Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 650/19.1BELRA |
Secção: | CA |
Data do Acordão: | 06/02/2021 |
Relator: | JORGE PELICANO |
Descritores: | PERDA DE MANDATO AUTÁRQUICO |
Sumário: | I. Para se aferir do grau de culpa do Recorrido há que considerar a diligência e aptidão que seria de esperar, de acordo com as circunstâncias do caso, de alguém medianamente diligente que exercesse as mesmas funções. II. O Recorrido aceitou como bons os pareceres e informações do seu assessor jurídico que, aos olhos de um não jurista, como é o caso do Recorrido, podem apresentar-se como justificadamente fundamentadas. III. Em tais circunstâncias não é razoável concluir que o Recorrido actuou de forma grosseira, com diligência manifestamente inferior à que seria de esperar de um Presidente de Câmara medianamente diligente. IV. O escopo das normas que regem a responsabilidade civil a título de culpa in elegendo é diverso das que constam nos artigos 7.º, 8.º, n.º 1, al. d) e 9.º, al. a), da LTA, que preveem a aplicação da sanção de perda de mandato e donde decorre um princípio geral de responsabilidade por facto pessoal. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: O Ministério Público vem, no âmbito da presente acção administrativa, intentar recurso da sentença que julgou improcedente o pedido de declaração de perda do mandato que W... exerce enquanto Presidente da Câmara Municipal de Nazaré. Apresentou as seguintes conclusões com as alegações do recurso: “1ª. Por sentenças proferidas, em 6/8/2014, no Processo Cautelar nº 822/14.5BELRA-A e, em 28/1/2015, na AAE nº 822/14.5BELRA, transitadas em julgado em 23/2/2015 e 26-08-2014, respetivamente, foi, o demandado condenado a abster-se, por qualquer meio, de: i)- impedir S... de utilizar os créditos cedidos, pela associação sindical a que pertencia, para o exercício da atividade sindical, ii)- considerar injustificadas as faltas, e iii)- de proceder a qualquer desconto no vencimento do dito J..., nesse contexto. (factos provados 2, 3, 4, 5, 8, 9, 11 e 12) 2ª. Naquela sentença de 28/1/2015, foi declarado nulo o despacho impugnado, de 20/6/2014, exarado pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal da Nazaré, o qual determinou que S... “não está autorizado a utilizar cedência de créditos a partir de 01 de Maio de 2014”. (factos provados 4, 5, 8, 9, 11 e 12) 3ª. Nessa sentença foi ainda determinado ao demandado o pagamento ao S... dos créditos salariais correspondentes ao período de Maio a Setembro de 2014, que diziam respeito a faltas dadas como injustificadas durante esse período. (factos provados 4, 5, 8, 9 11 e 12) 4º. Para cobrança coerciva das remunerações relativas a esses créditos, com base na sentença, de 6/8/2014, foi intentada, em 20/X/2014, a Execução nº 822/14.5BELRA-B, (cfr. facto provado 14. Ponto 22) só foram pagos em Fevereiro de 2015. (cfr. factos provados 5 e 10) 5ª. Da mesma sorte, como os créditos salariais do período de Outubro 2014 a Maio de 2015, não fossem voluntariamente pagos, para a respetiva cobrança coerciva, em 16/6/2015, foi intentada Execução nº 822/14.5BELRA-C, por força da qual, por sentença de 2/9/2015, foram pagos, somente, em Setembro de 2016. (cfr. facto provado 11 e pag.s 219 e 220 do SITAF) 6ª. Ainda, relativamente aos créditos salariais, referentes a todos os meses compreendidos entre Junho de 2015 e Março de 2016 a entidade patronal de S... persistiu em não lhos pagar. (cfr. facto provado 14, pontos 32 a 41). 7ª. Donde, além da violação daquela sentença de 6/8/2014, proferida no Processo Cautelar nº 822/14.5BELRA, como foi confirmado na sentença recorrida, também foi violada a sentença de 21/1/2015, proferida na AAE 822/14.5BELRA-A, ao contrário do que foi decidido. 8ª. Sendo inatacável a sentença recorrida, na parte em que deu como verificados e provados os requisitos objetivos da sanção tutelar em análise, o mesmo não acontece com o elemento subjetivo da sanção, a que se refere a parte final do nº 1 do art. 10º da Lei 27/96, de 1/8, pese embora, também se sufrague o entendimento da Mmª Juiz no sentido de que a perda de mandato só poderá ser deter-minada quando o fundamento legal que a justifica for imputável a título de culpa grave e não mera culpa ou negligência. 9ª. Devendo esse estado subjetivo extrair-se de factos materiais concretos, retratam-se, para caracterizar a culpa, os seguintes factos: - Só por força das Execuções nºs 822/14.5BELRA-B e 822/14.5BELRA-C foi possível dar-se cumprimento à sentença, de 6/8/2014, do Processo Cautelar nº 822/14.5BELRA, quanto aos créditos salariais de Setembro de 2014 a Maio de 2015; - E, relativamente aos créditos salariais, referentes a todos os meses compreendidos entre Junho de 2015 e Março de 2016 o demandado também não os pagou, estando em dívida, à data do julgamento, pelo que igualmente foi violada a sentença de 28/1/2015, da Ação 822/14.5BELRA-A. - Na execução nº 822/14.5BELRA-C foi oficiosamente mandada extrair certidão contra o ora recorrido para efeitos de procedimento criminal; - Foi proferida decisão instrutória, em 03/07/2017, no âmbito do Proc. nº 305/14.3T9LRA, contra o ora recorrido, em que foi pronunciado pela prática, de um crime de desobediência, nos termos do art.º 348.º, n.º 1, al. a) do Código Penal ex vi art.º 159.º, n.º 2, al. b) do C.P.T.A., em concurso aparente com um crime de desacatamento ou recusa de execução de decisão de tribunal, previstos e punidos pelo art.º 13.º de Lei n.º 34/87 de 16 de Agosto … 10ª. Resulta de forma clara, a firme e reiterada vontade de o recorrido querer manter o seu despacho declarado nulo pelo Tribunal e de recusar o acatamento das decisões judiciais, - elemento volitivo do dolo (direto) -, traduzido na vontade do agente de praticar o facto. 11ª. Na realidade, parece-nos manifesto que o executivo camarário da Nazaré, representado pelo ora recorrido, nunca quis cumprir voluntariamente as decisões de 6/8/2014 e de 28/1/2915, proferidas nas Ações 822/14.5BELTA-A e 822/14.5BELRA, respetivamente, tanto assim que foram intentadas duas execuções tendentes ao cumprimento coercivo daquela primeira decisão, através das quais só assim S... logrou obter o pagamento dos créditos salariais em Fevereiro de 2015 e Setembro de 2016, reportados os períodos compreendidos entre os meses de Maio e Setembro de 2014 e de Outubro a Maio de 2015, respetivamente. Para depois, logo no mês seguinte, em Junho de 2015 e até Março de 2016, o mesmo executivo ter voltado a não lhe pagar os créditos salariais, os quais se mostravam ainda em dívida, pelo menos em 27/2/2020, à data da audiência de julgamento. 