revelaram que:

Q................................. unipessoal, Lda

- Nenhum dos clientes demonstrou a autenticidade dos pagamentos em causa a este fornecedor.

- Nenhum cliente demonstrou igualmente que todos os trabalhos em causa tivessem sido realizados por esta empresa.

- A facturação média por trabalhador é irrealista.

- As declarações prestadas pelo TOC segundo as quais se apercebeu "...de negócios ilícitos em que o gerente da Q.............................. Unipessoal, Lda envolvia a referida sociedade, nomeadamente pelo enorme volume de facturação que chegava ao gabinete de contabilidade como serviços prestados quando não tinha estruturas para esse volume de negócios''.

- Comprovou-se a circulação de facturas após o falecimento do único sócio-gerente desta empresa, facto que poderá indiciar a venda de facturas em branco.

Perante os factos concluímos que, apesar de estarmos perante a regularidade formal do documento, contrapõe-se o mesmo à inexistência material da operação, situação que não poderia deixar de corresponder a competente correcção da matéria colectável e a subsequente liquidação adicional, razão pela qual, se procedeu à relação e quantificação das facturas, formalmente emitidas, a qual se junta como Anexo, apurando-se o valor dos custos a corrigir, no exercício, no(s) montante(s) de:

• -2004: Correcção de € 166.532,55 (...)"

- cfr. Relatório, a fls. 190 PAT, que se dá por integralmente reproduzido;

f) Em 18.09.2008, foi proferido despacho, pelo Chefe de Divisão dos Serviços de Inspecção Tributária, concordando com o Relatório de Inspecção referido na alínea antecedente, do qual consta, nomeadamente, o seguinte: "Concordo com o parecer do Chefe de Equipa, e com o relatório da acção inspectiva em anexo. Dos fundamentos deles constantes resulta que se encontram verificados os pressupostos legais e de facto para, mantendo-se a avaliação directa da matéria colectável, propondo-se às correcções técnicas propostas (...)". - cfr. fls. 183 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

g) A 01.09.2008, na sequência da acção inspectiva ao exercício de 2006, foi elaborado Relatório de Inspecção, do qual se destaca o seguinte: "( ...) 3.1.2. - Correcções aritméticas, em sede de IRC: Face à informação recolhida pelos Serviços de Inspecção e a consequente emissão de ficha de fiscalização, os suportes formais (facturas ou documentos equivalentes) aos custos contabilizados pelo sujeito passivo S................................. UNIPESSOAL LDA, referentes aos serviços prestados pelo(s) subempreiteiro(s) Q............................. Unipessoal, Lda que contribuíram para o apuramento e declaração da matéria colectável, do sujeito passivo em análise, presumivelmente não correspondem a serviços efectivamente prestados pelo(s) mesmo(s), dado que a(s) inspecção(ões) efectuada(s) ao(s) fornecedores revelaram que:

Q......................................... UNIPESSOAL LDA

1. Nenhum dos clientes demonstrou a autenticidade dos pagamentos em causa a este fornecedor.

2. Nenhum cliente demonstrou igualmente que todos os trabalhos em causa tivessem sido realizados por esta empresa.

3. Não foram conhecidos meios de produção (entre os quais mão-de-obra ou subcontratação) susceptíveis de suportar a facturação conhecida.

4. As declarações prestadas pelo TOC segundo as quais se apercebeu "...de negócios ilícitos em que o gerente da Q.................................. Unipessoal, Lda envolvia a referida sociedade, nomeadamente pelo enorme volume de facturação que chegava ao gabinete de contabilidade como serviços prestados quando não tinha estruturas para esse volume de negócios"

5. A circulação de facturas após o falecimento do único sócio-gerente desta empresa, poderá indiciar a venda de facturas em branco.

