Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2589/19.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2020
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:RECLAMAÇÃO DO ART. 276.º,
ERRO NA FORMA DO PROCESSO E PEDIDO IMPLÍCITO,
DESNECESSIDADE DE REQUERIMENTO PRÉVIO A INVOCAR A PRESCRIÇÃO.
Sumário:I. Ainda que o efeito jurídico formulado pela reclamante na p.i. seja o da “extinção do processo de execução”, não se verifica erro na forma do processo, uma vez que ao abrigo do princípio da tutela jurisdicional efetiva, e do princípio pro actione, e nas circunstâncias dos autos, podemos interpretar o pedido formulado na p.i. no sentido de que o mesmo contém um pedido implícito, nomeadamente, o de anulação do ato de penhora;

II. O Juiz pode conhecer da prescrição da dívida exequenda, no âmbito da reclamação prevista no art. 276.º do CPPT, mesmo que essa questão não tenha sido previamente suscitada junto do órgão de execução fiscal, uma vez que a prescrição é de conhecimento oficioso, quer pelo órgão de execução fiscal, quer pelo juiz (art. 175.º do CPPT);
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou parcialmente procedente a Reclamação de Actos do Órgão de Execução Fiscal deduzida por P..... contra a penhora do seu salário pelo Diretor de Finanças do Serviço de Finanças de Lisboa 6, no processo de execução fiscal n.º 422……..

A recorrente apresentou as suas alegações e formulou as seguintes conclusões:
«I. O ora Reclamante foi revertido no âmbito dos processos de execução fiscal n.º 422…… e Apensos, instaurados contra a devedora originária “massa insolvente de T…. S…. Multiassistencia Lar e Empresas, Lda.”, NIPC 504……., no âmbito do qual é exigido o pagamento de IVA dos anos de 1999,2001 e 2003 a 2007, IRC referente aos anos de 2001 a 2006 e IRS (retenção na fonte) relativo aos anos de 2001 a 2006, no montante global de € 234.882,24, valor a que acrescem juros e demais acrescidos legais. No âmbito do referido PEF, veio o contribuinte aí revertido deduzir reclamação, nos termos do art.º 276.º e seguintes do CPPT, contra o despacho de penhora do seu vencimento, alegando e requerendo, sendo este o seu pedido, a declaração de prescrição das dívidas cujo pagamento coercivo é lhe exigido através dos processos de execução fiscal supra identificados.
II. Por sentença datada de 15-01-2020, ora recorrida, veio o Mmº. Juiz do Tribunal a quo conceder provimento parcial à Reclamação apresentada e, consequentemente, declarar prescritas as dívidas exequendas de IVA liquidado entre 1999 e 2002, e de IRC liquidado entre 2001 e 2002 em cobrança coerciva no processo de execução fiscal n.º 422……., mantendo o ato de penhora reclamado e julgando idóneo o meio processual apresentado para conhecer da prescrição.
III. Ressalvado o sempre devido respeito, com o desta forma decidido, não se conforma a Fazenda Pública, porquanto considera que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, consubstanciado não só na incorreta apreciação e valoração da matéria factual, como igualmente na errada interpretação dos preceitos legais convocados para sustentar a revogação do ato em crise nos autos.
IV. Tendo presente os factos dados como provados nas alíneas C), D) e E) do probatório, e ainda os factos referidos nas alíneas F) e G) desse mesmo probatório que permitem concluir que a petição de reclamação apresentada nos termos do art.º 276º do CPPT tem por base o ato de penhora de vencimento/salário (ordem de penhora 422…….), resulta nítido que o reclamante pretendeu suscitar diretamente nos presentes autos a questão da prescrição da dívida exequenda como fundamento imediato para a anulação do ato de penhora. E a sentença recorrida, tendo por base um anterior despacho do órgão de execução fiscal ( OEF ), e que vem referido na al. E) do probatório, assumiu que poderia conhecer da prescrição da dívida sem que daqui resultasse a apreciação da legalidade do ato de penhora.
V. A sequência dos factos dados como assente no probatório da sentença não permite que o Tribunal recorrido assuma a possibilidade de conhecer da prescrição da dívida exequenda, porquanto na p.i. da reclamação apresentada o ato reclamado ali identificado é o ato de penhora, ficando implícito nesse mesmo probatório que o despacho referido na sua al. E) não foi objeto de qualquer reclamação nos termos do art.º 276º do CPPT no prazo devido, tendo-se formado, pelo decurso do prazo sem que houvesse reclamação, o caso decidido.
VI. Decorre do ora explicitado que a sentença ora recorrida vem conhecer da prescrição da dívida exequenda sem que o reclamante tenha suscitado novamente a prescrição da mesma no âmbito do PEF por forma a habilitar o Tribunal a quo na apreciação da legalidade do ato do OEF que sobre a mesma incidisse.
VII. Sucede, porém, no entendimento da Fazenda Pública, que apenas seria legítimo e conforme ao Direito que, através da meio processual apresentado, se procedesse à sindicância jurisdicional dos vícios atinentes ao ato identificado na al. F) do probatório – o ato de penhora -, não se destinando este meio processual à apreciação, por parte do Tribunal, de questões que não foram oportunamente colocadas nem apreciadas pelo OEF. Sendo, portanto, a decisão administrativa reclamada a delimitar o âmbito dos poderes de conhecimento por parte do Tribunal no processo de reclamação do ato do órgão de execução fiscal.

