Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1105/20.7BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:11/12/2020
Relator:CATARINA VASCONCELOS
Descritores:PROTEÇÃO INTERNACIONAL
RETOMA A CARGO
Sumário:“Não tendo o Requerente invocado quaisquer factos concretos que possam constituir um indício de que tenha sido ou venha a ser vítima de falhas sistémicas do sistema de acolhimento – nomeadamente com a gravidade extrema que é pressuposto da aplicação da cláusula de salvaguarda constante do artigo 3º, n.º 2 do Regulamento (EU) n.º 604/2013, de 26 de junho – não se impunha ao SEF o dever de averiguação sobre a eventual existência daquelas falhas”.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul

I – Relatório:

A....., cidadão da Gâmbia, intentou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a presente ação administrativa contra o Ministério da Administração Interna pedindo que seja anulada a decisão do Diretor Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de 17 de abril de 2020 relativa à inadmissão do seu pedido de proteção internacional e transferência para Itália e consequentemente que seja determinada a continuidade da tramitação do processo administrativo de pedido de proteção internacional por si formulado junto do Gabinete de Asilo e Refugiados.

Por sentença de 6 de agosto de 2020 foi a ação julgada totalmente improcedente.

O R., inconformado, recorreu de tal decisão, formulando as seguintes conclusões:
1 – O caso dos autos cuida de pedido de impugnação jurisdicional de decisão administrativa que não admitiu pedido de proteção internacional ao Recorrente, dirigido ao Estado Português.
2 – O Tribunal a quo julgou os pedidos do Recorrente baseando sua convicção na conformidade de todo o procedimento aos parâmetros legislativos estabelecidos pelo ordenamento interno, assim como na inaplicabilidade do artigo 3º, n.º 2 do Regulamento 603/2013.
3 – Por conseguinte considerou que cabe a Itália a responsabilidade por apreciar e julgar o pedido de proteção internacional formulado pelo Recorrente às autoridades nacionais.
4 – Quanto aos fatos, o Tribunal a quo apenas tangenciou o arguido descumprimento pela Entidade Recorrida, da obrigação de audiência prévia, conforme artigo 121º do CPA, que, bem vistas as coisas, concretiza garantias junfundamentais protegidas pela Constituição. O descumprimento é provado por fatos incontroversos, bastando os ler com acuidade.
5 – Por conseguinte o Tribunal a quo violou os Artigos 17.º n.º 2 da Lei do Asilo, e do Artigo 121.º do CPA, negando aplicação a enquadramento fático que, na verdade, lhes pertence.
6 – Por outro lado, o Tribunal a quo negou igualmente aplicação a uma realidade estampada, inegável, violando, dessa forma, os artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento (UE) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26/06 – onde se autoriza, expressamente, a não transferência de um requerente para o Estado-Membro responsável inicialmente designado, no caso de existirem informações presumivelmente conhecidas sobre falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes pelo Estado indigitado responsável.
7 – A incapacidade sistema do Estado Italiano para gerir a onda migratória é fato dado, pouco importando para o caso em tela, à luz da legislação, pedidos e concessões anteriores.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.

O processo vai sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente, indo à Conferência para julgamento.

II – Objeto do recurso:

Em face das conclusões formuladas, cumpre decidir as seguintes questões:
-erro de julgamento quanto à matéria de direito:
-violação dos art.ºs 17º, n.º 2 da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho e 121º do CPA;
- violação do art.º 3º, n.º 2 do Regulamento de Dublin II.


III – Fundamentação De Facto:

Na sentença recorrida foi julgada provada a seguinte factualidade:

A. A....., nascido em 04/11/1997, é nacional da Gâmbia – cfr. fls. 1 do PA junto aos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

B. A 13/02/2020 o Autor apresentou pedido de proteção internacional, junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras – cfr. fls. 17 do PA junto aos autos, cujo por aqui se dá por integralmente reproduzido;

C. A 13/11/2017, o Autor apresentou um pedido de proteção internacional na Itália, tendo as suas impressões digitais sido recolhidas e inseridas na base de dados EURODAC – cfr. fls. 3 e 4 do PA junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

D. A 01/04/2020, o SEF formulou um pedido de “Retoma a Cargo” da Autor à Itália, ao abrigo do ao abrigo do Artigo 18º, nº 1, al. d), do Regulamento (UE) nº 604/2013 do Conselho, de 26 de junho – cfr. fls. 34 e seguintes do PA junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

E. No âmbito do pedido de proteção internacional identificado em B), o Autor, em 03/03/2020, prestou declarações, tendo sido elaborada a respetiva transcrição e da qual se extrai o seguinte:

(…)

(…)

- cfr. fls. 23 a 32 do PA junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

