Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11590/14
Secção:CA - 2º. JUÍZO
Data do Acordão:11/20/2014
Relator:CRISTINA DOS SANTOS
Descritores:PRINCÍPIO DA UNIDADE DA NACIONALIDADE FAMILIAR
ÓNUS DE PROVA - LIGAÇÃO EFECTIVA À COMUNIDADE NACIONAL
Sumário:1. Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, entre outros, a inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional [alínea a) do artigo 9° da Lei n° 37/81, de 3/10, na redacção que lhe foi dada pela Lei Orgânica n° 2/2006, de 17/4].

2. Incumbe ao Ministério Público, na acção para oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, o ónus da prova da existência dos factos impeditivos do direito [aquisição da nacionalidade] que o interessado quis fazer valer [artºs. 9º a) Lei 37/81, 342°, n° 2 e 343º do Cód. Civil].

3. Importa atender à expressão da vontade manifestada pela interessada em adquirir a nacionalidade portuguesa, representada pelos seus pais, também cidadãos portugueses, no quadro da solução legal que se inspira na protecção do interesse da unidade da nacionalidade familiar, pois, embora o legislador não imponha este princípio trata-se de uma realidade em que se encontra interessado e que promove ou facilita sempre que ela seja igualmente querida pelos interessados.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Ministério Público inconformado coma sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa dela vem recorrer, concluindo como segue:

1. Em face dos elementos constantes dos autos teremos de concluir que a R. não demonstrou ter um contacto permanente e consistente com a comunidade cultural e social portuguesa.
2. Com efeito, da matéria de facto dada como provada apenas resulta que a Ré nasceu na República da Gâmbia, país de origem dos seus progenitores e que reside com os mesmos no Luxemburgo, onde frequenta um curso para aprendizagem da língua portuguesa.
3. Ora, a ligação efectiva à comunidade nacional não pode circunscrever-se às relações de parentesco. A noção de pertença a uma comunidade nacional há-de exprimir-se e aferir-se através de um complexo de laços que a própria comunidade aceite como sendo significativos de integração no seu seio. Em suma, todos os indícios que permitam formar um juízo objectivo de afinidade real e concreta com a comunidade nacional.
4. Por outro lado, o facto de frequentar um curso para aprendizagem da língua portuguesa, não permite concluir que tenha conhecimentos suficientes da língua portuguesa e possua conhecimentos bastantes sobre o nosso país e os nossos costumes e, no caso de possuir esses conhecimentos, se tem com os mesmos alguma afinidade, ao ponto de se poder concluir pela existência de um sentimento de pertença à comunidade portuguesa.
5. No que respeita ao interesse na unidade da nacionalidade familiar, sempre se dirá que o mesmo não é, por força da lei, elemento relevante para a aquisição da nacionalidade portuguesa.
6. Por último, tratando-se de uma acção de simples apreciação negativa, impunha-se que a Ré trouxesse ao processo os elementos que pudessem fundar o direito à aquisição de nacionalidade portuguesa, afirmado nas declarações prestadas na Conservatória dos Registos Centrais.
7. Tendo decidido como decidiu, a douta sentença recorrida violou o disposto no art.° 9° ai. a), da Lei n.° 37/81, na redacção da Lei n.° 2/2006, de 17 de Abril, artigo 56.°, n°2, alínea a), do Decreto-Lei n.° 837-A/2006, de 14 de Dezembro e artigo 343.°, n°l, do Código Civil.
8. Pelo que deve ser revogada e substituída por outra, que julgue procedente a acção de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa a que se reportam os autos.

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O Recorrido não contra-alegou.

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Colhidos os vistos legais e entregues as competentes cópias aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.

