Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 12/22.3BCLSB |
![]() | ![]() |
Secção: | CT |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Data do Acordão: | 03/16/2023 |
![]() | ![]() |
Relator: | VITAL LOPES |
![]() | ![]() |
Descritores: | DECISÃO ARBITRAL NÃO ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO OPOSIÇÃO DOS FUNDAMENTOS COM A DECISÃO OMISSÃO DE PRONÚNCIA |
![]() | ![]() |
Sumário: | I - Os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, alíneas a) a d), do RJAT correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.615, nº.1, do C. P. Civil. II - Só ocorre falta de fundamentação de facto e de direito da decisão judicial, quando exista falta absoluta de motivação ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respectivo destinatário a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial. III - Só ocorre contradição ou oposição entre os fundamentos de facto e de direito e a decisão judicial quando aqueles conduzirem, de acordo com um raciocínio lógico, a resultado oposto ao que foi decidido, ou seja quando os fundamentos justificam uma decisão precisamente oposta à tomada. IV - A nulidade da sentença ou acórdão por omissão de pronúncia só acontece quando a sentença ou acórdão deixam de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão dessa questão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra. |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Votação: | Unanimidade |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Aditamento: | ![]() |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL 1 – RELATÓRIO A Autoridade Tributária e Aduaneira, vem, ao abrigo do disposto no artigo 27.º e 28.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante RJAT), aprovado pelo D.L.n.º10/2011, de 20 de Janeiro, impugnar a decisão arbitral proferida em 27/12/2021 no processo n.º 381/2020–T, pelo Tribunal Arbitral Colectivo constituído junto do Centro de Arbitragem Administrativa (doravante CAAD). A impugnante apresentou alegações que termina com as seguintes e doutas conclusões: « Em face de todo o exposto supra, a Impugnante formula as seguintes conclusões: 1. A presente Impugnação visa reagir contra a decisão arbitral proferida a 2021-12-27 pelo Tribunal Arbitral Coletivo constituído no Centro de Arbitragem Administrativa no Processo 381/2020-T, que julgou procedente o Pedido determinando a anulação das liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (doravante “IVA”) relativas aos vários períodos melhor identificados no Pedido de Pronúncia Arbitral; 2. Aquela Decisão considera-se notificada à Impugnante a 30/12/2022; 3. Decisão essa que se considera notificada à Impugnante a 30/12/2021. 4. Assim, o prazo de 15 dias para Impugnar aquela Decisão, tendo em conta que as férias judiciais terminaram a 04/01/2022, o último dia do prazo para a apresentação da presente impugnação (sem multa), foi o passado dia 18/01/2022. 5. Desta forma, sendo hoje o 2.º dia útil posterior àquele, liquidou e pagou a Impugnante multa no montante de 25% sobre o valor das custas (€510,00), no total de €127,50 (cfr. Doc. 1 e 2, que se juntam e se dão por integralmente reproduzidos). 6. A Impugnante não concorda a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral por entender que: (a) a mesma não especificou os fundamentos de facto que justificam a decisão; (b) os fundamentos apontados estão em oposição à decisão e, (c) incorreu em Omissão de Pronúncia; 7. No tocante ao primeiro ponto, o Tribunal Arbitral deu como provado, entre outros que, do RIT constava que “a faturação da prestação de serviços de nutrição não beneficia da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA, estando sujeita a tributação nos termos gerais do CIVA, uma vez que os serviços de aconselhamento nutricional, disponibilizados em complemento da atividade física, não se enquadram no conceito de prestações de serviços médicos nem visam a assistência médica, diagnóstico, tratamento de doenças ou quaisquer anomalias de saúde.” 