F. A 17/04/2020, o SEF comunicou a Itália que, ao abrigo do disposto no Artigo 25.º, n.º 2 do Regulamento de Dublin, Portugal considerou que as autoridades italianas aceitaram pedido identificado em D) – cfr. fls. 39 do PA junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

G. Em 17/04/2020, o Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF elaborou a informação n.º ....., da qual se extrai o seguinte:

(…)

- cfr. fls. 43 a 45 do PA junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

H. Em 17/04/2020, foi proferida decisão pelo Diretor Nacional Adjunto do SEF, no âmbito do processo n.º ....., da qual se extrai o seguinte:

- cfr. fls. 46 do PA junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

I. O Autor foi notificado da decisão identificada em H) a 07/05/2020, na sequência da qual foi elaborado o seguinte documento:

- cfr. fls. 48 do PA junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

J. Devido à apresentação da presente ação, a Entidade Demandada comunicou às autoridades italianas que as diligências atinentes à transferência do Autor para a Itália ficariam pendentes, ao abrigo do disposto no Artigo 27.º n.º 3 do Regulamento (UE) 604/2013 – cfr. fls. 58 do PA junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

Nos termos dos art.ºs 663º, n.º 2 e 607º, n.º 4 do CPC, mais se julga provado que:

K. No dia 13 de fevereiro de 2020, o A. foi informado que tinha direito a aconselhamento jurídico gratuito, em todas as fases do procedimento a ser prestado pelo Conselho Português para os Refugiados (fl. 7 do p.a.).


IV – Fundamentação de Direito:

- Da violação dos art.ºs 17º, n.º 2 da Lei do Asilo e 121º do CPA:
O A. não invocou expressamente a violação destes preceitos legais na petição inicial.
É, no entanto, certo que resulta, com clareza bastante, desse articulado que aí contestou a legalidade do ato impugnado por entender que foi violado o seu direito de defesa por não lhe ter sido assegurado o conhecimento prévio e amplo sobre o ato e o direito ao contraditório propriamente dito (cfr. art.ºs 3º e 26º , 26º, a) da petição inicial), alegação à qual se poderia subsumir a violação do regime legal invocado.
Porém, analisada exaustivamente a sentença recorrida, verificamos que, em momento algum, ainda que perfunctoriamente, o Tribunal a quo emite pronúncia sobre tal matéria.
Compulsadas as alegações e as conclusões do recurso, verifica-se também que não foi arguida a nulidade decorrente de omissão de pronúncia (art.º 615º, n.º 1, al. d) do CPC), questão que uma vez apreciada e reconhecida implicaria a apreciação da questão cujo conhecimento foi omitido pelo tribunal a quo, nos termos do art.º 149º, n.º 1 do CPTA.
Assim sendo, sob pena de incorrer este Tribunal em nulidade decorrente de excesso de pronúncia (também prevista no art.º 615º, n.º 1, al. d) do CPC), não será apreciado este fundamento de recurso.