12ª - Os factos tidos como assentes da matéria dada como provada impunham, por isso, uma decisão diversa proferida pelo tribunal a quo, perante a prova produzida, no sentido de fundamentarem a procedência da ação. 13ª- Não obstante isso, a matéria dada como provada ficou muito aquém daquela que deveria constar como tal, resultante do depoimento da testemunha Dr. C... e dos apensos à Ação 822/14.5BELRA, ao abrigo do disposto nos art.s 5º, nº 2, al.s a), b) e c) do CPC e 411º, 412º/2 e 608/2, do CPT, até face à circunstância de estarmos perante uma ação de plena jurisdição (art. 98º/1 do CPTA aplicável ex vi do art. 15º da Lei nº 29/96, de 1/8) o que pressupõe uma maior e mais lata pro-atividade do tribunal na busca da verdade material. (art.s 3º/4, 7º e 95º/3, aplicável ex vi do art. 97º-1/a), todos do CPTA) 14ª - Nessa medida deveria ter sido relevada e dada como provada a seguinte factualidade: i)- Com base em suporte documental: - no âmbito da Execução nº 822/14.5BELRA-B, foi determinado na parte final da sentença de 21/1/2015, a notificação pessoal do Sr. Presidente da Câmara Municipal da Nazaré, (cfr. doc. 3 anexo à p.i.) o que foi cumprido, em 23/1/2015, por carta registada com A/R, para pagar os créditos salarias respetivos em 30 dias, com a cominação de incumprimento, em sanção pecuniária compulsória, as quais foram pagas em 23/2/2015 (cfr. pag.s 90 e 91 e 125 do registo do SITAF). - no âmbito da Execução nº 822/14.5BELRA-C, foi determinado na parte final da sentença de 2/9/2015, a notificação pessoal do Sr. Presidente da Câmara da Nazaré (cfr. doc. anexo à p.i.), o que foi cumprido em 4/9/2015, por carta registada com A/R, para pagar aquelas prestações salariais em dí-vida, em 30 dias, com a cominação de incumprimento, em sanção pecuniária compulsória, as quais forma pagas em Setembro de 2016 (cfr. pag.s 107, 115 e 116 e 219 e 220, do registo do SITAF). - Nesta última execução foi acionado o mecanismo previsto no disposto no art. 172º/4 do CPTA, junto do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (cfr. pag.s 220 do registo do SITAF). - Também foi instaurado recurso da decisão de 2/9/2015, dessa Execução, que constituiu o Apenso 822-14.5BELRA-D, que foi julgado improcedente. (Apensos C e D) - Como, em 16/9/2016, foi instaurada a Execução nº 822/14.5BELRA-E, para cobrança de dívidas de créditos salariais dos períodos de Junho de 2015 a Março de 2016. (Apenso E) ii) – Com base em suporte testemunhal - Em sede de audiência e julgamento foi confirmada a defesa da vigência e validade do despacho de 6/8/2014, pelo executivo camarário da Nazaré, apesar da declaração de nulidade, segundo o depoimento da testemunha Dr. B..., com a justificação da improcedência desta última execução 822/14.5BELRA-E e pela alegada injustiça que levava o Município a acarretar com uma despesa com pessoal de outros municípios, defendendo ao longo de todo o seu depoimento, energicamente, a legalidade e justiça daquele despacho, de que foi mentor. Com efeito, à pergunta quanto à questão de mérito da Execução nº 822/14.5BELRA-E, sobre se, na perspetiva do executivo, a importância exequenda era devida por ele, respondeu categoricamente que não. (cfr. tempos 01:10:00 a 01:34:29) E o certo é que, como foi confirmado pela testemunha S..., o mesmo foi forçado a constituir-se assistente no processo crime para aí poder reclamar os créditos salariais em dívida do período de Junho de 2015 a Março de 2016. (cfr. Ata de julgamento e tempos 00:02:16 a 00:18:50). 15ª . Assim, a Mmª Juiz, ao arrepio do disposto no art. 607º, nºs 4 e 5 do CPC, não relevou, pois, parte significativa do teor dos apensos da Ação 822/14.5BELRA-A, como não relevou parte daquele depoimento, o que a suceder contribuiria para reforçar a caraterização da culpa, com culpa grave e afastar qualquer resquício de dúvida que pudesse existir a esse respeito. 16ª. Ancorando-se nos pontos 15 a 22 do probatório, a Mmª Juiz afastou a culpa do Sr. Presidente da CM da Nazaré, pelo facto de este não ter intervenção direta no modo em que foi processado o vencimento do funcionário S... e ter endossado todo o assunto ligado ao cumprimento das decisões judiciais para o seu assessor Dr. C... e em quem acreditou que as sen-tenças estavam a ser cumpridas. 17ª. Adiante-se que uma tal visão das coisas, assente na transferência da responsabilidade de factos próprios de uma qualquer entidade para um assessor, significaria que estaria encontrado o caminho fácil para a desresponsabilização dessa entidade a qualquer nível, criminal, disciplinar, civil, administrativo, político … o que não se concebe. 18ª. Recaindo sobre o recorrido o dever de cumprir e fazer cumprir as sentenças em análise, estamos, pois, perante um dever pessoalíssimo especial e de cuidado de cumprimento de uma obrigação imposta pelo Tribunal que o recorrido ostensiva e grosseiramente omitiu, reduzido à prática de atos materiais e não a qualquer ato dependente de conhecimentos técnicos ou especializados, a reclamar assessoria. 19ª. A atitude do Recorrente não pode, assim, deixar de ser qualificada como negligência grave, por um lado, por não ter providenciado pessoalmente pelo cumprimento da obrigação que omitira, e, por outro, por não ter diligenciado no sentido de garantir que a obrigação era cumprida por terceiro (seu assessor), nomeadamente junto dos AA. e exequentes das ações, quer junto dos serviços administrativos competentes para o processamento do vencimento de S.... 20ª. Neste último particular cumpre realçar que, como resulta dos factos provados 17, 19 e 20, o pagamento dos créditos salariais foi efetuado apenas como base nas instruções dadas pelo Dr. C..., ou seja, além de o Sr. Presidente da Câmara Municipal da Nazaré se demitir de cumprir a obrigação, endossando o cumprimento para o seu assessor, não cuidou de indagar junto daqueles serviços, pela confirmação do efetivo pagamento, alheando-se, pois, do seu cumprimento. 21ª. A sentença recorrida não teve aqui em consideração o entendimento segundo o qual a responsabilidade culposa dos representantes legais e auxiliares se transfere para os mandantes, com consagração legal expressa no art. 571º do Cod. Civil, e no princípio da culpa in eligendo que lhe subjaz. 