8. E, transcreveu no ponto 25) da factualidade provada, a parte do RIT, na qual se inclui este excerto e, outros, que evidenciam, salvo melhor opinião, que os SIT consideraram que a aplicação da isenção, em suma (e entre outros), não era legal, porque não se enquadrava no conceito de serviços médicos e, que a demonstrá-lo estava o facto de tais serviços serem facturados (com recurso à isenção), independentemente de serem ou não, efectivamente prestados. 9. Para mais tarde concluir na decisão impugnada que a alegação pela Impugnante da falta de finalidade terapêutica das consultas de nutrição e bem assim, da falta de efectividade da prestação dos serviços, constitui fundamentação à posteriori, por que não foi fundamento das liquidações impugnadas; 10. Contudo, da análise da referida decisão não se compreende quais os fundamentos em concreto nos quais o Tribunal a quo fundou a sua convicção, até porque da análise do constante do RIT (dado como reproduzido na decisão impugnada), tudo aponta no sentido contrário àquele em que arrimou o areópago; 11. Pelo que, se deve dar por provado que a decisão não especificou os fundamentos de facto que justificam a decisão, na parte relativa à sua conclusão de que a falta de finalidade terapêutica dos serviços não foi fundamento das correcções e que, assim, constitui fundamentação à posteriori e, a necessária desconsideração pelo Tribunal do feito constar do RIT a este respeito, com todas as consequências legais. 12. Pelo mesmo motivo, na falta de qualquer fundamento que em detrimento do que foi dado como provado constar do RIT, permita a conclusão formulada na decisão impugnada, de que, apesar do acima referido como parte do RIT, a alegação pela Impugnante da falta de finalidade terapêutica das consultas de nutrição e/ou, a falta de efectividade de prestação dos serviços, constitui fundamentação à posteriori, ou seja, que não foi fundamento das liquidações impugnadas, se deve concluir que esta conclusão está em contradição com os fundamentos da mesma. 13. E, por não se verificar tal fundamentação à posteriori, sempre se deveria ter o Tribunal pronunciada sobre aquela questão, que foi levantada no Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pela Impugnada e, contraditado pela Impugnante, nas Resposta e Alegações que apresentou, verificando-se também assim, o vício de Omissão de Pronúncia, na Decisão impugnada, vício este que também deve ser dado como provado, com todas as consequências legais. 14. Entende, assim, a Impugnante que a decisão arbitral em causa se mostra contrária à lei, não podendo, por conseguinte, manter-se na ordem jurídica. Termos em que, por todo o exposto supra e sempre com o douto suprimento de V.Exas., deve a presente Impugnação ser julgada procedente e, consequentemente, ser anulada a decisão arbitral, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.». A impugnada, “H… HEALTH CLUBS, S.A.”, apresentou contra-alegações, que culmina com as seguintes e doutas conclusões: « I. Vem a presente impugnação judicial interposta da douta decisão Arbitral que anulou as liquidações de IVA da Impugnada referentes aos meses de janeiro a junho e de agosto a dezembro de 2015. II. Em sede de regime da arbitragem voluntária em direito tributário, o qual foi introduzido pelo Dec. Lei 10/2011, de 20/1 (R.J.A.T.), os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reação da decisão dos Tribunais Arbitrais para os Tribunais Centrais Administrativos, consistem na impugnação da decisão arbitral consagrada no artº. 27.º, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº. 28º, nº.1. III. Na verdade, o desígnio legislativo foi de restringir os recursos das decisões arbitrais, revelado na alínea h) do n.º 4 do artigo 124.º da Lei 3/b/2010, de 28 de Abril, na qual a Assembleia da República deu ao Governo a autorização legislativa, na qual se baseou o DL 10/2011, de 20 de janeiro, que regulamenta a arbitragem e que consagrou a regra da irrecorribilidade da decisão arbitral em matéria tributária, com exceção dos recursos de constitucionalidade e o recurso por oposição de acórdãos do STA, nos termos do art.º. 25.º do RJAT, e da impugnação da decisão arbitral, prevista nos arts.º 27.º e 28.º do RJAT. IV. Vem a Impugnante ancorar a sua impugnação em três alíneas do art.