- Da violação do art.º 3º, n.º 2 do Regulamento de Dublin II:
Entende o A. Recorrente que o Tribunal a quo errou ao não aplicar o art.º 3º, n.º 2 do Regulamento de Dublin II já que é notória a incapacidade do Estado Italiano para “gerir a onda migratória”.
Nos termos deste art.º 3º, n.º 2“Caso seja impossível transferir um requerente para o Estado-Membro inicialmente designado responsável por existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na acepção do artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável prossegue a análise dos critérios estabelecidos no Capítulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado-Membro seja designado responsável.”
Decidiu o Tribunal a quo que “tal actuação pressupõe que, previamente existam motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante. Sendo que, e como explicita o TJUE, “O artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia deve ser interpretado no sentido de que: - mesmo não havendo razões sérias para crer na existência de falhas sistémicas no Estado-Membro responsável pela análise do pedido de asilo, a transferência de um requerente de asilo no âmbito do Regulamento n.º 604/2013 só pode ser feita em condições que excluam que essa transferência implique um risco real e comprovado de o interessado sofrer tratos desumanos ou degradantes, na acepção desse artigo (…).” (sublinhado nosso) – cfr. acórdão do Tribunal de Justiça de 16/02/2017, proferido no proc. nº C-578/16 PPU
Ora, no que respeita às condições de acolhimento no Estado-Membro responsável, importa vincar que aquele está vinculado pela Diretiva 2013/33/EU, do Parlamento e do Conselho, de 26 de junho de 2013, a qual estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional.
Assim, e em conformidade com a confiança mútua entre os Estados-Membros no âmbito do SECA, existe uma forte presunção de que as condições materiais de acolhimento oferecidas aos requerentes de proteção internacional nos Estados-Membros serão adequadas, com respeito pelo Direito da União e pelos direitos fundamentais. Neste sentido, vejam-se as considerações expendidas no acórdão do Tribunal de Justiça, de 21/12/2011, proferido nos processos apensos nºs C-411/10 e C-493/10.
(…)
E não poderia ser de outra forma, sob pena de o Sistema Europeu Comum de Asilo se tornar num “Asylum shopping”, em que o requerente de asilo apresenta pedidos de proteção internacional em mais do que um Estado-membro ou escolhe o Estado-Membro onde pretende ver o seu pedido apreciado em detrimento de outros, com o fundamento nas condições de receção ou de assistência social que cada Estado-Membro tem para oferecer [optando pelo Estado-Membro que ofereça melhores condições]. Não é este, o escopo da concessão de proteção internacional às pessoas que, legitimamente procurem a proteção da União.
Sublinhe que, sem prejuízo, como não poderia deixar de ser, da aplicação integral da Convenção de Genebra de 1951, completada pelo Protocolo de Nova Iorque de 31 de Janeiro de 1967, a qual assegura que ninguém será enviado para onde possa ser novamente alvo de perseguições ou de maus-tratos e ofensas, o Regulamento (UE) nº 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho de 2013, criou critérios objetivos e equitativos quanto à determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional, assegurando, por conseguinte, a igualdade de tratamento de todos os Requerentes e beneficiários de proteção internacional.
Portanto, a menos que se verificassem as circunstâncias supra descritas, a Entidade Demandada não poderia assumir a responsabilidade pela decisão do pedido de proteção internacional formulado pelo Autor na Itália.
E atenta a factualidade provada, inexistem quaisquer indícios da existência de razões sérias para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos Requerente de proteção internacional na Itália, que impliquem, para o Autor, o risco de tratamento desumano ou degradante, nos termos e na aceção acolhida pelo TJUE e à qual se faz referência supra.
Veja-se que, quando o Autor foi informado de que a competência para decisão do pedido de proteção internacional competia à Itália, uma vez que o Autor havia apresentado lá um pedido antes do pedido apresentado em Portugal, este nada diz que possa, sequer, indiciar a existência de vicissitudes quanto ao tratamento e às condições a que esteve sujeito durante o período em que esteve na Itália e que pudessem justificar que Portugal assumisse a responsabilidade pela análise do pedido do Autor – cfr. Item E) do probatório.
Muito pelo contrário.
O Autor relata que, esteve alojado num campo de refugiados, que lhe era fornecida comida, assim como, assistência médica para o tratamento do problema de asma, do qual padece. Mais afirma que, lhe davam 20 euros por semana e que lhe deram aulas de italiano, cerca de três vezes por semana.
Do relato do Autor, ou das informações constantes do processo administrativo, não resulta que as autoridades italianas tivessem sido alheias ou indiferentes às condições dos requerentes de proteção internacional, ao ponto de culminarem, em concreto para o Autor, numa situação de privação material extrema, que não lhe permitisse fazer sequer face às suas necessidades mais básicas. Aliás, o Autor declara ter deixado aquele país, porque, e nas suas palavras, “fiquei sem documento para me legalizar saí e vim-me embora.”
Assim, não resultando quaisquer elementos do processo administrativo, mormente das declarações prestadas pelo próprio Autor, que indicassem ou indiciassem a existência de motivos válidos que levassem a Entidade Demandada a crer que, existem falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes na Itália, que implicassem o risco de tratamento desumano ou degradante [nas aceções supra referidas], nada mais lhe era exigido, a não ser decidir pela inadmissibilidade do pedido e, por conseguinte pela formulação do pedido de retoma a carga à Itália.[Veja-se nesse sentido decisão recente do TCAS no âmbito do processo n.º 1353/18.0BELSB, de 10 de Janeiro de 2019].
(…)
Ora, provam os autos que, no presente caso, o Autor, que diz ser nacional da Gâmbia e atravessado diversos países africanos até chegar à Líbia, donde partiu para Itália, tendo, também estado em França e Espanha, onde esteve até chegar a Portugal.
Diz que, apesar de lhe ter sido proporcionado alojamento, comida, assistência médica e uma contribuição monetária; abandonou aquele país, quando deixou de ser titular de documento válido para aí permanecer.
Não referiu que, durante o período em que esteve naqueles países, mormente em Itália, tivesse sofrido qualquer situação de ofensa aos seus direitos ou tivesse sido alvo de tratamento desumano ou degradante na aceção do Artigo 4.º da CDFUE. Muito pelo contrário.
Assim sendo, não vislumbra este Tribunal, por força das declarações do próprio Autor, que a Entidade Demandada tivesse omitido qualquer dever instrutório, isto é, que tivesse que averiguar factos que se revelassem adequados e necessários à tomada de decisão. Assim como, não se vislumbra que, a Entidade Demandada tivesse proferido uma decisão violadora do princípio da proibição da expulsão, ou que a Entidade Demandada devesse ter ponderado analisar o pedido apresentado pelo Autor, avocando para si tal competência nos termos do Regulamento de Dublin”.