22ª. Nessa medida, o ora recorrido não pode deixar de responder pelos atos do seu assessor como fossem praticados por ele, até porque estava a par dos desfechos de todas as quatro (4) sobreditas Ações e do recurso, o exigia cautelas acrescidas. 23ª. Importa, ainda, acrescentar que a consciência da ilicitude, de que a sentença recorrida faz apelo, está, neste caso, inerente ao não cumprimento, pelo que não faz sentido não cumprir uma ordem que se sabe ser legítima e, ao mesmo tempo, alegar a falta de consciência da ilicitude desse incumprimento 24ª. Posto isto, o comportamento do Sr. Presidente da Câmara da Nazaré, traduziu-se, a nosso ver, numa reiterada e decidida obstaculização ao cumprimento de decisões judiciais, e, portanto, numa violação do disposto na al. a) do art.º 9º da Lei 27/96, de 1/8, de uma forma negligentemente grosseira, indiferente, displicente e intolerável, aferida pelo padrão de diligência exigível ao presidente de uma câmara municipal como aquela que dirige. 25ª. Na verdade, perante o exposto, o descrito comportamento não pode deixar de ser considerado um desrespeito ostensivo do princípio constitucional da obrigatoriedade das decisões dos tribunais e da sua prevalência sobre decisões administrativas, consagrado nos arts. 205º/2 da CRP e 158º do CPTA, bem como dos valores e princípios de independência, isenção e de autoridade, que devem merecer os Tribunais, o que é sancionável nos termos do estatuído nos art.s 8º, nºs 1/d) e 3 e 9/a) da Lei nº 27/96, de 1/8. 26ª . Ao não decidir de tal forma, fez a sentença recorrida errada interpretação e aplicação do disposto nos art.s 607º, nºs 3, 4 e 5 do CPC e nos art.s 8º, nºs 1/d) e 3, 9/a) e 10º/1 da Lei nº 27/96, de 1/8, devendo a mesma ser revogada e substituída por outra que dê como provada a culpa grave do aqui recorrido no incumprimento das sentenças nºs 822/14.5BELRA-A e 822/14.5BELRA, com a consequente procedência da ação.” * O Recorrido apresentou contra-alegações e deduziu ainda recurso subordinado, em que concluiu:
I “Não assiste qualquer razão ao Ministério Público, sendo totalmente improcedentes as suas alegações. a. Tendo o processo de perda de mandato uma natureza sancionatória, o visado nesse processo goza plenamente dos direitos consagrados no artigo 32.º, n.º 10 da Constituição, entre os quais o direito de defesa e contraditório; b. Para que exercício desses direitos seja feito de forma minimamente cabal e eficaz, é imprescindível que a petição inicial do Ministério Público – que vale aqui como autêntica acusação – contenha “a descrição sequencial, narrativamente orientada e espácio-temporalmente circunstanciada, dos elementos imprescindíveis à singularização do comportamento (…) relevante”, e “a caracterização, objectiva e subjectiva, da acção ou omissão de cuja imputação se trate” (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 99/2009); * O Recorrente apresentou as seguintes conclusões com as contra-alegações do recurso subordinado:“1ª- Os factos articulados na petição inicial permitem, facilmente e de forma clara, perceber quais as sentenças que foram incumpridas, bem como as datas e o modo de como isso se verificou. 2ª-A data para o cumprimento dessas sentenças, não é considerado um facto essencial constitutivo da causa de pedir na presente Ação, para efeitos do preceituado no art. 78º-2/f) do CPTA. 3ª- Na verdade, a causa de pedir reside no incumprimento de decisões transitadas em julgado, [art. 9º/a) da Lei 27/96], tendo esse aspeto já sido definitivamente decidido nas sentenças executórias, máxime, na sentença de 21/1/2015, no Proc. nº 822/14.5BELRA-B, não podendo vir a ser reapreciado e refutado nesta ação. 4ª – Ademais, o prazo para o cumprimento das sentenças, em particular do processo cautelar resulta expressamente da lei, máxime, do art. 122º/1 do CPTA, cujo conhecimento se impõe ao mandatário do demandado naquela ação, e como o esgotamento desse prazo já havia sido reconhecido e decidido judicialmente deixou de constituir facto controvertido. 5ª – Da mesma forma, também os factos concretos alegados nos pontos 42, 43, 46 e 48 da petição inicial permitem sustentar a imputação subjetiva dos mesmos e a asserção “Desrespeitou, pois, ostensivamente, o princípio constitucional da obrigatoriedade das decisões dos tribunais e da sua prevalência sobre decisões administrativas, consagrado nos arts. 205º/2 da CRP e 158º do CPTA, bem como os valores e princípios de independência, isenção e de autoridade, que lhe deve-riam merecer os Tribunais, o que é sancionável nos termos do estatuído nos art.s 8º, nºs 1/d) e 3 e 9/a) da Lei nº 27/96, de 1/8. (art. 11º da P.I.).” 6ª- De resto, tal factualidade, extraída, tal e qual, da decisão instrutória proferida no Proc. 305/14.3T9LRA, do 3º J Criminal da comarca de Leiria, foi cabal e profundamente rebatida pelo recorrente na sua contestação, de onde resulta que o que está em causa não é o reivindicado défice de factualidade integrante da causa de pedir, a obstar ao pleno exercício do direito de defesa e do contraditório, mas uma análise diferente da mesma, o que contende já com o mérito da Ação. 7ª- O Prazo de caducidade do direito referente à presente Ação é de 5 anos previsto no art. 11º/4 da LTA, revestindo o prazo, de 20 dias, previsto no nº 3 do desse mesmo artigo, a natureza de prazo ordenador, disciplinar ou procedimental sem que o seu incumprimento determine ou invalide o ato respetivo ou acarrete qualquer outra consequência de ordem processual, para além de, eventual, responsabilidade disciplinar. 8ª- Assim, bem decidiu a Mmª Juiz corrida, a coberto do entendimento firmado nos Acór-dãos do STA de 6/2/2001 (Pº 047037), e do TCAN de 8/3/2007 (Pº 00110/06), e de 26/6/2014 (Pº 02796/13.0BEPRT), para concluir, que quando a presente ação foi intentada, em 20/5/2019, ainda não se havia esgotado aquele prazo de 5 anos, contado a partir de 6/8/2014, data em que foi profe-rida a primeira das sentenças que o demandado terá incumprido. 9ª – Mas mesmo a considerar-se o prazo de 20 dias, a exceção não vingará porquanto o mesmo deverá contar-se do conhecimento, pelo Ministério Público com competência para a Ação, dos respetivos fundamentos, que sustentam a perda de mandato, o que só sucedeu, em 7/5/2019, com o conhecimento da decisão instrutória proferida no processo crime nº 305/14.3T9LRA. 10ª - O conhecimento da certidão que originou aquele Inquérito, pelo M.P. junto deste TAF de Leiria, jamais poderá servir de referência para o início da contagem do prazo em análise, já que, como é óbvio, tal peça processual é insuscetível de, per si, poder sustentar uma ação como a presente. 