Perante os factos, concluímos que, apesar de estarmos perante a regularidade formal do documento, contrapõe-se o mesmo à inexistência material da operação, situação que não poderia deixar de corresponder a competente correcção da matéria colectável e a subsequente liquidação adicional, razão pela qual, se procedeu à relação e quantificação das facturas, formalmente emitidas, a qual se junta como Anexo, apurando-se o valor dos custos a corrigir, no exercício, no(s) montante(s) de:

• -2006: Correcção de € 202.190, 10 (... )"

- cfr. Relatório, a fls. 298 PAT, que se dá por integrahnente reproduzido;

h) Em 30.09.2008, foi proferido despacho, pelo Chefe de Divisão dos Serviços de Inspecção Tributária, concordando com o Relatório de Inspecção referido na alínea antecedente, do qual consta, nomeadamente, o seguinte: "Concordo com o parecer do Chefe de Equipa, e com o relatório da acção inspectiva em anexo. Dos fundamentos deles constantes resulta que se encontram verificados os pressupostos legais e de facto para, mantendo-se a avaliação directa da matéria colectável, proceder às correcções técnicas propostas (...) ". - cfr. fls. 293 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

i) A 23.09.2008 e 06.10.2008, através dos ofícios n.º 07.......... e 07..........., respectivamente, a Impugnante foi notificada das correcções resultantes das acções de inspecção, aos exercícios de 2004 e 2006, e do teor dos respectivos Relatório de Inspecção - cfr. fls. 272 e 358 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

j) Em 17.11.2008, foi emitida a nota de compensação n.º 20......................., relativa a IRC, de 2004, no montante de € 51.774,46, tendo como data limite de pagamento 26.12.2008 - cfr. fls. 362 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

k) Em 17.10.2008, foi emitida a nota de compensação n.º 20......................., relativa a IRC, de 2006, no montante de € 58.411,96, tendo como data limite de pagamento 26.11.2008 - cfr. fls. 365 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;


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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte:

“Tendo sido impugnados pela Fazenda Pública os documentos de prova apresentados pela Impugnante, designadamente, os orçamentos e facturas apresentados, bem como os cheques juntos aos autos, e não tendo sido feita outra prova pela Impugnante, o Tribunal não deu como provada a existência efectiva das prestações de serviços invocadas pela Impugnante.

Os depoimentos das testemunhas inquiridas foram inconclusivos, nomeadamente, no que toca à forma de pagamento ao sub-empreiteiro Q.................................. Unipessoal; Lda. e à comprovação das respectivas prestações de serviços, designadamente, aos locais, trabalhos realizados e mão-de-obra utilizada.

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.”


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A motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:

“A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos, não impugnados e das informações oficiais constantes dos autos, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório.”


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Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

l) Durante o ano de 2004, a empresa Q....................................., Unipessoal Lda emitiu as faturas que infra se descrevem em nome da Recorrente “S....................................., Lda”:

Nº FATURADATA EMISSÃO DESIGNAÇÃOVALOR
EUROS
118Janeiro 2004Trabalhos Pedreiro/Ladrilhador Obra em Alcabideche20.000,00
12130.03.2004Trabalhos Pedreiro Obra em Alcabideche Lote 417.850,00
12631.03.2004Trabalhos Pedreiro Obra em Alcabideche 14.875,00
12530.04.2004Trabalhos efetuados Pedreiro17.850,00
12830.05.2004Trabalhos Pedreiro/Ladrilhador Obra em Alcabideche23.800,00
13029.06.2004Trabalhos Pedreiro/Ladrilhador Obra em Alcabideche e Cabeço Mouro23.800,00
13229.07.2004Trabalhos Pedreiro/Servente Obra em Alcabideche 15.000,00
13329.07.2004Trabalhos efetuados Obra Madorna10.000,00
13415.08.2004Trabalhos Pedreiro/Ladrilhador Obra em Cabeço Mouro15.000,00
13531.08.2004Trabalhos Pedreiro Obra em Alcabideche15.000,00
13630.09.2004Trabalhos Pedreiro Lote 69 Sacavém17.500,00
13730.09.2004Trabalhos Pedreiro Obra Madorna7.500,00
(cfr. fls. 37 a 48 do PA apenso, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);