º 28º do RJAT, que correspondem a vícios de nulidade das sentenças nos tribunais arbitrários, nos termos do plasmado no artigo 125.º nº 1 do CPPT. V. Porém, o que a Impugnante alega no seu aliás douto articulado é um erro de julgamento e não nulidade da sentença. VI. Ora, pela própria letra da lei, o fundamento da presente impugnação não poderá assentar nas duas primeiras alíneas do art.º 28º (não especificação dos fundamentos de fato que justifiquem a decisão e oposição entre os fundamentos e a decisão), porquanto as mesmas são incompatíveis entre si. VII. Ou não existem fundamentos e como tal a impugnação é possível atenta a alínea a) do n.º 1 do art.º 28º. VIII. Ou os fundamentos existem e estão em oposição com a decisão e, portanto, subsume-se na alínea b) do n.º 1 do art.º 28º, mas já não na alínea a). IX. Vem a Impugnante no seu art. 5º dizer que o Acórdão Arbitral dá como reproduzido todo o RIT no ponto 25) da matéria dada como provada para fundamentar a não especificação dos fundamentos, quando, na verdade, o que a mesma indicia no seu articulado é um erro de julgamento X. Refere a Impugnante que da transcrição do RIT resulta evidente que os SIT entenderam que não se verificou a finalidade terapêutica nos serviços de nutrição quando eram acessórios do ginásio (o que nem sequer está em causa para os vícios invocados da nulidade da decisão!) XI. Contudo, se lermos atentamente o RIT, a conclusão é diferente e antagónica, considerando que os Serviços SDIET são acessórios da atividade de exercício físico. XII. Na verdade, o que ficou provado foi que os serviços de nutrição vendidos com a Sigla SDIET (únicos que foram objeto de correção aritmética) e os serviços SNUT (que não foram objeto de correção) não são diferenciados. XIII. Não se pode concluir, como pretende a Impugnante, que do relatório dos SIT se infirma que não se verificou a finalidade terapêutica e daí a não beneficiação da isenção do IVA e a correção aritmética e como tal existira oposição entre os fundamentos e a decisão. XIV. Ora, os fundamentos da douta decisão assentam em que os SIT basearam a correção na questão da acessoriedade e decidiu em conformidade, entendendo que os serviços de nutrição prestados pela Impugnante não são acessórios, mas autónomos e independentes. XV. Na verdade, não estamos em sede de impugnação judicial a discutir o mérito da questão, mas tão somente vícios da decisão subsumíveis nas alienas a), b) e c) do nº 1 do artigo 28 do RJAT, ou seja, nulidades da decisão. XVI. Na verdade, a pedra basilar de todo o relatório não tem haver com a discussão da finalidade terapêutica das consultas prestadas sob a sigla SDIET (que reitere-se são exatamente iguais às consultas SNUT), mas sim na tónica de que sendo as prestações de serviços de nutrição contratadas conjuntamente com os serviços de ginásio, são acessórios e, por essa razão, não têm fim terapêutico, ou seja, se os SIT não tivessem caracterizado os serviços como acessórios nem sequer a questão da finalidade terapêutica se punha em causa, como aconteceu nos serviços de nutrição faturados com a sigla SNUT, que como não foram considerados acessórios nem sequer se discutiu a finalidade terapêutica. XVII. Acresce que, dúvidas não existem que os SIT apenas fizeram a diferença pelos códigos SDIET e SNUT, tendo procedido às correções de todas as faturas dos códigos SDIET. XVIII. Ou seja, o critério distintivo não foi se as consultas foram ou não efetuadas, que aliás o próprio SIT referem existirem, XIX. o critério distintivo não foi que as consultas SDIET não tinham fim terapêutico, sendo que o próprio tribunal na sua douta decisão refere que o Relatório assenta na questão da acesoriedade, pelo que inexiste qualquer contradição ente os fundamentos e a oposição XX. O critério foi tão só que esses serviços, contratados simultaneamente com os serviços de ginásio, são acessórios porque disponibilizados, sejam efetivos ou não. XXI. Pelo que, andou bem o Tribunal arbitral ao considerar que a fundamentação da correção não foi a finalidade terapêutica das consultas, pois se assim fosse, não poderia justificar e fundamentar as correções com a questão de acessoriedade, pelo que