11ª - Donde, nenhuma censura merece a decisão recorrida já que aplicou acertada e criteriosamente as atinentes normas legais à situação em apreço, e a coberto de autorizada doutrina e jurisprudência, devendo a mesma ser mantida.” * O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, pelo que há que decidir se: - é de proceder à alteração da matéria de facto; - a sentença recorrida sofre de erro na apreciação da matéria de facto e ainda de direito por, ao contrário do decidido, se verificar a culpa do Recorrido no incumprimento das supra indicadas sentenças proferidas no TAF de Leiria; Para o caso do recurso proceder, há que conhecer das seguintes questões suscitadas no recurso subordinado: - se a P.I. é nula por não conter a indicação circunstanciada dos factos que são imputados ao Recorrido e violar o princípio do contraditório - n.º 10 do art.º 32.º da CRP, art.º 195.º, n.º 1 do CPC e art.º 283.º, n.º 3, al. b) do CPP. - se se verifica a caducidade do direito de intentar a presente acção – n.º 3 do art.º 11.º da Leia da Tutela Administrativa. * FundamentaçãoNa sentença recorrida foi fixada a seguinte matéria de facto: 1) O Demandado foi eleito Presidente da Câmara Municipal da Nazaré para os mandatos de 2013/2017 e 2017/2021, cargo esse que, desde então e até ao presente, tem exercido ininterruptamente - posição das partes nos articulados, bem como doc. n.º 6 junto com a petição inicial, para o qual se remete e se dá aqui por integralmente reproduzido; 2) Correram termos neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria os autos de processo cautelar com o n.º 822/14.5BELRA, intentado pelo Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local, em representação de S..., contra o Município da Nazaré, no âmbito do qual foi proferida sentença em 06.08.2014 e pela qual foi decidido o seguinte: 4) Correram termos neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria os autos de processo de acção administrativa especial com o n.º 822/14.5BELRA-A, intentada pelo Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local, em representação de S... J..., contra o Município da Nazaré, no âmbito do qual foi proferida sentença em 28.01.2015 e pela qual foi decidido o seguinte: 6) No âmbito do processo identificado no ponto anterior foi proferido despacho em 22.10.2014, de cujo teor se extrai, para além do mais, o seguinte: 11) Correram termos neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria os autos de processo executivo com o n.º 822/14.5BELRA-C, relativo à execução da sentença proferida nos autos cautelares a que se refere o ponto 2), intentada pelo Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local, em representação de S... J..., 14) Do teor da decisão instrutória a que se refere o ponto anterior extrai-se, para além do mais, o seguinte: 16) Nas relações com o STAL e, em particular, quanto ao caso do associado deste sindicato e funcionário do Município, S... J..., o advogado identificado no ponto anterior acompanhou e aconselhou o Demandado em todas as decisões tomadas a este respeito, tendo, inclusive, representado o Município da Nazaré nas acções judiciais a que se referem os pontos 2) a 12) - depoimento da testemunha C...; 17) Quando o STAL intentou tanto a providência cautelar como a respetiva acção principal, foi o assessor jurídico do Demandado que preparou toda a defesa e o informou sobre o sentido das decisões judiciais tomadas, assegurando-lhe que o processamento do salário do funcionário nos termos em que continuava a ser feito não estava a incumprir qualquer destas decisões - depoimento da testemunha C...; 18) O Município da Nazaré dispõe de um departamento que todos os meses procede ao processamento dos salários de todos os trabalhadores - depoimento das testemunhas L..., C... e M...; 19) No que concerne, concretamente, ao processamento mensal dos salários do funcionário S..., a funcionária responsável pelo processamento dos salários, estando informada do litígio que opunha o funcionário em causa ao Município, mensalmente se dirigia ao referido assessor jurídico do Demandado e era este que lhe confirmava se devia ou não considerar justificadas as faltas correspondentes a créditos de horas enquanto dirigente sindical - depoimentos das testemunhas C... e M...; 21) Após, o conjunto dos documentos relativos ao processamento dos salários de todos os funcionários do Município era levado a despacho do Chefe de Divisão, seguindo depois para aprovação do Demandado - doc. n.º 1 junto aos autos com requerimento de 28.10.2019, bem como depoimentos das testemunhas L..., C... e M...; 22) O Demandado questionou o seu assessor jurídico e reuniu com o mesmo por diversas vezes para atestar do bom cumprimento pelo Município de todas as questões relacionadas com o litígio com o funcionário S... - depoimento da testemunha C.... * Com interesse para a decisão da causa, considero não provados os seguintes factos: A. O Demandado não acatou as decisões judiciais tomadas no âmbito das acções com os n.ºs 822/14.5BELRA e 822/14.5BELRA-A de modo livre e conscientemente, tendo previsto e querido recusar o acatamento e execução das mesmas.” * Da alteração da matéria de facto.Nos termos do disposto no art.º 662.º, n.º 1 do CPC, aditam-se os seguintes factos que resultam da prova produzida: 23) S... J... foi dirigente sindical a tempo inteiro no Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional, Empresas Públicas, Concessionárias e Afins, período durante o qual não prestou trabalho no Município de Nazaré – depoimento de S...; 24) Para tanto, beneficiou de créditos de horas próprios e ainda de outros créditos de horas que lhe eram cedidos por outros dirigentes sindicais para o exercício da actividade sindical – depoimento de S... e doc. n.º 4 junto com a Contestação; 25) O sindicato comunicava mensalmente ao Município de Nazaré os créditos de horas que eram cedidos a S... por outros dirigentes sindicais - doc. n.