m) Durante o ano de 2006, a empresa Q...................................... Lda emitiu as faturas que infra se descrevem em nome da Recorrente “S....................................., Lda”:
Nº FATURADATA EMISSÃODESIGNAÇÃOVALOR EUROS
011528.02.2006 Trabalhos efetuados Pedreiro nas suas obras25.000,00
011615.03.2006Trabalhos efetuados Pedreiro nas suas obras20.000,00
012228.02.2006Trabalhos Pedreiro/ladrilhador nas vossas obras24.200,00
012330.03.2006Trabalhos Pedreiro/ladrilhador nas vossas obras12.100,00
013028.04.2006Trabalhos Pedreiro/ladrilhador nas vossas obras30.250,00
013130.05.2006Trabalhos Pedreiro/Ladrilhador nas vossas obras18.150,00
013227.06.2006Trabalhos Pedreiro/Ladrilhador nas vossas obras 24.200,00
013730.07.2006Trabalhos efetuados da parte de pedreiro subempreitada nas moradias Atrozela24.200,00
013830.08.2006Trabalhos efetuados da parte de pedreiro subempreitada nas moradias Atrozela24.200,00
014130.08.2006Trabalhos efetuados da parte de pedreiro subempreitada nas moradias Atrozela24.200,00
014230.09.2006Trabalhos efetuados da parte de pedreiro subempreitada nas moradias Atrozela18.150,00
(cfr. fls. 58 a 66 do PA apenso, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);

n) Na sequência da resposta referida em c), a Recorrente “S....................................., Lda” procedeu à junção dos Orçamentos que infra se descrevem:
OrçamentoServiços a Prestarvalor Euros
29.12.2002Trabalhos Pedreiro, serventes, ladrilhos e limpeza na Obra de Alcabideche120.000,00
22.03.2004Cabeço Mouro 56.000,00
Parede23.000,00
Moradia Cobre Cascais10.000,00
23.02.2005Obra de Pedreiro e Ladrilhadores Sacavém Lote 6927.750,00
01.03.2005Mão-de-Obra Pedreiro/ladrilhador Obra Madorna54.550,00
01.03.2005Mão-de-Obra Pedreiro/Serventes Obra Quinta Rato78.300,00
05.03.2005Mão-de-Obra Urbanização Quinta do Morro-Atrozela157.000,00
(cfr. fls. 15 a 21 do PA apenso, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido );

o) Nos anos de 2004 e 2006, foram emitidos os cheques que infra se enumeram:
EmitenteBeneficiárioDataValorVerso Dos cheques
S........................, LdaS......................30-01-20044.500,00Data/Aposição de assinatura de S.................
S........................, LdaS......................27-02-20044.500,00Data/Aposição de assinatura de S................
G.........& .........., LdaS.......................25-10-20043.800,00“valor recebido para crédito da conta do beneficiário”
G........ &..........., LdaS........................29-09-200420.000,00Data/Aposição de assinatura de S................
G.........&............, LdaS.......................24-11-200423.800,0Data/Aposição de assinatura de S.................
D......................., ldaS.......................29-04-200414.875,00Data/Aposição de assinatura de S.................
D......................., ldaS........................30-01-200414.875,00Data/Aposição de assinatura de S.................
D......................., ldaS........................26-02-200414.875,00Data/Aposição de assinatura de S.................
D......................... ldaS........................30-03-20066.050,00Data/Aposição de assinatura de S.................
D..........................LdaS........................27-02-200612.100,00Data/Aposição de assinatura de S.................
(cfr. cheques juntos com a p.i. a fls. 68 a 83 dos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);



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Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, e na sequência do aditamento ao probatório da factualidade elencada nas alíneas l) a o) supra, acorda-se em alterar a redação da factualidade não provada passando a constar que não resulta provada a existência das prestações de serviços alegadas pela Impugnante e tituladas pelas faturas identificadas nas alíneas L) e M) do probatório agora aditadas.



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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações de IRC dos exercícios de 2004 e 2006, nos valores de €51.774,46 e €58.411,96.


Importa, desde já, ter presente que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de facto e de direito. Competindo, assim, aquilatar se o Tribunal a quo valorou adequadamente a prova produzida nos autos, e por outro lado, se interpretou erradamente os pressupostos de direito por as operações constantes nas faturas emitidas pela empresa “Q.................” serem reais.