VIII. Isto é, a medida da sindicância jurisdicional do ato praticado pelo órgão de execução fiscal nunca pode, substancialmente, exceder o conteúdo desse ato. Não é legalmente admissível, portanto, que o Reclamante, tendo sido notificado da penhora do seu vencimento em sede de execução fiscal, venha reclamar da mesma com fundamento em prescrição, cujo conhecimento só poderia, já nesta fase, ocorrer no âmbito do PEF, em requerimento neste formulado, sem imputar sequer à penhora qualquer ilegalidade a este ato atinente e que resultariam do art.º 784º do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no art.º 2º al. e do CPPT.
IX. Ao Órgão de Execução Fiscal cabe decidir em primeira linha todas e quaisquer questões que sejam suscitadas no âmbito do PEF, sendo que, in casu, a prescrição não fora anteriormente suscita, de forma a permitir a presente Reclamação, é aliás o que resulta a contrario do disposto no art.º 175º do CPPT: “ A prescrição ou duplicação da coleta serão conhecidas oficiosamente pelo juiz se o órgão de execução fiscal que anteriormente tenha intervindo o não tiver feito”. O objeto da reclamação prevista no artigo 276.º do CPPT diz respeito à existência de (eventuais) vícios de uma determinada decisão concreta do órgão de execução fiscal, e nunca pode ter por objeto a apreciação “ex novo” da prescrição da dívida exequenda, sem que esta tenha sido anteriormente suscitada e decidida no PEF, ou ,caso tenha havido uma anterior pronúncia sobre esta questão, não se tenha formado o caso decidido.
X. O meio judicial utilizado não é o apropriado para a obtenção do efeito efetivamente deferido pelo Tribunal a quo, qual seja, a declaração da prescrição da dívida exequenda (ou mais precisamente de parte desta), pois que tal ato, não sendo um ato de natureza jurisdicional mas antes um ato materialmente administrativo a praticar pelo OEF, só poderia ser objeto de apreciação judicial na sequência de um ato praticado no âmbito do PEF, como se depreende dos artigos 95º, n.º2 al. j) e 103º, ambos da LGT, e do artigo 276º do CPPT.
XI. O Reclamante nada alegou relativamente ao ato de penhora em concreto, não lhe assacando qualquer vício suscetível de ferir a legalidade do ato sindicado, designadamente os fundamentos previstos no art.º 784º do Código de Processo Civil., assentando o seu petitório na análise do requerimento apresentado em 26-07-2017 e na prescrição aí suscitada (alínea D) dos factos provados), o qual foi objeto de despacho notificado e não impugnado, não sendo alegado qualquer elemento de facto ou de direito que inquine a legalidade do ato de penhora, o qual deu origem à apresentação do presente meio processual. O pedido formulado pelo Reclamante não se reconduziu ao meio processual utilizado, na medida em que foi peticionado, não a declaração de ilegalidade do ato em causa (penhora de vencimento), mas sim a declaração de prescrição e a extinção do processo de execução fiscal.
XII. Ora, sendo uma ação delimitada pelo pedido (efeito jurídico pretendido pelo autor) e pelas causas de pedir (os elementos de facto que convertem em concreta a vontade legal), as quais, no caso sub judice não se reconduzem a uma Reclamação de uma decisão do órgão da execução fiscal, prevista no artigo 276.º do CPPT, deve considerar-se que o meio processual utilizado não é o adequado ao efeito jurídico concreto que se pretende obter com a ação. Porquanto o que o Reclamante pretendeu foi a extinção do processo de execução fiscal e não a anulação do despacho que ordenou a penhora de vencimento. Ocorre assim, no caso sub judice, um erro na forma de processo o qual, determinando a nulidade do mesmo, é de conhecimento oficioso (art.ºs 97.º, n.º 3, da LGT, 98.º, n.º 4, do CPPT e 199.º e 196.º, do CPC, aplicável ex vi art.º 2.º alínea e), do CPPT) e, consubstancia uma exceção dilatória inominada, que deve determinar a absolvição da Fazenda Pública da presente instância.
XIII. Com a sentença recorrida, o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 95º, n.º2 al. j) e 103º, ambos da LGT, e do artigo 276º do CPPT e, por consequência, o também disposto nos art.ºs 97.º, n.º 3, da LGT, 98.º, n.º 4, do CPPT e 199.º e 196.º, do CPC, aplicável ex vi art.º 2.º alínea e), do CPPT, , incorrendo em erro de julgamento, consubstanciado não só na incorreta apreciação e valoração da matéria factual, como igualmente na errada interpretação dos preceitos legais convocados para sustentar a revogação do ato em crise nos autos. Nestes termos, impõe-se a revogação da sentença proferida pelo Tribunal a quo com a sua substituição por outra que tenha como sentido julgar verificada uma exceção dilatória inominada (erro na forma do processo), que deve determinar a absolvição da Fazenda Pública da presente instância.
TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DEVE A DOUTA SENTENÇA, ORA RECORRIDA, SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE JULGUE VERIFICADA UMA EXCEÇÃO DILATÓRIA INOMINADA (ERRO NA FORMA DO PROCESSO), DETERMINANDO A ABSOLVIÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA DA PRESENTE INSTÂNCIA., ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!»