º 4 junto com a Contestação e depoimento de L..., funcionário do Município de Nazaré que trabalha na secção de processamento de salários; 26) Tal comunicação era presente mensalmente a despacho do Presidente da Câmara Municipal de Nazaré, aqui Recorrido - depoimento de L...; 27) Que exarava despacho e a enviava para a secção de pessoal - depoimento de L...; 28) A secção de pessoal registava e justificava as faltas dadas por S... J... com a indicação de que as mesmas eram dadas por força do exercício de actividade sindical - depoimento de L...; 29) S... retomou a sua actividade laboral normal no Município de Nazaré a 1 de Março de 2016 – depoimento de C...; 30)A secção de pessoal do Município de Nazaré processa os salários dos trabalhadores, incluindo o de S... (entretanto aposentado), que os remete posteriormente para o Presidente da Câmara Municipal de Nazaré, aqui Recorrido, a fim deste ordenar o seu pagamento - depoimento de L...; 31) A partir de 2018 a secção de pessoal passou a ter uma chefe de divisão, por quem passa o processamento de salários antes dos mesmos serem remetidos para o Presidente da Câmara Municipal de Nazaré autorizar o seu pagamento - depoimento de L...; 32) No primeiro mês em que a secção de pessoal passou a descontar no vencimento de S... os montantes correspondente aos dias de faltas dadas por este por beneficiar de créditos de horas cedidos por outros dirigentes sindicais, foi o Presidente da Câmara Municipal de Nazaré que juntamente com o seu assessor jurídico instruiu os serviços da secção de pessoal para procederem aos referidos descontos – depoimento de C...; 33) Nos meses seguintes em que tais descontos se verificaram, essas instruções foram dadas directamente aos serviços pelo assessor jurídico C... – depoimento de C...; 34) O que este fazia cumprindo as instruções inicialmente dadas pelo ora Recorrido e com conhecimento deste, que perguntava e estava a par da situação – depoimento de C...; 35) Em 17/08/2014, o Presidente da Câmara Municipal de Nazaré, ora Recorrido, tomou conhecimento, através de Informação elaborada pelo seu assessor jurídico C..., de que havia sido proferida a sentença no processo cautelar n.º 822/14.5BELRA, referindo-se nessa Informação que, não sendo interposto recurso da sentença, entrar-se-ia na fase de execução espontânea da mesma, pelo prazo de 90 dias – doc. n.º 3 junto com a Contestação; 36) Em 29/10/2014, o Presidente da Câmara Municipal de Nazaré, ora Recorrido, tomou conhecimento, através de Informação elaborada pelo seu assessor jurídico C..., de que havia sido interposto o processo n.º 822/14.5BELRA-B, com vista à execução do decidido no processo cautelar que correu sob o n.º 822/14.5BELRA, referindo-se ainda naquela Informação que “com o início da fase judicial fica prejudicada a actuação espontânea (…)” – doc. n.º 3 junto com a Contestação; 37) Em 25/02/2015, o Presidente da Câmara Municipal de Nazaré, ora Recorrido, tomou conhecimento, através de Informação elaborada pelo seu assessor jurídico C..., de que havia sido proferida a sentença da acção principal que correu termos sob o n.º 822/14.5BELRA-A, referindo-se nessa Informação que, não sendo interposto recurso da sentença, entrar-se-ia na fase de execução espontânea da mesma, pelo prazo de 90 dias – doc. n.º 3 junto com a Contestação. 38) O assessor jurídico B... defendeu junto do Recorrido que o pagamento das importâncias descontadas no vencimento de S... no período de Junho de 2015 a Março de 2016 não é devido por não existir sentença a condenar o Município a pagá-las e por a sentença proferida a 28/01/2015 no âmbito da acção principal que correu termos sob o n.º 822/14.5BELRA-A, apenas ter declarado nulos actos praticados ao abrigo da Lei n.º 59/2008, de 11/09, que foi revogada a partir de 01/08/2014, pela Lei 35/2014, de 20/06 – depoimento de B.... 39) S... J... constituiu-se assistente em processo crime que corre contra o Recorrido, a fim de aí poder obter o pagamento de créditos salariais em dívida relativos ao período de Junho de 2015 a Março de 2016, que emergem de descontos efectuados pelo Município em resultado de créditos de horas por aquele utilizados para o exercício da actividade sindical – depoimentos de S... e de B.... ~ Elimina-se a matéria que foi dada como não provada na sentença recorrida, por a sua decisão depender da apreciação dos restantes factos, incluindo os ora fixados.* Aditamentos à matéria de facto requeridos pelo Recorrente.Alega o Recorrente que a sentença recorrida errou na apreciação da matéria de facto e pede que se proceda ao aditamento da mesma com factos que diz resultarem da prova documental e testemunhal produzida. O Recorrido respondeu, defendendo que tal aditamento deve ser rejeitado por incumprimento dos requisitos de impugnação da matéria de facto previstos no art.º 640.º, n.º 1 do CPC. As partes podem impugnar a decisão proferida sobre determinados pontos da matéria de facto - artigos 636.º, n.º 2 e 640.º do CPC, ex vi art.º 140.º, n.º 3 do CPTA. Para tanto, devem especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados, os meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão diversa da recorrida e ainda a decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre essa matéria. O Recorrente requer que se aditem os seguintes factos à matéria assente, com fundamento na prova documental: “- no âmbito da Execução nº 822/14.5BELRA-B, foi determinado na parte final da sentença de 21/1/2015, a notificação pessoal do Sr. Presidente da Câmara Municipal da Nazaré, (cfr. doc. 3 anexo à p.i.) o que foi cumprido, em 23/1/2015, por carta registada com A/R, para pagar os créditos salarias respetivos em 30 dias, com a cominação de incumprimento, em sanção pecuniária compulsória, as quais foram pagas em 23/2/2015 (cfr. pag.s 90 e 91 e 125 do registo do SITAF). - no âmbito da Execução nº 822/14.5BELRA-C, foi determinado na parte final da sentença de 2/9/2015, a notificação pessoal do Sr. Presidente da Câmara da Nazaré (cfr. doc. anexo à p.i.), o que foi cumprido em 4/9/2015, por carta registada com A/R, para pagar aquelas prestações salariais em dívida, em 30 dias, com a cominação de incumprimento, em sanção pecuniária compulsória, as quais forma pagas em Setembro de 2016 (cfr. pag.s 107, 115 e 116 e 219 e 220, do registo do SITAF). - Nesta última execução foi acionado o mecanismo previsto no disposto no art. 172º/4 do CPTA, junto do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (cfr. pag.s 220 do registo do SITAF). - Também foi instaurado recurso da decisão de 2/9/2015, dessa Execução, que constituiu o Apenso 822-14.5BELRA-D, que foi julgado improcedente. - Como, em 16/9/2016, foi instaurada a Execução nº 822/14.5BELRA-E, para cobrança de dívidas de créditos salariais dos períodos de Junho de 2015 a Março de 2016.”