Importa, desde já, relevar que a Recorrente não procede à impugnação da matéria de facto, limitando-se a evidenciar de forma absolutamente genérica que “resulta da prova produzida-documental e testemunhal, que os serviços de empreitada foram efetivamente prestados pelo subempreiteiro, Q........... à S..............” e bem assim que “os elementos probatórios-documental e testemunhais juntos aos autos mereciam uma decisão diferente”.

Ora, como é bom de ver, tendo presente a disciplina constante no artigo 640.º do CPC quanto à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto não são permitidos, recursos genéricos contra a matéria de facto assente pelo tribunal recorrido: o recurso não pode ser genérico atacando a matéria de facto no seu conjunto sem precisar os pontos concretos, nem pode ser genérico apontando para a prova em geral produzida no processo. (1)

“I - Como decorre do art. 640.º do CPC o recorrente não satisfaz o ónus impugnatório quando omite a especificação dos pontos de facto que entende terem sido incorrectamente julgados, uma vez que é essa indicação que delimita o objecto do recurso.
II - Também não cumpre os seus ónus quando se limita a discorrer genericamente sobre o teor da prova produzida, sem indicar os concretos meios probatórios que, sobre cada um dos pontos impugnados, impunham decisão diversa da recorrida, devendo ainda especificar a decisão concreta a proferir sobre cada um dos diversos pontos da matéria de facto impugnados.”

Isto sem prejuízo, necessariamente, do Tribunal ad quem no âmbito dos seus poderes de cognição proceder à ampliação da matéria de facto de acordo com os elementos constantes nos autos e que repute pertinentes para efeitos da lide recursiva. Note-se, neste particular, que o facto de constar expressamente na motivação da matéria de facto que os orçamentos e os cheques foram objeto de impugnação pela Administração Tributária, a verdade é que a sua genuinidade e veracidade nunca foi colocada em crise, razão pela qual o Tribunal ad quem para efeitos de apreciação de prova ajuizou relevante o seu aditamento para daí extrair a competente valoração, conforme resulta expresso das alíneas l) a o) da factualidade, ora, aditada. (2)

Assim, estabilizada que está a matéria de facto dos autos, importa, então, aferir se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito por errada interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

Alega a Recorrente que a Administração Tributária não cumpriu o ónus probatório a que estava adstrita, não tendo demonstrado a existência de indícios objetivos e seguros de que as faturas emitidas não titulam verdadeiros serviços prestados, pelo que não está legitimada a exercer o seu poder de correção da matéria tributável por falta de pressupostos que a legitimam.

Mais sustenta que o facto de os pagamentos das faturas terem sido efetuados em dinheiro, não só é uma prática usual neste tipo de atividade em pequenas obras de subempreitada, como em nada desrespeita as normas contabilísticas e bem assim a LGT.

Ademais, da prova produzida - documental e testemunhal, resulta que os serviços de subempreitada foram efetivamente prestados pelo subempreiteiro, Q.............. à S.................

Aduz, a final, que com tal atuação o Tribunal a quo viola as regras constitucionais gerais do Estado de Direito, nomeadamente os princípios da legalidade, e ainda da atividade administrativa, nomeadamente da proporcionalidade, da justiça, da equidade e da boa fé.

No caso vertente, o Tribunal a quo entendeu que a Administração Tributária cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia, tendo carreado indícios suficientes de que as faturas emitidas não correspondem a transações reais sendo que o Impugnante não logrou provar, nem em sede administrativa, nem ulteriormente, em sede judicial, que as alegadas prestações de serviço efetivamente ocorreram.

Razão pela qual, concluiu que não tendo a Recorrente cumprido o ónus de demonstração da sua realidade contabilística, nos termos previstos no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, o ato de liquidação não padece de erro sobre os pressupostos de facto devendo, assim, manter-se na ordem jurídica.

E, de facto, nenhuma censura pode ser apontada à decisão recorrida, uma vez que a sentença fez um correto enquadramento jurídico aplicando-o com acerto à factualidade dos autos.

Mas vejamos porque assim o entendemos.

Comecemos por aferir como se processa o direito adjetivo fiscal em sede probatória e quais as consequências que dimanam da sua regulamentação.