O Recorrido, devidamente notificado para o efeito não contra-alegou.
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O Magistrado do Ministério Público ofereceu parecer no sentido da procedência do recurso.

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Com dispensa dos vistos, atento o carácter urgente dos autos, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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As questões invocadas pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se se verifica a exceção dilatória de erro na forma de processo, e nessa medida a Fazenda Pública ser absolvida da instância, tendo sido violados os artigos 95.º, n.º 2, alínea j), e art. 103.º, ambos da LGT, art. 276.º do CPPT, 97.º, n.º 3 da LGT, 98.º, n.º 4 do CPPT, e 199.º e 196.º do CPC, estes últimos aplicáveis ex vi do art. 2.º, alínea e) do CPPT.


II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:



A) Em 12.4.2011, foi emitida informação com conclusão no processo de execução fiscal n.º 422……. e apensos pelo Serviço de Finanças de Odivelas, que se dá por reproduzido, do qual se extrai o seguinte conteúdo:







(cfr. fls. 10 e ss. do SITAF)


B) De acordo com a listagem elaborada pelo Serviço de Odivelas, que se dá por reproduzida, as dívidas exequendas no processo de execução fiscal referido em A) decompõem-se do seguinte modo:
“(texto integral no original; imagem)”



(cfr. fls. 33 e ss. do SITAF)

C) O Reclamante foi citado no dia 27.4.2011 para o processo principal n.º 4227……., na qualidade de Responsável Subsidiário, sendo advertido para pagar a quantia exequenda de 234.882,24€, requerer o pagamento em prestações, dação em pagamento ou deduzir oposição judicial, no prazo de 30 dias;
(cfr. fls. 33 e ss. do SITAF)

D) Em 26.7.2017, o ora Reclamante enviou ao Serviço de Finanças de Odivelas correio eletrónico que se dá por reproduzido, e do qual se transcreve o seguinte: “No âmbito da carta anexa que recebi, relativa à penhora de bens em execução fiscal, venho pelo presente reclamar a estimada prescrição das dívidas tributárias compreendidas nos processos referidos considerando que cada um daqueles processos compreendem diversas dívidas. Pretendo que me informem do tempo decorrido de cada uma das dívidas e eventuais suspensões ou interrupções das prescrições, considerando o artigo 48.º da LGT.”
(cfr. fls. 33 e ss. do SITAF)

