Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1041/11.8BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/22/2020
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO;
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO GERENTE;
GERÊNCIA DE FACTO.
Sumário:I- A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente.
II - O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.
III- Recai sobre a exequente o ónus da prova do exercício de funções de gerência.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

A Fazenda Pública, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a oposição à execução deduzida por L.........., contra a decisão de reversão proferida nos processos de execução fiscal nºs .......... e aps., .......... e aps., .......... e aps., e .......... e aps., instaurados originariamente contra a sociedade “A.........., Lda.”, por dívidas tributárias no montante total de € 66.102,90.

A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:

“I. A douta sentença a quo, com a ressalva da devida vénia, fez uma errónea valoração da prova produzida, a qual não avaliza o julgamento da matéria de facto no sentido em que foi efectuado.
II. Vem a Oponente responsabilizada pelo pagamento subsidiário das dívidas em cobrança coerciva, relativamente às quais é devedora originária a sociedade “A…….., Lda”, por o prazo de pagamento voluntário destas ter ocorrido durante o período da respectiva gerência, nos termos expressos na alínea b) do nº 1 do art.º 24º da LGT.
III. Não se pode ter como satisfeito o ónus legal que impende sobre a Oponente, de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento dos impostos em causa na execução, quando os factos constitutivos desta responsabilidade - falta de pagamento e/ou entrega do imposto – ocorreram em data anterior à data da ocorrência do facto que determinou a alegada incapacidade da Oponente para o exercício das funções de gerência da sociedade devedora originária.
IV. Com efeito, arguindo a Oponente que, na sequência de um acidente de que foi vítima, ocorrido em 02-04-2008, se viu incapacitada a partir desta data, para conduzir os destinos da sociedade e nada diz relativamente ao período temporal anterior àquela mesma data, tal significa que nenhuma prova fez de que não foi responsável pela insuficiência de património societário para pagamento das dívidas cujos prazos legais de pagamento são anteriores à data em que, alegadamente, sofreu o acidente.
V. Assim e quanto a estas dívidas, apenas se pode concluir ser a Oponente parte legítima na execução.
VI. Porém, importa ainda considerar que da prova produzida pela Oponente, não se pode considerar como inequivocamente demonstrado que esta tenha deixado de exercer funções de gerência efectiva da sociedade após a data de 02-04-2008, motivo pelo qual, ainda que algum prazo de pagamento voluntário das dívidas terminasse para além desta data, sempre se mostrariam verificados na pessoa da Oponente os pressupostos da responsabilidade subsidiária pelo respectivo pagamento.
VII. Deve assim ser revogada a douta Sentença recorrida, por padecer de erro de julgamento, consubstanciado na errada interpretação dos preceitos legais convocados para sustentar a extinção das execuções contra a Oponente e na incorrecta apreciação e valoração da matéria de facto, ao não cuidar que os factos constitutivos da responsabilidade da Oponente se verificaram em data anterior - e, nalguns casos bastante anterior - à data a partir da qual julgou como cessada a responsabilidade daquela, motivo pelo qual, o julgamento de que a Oponente não teve culpa pelo não pagamento das dívidas exequendas não tem qualquer suporte factual.
VIII. A sentença recorrida fez, assim incorrecta interpretação dos factos e consequente aplicação da lei, violando o disposto nos art.ºs nº 24º, nº 1, alínea b) e 74º da LGT, e 342º do CC.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por Acórdão que declare a oposição improcedente, com as devidas e legais consequências.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO, FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA”.

* *

A Recorrida contra-alegou tendo apresentado as seguintes conclusões:

