Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2217/18.2BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:02/27/2020
Relator:DORA LUCAS NETO
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR;
PRAZOS ORDENADORES;
PROVA;
NULIDADES INSUPRÍVEIS.
Sumário:i) Ainda que se tenha verificado a preterição do prazo de conclusão do procedimento disciplinar – art.s 79.º e 87.º, n.º 1, ambos do RDPSP -, mesmo com a preterição das formalidades previstas no art. 39.º da LTFP, aplicável subsidiariamente ex vi art. 66.º do RDPSP, sem prejuízo de eventuais consequências internas, designadamente disciplinares, que recaiam sobre o instrutor do processo, tal não conduz à anulabilidade da decisão suspendenda, tal como o Requerente, ora Recorrente pretende.
ii) Acresce que, não obstante o não cumprimento dos prazos em apreço, a duração global do presente procedimento disciplinar não se figura claramente desproporcionada, atendendo às exigências de um processo justo e equitativo, que permita a averiguação da verdade material e uma decisão fundamentada, e atendendo às vicissitudes que ocorreram no mesmo, designadamente, a necessidade de substituição do instrutor do processo (cfr. alíneas G) e N) da matéria de facto), e de existir um processo crime pendente, tendo aquele ficado a aguardar, pelo menos por algum tempo, a decisão ali tomada (cfr. doc.s n.º 8 e 9 juntos com a p.i.), assim como a circunstância de o próprio Requerente, ora Recorrente, imputar um cômputo global de “atraso de 7 meses” (cfr. fls. 5 das alegações de recurso);
iii) A Administração, com ou sem a colaboração do arguido, está sujeita a um dever administrativo de descoberta da verdade, tendo em vista a adotar para o caso a solução mais justa, o que implica que qualquer erro na apreciação ou na fixação dos factos materiais inquina o ato punitivo de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto (art. 58° do CPA);
iv) O arguido, independentemente da conduta adotada no procedimento administrativo, preserva o seu direito de impugnação contenciosa da decisão disciplinar, garantido constitucionalmente e que não pode ser limitado senão quando estiver em causa a aplicação de critérios de conveniência e oportunidade da atuação administrativa;
v) Assiste, ao arguido o poder de apresentar novos elementos probatórios de sinal oposto à prova bastante em que se baseou o ato impugnado, repetir a produção da prova procedimental relativamente aos pontos de facto que não foram suficientemente demonstrados, e questionar a apreciação e valoração que Administração fez das provas procedimentais. Só assim se consegue dar plena efetividade à tutela jurisdicional dos direitos dos administrados atingidos por uma atuação ilegal.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

P......, Requerente e ora Recorrente, inconformado com a sentença proferida pelo TAC de Lisboa que julgou improcedente, em antecipação do juízo sobre a causa principal – 121.º CPTA -, o seu pedido de anulação da decisão disciplinar que lhe havia aplicado uma pena de 188 dias de suspensão, contra o Direção Nacional da Polícia de Segurança Pública, ora Recorrido, veio recorrer para este tribunal.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

«(…)

1. Vem o Autor interpor recurso da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo nos termos da qual foi a presente ação julgada totalmente improcedente, absolvendo a Ré do pedido.

2. A Douta sentença recorrida entende que os prazo na tramitação do processo disciplinar são meramente ordenadores e, como tal não implicam a preclusão do exercício do poder disciplinar pela Ré.

3. Entendeu, também, a Douta Sentença ora recorrida que o A., apesar de ter alegado a nulidade do procedimento disciplinar instaurado pela Ré, por omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade, não alegou nem demonstrou em que medida "tais omissões relevariam na apreciação e valoração dos factos essenciais.

4. Salvo o devido respeito e, salvo melhor opinião entende o A. que a Douta Sentença recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que considere que os prazos de tramitação do processo disciplinar não são meramente ordenadores e que o seu não cumprimento implica a preclusão do exercício do poder disciplinar da Ré.

5. Assim, como entende o A. que o por si alegado é suficiente para considerar a existência de omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade.

6. Quanto aos prazos na tramitação do processo disciplinar instaurado pela Ré a Douta Sentença recorrida entendeu que " A questão encontra-se já tratada pelos tribunais superiores, sendo pacífica a jurisprudência no sentido da qualificação dos mesmos como meramente ordenadores".