E) Em 2.8.2017, foi proferido despacho n.º 3424 da Sr.ª Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Odivelas, com o seguinte teor:
“Em resposta ao mail dirigido por Vª Ex.ª a este Serviço de Finanças, com data de 26 de Julho de 2017, cumpre esclarecer do seguinte:
A análise à prescrição da dívida em cobrança coerciva nos autos de execução fiscal n.º 4227…….. e Apensos, que correm termos neste Serviço de Finanças foi efectuada aquando da reversão, de que foi citado em 2011-04-04 e de que se anexa o referido despacho de reversão.
Esta citação produz efeitos de interrupção para os devedores subsidiários e para o originário, por força da regra do n.º 2 do art. 48.º da LGT, acórdão do STA n.º 0719/08 de 27.08.2008, 2ª Secção, iniciando de novo a contagem em 04-04- 2011.
Em conclusão não se verifica a prescrição de nenhum dos impostos, em cobrança nos PEF supramencionados nem para a devedora originária nem para o revertido”.
(cfr. fls. 33 e ss. do SITAF)

F) Em 5.10.2019, foi emitido ofício de notificação de penhora, em nome do ora Reclamante, número de ordem de penhora 4227…….., cujo teor se dá por reproduzido e do qual se extrai o seguinte teor:


“(texto integral no original; imagem)”



(cfr. fls. 10 e ss. do SITAF)

G) A petição inicial de reclamação dos atos do órgão de execução fiscal deu entrada no Serviço de Finanças de Odivelas no dia 21.10.2019.
(cfr. fls. 8 do SITAF)

H) A sociedade devedora originária nos autos de execução fiscal n.º 4227200101507370 e apensos foi declarada insolvente por sentença transitada em julgado em 5.6.2007.
(cfr. fls. 33 e ss. do SITAF) »

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Conforme resulta dos autos, com base na matéria de facto supra transcrita, o Meritíssimo Juiz do TT Lisboa que julgou parcialmente procedente a reclamação, declarando prescritas as dívidas exequendas de IVA liquidado entre 1999 e 2002, e de IRC liquidado entre 2001 e 2002, mantendo, porém, o ato de penhora reclamado.

A Recorrente não se conforma com o decidido invocando erro de julgamento de facto, por errónea apreciação e valoração da matéria factual, e errónea interpretação dos preceitos legais que sustentam a decisão, não se conformando com a decisão na parte em que não julgou verificado o erro na forma do processo.

É a seguinte a fundamentação da sentença recorrida na parte em que apreciou o erro na forma do processo suscitado pela Fazenda Pública na resposta em 1.ª instância:

“Questão prévia – Do erro na forma de processo.