Em sede de procedimento administrativo tributário incumbe à Administração Tributária a prova dos factos constitutivos do ato administrativo, ou seja, cumpre à entidade fiscalizadora aquilatar e indagar sobre a verificação do facto tributável e demais elementos pertinentes à liquidação do imposto, porquanto, o procedimento só pode produzir uma liquidação em sentido estrito quando, face aos elementos apurados, estiver adquirida a plena convicção da existência e conteúdo do facto tributário.

De resto, tal conclusão resulta evidente em face do princípio da verdade material, ínsito nos artigos. 50.º, do CPPT e 58.º, n.º 1, da LGT.

Com efeito, o contribuinte goza da presunção de verdade da sua declaração, nos termos consignados no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, logo compete à Administração Tributária o ónus da prova dos pressupostos legais da sua atuação, in casu a demonstração de que os indícios por si recolhidos no decurso da ação inspetiva são sérios e suficientes para concluir pela inexistência ou simulação de uma relação económica que sustente as faturas em apreço.

Nessa medida, tem a Administração Tributária o dever de averiguar e reunir indícios conducentes ao afastamento da declaração apresentada pelo contribuinte, ou melhor, “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém diretamente, mas indiretamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova”.(3)

De sublinhar, neste particular, que não é exigível que a Administração Tributária efetue uma prova direta da simulação, pelo que cumprindo a Administração Tributária aquele ónus e ilidindo, desse modo, a presunção de veracidade da declaração do sujeito passivo consagrada no referido artigo 74.º, n.º 1 da LGT, passa a competir, por seu turno, a este último o ónus da prova da realidade subjacente à fatura, infirmando os indícios recolhidos pela entidade fiscalizadora. (4)

Uma vez analisada a questão da repartição do ónus da prova, importa transpor o direito para o caso em apreço.

Vejamos, então, se a Administração Tributária reuniu ou não os elementos necessários para legitimar a sua atuação, ou seja, se foram recolhidos indícios sérios e bastantes que permitam concluir pela simulação das operações constantes nas faturas referidas nas alíneas l) e m) da factualidade assente.

Neste particular, importa convocar o teor do Relatório da Administração Tributária, atentando quais os factos indiciários que foram convocados pela Entidade fiscalizadora.

São evidenciados como factos indiciários os que infra se descrevem:

ü Falta de demonstração da autenticidade dos pagamentos em causa a este fornecedor.

ü Falta de demonstração de que todos os trabalhos em causa tivessem sido realizados por esta empresa.

ü Falta de estrutura empresarial: inexistência de meios de produção (entre os quais mão-de-obra ou subcontratação) suscetíveis de suportar a faturação conhecida.

ü Declarações prestadas pelo TOC segundo as quais se apercebeu "...de negócios ilícitos em que o gerente da Q................. Unipessoal, Lda envolvia a referida sociedade, nomeadamente pelo enorme volume de facturação que chegava ao gabinete de contabilidade como serviços prestados quando não tinha estruturas para esse volume de negócios"

ü Circulação de faturas após o falecimento do único sócio-gerente desta empresa, o que poderá indiciar a venda de faturas em branco.

Tendo, nessa sequência, concluído que não obstante “[e]starmos perante a regularidade formal do documento, contrapõe-se o mesmo à inexistência material da operação, situação que não poderia deixar de corresponder a competente correcção da matéria colectável e a subsequente liquidação adicional”.

Ora, atendendo aos diversos factos-índice trazidos pela Administração Tributária e supra elencados, constata-se que, de facto, os mesmos são de molde a indiciar a faturação falsa, sem prejuízo das prestações de serviço terem sido realizadas por outra pessoa/noutros moldes. Aduza-se, em abono da verdade, que o que está em causa é a prova do concreto conteúdo das faturas postas em causa pela Administração Tributária, enquanto titulando custos de exercício.

Com efeito, a falta de estrutura empresarial e meios de produção, mormente, mão de obra e recurso a qualquer subcontratação, conjugada com a falta de demonstração dos pagamentos, permite indiciar a existências de operações simuladas.