6.1 Entende o A. que não lhe assiste qualquer razão, sendo inconstitucional essa interpretação, inconstitucionalidade que, mais uma vez, aqui se invoca.

6.2 De acordo com o disposto no artigo 79° do Regulamento Disciplinar da Policia de Segurança Pública (doravante RDPSP) concluída a investigação deverá ser deduzida acusação no prazo de 10 dias.

6.3 De acordo com o disposto no artigo 87° n° 1 do RDPSP, finda a instrução o instrutor elaborará relatório completo e conciso no prazo de 5 dias.

6.4 Nos presentes autos de processo disciplinar, o último ato de investigação data de 20.10.2017 e a acusação data de 26.01.2018.

6.5 Nos presentes autos de processo disciplinar, o último ato de instrução é a notificação ao arguido/recorrente da acusação para sua audiência, a qual data de 02.02.2018, conforme consta do Relatório, sendo que este tem data de 25.06.2018.

6.6 Podemos, assim, concluir que nem a acusação foi deduzida 10 dias após a conclusão da investigação nem o relatório foi elaborado 5 dias após o final da instrução.

6.7 Entende-se que a incumprimento destes prazos deve implicar a preclusão de exercício do poder disciplinar pela entidade recorrida, por caducidade do exercício do direito, uma vez que, se se considerar esses prazos como prazos meramente ordenadores está-se a violar o princípio estatuído no artigo 6° da Declaração Universal dos Direitos do Homem, e os artigos 13° e 20°, n° 4 da Constituição da Republica Portuguesa, o que desde já se reclama que seja decretado.

6.8 Ora nos presentes autos de processo disciplinar, o não cumprimentos dos prazos supra referidos acarretou um prolongar deste processo por mais 7 meses. Tendo o Autor durante todo esse tempo sujeito à pressão de ter pendente sobre si um processo disciplinar que, por urgente, deveria ter sido instruído em 45 dias.

Verificamos, assim, que o "prazo razoável" estabelecido constitucionalmente não foi observado no processo disciplinar sub judice.

6.9 Considerando o disposto no artigo 66° por RDPSP e o preceituado no n° 1 do artigo 39° do EDTFP resulta, sem margem para dúvidas, que o processo disciplinar deve "ultimar-se" no prazo de 45 dias; que esse prazo de 45 dias só pode ser excedido por despacho da entidade que o mandou instaurar, sob proposta fundamentada do instrutor e apenas nos casos de especial complexidade".

6.10 Ora, nos autos de procedimento disciplinar instaurado pela Ré ao A. não consta qualquer proposta fundamentada do Instrutor a solicitar a prorrogação desse prazo.

Consequentemente, também não consta do mesmo procedimento disciplinar qualquer despacho da entidade que o mandou instaurar a autorizar essa prorrogação, assim como, o referido procedimento disciplinar não está classificado como de "especial complexidade" e nada existe nos autos que possa conduzir a essa classificação.

Assim, no caso do presente procedimento disciplinar, o prazo limite para ultimar, completar, concluir, acabar, fechar, terminar, findar, finalizar a instrução era de 45 dias.

6.11 No que à natureza do processo disciplinar respeita, o RDPSP é omisso.

6.12 Assim, e tendo em atenção o estatuído no referido artigo 66° do RDPSP, aplica- se, quanto à natureza do processo disciplinar, o disposto no n° 4 do artigo 39° do EDTFP, isto é, o processo disciplinar tem natureza urgente, sem prejuízo, contudo, das garantias de audiência e defesa do arguido.

6.13 Ora, como se sabe, processos urgentes são aqueles que assim são considerados por lei e ou despacho do Juiz, os seus prazos correm em férias e prevalecem sobre todos os outros, devendo as suas decisões e ou atos serem proferidas e ou praticados com preferência sobre todo o serviço agendado.

6.14 Sem esquecer que administrar a Justiça, de forma justa, requer a devida ponderação, temos que, todavia, essa ponderação e a prolação da decisão não podem perdurar no tempo. Daí o legislador ter fixado prazos para atuação de cada uma das partes envolvidas na aplicação da Justiça em cada caso em concreto. Ninguém pode e ou deve estar sujeito a um processo em que intervém "ad eternum".

6.15 Por isso, a consagração constitucional de que Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativd' — cfr. n° 4 da CRP.

6.16 Prazos que têm de ser cumpridos por todos, sem exceção, em obediência aos preceitos legais, sob pena de violação do principio constitucional da igualdade perante a tutela jurisdicional no que tange a prazos.