não existe, por um lado, nem falta de fundamentação, nem contradição entre os fundamentos e a decisão , não sofrendo a decisão arbitral de qualquer nulidade e, portanto, não sendo suscetível este tribunal de apreciar o mérito da questão já decidida pelo tribunal arbitral XXII. A conclusão do RIT é bem clara e assenta claramente na questão da acessoriedade. XXIII. A decisão que se impugna especificou concretamente os fatos que justificam a decisão, pelo que não existe qualquer nulidade de decisão nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 28º do RJAT, e ainda que se houvesse erro na apreciação da matéria como provada, o que só se concede por excesso de patrocínio, não se subsumiria nas alíneas do artigo do RJAT, pelo que nunca poderia ser objeto de impugnação judicial XXIV. A decisão impugnada fundamentou bem a sua posição no sentido de justificar porque razão não estava em causa a finalidade terapêutica das consultas, tendo decidido nesse sentido, não havendo qualquer oposição. XXV. O RIT não se refere à finalidade terapêutica como justificativo da correção XXVI. Ora, quer do relatório do Chefe de Equipa, que nem sequer faz alusão à finalidade terapêutica, mas sim à acessoriedade, quer do critério utilizado para a correção aritmética, concluímos sem mais que os SIT não operaram as correções de IVA com base na finalidade terapêutica, mas sim com base na acessoriedade das consultas vendidas conjuntamente com os serviços de ginásio. XXVII. Aliás, sempre foi o caracter acessório que foi discutido nos processos de IVA nos exercícios de 2013/2014 que foram decididos no Tribunal Arbitral sob os números 169/2019-T; 159/2019-T; 170/2019-T; 163/2019-T; 373/2018-T; 162/2019-T; 164/2019-T; 161/2019-T e 160/2019-T e cujos RIT são quase uma cópia integral ao dos presentes autos. XXVIII. Na verdade, tendo o Tribunal a quo decidido que a questão basilar de correção era a questão de acessoriedade, a decisão foi no sentido de entender que os serviços de nutrição são autónomos e independentes da prestação dos serviços de ginásio, aliás na senda do doutamente decidido pelo TJUE XXIX. Também o vício alegado pela Impugnante de omissão de pronúncia quanto ao fim terapêutico não pode prosseguir. XXX. Ao invés do invocado pela AT, o Douto Tribunal pronunciou-se sobre esta questão. XXXI. O que o Douto Tribunal não fez (e bem!), foi alargar o “thema decidendum” dos presentes autos à questão do fim terapêutico das consultas de nutrição quando prestadas conjuntamente com os serviços de ginásio. XXXII. Se assim não fosse, prejudicaria a possibilidade de os contribuintes em relação à nova fundamentação utilizarem a globalidade dos meios de defesa administrativos e jurisdicionais previstos na lei para defesa dos seus direitos contra actos de liquidação e, desta forma, violar-se-ia um direito constitucional garantido. XXXIII. Conforme se pronunciou o Douto Tribunal, a legalidade do ato tem de ser aferida tal como o mesmo ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros atos, de conteúdo total ou parcialmente coincidente com o ato praticado. XXXIV. Atender-se ao fundamento da finalidade terapêutica, constituiria o acolhimento de uma fundamentação a posteriori, que se afasta da do próprio acto tributário em apreciação. XXXV. Face ao exposto, a decisão em causa não enferma de nenhuma nulidade constante do art.º 28º do RJAT, pelo que os fundamentos invocados pela Impugnante, não podem, com o devido respeito, prosseguir. Termos em que deverá a presente impugnação ser julgada improcedente, mantendo-se a decisão arbitral por a mesma não conter qualquer vício, tudo com custas a cargo da Impugnante». A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal foi notificada nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (aplicável “ex vi” artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), não tendo emitido pronúncia sobre o mérito da impugnação. Com dispensa dos vistos legais por simplicidade das questões a resolver e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão. 2 – FUNDAMENTAÇÃO De facto Nos termos do art.º 663º, n.