“A. O presente recurso foi interposto pela Fazenda Pública contra sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, no âmbito do processo n.° 1041/11.8BELRS, que julgou procedente a oposição judicial apresentada pela ora Recorrida por considerar que "(...) não foi por culpa da Oponente que o património da sociedade devedora originária se tornou insuficiente para a satisfação das dívidas tributárias, razão pela qual a oposição tem que proceder com base neste fundamento, quedando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos Autos nos termos do artigo 608° n° 2 do CPC, ex vi do artigo 2º al. e) do CPPT".
B. Não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal a quo, a Fazenda Pública vem agora recorrer alegando "(...) a sentença do douto Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e consequente erro de direito, entendendo a recorrente Fazenda Pública, por estas razões, que a Oponente deve ser julgada parte legítima e, em consequência, ser julgada totalmente improcedente a oposição" (cfr. artigos 24.° das alegações de recurso da Fazenda Pública).
C. A impugnação da decisão de lª instância relativa à matéria de facto, depende do cumprimento do ónus de alegação constante do artigo 640.° do Código de Processo Civil aplicável ex vi artigo 2.°, alínea e) do CPPT.
D. A jurisprudência dos Tribunais Superiores tem entendido que o incumprimento daquele ónus determina a imediata rejeição do recurso (Neste sentido veja-se, entre outros, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 15/05/2014, proferido no âmbito do Processo n.° 07508/14).
E. No caso em apreço, não tendo a Fazenda Pública cumprido o referido ónus, deverá presente recurso ser imediatamente rejeitado, quanto ao erro de julgamento da matéria de facto.
F. No respeita ao erro de julgamento de direito, também, carece de fundamento a pretensão da Recorrente.
G. O artigo 24.°, n.° 1 da LGT estabelece que: "Os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: (...) b) pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”.
H. A luz do regime supra exposto, a responsabilidade subsidiária dos gerentes de sociedades de responsabilidade limitada depende fundamentalmente, de acordo com o citado artigo, do exercício de facto das funções de gerência e da existência de culpa do gerente na insuficiência do património da sociedade devedora originária para cumprir as dívidas fiscais.
I. A Fazenda Pública não alegou nem provou os factos que demonstrem o exercício da gerência de facto da ora Recorrida, como lhe competia, pelo que deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício da gerência (cfr. Sobre esta temática vejam-se, entre outros, o Acórdão do STA de 11/03/2009, proferido no processo n.° 0709/08, o Acórdão do STA de 02/03/2011, que julgou o processo n.° 0944/10 e o Acórdão do TCAN de 10/03/2016, proferido no âmbito do processo n.° 0163/06.7BEBRG).
J. Da factualidade dada como assente na sentença controvertida resulta que a Recorrida, em virtude das lesões sofridas no acidente, designadamente do traumatismo craniano com perda de conhecimento e da lesão medular que a deixou paraplégica, estava incapacitada para o exercício de quaisquer funções de gerência (cfr. Alíneas FF) a NN) do probatório da sentença recorrida).
K. "Após o acidente, a Oponente passou a necessitar de terceiros para se lavar, vestir e para realizar as tarefas indiferenciadas do dia-a-dia. Bem longe de ter condições para exercer as suas funções de gerente da A........., Lda. " (cfr. página 10 da sentença recorrida), pelo que se conclui que a ora Recorrida não exerceu a gerência de facto da sociedade devedora originária, e, por isso, não se verifica um dos pressupostos previstos no n.° 1 do artigo 24.° da LGT - o exercício de facto das funções de gerente - para que a reversão ocorra.
L. Para a verificação da responsabilidade subsidiária é ainda necessário que se demonstre a culpa do gerente na diminuição do património da sociedade devedora originária.
M. Atendendo a que a reversão das dívidas fiscais foi feita com base na alínea b) do n.° 1 do artigo 24.° da LGT, cabia à Recorrida demonstrar que não teve culpa na insuficiência do património da sociedade devedora originária para a satisfação das dívidas revertidas, por forma a ilidir a presunção de culpa prevista no referido preceito legal.
N. A jurisprudência dos Tribunais Superiores, entre outros, o Tribunal Central Administrativo Norte, no seu Acórdão de 26/10/2017, proferido no âmbito do processo n.° 001265/07.OBEVIS, tem entendido que "Para ilidir a presunção legal de culpa, deverá o oponente alegar os factos relevantes e demonstrativos das iniciativas que um gestor diligente sempre empreenderia em circunstâncias adversas de modo a evitar, ou minimizar, o impacto negativo de eventuais factores externos no desenvolvimento da actividade social. Para afastar a presunção, não exige a lei o sucesso total dessas diligências em evitar o encerramento da sociedade, ou da constituição das dívidas, pois nem tudo é previsível ou controlável e não cabe aos tribunais avaliar o mérito técnico da gestão desenvolvida pelos gerentes nem as capacidades inatas ou técnicas que cada sujeito é portador. O que se exige é tão só o empenho e actividade dedicada do gestor no pagamento dos créditos fiscais e/ou na preservação do património que há-de, a final, garantir o seu pagamento (o património do devedor constitui a garantia geral dos créditos tributários - art.° 50°/1 LGT e 601° do Código Civil).
E se porventura esse pagamento se tornar impossível, que o gestor demonstre, pelo menos, ter feito tudo o que estava ao seu alcance para que os créditos fiscais não fossem defraudados. Esta exigência é o que se reputa de «condição mínima» para «desculpabilizar» a falta de pagamento de qualquer imposto, sem distinguir as repercussões e características próprias de cada um - cfr. Acórdão do TCAN, de 18/09/2014, proferido no âmbito do processo n.° 1126/06.2BEBRG" (sublinhado da Recorrida).
O. Tendo em conta, o conceito de culpa acima mencionado, o Tribunal a quo considerou que "(...) ainda que algumas das dívidas tenham surgido em data anterior à do acidente, a verdade é que foi o afastamento precoce e inesperado da Oponente da gerência da empresas que acabou por influenciar o seu descalabro financeiro. Tudo levaria a crer, caso não fosse o trágico acidente, que as dívidas que iam surgindo fossem também de igual forma pagas através da actividade normal da empresa. Todavia, se bem atentarmos ao probatório, após o trágico acidente, o principal objectivo da Oponente foi apenas e tão-somente conseguir sobreviver. Como as testemunhas referiram, ela [a Oponente] mal conhecia as pessoas e deixou de ser autónoma até para as mais básicas funções. Quer isso dizer que o acidente de viação foi o facto preponderante para a situação económica em que a sociedade devedora se envolveu, a qual associada a um cenário de crise que assolou a área do imobiliário, foi o suficiente para o início do declínio da devedora originária, sem que a Oponente pudesse fazer algo para evitar. Aliás, ela nem lá estava para conseguir impedir tal declínio. O que significa que fez tudo o que estava ao seu alcance para tentar "salvar" o património da devedora originária e só não fez mais por que estava fisicamente impossibilitada (sublinhado da Recorrida - cfr. página 12 da sentença recorrida).
P. Face à factualidade dada como provada na sentença recorrida é por demais evidente que a AT não fez prova da gerência de facto e que a Recorrida ilidiu a presunção de culpa prevista no artigo 24.°, n.° 1, alínea b) da LGT, pelo que deverá a sentença recorrida ser mantida e, em consequência, julgado improcedente o recurso apresentado pela Fazenda Pública.
Termos em que deverá ser julgado improcedente o recurso apresentado pela Recorrente, por falta de fundamento legal, mantendo-se a sentença ora recorrida, com as demais consequências legais.”.
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Quanto aos fundamentos cujo conhecimento ficou prejudicado pela decisão recorrida, foram as partes notificadas nos termos do art. 665º do CPC para, querendo, se pronunciarem sobre os mesmos, tendo a Recorrida, quanto àqueles fundamentos (nulidade da citação e falta de fundamentação do despacho de reversão), vindo aos autos reiterar os anteriores argumentos apresentados na petição inicial.