6.17 Tanto mais que a letra da norma é clara: "a instrução.... uitima-se no prazo de 45 dias, só podendo ser excedido este prazo por despacho da entidade que o mandou instaurar, sob proposta fundamentada do instrutor, nos casos de especial complexidade (sublinhado nosso). Ao utilizar a expressão "ultima-se" quis o legislador exprimir uma atitude de solicitação e ou mando.

6.18 Dispõe o n° 4 do artigo 20° da CRP que " Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo', o que significa que os cidadãos têm direito a decisões proferidas em prazo razoável. E o que se diz para decisões, diga-se, igualmente, para procedimentos conducentes a essas decisões, porque estas são dependência daqueles. Constituindo, assim, o direito a decisões em prazo razoável constitui um verdadeiro direito com garantia constitucional.

6.19 Assim, a interpretação de que o prazo estabelecido no n° 1 do artigo 39° do EDTFP é meramente ordenador viola o princípio constitucional inserto no n° 4 do artigo 20° da CRP, como viola, igualmente, o princípio da igualdade das partes perante a tutela jurisdicional.

7. Quanto à omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade

Entende a Douta Sentença recorrida que o A. não alegou nem demonstrou em que medida "tais omissões relevariam na apreciação e valoração de factos essenciais".

7.1 Salvo o devido respeito e, salvo melhor opinião não se alcança como é que é possível a Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo fazer tal afirmação, quando o A. alegou que não foi efetuado exame à arma que o mesmo tinha na sua posse à data dos factos, assim, como não consta do procedimento disciplinar nenhuma prova de que a "arma na posse do A. se encontrava municiada".

7.2 Além de que, ao contrário do que se afirma na Douta Sentença recorrida, o que o A. admitiu foi ter colocado a arma à cintura e não que a tenha "manuseado".

7.3 Por fim, o facto de o A. não ter apresentado queixa-crime pelas agressões que lhe foram perpetradas não significa que o mesmo não tenha sido alvo de agressões.

7.4 Assim e, ao contrário do alegado na Douta Sentença recorrida, o A. "alegou e demonstrou de que forma "tais omissões relevariam na apreciação e valoração de factos essenciais".

8. Entende-se, assim que a Douta Sentença recorrida faz uma incorreta valoração dos factos, assim, como viola o disposto no artigo n° 4 do artigo 20° da CRP, como viola, igualmente, o princípio da igualdade das partes perante a tutela jurisdicional.»

A Recorrida não contra-alegou.

Neste Tribunal Central Administrativo, o DMMP, notificado nos termos do disposto nos artigos 146.º e 147.º do CPTA, pronunciou-se no sentido do não provimento do recurso.

Sem vistos, atenta a natureza urgente do presente processo, mas com prévia divulgação do texto do acórdão pelo Mmos Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre decidir em conferência.

I. 1. Questões a apreciar e decidir

O objeto do recurso é delimitado, em princípio, pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso ainda não decididas com trânsito em julgado – cfr. art.s 635.º, 639.º e 608.º, n.º 2, 2ª parte, todos do CPC.

Neste pressuposto, as questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em aferir do erro de julgamento em que terá incorrido a sentença recorrida quanto a dois aspetos:

i) Na consideração de que os prazos na tramitação do processo disciplinar são meramente ordenadores e, como tal, não implicam a preclusão do exercício do poder disciplinar;

e

ii) Na consideração de que o Requerente, ora Recorrente, apesar de ter alegado a nulidade do procedimento disciplinar instaurado pela Requerida, ora Recorrida, por omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade, não alegou nem demonstrou em que medida "tais omissões relevariam na apreciação e valoração dos factos essenciais”, defendendo o Recorrente que o por si alegado é suficiente para considerar a existência de omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade.