º 6, do CPC, remete-se para a matéria de facto fixada na decisão impugnada. De direito Como se deixou consignado no acórdão desta secção proferido em 18/04/2018, no proc.º121/17.0BCLSB, «O regime da arbitragem voluntária em direito tributário foi introduzido pelo RJAT, sendo que os Tribunais arbitrais têm competência para apreciar um conjunto vasto de pretensões, as quais vêm taxativamente elencadas na enumeração constante do artº.2, nº.1, do citado diploma. Mais se dirá que o Tribunal arbitral tem a obrigação de decidir em conformidade com o direito constituído e não com recurso à equidade (cfr.artº.2, nº.2, do RJAT). Os princípios processuais inerentes ao processo arbitral vêm referidos e elencados no artº.16, do RJAT, e, genericamente, são os mesmos princípios que se aplicam a um processo de partes, de que é exemplo o processo civil. No que toca à possibilidade de recorrer de uma decisão proferida por um Tribunal arbitral pode, desde logo, referir-se que esta é muito limitada. Assim, quando se tiver em vista controlar o mérito da decisão arbitral, isto é, o seu conteúdo decisório, o meio mais adequado para colocar em crise a decisão arbitral será o recurso. Com efeito, em conformidade com o que se dispõe no artº.25, nº.1, do RJAT, é possível recorrer directamente para o Tribunal Constitucional da parte da decisão arbitral que ponha termo ao processo e que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, bem como nos casos em que aplique uma qualquer norma jurídica cuja inconstitucionalidade seja levantada no decurso do processo. Por outro lado, admite-se ainda a possibilidade de recurso com fundamento em oposição de acórdãos, isto nos termos do que determinam os nºs.2 e 3, do artigo em apreço. Este recurso é endereçado à Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, sempre que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida estiver em oposição, relativamente à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido ou pelo Tribunal Central Administrativo ou Supremo Tribunal Administrativo. Neste caso, os trâmites do recurso a observar são os do regime dos recursos para uniformização de jurisprudência, aplicando-se o disposto no artº.152, do C.P.T.A. Note-se que, em termos práticos, só há uma via de recurso: ou directamente para o Tribunal Constitucional, com fundamento em (in) constitucionalidade, ou directamente para o Supremo Tribunal Administrativo, em caso de oposição de acórdãos. Pelo contrário, quando se pretenda controlar a decisão arbitral em si, nos seus aspectos de competência, procedimentais e formais, o meio adequado será já a impugnação da decisão arbitral (cfr.artºs.27 e 28, do RJAT). Nos termos da lei, a regra é que é possível que a decisão do Tribunal arbitral seja anulada pelo Tribunal Central Administrativo competente. Esta impugnação - que em bom rigor se trata de um recurso - deve ser deduzida, sob pena de não admissão por intempestividade, no prazo de quinze dias contados da notificação da decisão arbitral, ou da notificação referida no artº.23.º, do diploma em apreço. Porém, neste último caso, a decisão arbitral terá que ter sido proferida por Tribunal colectivo, cuja constituição tenha sido requerida nos termos do artº.6, nº.2, al. b), do RJAT. Já no que toca aos fundamentos da impugnação da decisão arbitral, vêm estes elencados no texto do artº.28, nº.1, do RJAT. São eles, taxativamente, os seguintes: 1-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; 2-Oposição dos fundamentos com a decisão; 3-Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia; 4-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artº.16, do diploma. Ou seja, os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, e atrás elencados, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.615, nº.1, do C. P. Civil. E se algumas dúvidas pudessem subsistir sobre o que se vem de afirmar, elas dissipar-se-iam por força dos elementos sistemático, teleológico e histórico, considerando, por um lado, o regime jurídico dos vícios em causa, tal como disciplinado pelo C.P.P.T., e, por outro, a intenção do legislador expressamente manifestada na parte preambular do diploma em causa, quando e ao que aqui releva, refere que “(…) A decisão