Alegou a Fazenda Pública na sua resposta que o meio processual utilizado não é o adequado ao efeito jurídico concreto que o Reclamante pretende obter com a ação, na medida em que é peticionada, não a ilegalidade do ato de penhora do vencimento, mas a declaração de prescrição e a extinção do processo de execução fiscal.
Vejamos.
Embora aponte a penhora do seu salário como ato do qual foi notificado e que o faz apresentar a reclamação, o Reclamante constrói toda a causa de pedir inerente a esta sua iniciativa processual em torno da alegada prescrição da dívida tributária exequenda, deduzindo o pedido de extinção da execução com o consequente arquivamento do processo.
O erro na forma de processo constitui uma nulidade de conhecimento oficioso, cuja verificação tem como consequência a anulação do processado que não puder ser aproveitado [artigo 193.º do CPC ex vi o artigo 2.º al. e) do CPPT], importando a absolvição da instância nos casos em que não seja possível a convolação para a forma de processo adequada [576.º n.º 1 e artigo 577.º, al. b) do CPC].
Uma vez que o Tribunal se encontra em condições de apreciar se a petição inicial que propulsionou os presentes autos incorreu ou não em erro na forma de processo, importa, antes de mais, traçar um breve enquadramento desta figura.
Dada a afirmação do processo tributário como um contencioso pleno, aberto a uma pluralidade de pretensões, o legislador disponibiliza um vasto elenco de meios processuais certos e atreitos a proporcionar ao interessado o reconhecimento judicial e satisfação dos seus direitos. O princípio da tutela jurisdicional efetiva, sedeado nos artigos 20.º, n.º 4 e 5 e 268.º, n.º 4 da Constituição, reflete-se num sistema processual tributário estruturado em vários tipos de meios, correspondendo a cada direito subjetivo invocado um, e apenas um desses meios.
Um meio processual talhado para a tutela dos direitos do executado em processo de execução fiscal (ou de terceiro) é o da reclamação das decisões do órgão de execução fiscal, consignada no art. 276.º do CPPT, que visa sindicar as decisões proferidas por este órgão no processo.
Apesar de configurada como um meio de controlo da legalidade de atos praticados na execução fiscal, tem-se entendido jurisprudencialmente que a reclamação de atos de órgão de execução fiscal, prevista nos artigos 276.º a 278.º do CPPT, pode ser acionada com o escopo de conhecer a prescrição da obrigação tributária em cobrança, porquanto esta é de conhecimento oficioso pelo Tribunal (cfr. artigo 175.º do CPPT).
Sem embargo, o meio apropriado a acolher o pedido da sua declaração é o processo de oposição à execução [cfr. artigo 204.º/1/d) do CPPT], apenas sendo lícita a colocação de tal questão em sede de reclamação de atos do órgão de execução fiscal contanto que a pronúncia do mesmo sobre tal questão tenha anteriormente sido provocada (em sintonia com o acórdão do STA de 24.2.2011, proc. n.º 0105/11, in www.dgsi.pt).
Como resulta da leitura conjugada dos pontos 4, 5 e 7 do probatório, o Reclamante suscitou a questão da prescrição nos autos da execução fiscal, perante o órgão de execução fiscal, que dela conheceu, em momento anterior ao da sua arguição por via da reclamação em análise.
Deste modo, mesmo que o ato positivo que é objeto de reação não seja a pronúncia que recusa a declaração da prescrição da dívida, e sim a penhora incidente sobre o salário do mês de setembro de 2019 do Reclamante (cfr. ponto 6 do probatório), está cumprido o pressuposto da prévia suscitação e apreciação da questão pelo órgão de execução fiscal para que possa a reclamação perfilar-se como meio processual próprio.
Sendo o ato reclamado objetivamente capaz de afetar os direitos e interesses legalmente protegidos do Reclamado, cujo fim último consiste na satisfação da dívida, e tendo a questão da prescrição sido colocada e decidida antes da dedução do presente meio processual, a reclamação surge como legalmente atreita a tramitar a pretensão de tutela judiciária apresentada, designadamente para efeitos de apreciar a prescrição da dívida exequenda, nos termos do art. 276.º do CPPT.
Termos em que improcede a exceção deduzida pela Fazenda Pública. (…)”

Ora, a Recorrente Fazenda Pública insurge-se contra a sentença recorrida por entender que, tendo em consideração os factos dados como provados nas alíneas C), D) e E) do probatório, bem como as alíneas F) e G) resulta que a Reclamante pretendeu suscitar diretamente nos presentes autos a questão da prescrição como fundamento imediato para anulação do ato de penhora.

Invoca que a Recorrente que o ato identificado na p.i. de reclamação é o ato de penhora, sendo que o despacho referido em E) não foi objeto de qualquer reclamação nos termos do art. 276.º do CPPT, e nessa medida formou-se caso decidido.

Mais entende que não tendo sido a questão da prescrição novamente suscitada junto do órgão de execução fiscal, não podia o Tribunal da mesma conhecer, pois apenas os vícios do ato de penhora identificado em F) poderiam ser sindicados.

Remata, invocando que o pedido formulado não é o adequado à forma processual utilizada, pelo que se verifica a exceção dilatória de erro na forma de processo, devendo, em consequência a Fazenda Pública ser absolvida da instância, tendo sido violados os artigos 95.º, n.º 2, alínea j), e art. 103.º, ambos da LGT, art. 276.º do CPPT, 97.º, n.º 3 da LGT, 98.º, n.º 4 do CPPT, e 199.º e 196.º do CPC, estes últimos aplicáveis ex vi do art. 2.º, alínea e) do CPPT.

Apreciando.

A cada direito corresponde um, e apenas um, meio processual adequado para o seu reconhecimento em juízo (“a ação adequada”), a não ser que a lei determine o contrário (cf. art. 2.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do art. 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)).

Verifica-se o erro na forma de processo quando o A. faz uso de uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão.