II. Fundamentação

II.1. De facto

A matéria de facto pertinente é a constante da sentença recorrida, a qual aqui se transcreve na parte que releva para a apreciação das questões suscitadas em sede de recurso:

«(…)

A. O A. foi notificado em 19.07.2018 do Despacho do Diretor Nacional, em substituição, Superintendente-Chefe, M...... que, no âmbito do processo disciplinar que lhe havia sido instaurado, aplicou ao mesmo “a pena disciplinar de 188 (cento e oitenta e oito) dias de suspensão, prevista nos art.°s 25, n° 1, alínea e) e 46°, ambas do RD/PSP" (cfr. doc. 1 junto com a p.i.);

B. (…)
(…)
G. Em função da promoção de J...... ao posto de comissário, foi em 01.07.2016 nomeado instrutor do procedimento disciplinar o subcomissário H… (cfr. fls. 47 do p.a.);
H. Em sede de procedimento disciplinar, o A. prestou declarações em 21/09/2016, na qualidade de Arguido (cfr. fls. 60 e ss. do p.a.);
I. O A. não apresentou queixa crime relativamente às agressões de que diz ter sido vítima (cfr. despacho de fls. 75 e ss. do p.a.);
J. O Ministério Público entendeu, em sede de inquérito, que não existiam indícios suficientes de que o A. tenha incorrido na prática de um crime de desobediência (cfr. despacho de fls. 75 e ss. do p.a.);
K. O Ministério Público, com a concordância do A., determinou a suspensão provisória do processo penal, aí concluindo que “(...) indiciam suficientemente os autos a prática, pelo A. P......, como A. material, de um crime de ameaça, previsto e punível nos termos do disposto no art.° 153°, n° 1 e 155°, n.° 1, alínea a), do Código Penal e, ainda, art.° 86°, n.° 3, da Lei das Armas (...)” (cfr. despacho de fls. 75 e ss. do p.a.);
L. Relativamente aos demais ilícitos, o Ministério Público entendeu não existirem indícios da prática dos mesmos ou não ter sido apresentada a queixa pelos respetivos titulares (cfr. despacho de fls. 75 e ss. do p.a.);
M. Foi elaborado despacho de acusação em sede disciplinar, no dia 26/01/2018 (cfr. fls. 96 e ss. do p.a.);
N. Em função da promoção de H...... ao posto de comissário, foi em 01.02.2018 nomeado instrutor do procedimento disciplinar o subcomissário M...... (cfr. fls. 98 do p.a.);
O. O A. foi notificado do despacho de acusação para efeitos do exercício do seu direito de defesa (cfr. fls. 100 e ss. do p.a.);
P. O A. não exerceu o seu direito de defesa (cfr. fls. 114 do p.a.; art.°s 44 e 45 da p.i.);
Q. O A. manuseou a arma de fogo que lhe estava distribuída para o exercício das suas funções no momento dos factos que deram origem ao procedimento disciplinar (cfr. fls. 109 e ss. do p.a.; art.° 63 da p.i.);
R. Foi elaborado o relatório final no procedimento disciplinar em apreço, em 25/06/2018, tendo o A. sido punido nos termos do “art.° 4.° do RDPSP, por violação do Princípio Fundamental previsto no art.° 6.° do RDPSP com referência aos art.°s 153.°, n.°1 e 155.°, n.°1, al. a), do Código Penal e art.° 86.°, n.°3, da Lei das Armas, e também à NEP OPSEG/DEPOP/01/05, de 2004JUNOI, Limites ao Uso de Meios Coercivos, no seu Capítulo 3, pontos 2. e), 3. a) e h), I5. d), e ainda dos Deveres de Zelo, Obediência, Correcção e Aprumo, previstos nos art.°s 9.°, n.°s I e 2. al. t), 10°', n's 1 e 2, als. a) e d), 13.°, n.°s 1 e 2, al. d). e 16.°, n.°s 1 e 2, als. f) e h), todos do RDPSP” (cfr. fls. 109 e ss. do p.a.);
S. A decisão disciplinar aplicada ao A. foi a pena de 188 dias de suspensão (cfr. despacho do Diretor Nacional em substituição de fls. 109 e ss. do p.a. - o despacho tem tal numeração, mas encontra-se, certamente por lapso, depois de fls. 117).
*
Factos não provados
Com interesse para a decisão, inexistem factos não provados.
*
Motivação
A convicção do Tribunal assentou na análise crítica dos documentos juntos aos autos, os quais não foram impugnados, bem como na posição das partes assumidas nos articulados.»

II.2. De direito

Insurge-se o Recorrente contra a sentença do TAC de Lisboa que julgou a presente acção improcedente e, consequentemente, absolveu a Requerida, ora Recorrida, do pedido de anulação da pena de 188 dias de suspensão aplicada.

No caso em apreço, cumpre, assim, aferir do erro decisório imputado à sentença recorrida, nas duas vertentes supra identificadas no ponto I.1.