. Nesse requerimento não são indicados os meios de prova dos factos indicados nos dois últimos parágrafos (datas de instauração dos processos que correram sob o n.º 822-14.5BELRA-D e nº 822/14.5BELRA-E), o que importa, desde logo, a sua rejeição nessa parte por incumprimento do disposto no art.º 640.º, n.º 1, al. b) do CPC. Quanto ao pedido de aditamento dos restantes factos, verifica-se que, apesar do requerimento cumprir de forma suficiente os requisitos estabelecidos no art.º 640.º, n.º 1 do CPC, as páginas do processo para que remete não contêm os meios de prova dos factos alegados, o que prejudica o seu aditamento à matéria de facto. Não consta dos autos o ofício de notificação pessoal da sentença de 21/01/2015, proferida no âmbito do processo n.º 822/14.5BELRA-B, que terá sido remetida ao Recorrido, nem o correspondente aviso de recepção, pelo que não se podem fixar as datas desse ofício nem a data da sua recepção pelo Recorrido. Os autos também não contêm o ofício de notificação pessoal da sentença de 02/09/2015, que terá sido remetido ao Recorrido no âmbito do processo de execução nº 822/14.5BELRA-C, nem o correspondente aviso de recepção, pelo que não se podem fixar as datas desse ofício nem a data da sua recepção pelo Recorrido. Também não consta dos presentes autos documento que demonstre que, no âmbito do processo nº 822/14.5BELRA-C, foi accionado o mecanismo previsto no disposto no art. 172º/4 do CPTA, junto do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais. O Recorrente defende ainda que na sentença recorrida não se valorou devidamente a prova que resulta dos depoimentos gravados das testemunhas B..., na parte em que este diz ter defendido o entendimento que é indevido o pagamento da importância que se pretendia cobrar através do proc. n.º 822/14.5BELRA-E. Alega ainda que deve ser levada à matéria de facto o depoimento de S..., na parte em que este diz que “foi forçado a constituir-se assistente no processo crime para aí poder reclamar os créditos salariais em dívida do período de Junho de 2015 a Março de 2016”, o que diz contribuir para caracterizar a culpa do Recorrido como culpa grave. A fixação de tais factos encontra-se prejudicada, atendendo ao teor dos pontos 38) e 39) da matéria acima aditada ao abrigo do art.º 662.º, n.º 1 do CPC. * DireitoDo mérito do recurso intentado pelo M.P.. O Recorrente alega que a sentença recorrida errou na apreciação que fez da prova produzida e sofre ainda de erro de direito por, ao contrário do decidido, o Recorrido ter violado de forma propositada e reiterada as sentenças proferidas no processo cautelar e na acção principal em 06/08/2014 e em 28/01/2015, respectivamente. Alega que o Recorrido “nunca quis cumprir voluntariamente as decisões de 6/8/2014 e de 28/1/2915, proferidas nas Ações 822/14.5BELTA-A e 822/14.5BELRA, respetivamente, tanto assim que foram intentadas duas execuções tendentes ao cumprimento coercivo daquela primeira decisão, através das quais só assim S... logrou obter o pagamento dos créditos salariais em Fevereiro de 2015 e Setembro de 2016, reportados os períodos compreendidos entre os meses de Maio e Setembro de 2014 e de Outubro a Maio de 2015, respetivamente. Para depois, logo no mês seguinte, em Junho de 2015 e até Março de 2016, o mesmo executivo ter voltado a não lhe pagar os créditos salariais, os quais se mostravam ainda em dívida, pelo menos em 27/2/2020, à data da audiência de julgamento.”. Na sentença recorrida decidiu-se que o Recorrido não deu cumprimento à sentença de 06/08/2014, proferida no âmbito do processo cautelar. Diz-se aí que, em face das providências cautelares que foram decretadas, o Recorrido não podia ter considerado injustificadas as faltas dadas ao trabalho por S... nos dias em que beneficiou do crédito de horas cedido por outros dirigentes sindicais, nem ter procedido, nos meses compreendidos entre Setembro de 2014 e Maio de 2015, aos correspondentes descontos no vencimento do funcionário e que as providências cautelares decretadas deveriam ter sido imediatamente cumpridas conforme determina o art.º 122.º, n.º 1, do CPTA. Na sentença de 06/08/2014, proferida no âmbito do processo cautelar, foram decretadas as seguintes providências: - proceder à “(…) suspensão de eficácia do despacho do Presidente da Câmara Municipal da Nazaré comunicado ao associado do requerente por ofício datado de 16.04.2014, que impediu o associado do requerente, a partir de 01.05.2014, de utilizar a cedência de créditos decidida pela associação sindical a que pertence; b. ordenar a suspensão de eficácia do despacho do Presidente da Câmara Municipal da Nazaré comunicado ao associado do requerente por ofício datado de 21.05.2014, que considerou injustificadas as faltas dadas entre 9 e 20.05.2014 por motivo de acumulação de créditos de outros dirigentes sindicais; c. intimar a entidade requerida a abster-se de, por qualquer meio, impedir o associado do requerente de utilizar a cedência de créditos que seja decidida pela associação sindical a que pertence; d. intimar a entidade requerida a abster-se de considerar injustificadas e a proceder a qualquer desconto no vencimento do associado do requerente com fundamento no exercício de atividade sindical ao abrigo de acumulação (…)”. Em face do teor das referidas providências, o Município não podia continuar a executar os despachos que obstavam a que o funcionário S... pudesse utilizar a cedência de créditos de horas, nem considerar injustificadas as faltas por ele dadas por utilizar tais créditos, nem ainda proceder a qualquer desconto no vencimento daquele por ter utilizado esses créditos. Tendo o Município continuado a executar o despacho de Abril de 2014, que impedia ao funcionário S... a utilização de créditos de horas cedidos por outros dirigentes sindicais e a descontar no vencimento deste os montantes correspondentes aos dias em que não era prestado trabalho, há que concluir que o Recorrido não deu cumprimento à sentença proferida no processo cautelar a 06/08/2014, tal como se decidiu na sentença recorrida. Na acção principal de que depende o referido processo cautelar foi proferida sentença a 28/01/2015, que declarou a nulidade do referido despacho do Recorrido e declarou ainda a nulidade dos despachos que consideraram injustificadas várias faltas por este dadas aquando do exercício da actividade sindical entre os meses de Maio de 2014 a Julho de 2014. A sentença proferida na acção principal transitou em julgado a 16/03/2025. A partir dessa data deixou de existir na ordem jurídica o despacho de Abril de 2014 que vedava a utilização do crédito de horas pelo mencionado funcionário. A reconstituição da situação que existiria se tal despacho não tivesse sido proferido apenas importava o pagamento das quantias indevidamente descontadas no vencimento daquele funcionário, pelo que o Município tinha o prazo de 30 dias para dar execução à sentença – n.