A propriedade ou impropriedade do meio processual afere-se pelo pedido final formulado na p.i., ou seja, pela pretensão que o A. pretende fazer valer com a ação. O pedido formulado deve ser adequado à finalidade abstratamente figurada pela lei para essa forma processual, sob pena de ocorrer erro na forma de processo (cf. neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STA de 28/3/2012, proc n.º 1145/11, e de 29/2/2012, proc. n.º 1161/2011, de 28/05/2014, proc. 01086/13, de 18/06/2014, proc. n.º 01549/13, de 05/11/2014, proc. n.º 01015/14).

Se as concretas causas de pedir invocadas não são adequadas à forma de processo escolhida pelo A., então estamos perante questões relacionadas com a viabilidade do pedido, e não da propriedade do meio processual, pelo que não haveria erro na forma do processo, mas improcedência da ação (nesse sentido, Ac. 18/06/2014, proc. n.º 01549/13, Ac. do STA de 17/04/2013, proc. n.º 0484/13, e Ac. do STA de 20/02/2013, proc. n.º 0114/13, de 18/06/2014, proc. n.º 01549/13).

Saliente-se que o Juiz está vinculado pelo pedido, uma vez este delimita as questões que o tribunal deve apreciar nos termos da alínea e) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, não obstante, pode interpretar o pedido, determinando o real sentido da pretensão do A. Efetivamente, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem admitido de forma reiterada que o pedido formulado na petição possa ser interpretado (vide, entre muitos outros, Ac. do STA de 16/04/2008, proc. n.º 051/08, de 4/02/2009, proc. n.º 0925/08, de 11/02/2009, proc. n.º 924/08, de 7/07/2010, proc. n.º 0366/10, e de 26/09/2012).

Por outro lado, o facto de haver cumulação de pedidos não obsta a que se conclua pela propriedade do meio processual utilizado com base num dos pedidos, devendo ser considerado sem efeito os demais que não sejam adequados, prosseguindo o processo relativamente ao pedido adequado à forma de processo escolhida pelo A. (solução que se extrai do tratamento dado a uma questão paralela no n.º 4 do art. 193.º do CPC – nesse sentido, cf. Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário- anotado e comentado, Vol. I, 6.º Ed., Áreas Editora, 2011, p. 92) – também neste sentido, vide, Ac. do STA de 28/05/2014, proc. 01086/13.

Passemos, então, à analise do caso dos autos, aplicando a jurisprudência supra exposta.

In casu, foi apresentada uma petição inicial nos termos do art. 276.º e ss pela Reclamante, na qual se refere no cabeçalho que a mesma é apresentada na sequência da notificação da penhora do seu salário. Por outro lado, da leitura do articulado e das respetivas conclusões se infere claramente que a única causa de pedir da ação é a prescrição da dívida exequenda. Por fim, finaliza-se na petição inicial com o seguinte pedido: “Termos em que se requer a declaração de prescrição com a consequente extinção da execução”.

Como referimos, é pelo pedido que se afere a adequação da forma processual e, por conseguinte, o pedido que deveria ter sido formulado na p.i. seria o de anulação do ato reclamado (in casu, anulação do ato de penhora do salário), pois seria o adequado à finalidade abstratamente figurada pela lei para a reclamação do ato do órgão de execução fiscal prevista no art. 276.º do CPPT.

Sucede que, como vimos, o pedido formulado pela Reclamante não foi especificamente esse. Contudo, como também já referimos, o juiz poderá interpretar o pedido formulado de modo a ajuizar se é o adequado para fazer valer a sua pretensão.


Ora, o efeito jurídico formulado pela reclamante no final da p.i. é o da extinção do processo de execução fiscal (com fundamento na prescrição que se peticione que declare). Não obstante, com fundamento no princípio da tutela jurisdicional efetiva, e no princípio pro actione, podemos interpretar o pedido formulado na p.i. no sentido de que este contém um pedido implícito, nomeadamente, o da anulação do ato de penhora, e que a questão da prescrição é a causa de pedir que sustenta a sua pretensão.

Como se sumaria no acórdão do STA de 12/10/2016, proc. n.º 0424/16 “Os princípios anti-formalista, pro actione e pro favoritate instantia, impõem ao juiz que interprete os pedidos formulados pelo autor de modo a adequar o processo à forma processual mais apta para que possa proferir uma decisão de mérito”.

A verdade é que, como referimos, no cabeçalho a Reclamante deixa claro que vem se insurgir contra o ato de penhora do seu salário, e, portanto, daqui também decorre que o que pretende é a anulação desse ato de penhora com fundamento na prescrição da dívida exequenda.