Vejamos.

i) Do erro decisório imputado à sentença recorrida por ter considerado que os prazos na tramitação do processo disciplinar são meramente ordenadores e, como tal, não implicam a preclusão do exercício do poder disciplinar.

Sobre este aspeto é o seguinte o discurso fundamentador da sentença recorrida:

«(…)

Alega o A. que os prazos na tramitação do processo disciplinar que têm como destinatários o instrutor e a entidade competente para proferir a decisão final, mais precisamente os prazos constantes dos art.°s 79.° e 87.° n° 1 do RDPSP, não foram cumpridos.

Concretizando, de acordo com o disposto no art.° 79.° do RDPSP concluída a investigação deverá ser deduzida acusação no prazo de 10 dias. E de acordo com o disposto no art.° 87.° n.° 1 do RDPSP, finda a instrução o instrutor elaborará relatório completo e conciso no prazo de 5 dias.

Verificando-se que o último ato de instrução data de 20.10.2017, conforme consta a fls. 92 v. do p.a. e a acusação data de 26.01.2018, conforme consta a fls. 96 e 96 v. do p.a., tendo o Relatório final sido elaborado em 25.06.2018, conclui-se que nem aquela, nem estes foram elaborados dentro dos mencionados prazos legais.

Vejamos, então, as consequências, da violação dos prazos em causa.

A questão encontra-se já tratada pelos tribunais superiores, sendo pacífica a jurisprudência no sentido da qualificação dos mesmos como meramente ordenadores., é Cf. entre outros, os Acórdãos do TCASUL, de 2.10.2008 e 4.7.2019, proferidos nos Proc.s n.° 07448/03 e 2187/18.7BELSB, respectivamente. disponíveis in www.dgsi.pt.

Por comodidade e economia de meios transcreve-se o ponto VI do sumário do primeiro acórdão referido: “VI - O desrespeito pelos prazos previstos nos art.°s 79°, n° 2 e 87°, n° 2 do RDPSP, não inquina a decisão punitiva nem tão pouco preclude a possibilidade de exercício do poder disciplinar pela entidade competente - quando muito, apenas fará incorrer em responsabilidade disciplinar os destinatários da norma em questão [instrutor ou entidade decidente].”

De resto, o próprio A. revela conhecer a natureza meramente ordenadora dos prazos em questão, quando refere que deverão existir para o instrutor consequências por violação do dever de zelo no desempenho da sua tarefa. Contudo, o apuramento da responsabilidade disciplinar não constitui matéria sujeita à apreciação deste tribunal, fazendo parte da função administrativa.

O vício em apreço, não irá, pois, proceder.»

Tal como se refere na sentença recorrida, é entendimento pacífico na jurisprudência e na doutrina que os prazos indicados em sede de procedimento disciplinar são meramente ordenadores ou indicativos, pelo que a sua preterição não conduz à invalidade da decisão punitiva.

Na jurisprudência, entre muitos, vide ac. STA n.º 01086/11, de 25.06.2013, ac. n.º 135/06, de 13.02.2007, ac. n.º 0663/06, de 01.02.2007, ac. n.º 2017/02, de 20.03.2003, ac. n.º 39946, de 16-06-1998 e ac. n.º 30355, de 17-12-1997, assim como os que, ao nível da segunda instância foram citados na sentença recorrida.

Na doutrina, no mesmo sentido, Raquel Carvalho(1), Paulo Veiga e Moura e Cátia Arrimar(2), assim como, embora ainda ao abrigo da lei antiga, Leal M. Henriques(3).

Em virtude do que, ainda que se tenha verificado a preterição do prazo de conclusão do procedimento disciplinar – art.s 79.º e 87.º, n.º 1, ambos do RDPSP -, mesmo com a preterição das formalidades previstas no art. 39.º da LTFP, aplicável subsidiariamente ex vi art. 66.º do RDPSP, sem prejuízo de eventuais consequências internas, designadamente disciplinares, que recaiam sobre o instrutor do processo, tal não conduz à anulabilidade da decisão suspendenda, tal como o Requerente, ora Recorrente pretende.