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Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:

1. A requerida S….., nacional da República da Gâmbia, nasceu a 23.06.2013, em J……, República da Gâmbia, filha de A…… e F……, ambos ao tempo do seu nascimento nacionais da República da Gâmbia ( cfr. doc°s. de fls. 12 e 12-verso, 15 a 19 dos autos).
2. O pai da requerida A……, adquiriu a nacionalidade portuguesa, nos termos e ao abrigo do art°.7°/Lei n°.37/81, de 3.10., conforme averbamento n°.l, de 30.04.2008, ao assento de nascimento n°. …../2008, da Conservatória dos Registos Centrais ( cfr. doc°s. de fls.20 e 20-verso dos autos).
3. A mãe da requerida F……, adquiriu a nacionalidade portuguesa nos termos do art°. 3°/Lei n° 37/81 de 3.10, conforme averbamento n°.2, de 28.07.2009, ao assento de nascimento n°……/2009, da Conservatória dos Registos Centrais (cfr. doc°. de fls. 25 e 26 dos autos).
4. A menor requerida, representada pelos seus progenitores na qualidade de seus representantes legais, apresentou requerimento, no qual declarou a vontade de aquisição da nacionalidade portuguesa, pelo menor, ao abrigo do art°. 27Lei 37/81, por ser filho de indivíduo que adquiriu a nacionalidade portuguesa, e com base em tal declaração foi instaurado na Conservatória dos Registos Centrais, o processo n°. ….../12 ( cfr. doc°s. de fls. 8 e segs. dos autos).
5. A requerida reside com os seus progenitores no Luxemburgo (admissão por acordo).
6. A requerida frequenta curso, no Luxemburgo, para aprendizagem da língua portuguesa (cfr. doc°. de fls. 32 e admissão por acordo).



DO DIREITO


O discurso jurídico fundamentador em sede de sentença na parte julgada útil em função do objecto do recurso, é o que de seguida se transcreve.
“(..) A Lei Orgânica n°2/2006, de 17 de Abril, veio introduzir alterações estruturais na Lei n°.37/81, de 3 de Outubro, e o Dec.Lei n°237-A/2006, de 14 de Dezembro, veio aprovar o novo Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, e revogar o Dec.Lei n°.322/82,de 12 de Agosto.
O Dec.Lei n°237-A/2006 de 17.4 entrou em vigor em 15 de Dezembro de 2006, cujo art° 4° estabelece a sua aplicação aos processos pendentes, salvo no que respeita ao disposto no art°.2°, e às normas relativas à competência para a decisão dos pedidos de aquisição da nacionalidade portuguesa, por naturalização, bem como ao regime relativo à sua tramitação, e com a entrada em vigor deste diploma, passaram também a vigorar as alterações introduzidas pela Lei Orgânica n°2/2006, de 17 de Abril, "ex vi" do seu art°.9° conjugado com o art°.3°.
No art°.5° da Lei Orgânica n°2/2006, também se determina a aplicabilidade do que nela se dispõe aos processos pendentes, com excepção do art°7°/Lei n°.37/81.
Conforme dispõe o art°.2º/Lei da nacionalidade - à luz do qual foi o pedido no caso subjudice formulado -, os filhos menores ou incapazes de pai ou mãe que adquira a nacionalidade portuguesa, podem também adquiri-la mediante declaração.
E, por efeito do disposto no art°.9° da Lei da Nacionalidade na redacção vigente à data da proposição da presente acção, constituía fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa a não comprovação, pelo interessado, de ligação efectiva à comunidade nacional.
Agora, na lei vigente passou a referir-se, como se disse anteriormente, apenas a inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional.
(..)
Com especial aplicação, no caso em apreço, especificou já o Supremo Tribunal de Justiça, no Ac. de 14.12.2006, proc°. n° 06B4329, que:
"Não resulta da lei, para os casos de pretensão de aquisição da cidadania portuguesa por filho menor de quem a adquiriu, a desvinculação de algumas das suas exigências.
Apesar do interesse da família nuclear, da unidade de nacionalidade de pais e filhos, a lei não arvorou em elemento suficiente ou particularmente relevante para a aquisição da nacionalidade por estrangeiros filhos de quem tenha adquirido a cidadania portuguesa.
Não define a lei o que deve entender-se por ligação efectiva à comunidade nacional.
Mas ela tem a ver com a identificação, por parte do interessado, com a comunidade nacional, como realidade complexa em que se incluem factores objectivos de coesão social."
Donde que, a ligação efectiva à comunidade nacional portuguesa envolve, naturalmente, factores vários, designadamente o domicilio, a língua falada e escrita, os aspectos culturais, sociais, familiares, económicos, profissionais e outros, reveladores de um sentimento de pertença à comunidade portuguesa, em Portugal ou no estrangeiro.
Em face da prova produzida, nos presentes autos, apura-se que os pais da menor, requerida, ambos têm a nacionalidade portuguesa, bem como a menor está a aprender a língua portuguesa, o que por si só revela a preocupação e esforço de criar elos com Portugal, apesar de não residir em Portugal, e por isso, no caso vertente é de concluir pela existência de ligação à comunidade nacional, já que a menor reside com os seus pais ambos já portugueses, e além de tudo o mais, o "principio da unidade familiar" e a defesa da família, impõe no caso subjudice a atribuição da nacionalidade portuguesa.
Em conclusão, improcede a oposição deduzida à aquisição da nacionalidade portuguesa, pela requerente.(..)”