arbitral poderá ainda ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão, na pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia ou na violação dos princípios do contraditório e da igualdade de partes (…)”. Assim manifestando o legislador, de forma inequívoca, uma enumeração taxativa dos fundamentos de impugnação das decisões arbitrais para os T. C. Administrativos (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2013, proc.5203/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2013, proc.5922/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2013, proc.6258/12; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.234 e seg.)» (fim de cit.). Como também tem sido entendimento deste Tribunal, a decisão arbitral poderá ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na pronúncia indevida. E no conceito de “pronúncia indevida”, para além do excesso de pronúncia, incluem-se as situações em que o tribunal arbitral funcionou de modo irregular ou em que excedeu a sua competência – vd., entre outros, o Acórdão deste TCA Sul, de 06/09/2016, tirado no proc.º09156/15. Feitos os considerandos julgados pertinentes, passemos ao caso em apreciação. Os vícios apontados à decisão arbitral são os seguintes: (i) não especificação dos fundamentos em que se estribou a decisão impugnada ao concluir que a alegação feita pela ora impugnante da falta de finalidade terapêutica das consultas de nutrição e, bem assim, da falta de efectividade da prestação dos serviços, constitui fundamentação a posteriori, não integrante das liquidações impugnadas; (ii) oposição dos fundamentos com a decisão na medida em que o vertido no ponto 25) da factualidade provada se opõe à conclusão formulada na decisão impugnada de que, apesar do ali referido como parte do RIT, a alegação pela ora impugnante da falta de finalidade terapêutica das consultas de nutrição e/ou falta de efectividade da prestação dos serviços constitui fundamentação a posteriori, isto é, não foi fundamento das liquidações impugnadas; (iii) omissão de pronúncia sobre a questão da finalidade terapêutica dos serviços de aconselhamento nutricional disponibilizados pela impugnada. No que em particular respeita à falta de fundamentação, a doutrina e a jurisprudência convergem no sentido de que só ocorre falta de fundamentação de facto e de direito da decisão judicial, quando exista falta absoluta de motivação ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respectivo destinatário a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial. Nulidade que não se confunde com a falta de fundamentação (art.º 28.º, n.º 1 alínea a) do RJAT) é a da oposição dos fundamentos com a decisão (art.º 28.º, n.º 1 alínea b) do mesmo diploma). Ocorre contradição ou oposição entre os fundamentos de facto e de direito e a decisão judicial quando aqueles conduzirem, de acordo com um raciocínio lógico, a resultado oposto ao que foi decidido, ou seja quando a decisão tomada justifica uma decisão precisamente oposta à tomada. Colhendo a lição de J. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, Volume V, 3ª edição, Coimbra Editora, pág. 143, “quando os fundamentos estão em oposição com a decisão, a sentença enferma de vício lógico que a compromete. A lei quer que o juiz justifique a sua decisão. Como pode considerar-se justificada uma decisão que colide com os fundamentos em que ostensivamente se apoia?”. E acrescenta ainda o mesmo autor que há contradição entre os fundamentos e a decisão “quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto”. Feitos estes considerandos, desçamos aos autos. Na decisão impugnada deixou-se consignado nomeadamente e, entre o mais, que: «No relatório de inspecção, a AT alicerçou a correcção unicamente no argumento de que a prestação de serviços dietéticos constitui uma actividade acessória da actividade de utilização das instalações desportivas, referindo expressamente que “é exactamente no carácter acessório destas prestações de serviços que focamos a nossa posição e não na falta de cumprimento dos requisitos para a prática das mesmas” (…). Em sede arbitral, vem a Recorrida alegar que “não se verificam nos serviços em