Acresce que, não obstante o não cumprimento dos prazos em apreço, a duração global do presente procedimento disciplinar não se figura claramente desproporcionada, atendendo às exigências de um processo justo e equitativo, que permita a averiguação da verdade material e uma decisão fundamentada e às vicissitudes que ocorreram no mesmo, designadamente, a necessidade de substituição do instrutor do processo (cfr. alíneas G) e N) da matéria de facto), e de existir um processo crime pendente, tendo aquele ficado a aguardar, pelo menos por algum tempo, a decisão ali tomada (cfr. doc.s n.º 8 e 9 juntos com a p.i.), assim como a circunstância de o próprio Requerente, ora Recorrente, imputar um cômputo global de “atraso de 7 meses” (cfr. fls. 5 das alegações de recurso).

Assim, acompanha-se, neste aspeto, sentença recorrida.

ii) Do erro decisório imputado à sentença recorrida por ter considerado que o Requerente, ora Recorrente, apesar de ter alegado a nulidade do procedimento disciplinar instaurado pela Requerida, ora Recorrida, por omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade, não alegou nem demonstrou em que medida "tais omissões relevariam na apreciação e valoração dos factos essenciais”, defendendo o Recorrente que o por si alegado é suficiente para considerar a existência de omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade.

Sobre este aspeto é o seguinte o discurso fundamentador da sentença:

«(…)

Da alegada nulidade do procedimento disciplinar instaurado contra o A., por omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade

O A. alega que o procedimento disciplinar é nulo por omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade, nos termos do disposto no art.° 86.° n.° 1 do RD/PSP, preceito que identifica a referida nulidade como insuprível.

Sustenta que [1] deveria ter sido ouvida como testemunha a Agente A......, assim como, [2]deveria ter sido efetuado exame à arma que o A. tinha na sua posse à data dos factos. Mais alega que está também ferido de nulidade porque [3] não consta nenhuma prova do facto dado por provado em sede disciplinar “que a arma na posse do A. se encontrava municiada”, a não ser as declarações das testemunhas que foram, também, parte envolvida nos factos relatados que estiveram na origem da instauração do processo disciplinar ao A..

E ainda porque [4] existe um facto importante que não foi dado como provado no procedimento disciplinar e que foi relatado pelas testemunhas inquiridas, que é o facto de o A. ter ido receber tratamento hospitalar decorrente das agressões de que foi alvo por parte do denunciante e restantes testemunhas.

Vejamos.

O ónus de densificar a essencialidade das omissões alegadamente ocorridas no procedimento disciplinar impende sobre o A., cabendo-lhe, alegar e demonstrar em que medida tais omissões relevariam na apreciação e valoração dos factos essenciais cuja prática lhe foi imputada, com base nos quais foi punido, ónus que não cumpriu. Dito de outro modo, o A. tem que demonstrar que tais provas ou factos omitidos poderiam determinar uma acusação diferente ou a aplicação de pena mais leve.

E aqui, convém não perder de vista que o A., notificado do teor da acusação, não exerceu o seu direito de defesa, nem requereu a produção de qualquer meio de prova.

Recorde-se que o A. foi punido disciplinarmente pela utilização indevida da arma de fogo que lhe tinha sido atribuída, tendo admitido que manuseou a arma no momento dos factos. Tal basta para constituir uma sensação de perigo para outras pessoas presentes, dado que tal sentimento de perigo é gerado pela simples exibição e manuseamento da arma, irrelevando para o efeito se a arma se encontra municiada ou não.

Finalmente, o A. alega ter sido alvo de agressões mas não apresentou queixa-crime pretendendo, ainda assim, que tais alegadas agressões relevem, sem explicar como e com que fundamento.

Em síntese, considerando a entidade com competência disciplinar que foram feitas todas as diligências necessárias e tidas por suficientes para deduzir a acusação, que foi dada a possibilidade ao A., enquanto Arguido, de requerer outras diligências, o que o mesmo não fez, era necessário que o A. tivesse densificado a essencialidade das omissões que diz terem existido.

Neste sentido, e entre outros, veja-se o Acórdão do TCA Sul, de 04.07.2019, proferido no processo n.° 2187/18.7BELSB, disponível in www.dgsi.pt.

O preceito por si indicado (art.° 86.° n.° 1 do RD/PSP), para que ocorra a dita nulidade, exige que as omissões sejam essenciais para a descoberta da verdade. Isto é, não se basta com elementos que permitam complementar ou esclarecer o sucedido, ou pormenorizar alguma das circunstâncias de facto ocorridas.

Não é assim possível concluir que foram omitidas diligências essenciais para a descoberta da verdade, pelo que está votado ao insucesso o vício em apreço.»