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A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito por deficiente apreciação dos factos considerados provados e violação das normas legais ao considerar a Oponente como parte ilegítima das execuções fiscais, bem como apreciar, em substituição, os demais fundamentos invocados pela Oponente, a saber, nulidade da citação e falta de fundamentação do despacho de reversão.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1) O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

A) Em 23/03/2006, no Serviço de Finanças de Lisboa 2 foi instaurado em nome da sociedade “A.........., Lda.”, portadora do NIPC .........., o processo de execução fiscal n.º .........., referente ao IVA, no valor de 2.464,87€ - cfr. fls. 3;

B) Em 24/07/2006, no Serviço de Finanças de Lisboa 2 foi instaurado em nome da sociedade “A.........., Lda.”, portadora do NIPC .........., o processo de execução fiscal n.º .........., referente a Coimas Fiscais, no valor de 6.745,99€ - cfr. fls. 3 dos Autos;

C) Em 20/11/20006, no Serviço de Finanças de Lisboa 2 foi instaurado em nome da sociedade “A.........., Lda.”, portadora do NIPC .........., o processo de execução fiscal n.º .........., referente a IVA, no valor de 11.197,60€ - cfr. fls. 3 dos Autos;

D) Em 22/11/2006, no Serviço de Finanças de Lisboa 2 foi instaurado em nome da sociedade “A.........., Lda.”, portadora do NIPC .........., o processo de execução fiscal n.º .........., referente a IRC de 2005 no valor de 1.983,37€ - cfr. fls. 3 e 60 dos Autos;

E) Em 12/12/2006, no Serviço de Finanças de Lisboa 2 foi instaurado em nome da sociedade “A.........., Lda.”, portadora do NIPC .........., o processo de execução fiscal n.º .........., referente a Coimas Fiscais, no valor de 2.755,45€ - cfr. fls. 3 dos Autos;

F) Em 29/12/2006, no Serviço de Finanças de Lisboa 2 foi instaurado em nome da sociedade “A.........., Lda.”, portadora do NIPC .........., o processo de execução fiscal n.º .........., referente a IVA, no valor de 769,29€ - cfr. fls. 3 dos Autos;

G) Em 12/01/2007, no Serviço de Finanças de Lisboa 2 foi instaurado em nome da sociedade “A.........., Lda.”, portadora do NIPC .........., o processo de execução fiscal n.º .........., referente a Coimas Fiscais, no valor de 549,79€ - cfr. fls. 3 dos Autos;

H) Em 3/06/2007, no Serviço de Finanças de Lisboa 2 foi instaurado em nome da sociedade “A.........., Lda.”, portadora do NIPC .........., o processo de execução fiscal n.º .........., referente a Coimas Fiscais, no valor de 432,67€ - cfr. fls. 3 dos Autos;

I) Em 13/10/2007, no Serviço de Finanças de Lisboa 2 foi instaurado em nome da sociedade “A.........., Lda.”, portadora do NIPC .........., o processo de execução fiscal n.º .........., referente a Coimas Fiscais, no valor de 2.413,13€ - cfr. fls. 3 dos Autos;

J) Em 11/12/2007, no Serviço de Finanças de Lisboa 2 foi instaurado em nome da sociedade “A.........., Lda.”, portadora do NIPC .........., o processo de execução fiscal n.º .........., referente a Coimas Fiscais, no valor de 249,40€ - cfr. fls. 3 dos Autos;

K) Em 21/01/2008, no Serviço de Finanças de Lisboa 2 foi instaurado em nome da sociedade “A.........., Lda.”, portadora do NIPC .........., o processo de execução fiscal n.º .........., no valor de 8.930,95€ - cfr. fls. 3 dos Autos;

L) Em 5/02/2008, no Serviço de Finanças de Lisboa 2 foi instaurado em nome da sociedade “A.........., Lda.”, portadora do NIPC .........., o processo de execução fiscal n.º .........., no valor de 43,36€ - cfr. fls. 3 dos Autos;

M) Em 5/02/2008, no Serviço de Finanças de Lisboa 2 foi instaurado em nome da sociedade “A.........., Lda.”, portadora do NIPC .........., o processo de execução fiscal n.º .........., no valor de 43,36€ - cfr. fls. 3 dos Autos;

N) Em 23/02/2008, no Serviço de Finanças de Lisboa 2 foi instaurado em nome da sociedade “A.........., Lda.”, portadora do NIPC .........., o processo de execução fiscal n.º .........., referente a IMI no valor de 74,32€ - cfr. fls. 3 dos Autos;

O) Em 28/03/2008, no Serviço de Finanças de Lisboa 2 foi instaurado em nome da sociedade “A.........., Lda.”, portadora do NIPC .........., o processo de execução fiscal n.º .........., referente a IVA no valor de 18.027,91€ - cfr. fls. 3 dos Autos;

P) Em 2/04/2008, no Serviço de Finanças de Lisboa 2 foi instaurado em nome da sociedade “A.........., Lda.”, portadora do NIPC .........., o processo de execução fiscal n.º .........., no valor de 382,50€ - cfr. fls. 3 dos Autos;

Q) Em 11/05/2008, no Serviço de Finanças de Lisboa 2 foi instaurado em nome da sociedade “A.........., Lda.”, portadora do NIPC .........., o processo de execução fiscal n.º .........., referente a Coimas fiscais no valor de 966,62€ - cfr. fls. 3 dos Autos;