Sublinhe-se que, ao contrário do que entende a Recorrente Fazenda Pública, a ocorrer em momento anterior à penhora, a prescrição constitui fundamento bastante para a anulação desse ato, e caso se verifique a prescrição parcial da dívida, como foi decidido no caso dos autos, a penhora do salário apenas poderá ser efetuada até ao montante da dívida exequenda não prescrita.

Por outro lado, importa ter em consideração que a prescrição da dívida exequenda em momento anterior à penhora tem por efeito não só a anulação desse ato, como também implica a extinção do processo de execução fiscal que deve ser declarado oficiosamente pelo órgão de execução fiscal (cf. artigos 175.º, e art. 176.º, n.º 1, alínea c), ambos do CPPT).

Portanto, neste contexto específico dos autos o pedido formulado pela Reclamante de extinção do processo de execução fiscal tem em si mesmo uma pretensão implícita de anulação da penhora contra a qual a Reclamante pretende se insurgir, e nessa medida, não se verifica erro na forma do processo.

Por outro lado, e ao contrário do que entende a Recorrente Fazenda Pública, sendo a questão da prescrição de conhecimento oficioso pelo juiz se anteriormente o órgão de execução fiscal não o tiver feito (cf. art. 175.º do CPPT), não carece de ser previamente suscitada junto do órgão de execução fiscal.

Na verdade, a jurisprudência do STA sempre admitiu a prescrição como fundamento da subida imediata reclamação dos atos do órgão de execução, adotando a posição jurídica de que juiz deve conhecer da questão da prescrição em sede de reclamação prevista no art. 276.º do CPPT, mesmo que não tenha sido previamente colocada ao órgão de execução fiscal (cf. nesse sentido, acórdão do STA de 08/08/2012, proc. n.º 0790/12 (Relator Lino Ribeiro): “(…) II – A continuação da execução fiscal, numa situação em que há possibilidade da dívida estar prescrita, permite prognosticar a ocorrência de prejuízos irreversíveis, pelo que a reclamação deve subir imediatamente. III – O tribunal tributário deve conhecer da prescrição na reclamação, mesmo que o seu objecto do acto reclamado nada tenha a ver com a prescrição e a questão não tenha sido previamente colocada à administração tributária.” – sublinhado nosso).

Ademais, ainda que a prescrição já tenha sido suscitada anteriormente no processo de execução fiscal, e dessa decisão não tenha havido reclamação nos termos do art. 276.º do CPPT, tal não significa que não poderá ser novamente ser suscitada e/ou conhecida, pois a sua verificação está ligada exatamente ao decurso do tempo, ou seja, num determinado momento poderá não se verificar a prescrição, mas passado dias, meses ou anos, o prazo prescricional se poderá completar, pelo que, posteriormente, sempre se deverá declarar oficiosamente quer pelo juiz, quer pelo órgão de execução fiscal, pois é o que decorre da lei (art. 175.º do CPPT).

Nessa medida, também não se verifica erro de julgamento da sentença recorrida por ter conhecido da questão da prescrição enquanto fundamento de reclamação do art. 276.º do CPPT.

Pelo exposto, improcedem os fundamentos do recurso, e tendo em consideração que não foi sindicada em sede de recurso a sentença recorrida na parte referente ao cômputo do prazo de prescrição da dívida exequenda, nada mais há a decidir.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Vencida na presente causa a Recorrente, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte).

Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

I. Ainda que o efeito jurídico formulado pela reclamante na p.i. seja o da “extinção do processo de execução”, não se verifica erro na forma do processo, uma vez que ao abrigo do princípio da tutela jurisdicional efetiva, e do princípio pro actione, e nas circunstâncias dos autos, podemos interpretar o pedido formulado na p.i. no sentido de que o mesmo contém um pedido implícito, nomeadamente, o de anulação do ato de penhora;

II. O Juiz pode conhecer da prescrição da dívida exequenda, no âmbito da reclamação prevista no art. 276.º do CPPT, mesmo que essa questão não tenha sido previamente suscitada junto do órgão de execução fiscal, uma vez que a prescrição é de conhecimento oficioso, quer pelo órgão de execução fiscal, quer pelo juiz (art. 175.º do CPPT);

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III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
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Custas pela Recorrente.
D.n.
Lisboa, 30 de setembro de 2020

Cristina Flora

Tânia Meireles da Cunha

António Patkoczy