De sublinhar, outrossim, que tem de ser relevada enquanto factualidade indiciante de faturação falsa a circulação de faturas após o falecimento do único sócio-gerente desta empresa e bem assim as declarações prestadas pelo TOC da empresa emitente das faturas, com conhecimento preferencial e direto sobre a realidade contabilística e empresarial da mesma.

Ora, atentando nos factos supra expendidos e analisando-os à luz das regras da experiência, afigura-se que os elementos coligidos pela Administração Tributária são razoáveis e bastantes para justificar a sua atuação no sentido de desconsiderar os custos suportados nas faturas emitidas pela empresa Q................... com o fundamento de que os serviços a que respeitam serem simulados.

Destarte, não precisando a Administração Tributária de fazer prova da falsidade/simulação das faturas, mas apenas evidenciar a consistência do seu juízo, afigura-se que in casu, invocou factos que traduzem uma probabilidade séria de as operações constantes nas faturas serem simuladas.

Aqui chegados, e ajuizando o Tribunal ad quem que se encontra legitimada a atuação da Administração Tributária importa, então, aferir se a Recorrente logrou demonstrar a efetividade das prestações de serviços elencadas nas faturas evidenciadas nas alíneas l) e m) do probatório.

Mais uma vez a resposta é negativa. Compulsado o teor da decisão recorrida resulta não provada a existência efetiva das prestações de serviços invocadas pela Recorrente. Mais constando quanto à convicção dos depoimentos das testemunhas inquiridas que os mesmos foram inconclusivos, nomeadamente, no que toca à forma de pagamento ao subempreiteiro Q..................... e à comprovação das respetivas prestações de serviços, designadamente, aos locais, trabalhos realizados e mão-de-obra utilizada, sendo que, como visto, a Recorrente nada sustenta que permita descredibilizar e impugnar os depoimentos das testemunhas.

E, de facto, entende-se que a Recorrente não logrou demonstrar a efetividade das prestações de serviços constantes das faturas elencadas no probatório.

Note-se, desde logo, que os orçamentos carreados pela Recorrente, e melhor evidenciados em n), não permitem de per si sustentar a efetividade dos custos, desde logo, por os mesmos apresentarem incoerências que os permitem questionar. Com efeito, se atentarmos, exemplificativamente, nos Orçamentos referentes às Obras denominadas “Madorna” e “Sacavém-Lote 69”, elaborados, respetivamente, em 01 de março de 2005 e 23 de fevereiro de 2005, constata-se que as faturas que fazem alusão a essas obras têm data anterior à respetiva orçamentação, concretamente, fatura 137 de 30 de setembro de 2004 e faturas 133 e 136 de 29 de julho e 30 de setembro, respetivamente.

Ademais, não é possível fazer-se uma identificação numérica exata, com total equiparação em termos monetários entre as faturas emitidas e os respetivos orçamentos, sendo certo que existem diversas faturas, regra geral, no ano de 2006 que não fazem a identificação das obras, limitando-se a evidenciar trabalhos a efetuar “nas vossas obras”.

Quanto à falta de apresentação dos comprovativos de pagamento, importa relevar que os cheques juntos aos autos e melhor evidenciados em o) nada permitem atestar em termos de pagamentos das faturas em discussão nos presentes autos.

Note-se, outrossim, que é a própria Recorrente em sede de esclarecimentos prestados junto da Administração Tributária (alínea c) da factualidade assente) que reconhece que “Não existem cheques comprovativos do pagamento uma vez que as referidas facturas eram pagas a dinheiro a pedido da referida firma. Regra geral, esse dinheiro servia para pagar salários aos trabalhadores do referido subempreiteiro.”

Ademais, a prova testemunhal nada asseverou nesse e para esse efeito, nem foram juntos outros documentos tendentes à sua prova, mormente, documentos internos da contabilidade. De todo o modo, sempre importa evidenciar que o pagamento em numerário é totalmente contrário a uma boa, recomendável, segura e habitual prática comercial.