R) Em 7/11/2008, no Serviço de Finanças de Lisboa 2 foi instaurado em nome da sociedade “A.........., Lda.”, portadora do NIPC .........., o processo de execução fiscal n.º .........., referente a IRC de 2007 no valor de 10.905,09€ - cfr. fls. 3 e 52 dos Autos;

S) Em 22/01/2009, no Serviço de Finanças de Lisboa 2 foi instaurado em nome da sociedade “A.........., Lda.”, portadora do NIPC .........., o processo de execução fiscal n.º .........., referente a Coimas fiscais no valor de 511,25€ - cfr. fls. 4 dos Autos;

T) Em 13/03/2009, no Serviço de Finanças de Lisboa 2 foi instaurado em nome da sociedade “A.........., Lda.”, portadora do NIPC .........., o processo de execução fiscal n.º .........., referente a Coimas fiscais no valor de 466,22€ - cfr. fls. 4 dos Autos;

U) Em 27/06/2009, no Serviço de Finanças de Lisboa 2 foi instaurado em nome da sociedade “A.........., Lda.”, portadora do NIPC .........., o processo de execução fiscal n.º .........., referente a Coimas fiscais no valor de 547,70€ - cfr. fls. 4 dos Autos;

V) Em 22/09/2009, no Serviço de Finanças de Lisboa 2 foi instaurado em nome da sociedade “A.........., Lda.”, portadora do NIPC .........., o processo de execução fiscal n.º .........., referente a Coimas fiscais no valor de 258€ - cfr. fls. 4 dos Autos;

W) Em 14/12/2009, no Serviço de Finanças de Lisboa 2 foi instaurado em nome da sociedade “A.........., Lda.”, portadora do NIPC .........., o processo de execução fiscal n.º .........., referente a Coimas fiscais no valor de 258,30€ - cfr. fls. 4 dos Autos;

X) Em 23/06/2010, no Serviço de Finanças de Lisboa 2 foi instaurado em nome da sociedade “A.........., Lda.”, portadora do NIPC .........., o processo de execução fiscal n.º .........., referente a Coimas fiscais no valor de 258,60€ - cfr. fls. 4 dos Autos;

Y) Em 4/08/2010, no Serviço de Finanças de Lisboa 2 foi instaurado em nome da sociedade “A.........., Lda.”, portadora do NIPC .........., o processo de execução fiscal n.º .........., referente a IRC de 2008 no valor de 8.910,51€ - cfr. fls. 4 dos Autos;

Z) Em 8/09/2010, no Serviço de Finanças de Lisboa 2 foi instaurado em nome da sociedade “A.........., Lda.”, portadora do NIPC .........., o processo de execução fiscal n.º .........., referente a Coimas fiscais no valor de 259,50€ - cfr. fls. 4 dos Autos;

AA) Em 14/09/2010, no Serviço de Finanças de Lisboa 2 foi instaurado em nome da sociedade “A.........., Lda.”, portadora do NIPC .........., o processo de execução fiscal n.º .........., referente a Coimas fiscais no valor de 259,50€ - cfr. fls. 4 dos Autos;

BB) Em 25/01/2011, no âmbito do PEF n.º .......... e aps., o Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 2 proferiu o despacho constante a fls. 83 dos Autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, através do qual reverteu as dívidas contra a Oponente, com base na alínea b) do n.º 1 do art. 24º da LGT e art. 8º do RGIT;

CC) Em 1/02/2011, no âmbito do PEF n.º .......... e aps., o Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 2 proferiu o despacho constante a fls. 88 e 89 dos Autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, através do qual reverteu as dívidas a Oponente, com base na alínea b) do n.º 1 do art. 24º da LGT e art. 8º do RGIT;

DD) Em 1/02/2011, no âmbito do PEF n.º .......... e aps., o Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 2 proferiu o despacho constante a fls. 97 dos Autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, através do qual reverteu as dívidas contra a Oponente, com base na alínea b) do n.º 1 do art. 24º da LGT;

EE) Em 25/02/2011, no âmbito do PEF n.º .......... e aps., o Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 2 proferiu o despacho constante a fls. 124 dos Autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, através do qual reverteu as dívidas contra a Oponente, com base na alínea b) do n.º 1 do art. 24º da LGT;

FF) Em 2/04/2008 a Oponente esteve envolvida num acidente de viação na zona da Matinha, Lisboa – cfr. Participação de Acidente constante a fls. 34 a 36 dos Autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, conjugado com o depoimento das testemunhas arroladas;

GG) Em resultado do acidente referido na alínea anterior a Oponente foi internada no Hospital da CUF Descobertas – cfr. fls. 44 dos Autos;

HH) Em resultado do acidente referido em FF), a Oponente sofreu um traumatismo craniano com perda de conhecimento e uma lesão medular – cfr. Resumo da Informação Clínica constante a fls. 46 dos Autos;

II) Em 6/05/2008 foi elaborado pelo Hospital CUF Descobertas o instrumento constante a fls. 46 dos Autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, e onde se lê que a Oponente foi vítima de acidente viação e que necessita de ajuda de terceiros para a sua deslocação e para a sua higiene pessoal;

JJ) Após o acidente a Oponente ficou totalmente dependente de terceiros para se lavar, vestir e para realizar tarefas indiferenciadas do dia-a-dia – cfr. Relatórios médicos constantes a fls. 46 a 49, conjugado com os depoimentos das testemunhas arroladas;