º 3 do art.º 175.º do CPTA. Os efeitos que decorriam das providências cautelares decretadas na sentença de 06/08/2014, foram absorvidos pelos efeitos da sentença da acção principal e respectiva execução, conforme disposto no art.º 123.º, n.º 1, al. g) do CPTA, com a redacção à data dos factos – cfr. Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, “Comentário ao Código de Processso nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2017, pág. 1004. Não obstante o trânsito em julgado da sentença proferida na acção principal, o Município continuou a executar o entendimento vertido no despacho de Abril de 2014 que havia sido declarado nulo e vedava a utilização ao funcionário S... de créditos de horas cedidos por outros dirigentes sindicais. Não foi proferido novo acto renovatório que eventualmente e sem reincidir na ilegalidade, pudesse vir a substituir o despacho declarado nulo. O Município continuou a realizar descontos no vencimento do referido funcionário nos meses de Abril e Maio de 2015, bem assim como nos meses subsequentes até Março de 2016, por o funcionário continuar a utilizar os créditos de horas cedidos por outros dirigentes sindicais. O que significa que o Município continuou a aplicar o despacho de Abril de 2014, que havia sido declarado nulo pela sentença proferida na acção principal, transitada em julgado a 16/03/2015, violando o decidido nessa sentença. Provam ainda os autos que os descontos efectuados no vencimento do referido funcionário entre Maio e Setembro de 2014, foram pagos em Fevereiro de 2015, em cumprimento da sentença proferida a 21/01/2015 no âmbito do processo de execução que correu termos sob o n.º 822/14.5BELRA-B. Os descontos efectuados no vencimento entre Outubro de 2014 e Maio de 2015 foram pagos após ter sido proferida sentença a 02/09/2015 no processo de execução que correu termos sob o n.º 822/14.5BELRA-C, que transitou em julgado a 19/12/2016. Na sentença recorrida entendeu-se que o Recorrido não tinha tido intervenção directa no processamento dos vencimentos do funcionário em causa e que foi o seu assessor jurídico que mensalmente deu instruções à secção de pessoal para efectuar os respectivos descontos, limitando-se o Recorrido a aprovar o conjunto de todos os documentos relativos ao processamento dos salários de todos os funcionários do Município. Tal entendimento traduz uma errada apreciação da matéria de facto. Resulta da prova produzida que, para além do Recorrido ter proferido, em Abril de 2014, o despacho a impedir a utilização pelo funcionário S... de créditos de horas cedidos por outros dirigentes sindicais, foi ainda o Recorrido que, no primeiro mês em que a secção de pessoal passou a descontar no vencimento do funcionário os montantes correspondentes aos dias de faltas dadas nesse âmbito, instruiu os serviços da secção de pessoal para procederem a esses descontos. É certo que nos meses seguintes em que tais descontos se verificaram, essas instruções foram dadas directamente aos serviços pelo assessor jurídico do Recorrido. No entanto isso era efectuado em cumprimento das instruções inicialmente dadas pelo Recorrido e com o conhecimento deste, que sempre questionou o referido assessor jurídico sobre a situação e estava a par da mesma. Para além disso, o pagamento dos vencimentos de todos os funcionários do Município só era efectuado após a secção de pessoal os ter processado e remetido ao Recorrido que, mensalmente, emitia a respectiva ordem de pagamento. Perante tais factos há que concluir que o Recorrido tinha conhecimento que o Município estava a proceder mensalmente a descontos no vencimento do funcionário em causa por este utilizar os créditos de horas que lhe eram cedidos por outros dirigentes sindicais para o exercício da actividade sindical. Estatui o artigo 7° do regime jurídico da tutela administrativa, aprovada pela Lei n.º 26/96, de 1 de Agosto (adiante designado por LTA), que “a prática, por acção ou omissão, de ilegalidades no âmbito da gestão das autarquias locais (…) pode determinar, nos termos previstos na presente lei, a perda do respectivo mandato, se tiverem sido praticadas individualmente por membros de órgãos (…)”. O art.º 8.º, n.º 1, al. d) e o art.º 9.º, al. a), ambos da LTA, determinam ainda que incorrem em perda de mandato os membros dos órgãos autárquicos que sejam individualmente responsáveis pelo não cumprimento de decisões transitadas em julgado dos tribunais, desde que não se verifique causa legítima de inexecução. Tem-se entendido, no entanto, que a ilegalidade cometida só pode levar à perda de mandato nas situações em que existir culpa grave do titular do órgão autárquico, devendo tal sanção mostrar-se proporcional, adequada, em face da falta cometida – cfr., entre outros, os acórdãos do STA de 26/06/2008, proc. n.º 0353/08, de 02/04/2020, proc.º n.º 0396/18.8BECTB, de 07/12/2011, proc.º n.º 0859/11, tendo-se decidido neste último acórdão que a “(…) perda do mandato só pode ser decretada quando o fundamento legal que a justifica for imputável a título de culpa grave e não mera culpa ou simples negligência no cumprimento de um dever ou duma obrigação legal. E isto porque a perda de mandato de alguém que foi democraticamente eleito só deve ser decretada quando houver uma relação de adequação e proporcionalidade entre a falta cometida e a sanção visto que, se assim não for, será de questionar a constitucionalidade das normas que permitam declarações de perda de mandato fundadas em lapsos mínimos e, portanto, destituídas de razoabilidade ( Acórdão de 20/12/2007 (rec. 908/07).). Deste modo, e muito embora seja certo que a perda de mandato pode ser decretada sem que haja dolo na conduta do agente também é que a aplicação dessa sanção só encontra justificação quando "a actuação mereça um forte juízo de censura (culpa grave ou negligência grosseira). Na verdade, atendendo: (i) à natureza sancionatória da medida da perda de mandato, (ii) à intrínseca gravidade desta medida, equivalente às