apreço os fins terapêuticos que constituem requisito para a aplicação da isenção e, bem assim, que ao serem os serviços meramente disponibilizados e, não tendo logrado a Requerente demonstrado ter prestado os serviços que facturou, não pode o serviço de mera disponibilização da nutrição beneficiar da isenção em questão”. Quanto ao argumento relativo à demonstração da efectividade da prestação dos serviços facturados, é claro, julga-se, que não tem qualquer correspondência com a fundamentação vertida no relatório de inspecção. Já quanto ao argumento referente á inexistência de finalidade terapêutica nos serviços de nutrição prestados pela Requerente, embora tenha alguma correspondência no relatório de inspecção, ao nível do enquadramento das prestações de serviço em causa, o que se verifica é que não constituíram fundamento efectivo para que a AT considerasse que os serviços de nutrição prestados pela Requerente estão sujeitos a IVA, indo não só mais além do, como até contra o, que ficou dito no RIT. Com efeito este é expresso no sentido de que: “Note-se que é exactamente no carácter acessório destas prestações de serviços, que focamos a nossa posição e não na falta de cumprimento dos requisitos para a prática das mesmas”. (…) Perante o que se transcreveu, consideramos claro que, em sede de inspecção tributária, a AT fundamentou as correcções efectuadas na natureza supostamente acessória da prestação dos serviços de nutrição, em relação à prestação que considerou principal de utilização das instalações desportivas. Não foi na possível finalidade terapêutica nos serviços prestados pela Requerente, que se fundamentaram as correcções efectuadas, e aqui contestadas, mas na sua acessoriedade. (…) E tanto assim é que a AT só liquidou IVA sobre as consultas de dietética incluídas do contrato de prestação de serviços dietéticos, tendo considerado isentas as consultas avulsas. Ora, se o fundamento para a correcção fosse, como parece querer a Requerida, o de que as consultas de nutrição, prestadas pela Requerente, não têm finalidade terapêutica, sempre teria a AT considerado também as consultas avulsas, como sujeitas e não isentas de IVA. (…)». Como se vê, julga-se que de modo evidente, não há falta de fundamentação da decisão, nem contradição entre os fundamentos e a decisão. O que se passa é que a decisão impugnada na leitura que fez do relatório de inspecção tributária – cuja bondade não é sindicável neste meio processual – entendeu que as questões da efectividade da prestação dos serviços e da inexistência de finalidade terapêutica nos serviços de nutrição foram abordadas no RIT de forma tangencial para corroborar e melhor ilustrar a decisão de correcção da isenção do IVA (obiter dictum), mas que não estão, todavia, assumidas como fundamento determinante do acto correctivo, que se circunscreve ao carácter acessório da prestação dos serviços de nutrição, em relação à prestação considerada principal de utilização das instalações desportivas. Sem necessidade de maiores considerandos, improcedem os invocados vícios de falta de fundamentação e de oposição dos fundamentos com a decisão. Vem também invoca nulidade da decisão por omissão de pronúncia sobre a questão da falta de finalidade terapêutica dos serviços de nutrição disponibilizados pela Requerente, aqui impugnada. A nulidade da sentença ou acórdão por omissão de pronúncia só acontece quando a sentença ou acórdão deixam de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão dessa questão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra. Prende-se esta nulidade com o disposto no n.º 2 do art.º 608.º do CPC, que determina: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras». Como pedagogicamente se deixou escrito no ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 02/16/2005 proferido no proc.º 05S2137, «(…) a nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia, resulta da violação do disposto no n.º 2 do art. 660.º do CPC (actual 608.