KK) Após o acidente, a Oponente deixou de reconhecer as pessoas próximas e deixou de ser autónoma até para as mais básicas funções – cfr. depoimento das testemunhas arroladas;

LL) Foi a prima da Oponente que passou a tratar das filhas desta após o acidente – cfr. depoimento da testemunha S..........;

MM) Após o acidente, quem passou a gerir a sociedade devedora originária foi um funcionário da mesma sociedade – cfr. depoimentos das testemunhas arroladas;

NN) A Oponente juntou aos Autos o Relatório elaborado pela Psicóloga A.......... em 4/04/2018, constante a fls. 228 e ss. dos Autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido, e onde consta em concreto o seguinte: « (…)
Lucília Ferreira iniciou acompanhamento em Psicologia por indicação do fisioterapeuta A.......... (Clínica F.........), após a ocorrência de incidente em ambiente doméstico, com sequente traumatismo crânio-encefálico (2009) e evidente perda de algumas funções cognitivas.
Apresentou-se acompanhada, na primeira consulta, com a visível e relatada sintomatologia:
(…)
Perda de referência espácio-temporais e sócio efectivas (deixar de reconhecer família e amigos).(…)»;

OO) A p.i. foi apresentada em 9/05/2011 junto do Serviço de Finanças de Lisboa 2 - cfr. fls. 5 dos Autos.
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Motivação: A convicção que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou no teor dos documentos constantes nos Autos, conforme discriminado em cada uma das alíneas dos Factos Assentes, bem como, nos depoimentos das testemunhas arroladas analisados à luz das regras da experiência comum e segundo juízos lógico-dedutivos.
Em particular foi efectuada a análise ponderada e detalhada do teor da prova documental junta aos Autos, designadamente aquela constante de fls. 228 e seguintes (numeração do SITAF), correspondente ao Relatório elaborado pela Psicóloga que acompanhou a Oponente, de onde se extraíram os factos provados, designadamente, o MM), cujo valor não foi abalado por qualquer outra prova junta pelo Impugnante.
Para além desta prova foram, ainda, atendidos os seguintes depoimentos:
- S........., prima da Oponente, mas apesar da relação familiar depôs de forma isenta e sincera; Confirmou o acidente em que a Oponente esteve envolvida em 2008, tendo ficado praticamente paraplégica; Contou que durante a recuperação, a Oponente voltou a sofrer uma queda em sua casa, tendo ficado com sequelas graves; Disse que tem conhecimento que a empresa passou a ser gerida naquele período de tempo por um funcionário da empresa, de nome J…….; Referiu que foi ela própria (a testemunha) que passou a tratar das filhas da Oponente; Afirmou que só 2 a 3 anos depois é que a Oponente começou a recuperar; Esclareceu que naquele período a Oponente nunca foi à empresa.
A convicção do Tribunal assentou também nos depoimentos de P........., primo da Oponente, o qual de forma livre e sincera, confirmou o depoimento da testemunha anterior; Disse também que 3 meses após o acidente o marido da Oponente separou-se dela e saiu de casa…; Confirmou que a empresa passou a ser gerida pelo seu encarregado - o Sr.J……...
E de J........., ex-marido da Oponente, o qual depôs de forma isenta e franca. Disse em Audiência que a Oponente após o acidente ficou quase “como um vegetal” [palavras do próprio], passando a necessitar de ajuda para tudo; Disse de forma peremptória que após o acidente a Oponente deixou ter qualquer discernimento e capacidade para gerir o que quer que fosse. Reconheceu que não aguentou a pressão e saiu de casa uns meses após o trágico acidente.
Este depoimento foi totalmente credível, pela conjugação de vários factores: a forma como foi prestado (e aqui estamos a referir-nos à comunicação verbal e não verbal) com a conjugação dos documentos junto aos Autos.
E por último, o Tribunal valorou o depoimento de A........., empresário do ramo imobiliário, o qual teve uma relação comercial com a empresa da Oponente a partir de 2007. Disse que depois do acidente da Oponente, a empresa ficou sem rumo certo e passou a ser gerida por um funcionário da empresa.
Após esta diligência, está chegada a altura de tirar conclusões.
Este é, claramente, mais um caso de escola de aplicação do disposto no art. 607º, n.º 5 do CPC, em que entram em jogo as regras da experiência, o bom senso, e a livre apreciação do Julgador.
E aqui o Tribunal valorou de forma decisiva os depoimentos das testemunhas arroladas. Temos 4 testemunhas que vêm a Tribunal dizer o mesmo: Após o acidente, a Oponente passou a necessitar de terceiros para se lavar, vestir e para realizar as tarefas indiferenciadas do dia-a-dia. Bem longe de ter condições para exercer as suas funções de gerente da A........., Lda.
Desta feita, conjugando os depoimentos prestados com os documentos juntos aos Autos, o Tribunal não tem dúvidas em considerar que a Oponente a partir da data do trágico acidente - em 2/04/2008 – deixou de ter condições para ser ela própria a gerir a sociedade devedora originária. Logo, a conclusão inevitável, incontornável e segura, é que o rumo da sociedade A.........., Lda. a partir de 2/04/2008 deixou de ser definido pela Oponente.
Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.”
* *
Nos termos e ao abrigo do preceituado no artigo 662.º do Código de Processo Civil, por estarem documentalmente provados e serem pertinentes para a boa decisão da causa e das questões colocadas em recurso, acorda-se em corrigir o probatório nos seguintes termos:
“A) Em 23/03/2006, no Serviço de Finanças de Lisboa 2 foi instaurado em nome da sociedade “A.........., Lda.”, portadora do NIPC .........., o processo de execução fiscal n.º .........., referente ao IVA, no valor de 2.464,87€ cuja data limite de pagamento ocorreu em 20/02/2006- cfr. fls. 3 e 55 dos Autos;