penas disciplinares expulsivas, com potencialidade destrutiva de uma carreira politica, iii) a que a conduta dos titulares de cargos políticos electivos é periodicamente apreciada pelo universo dos respectivos eleitores, há que concluir que a aplicação de tal medida só se justifica a quem tendo sido eleito membro de um órgão de uma autarquia local, no exercício das respectivas funções «violou os deveres do cargo em termos tais que o seu afastamento se tornou imperioso» (cfr. Acórdão STA de 21/03/96). Violaria o princípio da proporcionalidade das medidas sancionatórias que restrinjam direitos políticos aplicar uma tal sanção a incumprimentos veniais”.» (Acórdão de 11/03/99, rec. 44.576, com sublinhados nossos)(No mesmo sentido podem ver-se, ainda, e entre outros, os Acórdãos de 23/04/2003 (rec. 671/03) de 22/08/2007 (rec. 690/07), de 25/09/2007 (rec. 693/07), de 28/11/2007 (rec. 734/07), de 5/12/2007 (rec. 871/07), de 22/06/2008 (proc. 353/08) e de 22/08/2010 (proc. 690/07)). (…)”, in www.dgsi.pt. Refere-se ainda neste último acórdão que a alínea a) do art.º 9.º da LTA, ao erigir como “fundamento da perda de mandato o facto do autarca, “sem causa legítima de inexecução, não dê cumprimento às decisões transitadas em julgado dos tribunais” quer que tal se traduza numa reiterada e decidida obstaculização a esse cumprimento, isto é, quer que essa falta tenha sido cometida com culpa grave e não mera culpa ou simples negligência no cumprimento de um dever ou duma obrigação legal.” Para se aferir do grau de culpa do Recorrido há que considerar a diligência e aptidão que seria de esperar, de acordo com as circunstâncias do caso, de alguém medianamente diligente que exercesse as mesmas funções. No caso, o Recorrido teve conhecimento do teor das sentenças proferidas no âmbito do processo cautelar e da acção principal. Não obstante, continuou a dar execução ao seu despacho de Abril de 2014 e a descontar no vencimento do funcionário S... os montantes correspondentes aos créditos de horas que lhe eram cedidos por outros dirigentes sindicais. Fê-lo seguindo o entendimento que lhe foi transmitido pelo seu assessor jurídico que, após ter sido proferida a sentença do processo cautelar a 06/08/2014, lhe comunicou que o Município dispunha de 90 dias para dar cumprimento à mesma e que lhe referiu ainda posteriormente, aquando da citação que o Município recebeu a 24/10/2014, no âmbito do processo de execução da sentença cautelar que correu sob o n.º 822/14.5BELRA-B, que a execução voluntária da sentença cautelar ficava prejudicada, devendo o Município aguardar pela decisão do processo de execução. A sentença desse processo de execução foi proferida a 21/01/2015, tendo o Município pago os descontos efectuados no vencimento do referido funcionário entre Maio e Setembro de 2014, dentro do prazo de que dispunha, em Fevereiro de 2015. Os descontos efectuados no vencimento entre Outubro de 2014 e Maio de 2015 também foram pagos após ter sido proferida sentença no processo de execução que correu termos sob o n.º 822/14.5BELRA-C, que transitou em julgado a 19/12/2016. Quanto ao incumprimento da sentença proferida a 28/01/2015 no âmbito da acção principal, verifica-se que o assessor jurídico comunicou ao Recorrido que o prazo de execução voluntária da mesma era de 90 dias e que nessa sentença apenas se tinha apreciado a validade do despacho que impedia o funcionário S... de utilizar créditos de horas cedidos por outros dirigentes sindicais (bem assim como a validade dos despachos que procederam aos respectivos descontos no vencimento daquele), à luz da Lei n.º 59/2008, de 11/09, que foi revogada pela Lei 35/2014, de 20/06, não tendo o Tribunal conhecido da validade desses despachos em face do novo regime jurídico decorrente desta última lei, aplicável a partir de 01/08/2014. Perante o teor de tais informações transmitidas ao Recorrido pelo seu assessor jurídico, não se pode concluir que aquele tenha tido a intenção de não dar cumprimento às sentenças proferidas no processo cautelar e na acção principal. O Recorrido aceitou como bons os pareceres e informações do seu assessor jurídico que, aos olhos de um não jurista, como é o caso do Recorrido, podem apresentar-se como justificadamente fundamentadas, apesar de, como acima se viu, traduzirem raciocínios errados. Não nos parece que, perante a situação acima descrita, seja razoável concluir que o Recorrido actuou de forma grosseira, com diligência manifestamente inferior à que seria de esperar de um Presidente de Câmara medianamente diligente, pelo que entendemos que não actuou com culpa grave. Defende ainda o Recorrente que o Recorrido actuou com negligência grave por se ter alheado do cumprimento das referidas sentenças, deixando a questão nas mãos do seu assessor jurídico, devendo por isso ser responsabilizado pelos actos deste como se de actos próprios se tratasse, a título de culpa in elegendo, nos termos do art.º 571.º do CC. Não lhe assiste razão. As normas que invoca não têm aplicação no âmbito da presente situação, em que está em causa a possibilidade de aplicar a sanção de perda de mandato autárquico com fundamento na prática de ilegalidades cometidas aquando do exercício de poderes funcionais. Não se trata de decidir questão relacionada com a supressão de qualquer dano patrimonial que tenha ocorrido, nem de proceder à imputação da responsabilidade civil pelo seu ressarcimento ao Recorrido. O escopo das normas que regem a responsabilidade civil a título de culpa in elegendo é diverso das que constam nos artigos 7.º, 8.º, n.º 1, al. d) e 9.º, al. a), da LTA, que preveem a aplicação da sanção de perda de mandato e donde decorre um princípio geral de responsabilidade por facto pessoal. Pelo que não pode conceder-se procedência do recurso. O conhecimento do recurso subordinado fica prejudicado. Decisão Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul em negar provimento ao recurso e manter a decisão que consta da sentença recorrida. Custas pelo Recorrido, que as não paga por se encontrar isento – art.º 4.º, n.º 1, al. a) do RCP. Lisboa, 02 de Junho de 2021 O relator consigna, nos termos do disposto no art. 15.°-A do DL n.° 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.° do DL n.° 20/2020, de 01.05, que têm voto de conformidade com o presente Acórdão os Juízes Desembargadores que integram a formação de julgamento.Jorge Pelicano Celestina Castanheira Carlos Araújo (em substituição) |