Tudo visto e ponderado, conclui-se que os indícios recolhidos pela Administração Tributária permitem suportar, objetivamente e à luz das regras da experiência comum, a conclusão a que chegou e que determinou as correções à matéria coletável de IRC, dos exercícios de 2004 e 2006, não tendo a Recorrente cumprido o ónus probatório que sobre si impendia. Improcede, assim, o alegado erro sobre os pressupostos de facto e de direito e consequente valoração do ónus probatório.

De relevar, in fine, que não logra aplicação nos presentes autos o artigo 100.º do CPPT, pois “este preceito legal não se aplica quando cessa a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita, uma vez que, nesses casos, o ónus da prova cabe ao contribuinte, e nessa medida, existindo dúvida tem de ser processualmente valorada contra este, por ser quem tem o ónus da prova”.(5)

A final, e atenta a conclusão constante no número 20 que se reporta ao invocado vício de forma, importa relevar que nenhuma censura pode ser apontada à decisão recorrida que de forma clara e exata fundou a improcedência da pretensão da Recorrente quanto à falta de fundamentação do ato invocando que “[a]pesar de a Administração Tributária se aproveitar das conclusões da inspecção efectuadas ao sujeito passivo Q................. Unipessoal, Lda. - o certo é que do Relatório se conseguem retirar os fundamentos, de facto e de direito, que serviram para efectuar as liquidações impugnadas, uma vez que as prestações de serviço que foram objecto de correcção foram as que tal firma teria realizado à Impugnante.”

Ademais, uma coisa é não haver fundamentação outra bem distinta é discordar-se da fundamentação que estribou a falta de dedutibilidade dos custos. (6)

Conclui-se, assim, que a Administração Tributária cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia, tendo adotado uma postura colaborante, com total apelo ao inquisitório e ao apuramento da verdade material. Mais se sublinhando que não se vislumbra -nem tão-pouco existe a devida substanciação para o efeito por parte da Recorrente, conforme se impunha-qualquer violação das regras constitucionais gerais do Estado de Direito, nomeadamente dos princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da segurança jurídica, da justiça, da equidade e da boa fé.

De todo o modo sempre se dirá que da interpretação conjugada dos artigos 266.º, nº.2, da C.RP, 5.º, nº2 do CPA, 55.º da LGT e 46.º do CPPT, o que resulta é que a Administração Tributária deve abster-se da imposição aos contribuintes de obrigações que comportem e traduzam injustiças, que sejam desnecessárias ou inadequadas à satisfação dos fins que aquela visa prosseguir ou que vão além do que seja necessário e adequado impor aos mesmos contribuintes, e in casu, não se vislumbra, de todo, qualquer conduta por parte da Administração Tributária suscetível de infringir os aludidos normativos legais.

Destarte, em face de tudo o que vem sendo dito, nenhuma censura pode ser apontada à decisão recorrida que decidiu pela anulação dos atos tributários impugnados por padecerem de vício de violação da lei, mantendo-se, por isso, o julgado anulatório.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


LISBOA, 08 DE MAIO DE 2019

(PATRÍCIA MANUEL PIRES)

(VITAL LOPES)

(JOAQUIM CONDESSO)





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(1) Vide, neste âmbito o Acórdão do TCA Norte, proferido no processo nº 02324/04.9BEPRT.


(2) No sentido de que os documentos particulares impugnados podem servir de meios de prova, apreciados livremente pelo tribunal e que não deixam de existir por terem sido impugnados, vide, designadamente, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo nº 28382/15.2YIPRT, de 13 de outubro de 2016..


(3) cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Ato Tributário, pág. 154..

(4) Vide, inter alia, Acórdão do TCA Norte, proferido no Processo n.º 00171/06.2BEBRG, de 20 de dezembro de 2011, disponível para consulta em www.dgsi.pt; No respeitante ao ónus da prova no âmbito específico da faturação falsa vide Aresto do TCA Norte, proferido em 24 de janeiro de 2008, no processo nº 01834/04; Vide, entre muitos outros Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 5500/01, com data de 05 de março de 2002, Acórdãos do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF..

(5) Vide Acórdão TCA Sul, proferido no processo nº 07169/13, de 18 de junho de 2015..

(6) Sobre a questão veja-se, designadamente, o Acórdão do STA, proferido no processo nº 0872/11, com data de 15 de fevereiro de 2012.