C) Em 20/11/20006, no Serviço de Finanças de Lisboa 2 foi instaurado em nome da sociedade “A.........., Lda.”, portadora do NIPC .........., o processo de execução fiscal n.º .........., referente a IVA, no valor de 11.197,60€ cuja data limite de pagamento ocorreu a 30/09/2006 - cfr. fls. 3 e 57/59 dos Autos;

D) Em 22/11/2006, no Serviço de Finanças de Lisboa 2 foi instaurado em nome da sociedade “A.........., Lda.”, portadora do NIPC .........., o processo de execução fiscal n.º .........., referente a IRC de 2005 no valor de 1.983,37€ cuja data limite de pagamento ocorreu a 31/10/2006 - cfr. fls. 3 e 60 dos Autos;

F) Em 29/12/2006, no Serviço de Finanças de Lisboa 2 foi instaurado em nome da sociedade “A.........., Lda.”, portadora do NIPC .........., o processo de execução fiscal n.º .........., referente a IVA, no valor de 769,29€ cuja data limite de pagamento ocorreu a 15/11/2006 - cfr. fls. 3 e 107 dos Autos;

I) Em 13/10/2007, no Serviço de Finanças de Lisboa 2 foi instaurado em nome da sociedade “A.........., Lda.”, portadora do NIPC .........., o processo de execução fiscal n.º .........., referente a IVA, no valor de 2.413,13€ cuja data limite de pagamento de pagamento ocorreu a 16/08/2007 - cfr. fls. 3 e 62 dos Autos;

K) Em 21/01/2008, no Serviço de Finanças de Lisboa 2 foi instaurado em nome da sociedade “A.........., Lda.”, portadora do NIPC .........., o processo de execução fiscal n.º .........., referente a IRC de 2006 no valor de 8.930,95€ cuja data limite de pagamento ocorreu a 31/12/2007- cfr. fls. 3 e 64 dos Autos;

L) Em 05/02/2008, no Serviço de Finanças de Lisboa 2 foi instaurado em nome da sociedade “A.........., Lda.”, portadora do NIPC .........., o processo de execução fiscal n.º .........., referente a IRS de 2007 no valor de 43,36€ cuja data limite de pagamento ocorreu a 20/12/2007- cfr. fls. 3 e 63 dos Autos;

N) Em 23/02/2008, no Serviço de Finanças de Lisboa 2 foi instaurado em nome da sociedade “A.........., Lda.”, portadora do NIPC .........., o processo de execução fiscal n.º .........., referente a IMI no valor de 74,32€ cuja data limite de pagamento ocorreu a 31/01/2008 - cfr. fls. 3 e 117/118 dos Autos;

O) Em 28/03/2008, no Serviço de Finanças de Lisboa 2 foi instaurado em nome da sociedade “A.........., Lda.”, portadora do NIPC .........., o processo de execução fiscal n.º .........., referente a IVA no valor de 18.027,91€ cuja data limite de pagamento ocorreu a 15/02/2008 - cfr. fls. 3 e 69 dos Autos;

P) Em 02/04/2008, no Serviço de Finanças de Lisboa 2 foi instaurado em nome da sociedade “A.........., Lda.”, portadora do NIPC .........., o processo de execução fiscal n.º .........., referente a IRS de 2007 no valor de 382,50€ cuja data limite de pagamento ocorreu a 13/02/2008 - cfr. fls. 3 e 70 dos Autos;

R) Em 07/11/2008, no Serviço de Finanças de Lisboa 2 foi instaurado em nome da sociedade “A.........., Lda.”, portadora do NIPC .........., o processo de execução fiscal n.º .........., referente a IRC de 2007 no valor de 10.905,09€ cuja data limite de pagamento ocorreu em 01/10/2008- cfr. fls. 3 e 52 dos Autos;

Y) Em 04/08/2010, no Serviço de Finanças de Lisboa 2 foi instaurado em nome da sociedade “A.........., Lda.”, portadora do NIPC .........., o processo de execução fiscal n.º .........., referente a IRC de 2008 no valor de 8.910,51€, cuja data limite de pagamento ocorreu em 29/05/2010- cfr. fls. 54 dos Autos.


IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O Tribunal recorrido julgou a oposição à execução procedente tendo considerado que a Oponente é parte ilegítima nas execuções fiscais em apreço, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, por entender que não foi por culpa da Oponente que o património da devedora originária se tornou insuficiente para a satisfação das dívidas tributárias.

A Recorrente não se conforma com o decidido invocando, em síntese, que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao ter considerado a Oponente, parte ilegítima nas presentes execuções fiscais.

Entende a Recorrente que o Tribunal a quo fez uma errónea valoração da prova produzida, e que a Oponente não logrou provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento dos impostos em causa na execução, dado que os factos constitutivos desta responsabilidade - falta de pagamento e/ou entrega do imposto – ocorreram em data anterior à data da ocorrência do facto que determinou a alegada incapacidade da Oponente para o exercício das funções de gerência da sociedade devedora originária. Acrescenta ainda que da prova produzida não se pode considerar como inequivocamente demonstrado que a Oponente tenha deixado de exercer funções de gerência efectiva da sociedade após a data de 02-04-2008 (data do acidente), motivo pelo qual, ainda que algum prazo de pagamento voluntário das dívidas terminasse para além desta data, sempre se mostrariam verificados na pessoa da Oponente os pressupostos da responsabilidade subsidiária pelo respectivo pagamento.