***
No Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo prolatado em 19.06.2014 no procº nº 103/14, fundamentou-se no tocante à aquisição da nacionalidade em razão da vontade, como segue:
“(..) o legislador, considerando que o equilíbrio na atribuição da nacionalidade passava por uma previsão de regras que, “garantindo o factor de inclusão que a nacionalidade deve hoje representar em Portugal, não comprometam o rigor e a coerência do sistema, bem como os objectivos gerais da política nacional de imigração, devidamente articulada com os nossos compromissos internacionais e europeus, designadamente os que resultam da Convenção Europeia sobre a Nacionalidade, que Portugal ratificou em 2000”, resolveu, uma vez mais, alterar a redacção da mencionada norma com vista a que no, procedimento de oposição do Estado Português à aquisição da nacionalidade por efeito da vontade, se invertesse “o ónus da prova quanto ao requisito estabelecido na alínea a) do artigo 9.º que passa a caber ao Ministério Público.
Regressa-se desse modo ao regime inicial da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro.” – Exposição de motivos da Proposta de lei n.º 32/X.
E, porque assim, a partir da entrada em vigor da Lei 2/2006 passou a constituir fundamento de oposição à aquisição de nacionalidade “a inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional” (nova redacção da al.ª a) do art.º 9.º) a qual tinha de ser provada pelo M.P.
É, pois, claro que à data em que a Recorrente manifestou a sua vontade de adquirir a nacionalidade portuguesa vigorava a nova redacção daquele art.º 9.º da Lei 37/81 e que, por força do que nela se dispunha, era ao M.P. que cabia provar que ela não tinha qualquer ligação efectiva à comunidade portuguesa. (..)”

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O fundamento nuclear trazido a recurso em sede de conclusões consiste em que “tratando-se de uma acção de simples apreciação negativa, impunha-se que a Ré trouxesse ao processo os elementos que pudessem fundar o direito à aquisição de nacionalidade portuguesa, afirmado nas declarações prestadas na Conservatória dos Registos Centrais”, sendo que, pelas razões referidas em sede de transcrição dos fundamentos exarados em Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo prolatado em 19.06.2014 no procº nº 103/14, na acção para oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, incumbe ao Ministério Público o ónus da prova da existência dos factos impeditivos do direito [aquisição da nacionalidade] que o interessado quis fazer valer [artºs. 9º a) Lei 37/81, 3.10, 342° n° 2 e 343º do Cód. Civil].
. Por outro lado, na circunstância importa atender à expressão da vontade manifestada pela interessada em adquirir a nacionalidade portuguesa, representada pelos seus pais, também cidadãos portugueses, no quadro da solução legal que se inspira na protecção do interesse da unidade da nacionalidade familiar, pois, embora o legislador não imponha este princípio, trata-se de uma realidade em que se encontra interessado e que promove ou facilita sempre que ela seja igualmente querida pelos interessados, como é o caso dos autos.
Pelo que vem de ser dito improcedem as questões trazidas a recurso nos itens 1 a 8 das conclusões.



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Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença proferida.

Sem custas por isenção tributária do Recorrente.

Lisboa, 20.NOV.2014


(Cristina dos Santos) ………………………………………………………………….

(Paulo Gouveia) ………………………………………………………………………


(Nuno Coutinho) ……………………………………………………………………..
(voto a decisão, discordando apenas da fundamentação no que concerne ao ónus
da prova, remetendo para os fundamentos vertidos no Acórdão deste TCAS proferido no proc. 11025/14)