Por seu turno, o Requerente, ora Recorrente, sobre esta matéria, em sede de requerimento inicial para decretamento da providência cautelar, invocou o seguinte:

«(…)

Quanto à nulidade do processo disciplinar

51°

0 processo disciplinar público fundamenta-se num poder de supremacia da Administração face aos seus trabalhadores, poder esse que lhe permite sancionar comportamentos destes considerados desviantes relativamente ao exigido, causando prejuízo ao funcionamento, imagem e prestígio do serviço.

52°

Podemos, assim, afirmar que o objetivo imediato do direito disciplinar público são os interesses da boa organização e do eficaz funcionamento dos serviços da Administração Pública.

53º

Contudo, não nos podemos esquecer que ele representa também, "um importante instrumento de protecção do trabalhador contra o arbítrio da hierarquia administrativa, assegurando-lhe um conjunto de garantias essenciais.

54.º

Desta forma, o processo disciplinar público é nulo se não existir audiência do arguido e se forem omitidas diligências necessárias para a descoberta da verdade, conforme dispõe o artigo 86°, n° 1 do RDPSP.

55º

Ora nos presentes autos disciplinares, entende o arguido ora recorrente que deveria ter sido ouvido como testemunha, a Agente A......, assim como, deveria ter [4 P……, Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública Anotado, pág. 29] sido efetuado exame à arma que o Requerente tinha na sua posse no dia da alegada infração.

56°

Entende-se que estas diligências são imprescindíveis para a descoberta da verdade material, existindo, assim, na instrução do processo disciplinar instaurado ao Requerente uma omissão da prática daquelas duas diligências que se reputam essenciais para a descoberta da verdade.

57°

De facto não se compreende como é que foram ouvidos o Agente A......, o Chefe L...... e o Chefe F........ que não presenciaram os factos desde o seu início, como os próprios afirmam nos seus depoimentos a fis. 31, 32 e 33 dos autos de processo disciplinar e a Agente A...... que assistiu a todos os factos, conforme consta a fis 4 e segs. dos autos de processo disciplinar não foi ouvida como testemunha.

58°

Entende-se ser esta (Agente A......) uma testemunha fulcral para a correta perceção de todos os factos que são imputados ao Requerente, sendo assim, a sua inquirição essencial para a descoberta da verdade.

59.º

Todos os factos ocorridos no dia 12.10.2015 na Rua Zófino Pedroso, em Lisboa e que envolveram o Requerente têm de ser contextualizados, não se pode atender apenas a uma parte desses factos e fazer-se "tábua rasa" de como tudo começou.

60°

Acresce que, foi dado como facto provado que a arma na posse do Requerente "se encontrava municiada, conforme doc. 1.

61°

Contudo do processo disciplinar não consta nenhuma prova de tal facto a não ser as declarações das testemunhas que foram, também, parte envolvida nos factos relatados que estiveram na origem da instauração do processo disciplinar ao Requerente.

62°

Isto é, não consta do processo disciplinar nenhuma outra prova de tal facto.

63°

Acresce que, existe um facto importante que não foi dado como provado no processo disciplinar e que foi relatado pelas testemunhas inquiridas, que é o facto de o Requerente ter ido receber tratamento hospitalar decorrente das agressões de que foi alvo por parte do denunciante e restantes testemunhas. Não tendo estes atos sido praticados na instrução, entende-se que o presente processo disciplinar está ferido de nulidade.»

Vejamos.

Antes de entrar na análise da questão concretamente suscitada pelo Requerente, ora Recorrente, importa ter presente o seguinte enquadramento:

«(…) a regulação dos aspetos relativos à audiência e defesa do arguido e à aquisição de prova em processo disciplinar destina-se unicamente a assegurar, em decorrência do princípio consagrado no artigo 32.°, n.º 10 da CRP, que a decisão a proferir, tratando-se de um processo sancionatório, seja precedida, ainda no domínio do procedimento administrativo, das necessárias garantias de defesa do arguido. A posição que o arguido venha a adotar no procedimento administrativo - ainda que não apresente prova ou prescinda do seu direito de defesa - não preclude o dever de averiguação oficiosa por parte da Administração, nem o direito de o arguido impugnar jurisdicionalmente a decisão disciplinar com base em erro de facto.