A Recorrida em sede de contra-alegações invoca, também em síntese, que a impugnação da decisão de lª instância relativa à matéria de facto, depende do cumprimento do ónus de alegação constante do artigo 640.° do Código de Processo Civil aplicável ex vi artigo 2.°, alínea e) do CPPT e que no caso, não tendo a Fazenda Pública cumprido o referido ónus, deverá o presente recurso ser imediatamente rejeitado, quanto ao erro de julgamento da matéria de facto. Já quanto ao erro de julgamento de direito, manifesta a sua discordância dado que nos termos do art. 24º da LGT, a responsabilidade subsidiária dos gerentes de sociedades de responsabilidade limitada depende fundamentalmente, do exercício de facto das funções de gerência e da existência de culpa do gerente na insuficiência do património da sociedade devedora originária para cumprir as dívidas fiscais. Reitera que a Fazenda Pública não alegou nem provou os factos que demonstrem o exercício da gerência de facto da ora Recorrida, como lhe competia, pelo que deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício da gerência, afirmando ainda que não foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente.
Conclui defendendo que a sentença recorrida deve ser mantida e, em consequência, julgado improcedente o recurso apresentado pela Fazenda Pública dado que a AT não fez prova da gerência de facto e a Recorrida ilidiu a presunção de culpa prevista no artigo 24.°, n.° 1, alínea b) da LGT.

Apreciando.

Em relação ao erro de julgamento da matéria de facto importa salientar que a Recorrente alega que se verificou uma errada valoração da prova produzida, sem especificar e concretizar em que medida ocorreu a errada valoração dos elementos probatórios. Vem assim invocar de forma genérica erro de julgamento de facto da sentença recorrida, não impugnando a matéria de facto mas entendendo que o Tribunal a quo valorou erradamente a prova.

A Recorrida defende que a impugnação da decisão de 1ª instância relativa à matéria de facto depende do cumprimento do ónus de especificação previsto no art. 640º do CPC aplicável ex vi do art. 2º, alínea e) do CPPT, pelo que, não tendo sido cumprido tal ónus pela Recorrente, deve ser rejeitado o recurso quanto ao erro de julgamento da matéria de facto (cfr. conclusões C) a E) das contra-alegações da Recorrida).

Não lhe assiste razão na medida em que, tal como referido anteriormente, a Recorrente não impugnou a matéria de facto mas invocou errada valoração dos elementos probatórios pelo que improcede o pedido de rejeição do recurso quanto ao erro de julgamento da matéria de facto formulado pela Recorrida nas suas contra-alegações.

Refira-se que ao abrigo do art. 662º do CPC aplicável ex vi do art. 281º do CPPT, este Tribunal, com base na prova documental constante dos autos corrigiu oficiosamente as alíneas supra indicadas do probatório no sentido de delas fazer constar o período de pagamento voluntário das dívidas tributárias.

Assim, estabilizada que está a matéria de facto dos autos nos termos acima expostos, importa, então, aferir se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito por errada interpretação dos pressupostos de facto e de direito ao ter considerado a Recorrida como parte ilegítima nos processos de execução fiscal nºs .......... e aps., .......... e aps., .......... e aps., e .......... e aps., instaurados originariamente contra a sociedade “A.........., Lda. .

A questão a decidir prende-se então com a ilegitimidade ou não da Recorrida nas execuções fiscais cujas dívidas tributárias foram revertidas contra si, destacando-se desde já que estamos perante reversão de dívidas tributárias (IVA, IRC, retenções na fonte de IRS e IMI). Na verdade como consta das alíneas BB), CC), DD) e EE) foram proferidos despachos de reversão das execuções fiscais contra a ora Recorrida relativamente às dívidas tributárias e com base no disposto na alínea b) do nº 1 do art. 24º da LGT, constando ainda dos referidos despachos que em relação às dívidas de coimas, foram as mesmas declaradas em falhas.

Para a apreciação da legitimidade dos executados por reversão quanto às dívidas tributárias importa ter presente o regime da responsabilidade das dívidas tributárias vertido no art. 24º da Lei Geral Tributária (LGT).

Dispõe o n.° l do art.°24.° da LGT:
“Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.

O Tribunal a quo considerou a Oponente, ora Recorrida, como parte ilegítima das execuções fiscais, vertendo na sentença recorrida a seguinte fundamentação:
Ficou provado que a Oponente viu-se envolvida num acidente de viação em 2/04/2008. Ficou igualmente provado que em virtude deste acidente e também de uma queda sofrida aquando da recuperação, a Oponente sofreu um traumatismo craniano com perda de conhecimento e uma lesão medular e passou a necessitar de ajuda de terceiros para a sua sobrevivência.
E resulta dos factos dados como assentes que a sociedade devedora originária passou a ser gerida por um dos seus funcionários após a data do acidente.
Posto isto, conjugando os factos dados como assentes com as disposições normativas supra referenciadas, podemos desde já adiantar que a Oponente tem razão quanto à questão da culpa.
Na verdade, se bem atentarmos às datas, ainda que algumas das dívidas tenham surgido em data anterior à do acidente, a verdade é que foi o afastamento precoce e inesperado da Oponente da gerência da empresa que acabou por influenciar o seu descalabro financeiro.
Tudo levaria a crer, caso não fosse o trágico acidente, que as dívidas que iam surgindo fossem também de igual forma pagas através da actividade normal da empresa.
Todavia, se bem atentarmos ao probatório, após o trágico acidente, o principal objectivo da Oponente foi apenas e tão-somente conseguir sobreviver.
Como as testemunhas referiram, ela [a Oponente] mal conhecia as pessoas e deixou de ser autónoma até para as mais básicas funções.
Quer isso dizer que o acidente de viação foi o facto preponderante para a situação económica em que a sociedade devedora se envolveu, a qual, associada a um cenário de crise que assolou a área do imobiliário, foi o suficiente para o início do declínio de devedora originária, sem que a Oponente pudesse fazer algo para evitar. Aliás, ela nem lá estava para conseguir impedir tal declínio.
O que significa que fez tudo o que estava ao seu alcance para tentar “salvar” o património da devedora originária e só não fez mais porque estava fisicamente impossibilitada.
Em suma: a partir do momento em que a Oponente foi internada, a mesma deixou de poder ser responsável pelos destinos da empresa.
Assim sendo, o Tribunal entende que não foi por culpa da Oponente que o património da sociedade devedora originária se tornou insuficiente para a satisfação das dívidas tributárias, razão pela qual a oposição tem que proceder com base neste fundamento”.