º), nos termos do qual "[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras" e "[n]ão pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras". É a violação daquele dever que torna nula a sentença e tal consequência justifica-se plenamente, uma vez que a omissão de pronúncia se traduz, ao fim e ao cabo, em denegação de justiça e o excesso de pronúncia na violação do princípio dispositivo que contende com a liberdade e autonomia das partes. Todavia, como já dizia A. Reis, “Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143.”, há que não confundir questões suscitadas pelas partes com motivos ou argumentos por elas invocados para fazerem valer as suas pretensões. "São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão." Deste modo, o julgador não tem que analisar e a apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em abono das suas posições. Apenas tem que resolver as questões que por aquelas lhe tenham sido postas – A. Reis, ob. cit., pág. 141 e A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 688. Por isso, como se disse no acórdão desta secção de 23.6.2004 (Proferido no proc. n.º 387740/04, de que foi relator o Ex.mo Conselheiro Fernandes Cadilha), não pode falar-se em omissão de pronúncia quando o tribunal, ao apreciar a questão que lhe foi colocada, não toma em consideração um qualquer argumento alegado pelas partes no sentido de procedência ou improcedência da acção. O que importa é que o julgador conheça de todas as questões que lhe foram colocadas, excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. Deste modo, só haverá nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia, quando o julgador tiver omitido pronúncia relativamente a alguma das questões que lhe foram colocadas pelas partes ou quando tiver conhecido de questões que aquelas não submeteram à sua apreciação. Nesses casos, só não haverá nulidade da sentença se a decisão da questão de que não se conheceu tiver ficado prejudicada pela solução dada à(s) outra(s) questões, ou quando a questão de que se conheceu era de conhecimento oficioso. A dificuldade está em saber o que deve entender-se por questões, para efeitos do disposto nos artigos 660, n.º 2 e 668, n.º 1, d), do CPC (actuais 608/2 e 615/1 al. d)). A resposta tem de ser procurada na configuração que as partes deram ao litígio, levando em conta a causa de pedir, o pedido e as excepções invocadas pelo réu, o que vale por dizer que questões serão apenas, como se disse no já citado acórdão de 21.9.2005, "as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, tendo em conta a pretensão que se visa obter." Não serão os argumentos, as motivações produzidas pelas partes, mas sim os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções (vide acórdãos deste tribunal de 7.4.2005 e de 14.4.2005 (Proferidos, respectivamente, nos processos n.º 733/05 e 734/05, de que foram relatores, também respectivamente, os Ex.mos Conselheiros Salvador da Costa e Ferreira de Sousa, in Sumários de Acórdãos, n.º 90, pág. 35 e 54, respectivamente)» (fim de cit.). Tendo em conta as considerações expostas, vejamos se o acórdão arbitral sob escrutínio enferma de nulidade por omissão de pronúncia. E logo se entrevê que a resposta é negativa. Ao entender o Tribunal Arbitral (bem ou mal, não o podemos sindicar aqui) que a correcção se fundou unicamente no carácter acessório das prestações dos serviços dietéticos prestados em relação à prestação principal de utilização das instalações desportivas, inútil se tornava indagar da verificação da alegada finalidade terapêutica dos serviços de nutrição disponibilizados pela Requerente. Ou seja, a apreciação da alegada questão da finalidade terapêutica das consultas nutricionais ficou prejudicada pela resposta dada à fundamentação do acto correctivo, que o TA circunscreveu ao carácter acessório das prestações de serviços dietéticos. Improcede também este fundamento da impugnação. 5 - DECISÃO Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 2.ª Subsecção da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em julgar improcedente a presente impugnação da decisão arbitral. Condena-se a Impugnante em custas. Registe e Notifique. Lisboa, 16 de Março de 2023 _______________________________ Vital Lopes ________________________________ Luísa Soares ________________________________ Tânia Meireles da Cunha |