É acertada esta decisão e a sua fundamentação.
De acordo com a mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e como maioritariamente tem sido decidido por este Tribunal, nestas situações, não tendo o Requerente invocado quaisquer factos concretos que possam constituir um indício de que tenha sido ou venha a ser vítima de falhas sistémicas do sistema de acolhimento – nomeadamente com a gravidade extrema que é pressuposto da aplicação da cláusula de salvaguarda constante do artigo 3º, n.º 2 do Regulamento (EU) n.º 604/2013, de 26 de junho – não se impunha ao SEF o dever de averiguação sobre a eventual existência daquelas falhas.
Não havia, como não há, fundamento para se considerar que, em Itália, o Requerente venha a ser sujeito a um tratamento cruel, degradante ou desumano, não tendo este relatado qualquer episódio ou circunstância por si aí vivenciada suscetível de fundar tal juízo (cfr. v.g. os acórdãos do STA de 04/06/2020, no processo n.º 01322/19.2BELSB e de 02/07/2020, nos Processos n.ºs 01088/19.6BELSB e 01786/19.4BELSB e 10.09.2020, no processo 03421/19.1 e bem assim os acórdãos deste Tribunal de 02.07.2020 no processo 359/20.3, 21.07.2020 no processo 633/20.9, 31.08.2020 no processo 505/20.7BELSB e 10.09.2020 no processo 275/20.9BELSB).
Como decidiu o Supremo Tribunal Administrativo, neste último acórdão (de 10.09.2020) “não é possível concluir que, independentemente de uma forte pressão migratória que se constata existir, ou ter existido, num específico Estado-Membro da União Europeia (Itália), haja indícios sérios de que um requerente de proteção internacional que para aí deva ser transferido vá ser vítima de “falhas sistémicas” com a gravidade extrema que é pressuposto da aplicação da cláusula de salvaguarda constante do artº 3º nº 2 do Regulamento Dublin III, ou objeto de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia”.
Segundo a jurisprudência do TJUE citada nesse acórdão, “esse limiar de gravidade particularmente elevado só é alcançado quando a indiferença das autoridades de um Estado-Membro tiver por consequência que uma pessoa completamente dependente do apoio público se encontre, independentemente da sua vontade e das suas escolhas pessoais, numa situação de privação material extrema, que não lhe permita fazer face às suas necessidades mais básicas, como, nomeadamente, alimentar-se, lavar-se e ter alojamento, e que atente contra a sua saúde física ou mental ou a coloque num estado de degradação incompatível com a dignidade humana, aí não se abrangendo as situações que, embora caracterizadas por uma grande precariedade ou uma forte degradação das condições de vida da pessoa em causa, não impliquem uma privação material extrema que coloque a pessoa numa situação de gravidade tal que possa ser equiparada a um trato desumano ou degradante”.(…)
Acresce que, sendo o país de destino da transferência um Estado-Membro da União Europeia, vigora o princípio da confiança mútua entre os Estados-Membros que impõe uma presunção de tratamento dos requerentes de asilo e de proteção internacional de acordo com o direito da UE e com os direitos fundamentais nesta vigentes, o que mais afasta a exigência de uma ulterior atividade instrutória, ou a sua justificação, a não ser perante indícios fortes e concretos em sentido contrário (…) ” indícios esses que também neste caso não se divisam já que, reitera-se, o Requerente nada relatou a esse propósito nas suas declarações sobre a sua anterior vivência de 2 anos e 6 meses nesse país, não se justificando, portanto qualquer atividade instrutória suplementar por parte do SEF previamente à prolação da decisão.

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Concluindo, improcede este fundamento do recurso, impondo-se assim a manutenção da sentença recorrida.
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O processo está isento de custas, nos termos do artigo 84º da Lei n.º 27/2008, de 30/06.
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V – Decisão:
Nestes termos, acordam, em conferência, as Juízas da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.
Sem custas.

Lisboa,12 de novembro de 2020


Catarina Vasconcelos

Ana Celeste Carvalho (em substituição)

Catarina Jarmela

Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº 10-A/2020, de 13.03, a Relatora atesta que as Juízas Adjuntas - Excelentíssimas Senhoras Juízas Desembargadores Ana Celeste Carvalho (em substituição do Sr. Juiz Desembargador Paulo Gouveia, ausente ao serviço) e Catarina Jarmela - têm voto de conformidade.