Discordando de tal entendimento vem a Fazenda Pública alegar queNão se pode ter como satisfeito o ónus legal que impende sobre a Oponente, de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento dos impostos em causa na execução, quando os factos constitutivos desta responsabilidade - falta de pagamento e/ou entrega do imposto – ocorreram em data anterior à data da ocorrência do facto que determinou a alegada incapacidade da Oponente para o exercício das funções de gerência da sociedade devedora originária.”.

Considerando que o acidente de viação ocorreu em 02/04/2008 e atendendo às datas limite de pagamento referentes às dívidas tributárias, resulta que apenas duas dessas dívidas são posteriores à ocorrência do acidente, em concreto, as dívidas de IRC de 2007 e 2008 referidas nas alíneas R) e Y) da matéria de facto.

Assim, a argumentação vertida na sentença quanto à falta de culpa da Recorrida na insuficiência do património após a ocorrência do acidente de viação e que “o rumo da sociedade A.........., Lda., a partir de 02/04/2008 deixou de ser definido pela Oponente”, é válida para a dívidas de IRC de 2007 e 2008. Na verdade, face à prova produzida nos autos resulta evidente que após o acidente de viação, a Oponente, ora Recorrida, ficou incapacitada para o exercício de quaisquer funções, dependendo de terceiros, tendo assim logrado provar a falta de culpa na insuficiência do património da sociedade para o pagamento dessas dívidas.

Quanto às dívidas tributárias anteriores ao acidente, consideramos que a Oponente não logrou provar a falta de culpa prevista na alínea b) do nº 1 do art. 24º da LGT, pelo que deve conceder-se, nesta parte, provimento ao recurso.

Contudo importa ainda conhecer, em substituição, os fundamentos invocados pela Recorrida na petição de oposição e reiterados nas suas contra-alegações quanto ao exercício das funções de gerente. Na verdade a Recorrida invoca que as decisões de reversão deveriam indicar e demonstrar que a Oponente era gerente de facto da sociedade devedora originária nos períodos a que correspondem as alegadas dívidas exequendas e que a administração tributária não alegou, nem provou, os factos que demonstrem o exercício da gerência de facto da Oponente, não se verificando assim um dos pressupostos previstos no nº 1 do art. 24º da LGT – o exercício de facto das funções de gerente (cfr. artigos 58º a 63º da petição inicial e conclusões H) e I) das respectivas contra-alegações) .

E na verdade assiste-lhe razão.

Se atentarmos ao teor dos despachos de reversão mencionados nas alíneas BB), CC), DD) e EE) constatamos que não é mencionado qualquer facto concreto referente ao exercício da gerência pela Recorrida.

Como é evidente, a reversão operada ao abrigo da apontada alínea b) do nº1 do artigo 24º da LGT, pressupõe que o gerente de facto o tenha sido no momento em que se verifica o termo do prazo legal de pagamento ou entrega das dívidas tributárias, sendo que nesta hipótese, e se assim for, caberá ao revertido provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento.

É para nós claro, que no caso em apreço, a administração tributária não demonstrou minimamente o que lhe competia, isto é, que a revertida era gerente de facto da devedora originária no período temporal aqui em causa, não oferecendo dúvidas que é à Fazenda Pública, enquanto titular do direito de reversão, que cabe fazer a prova do exercício da gerência.

Na verdade, em função da inclusão no nº 1 do art. 24º da LGT das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, fácil é concluir que não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções. Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto.

Com efeito, e como repetidamente considera a jurisprudência, da gerência de direito não se retira, por presunção, a gerência de facto.

Também no Acórdão do STA de 02/03/2011, rec. 0944/10 se afirma “ Nos termos do artigo 24.º, n.º 1, da LGT, não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções.
II - Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário.
III - A presunção judicial, diferentemente da legal, não implica a inversão do ónus da prova.
IV - Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência.”

Reiterando mais uma vez que nos despachos de reversão proferidos nada consta a propósito do efectivo exercício da gerência pela Recorrida, nem a Fazenda Pública o logrou provar, conclui-se que, efectivamente a Recorrida é parte ilegítima nas execuções fiscais em apreço.

Em face do exposto fica prejudicado o conhecimento, em substituição, dos demais fundamentos invocados na petição inicial de oposição (a nulidade da citação e da falta de fundamentação do despacho de reversão).


V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder parcial provimento ao recurso quanto às dívidas exequendas anteriores a 02/04/2008, revogar a sentença recorrida nessa parte, e, em substituição julgar procedente a oposição à execução fiscal.

Custas a cargo da Recorrente em ambas as instâncias.

Lisboa, 22 de Outubro de 2020



[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Cristina Flora e Tânia Meireles da Cunha].
Luisa Soares