E isso decorre de dois princípios essenciais:

i) a Administração, com ou sem a colaboração do arguido, está sujeita a um dever administrativo de descoberta da verdade, em vista a adoptar para o caso a solução mais justa, o que implica que qualquer erro na apreciação ou na fixação dos factos materiais inquina o ato punitivo de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto (artigo 58° do CPA);

ii) o arguido, independentemente da conduta adotada no procedimento administrativo, preserva o seu direito de impugnação contenciosa da decisão disciplinar, garantido constitucionalmente e que não pode ser limitado senão quando estiver em causa a aplicação de critérios de conveniência e oportunidade da atuação administrativa(4).

Neste pressuposto, e regressando ao caso em apreço, mais do que a circunstância de o Requerente, em sede de defesa no procedimento disciplinar, nada ter dito ou requerido, é preciso atentar no que resultou provado no procedimento e o que em sede de requerimento inicial da ação subjacente a este recurso o Requerente, ora Recorrente, peticionou como meios de prova e, bem assim, se o que nesta sede alegou, se pode considerar, como pretende, suficiente, para conhecer da alegada existência de omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade, à luz do seguinte inciso: A nulidade insuprível do processo disciplinar resultante de omissão de diligencias essenciais para a descoberta da verdade só ocorre quando se comprove terem sido omitidas concretas diligências de prova essenciais para o esclarecimento dos factos, não bastando invocar a omissão de diligências em termos vagos e abstratos(5).

Sobre o requerimento probatório formulado pelo Requerente, ora Recorrente, recaiu o seguinte despacho prévio à sentença:

«(…) Na p.i., o A., junta prova documental e requer a prestação de declarações de parte face à matéria de facto aí alegada nos art.°s 66.°, 94.°, 97.°, 100.° e 106.°, arrolando uma testemunha.[C........](…).

Apreciando.

A posição das partes assumida nos articulados e os documentos por si juntos aos autos são suficientes para formar a convicção do tribunal, quanto à prova dos factos essenciais necessários à apreciação e decisão da causa.

Vejamos porquê.

[1] No que ao A. diz respeito, ao mesmo foi dada a possibilidade de se pronunciar em sede de procedimento disciplinar, designadamente, aquando da notificação da acusação contra si deduzida.

Porém, o A. optou por não apresentar defesa. Tão pouco requereu a produção de prova, nem então, nem em momento ulterior.

Em face do que antecede, o requerimento probatório apresentado na p.i., impunha ao A. o ónus de alegar e demonstrar que não tinha sido possível deduzi-lo, em sede procedimental, ou a superveniência do(s) facto(s) ou do conhecimento(s) do mesmo(s), o que não fez.

[2] Acresce que o A. não indicou quais os factos que careciam de prova testemunhal.

[3] O A. pediu ainda para prestar declarações de parte relativamente aos factos invocados nos art.°s 66.°, 94.°, 97.°, 100.° e 106.° da p.i. Relativamente à matéria de facto alegada no art.° 66.° (se tinha recebido tratamento hospitalar), não só a mesma poderia ser provada por documento, como se trata de facto não essencial para a decisão punitiva aplicada, ou impugnada; o facto alegado no art.° 94.° da p.i. [danos morais decorrentes de toda esta situação] constitui uma declaração genérica e conclusiva, pois é consabido que não é qualquer dano não patrimonial que releva juridicamente, não tendo o A. invocado factos concretos consubstanciadores da gravidade dos danos não patrimoniais alegadamente sofridos; quanto aos factos invocados nos art.°s 97.°[“(…) dos factos dados como provados resulta que a situação que o Autor se viu envolvido tinha por um lado ele sozinho e por outro lado um grupo de cidadãos] e 106.° [perda de rendimento resultante da situação de desarmamento em que se encontra ] da p.i., os mesmos não se mostram controvertidos; e quanto à matéria de facto constante do art.° 100.°[“Resulta também que o mesmo ficou surpreso com atuação da testemunha N........, pelo que é legítimo o seu comportamento de defesa”] a mesma não integra qualquer facto constante da acusação.

(…)

Em face do exposto, vão indeferidos os requerimentos probatórios formulados por A. (…), nos termos do n.° 3 do art.° 90° do CPTA.» (numeração, negrito e sublinhados nossos).

Face ao anteriormente exposto, imperioso se torna julgar improcedente o argumento transcrito supra e identificado com o número [1] e que se pode resumir com a enunciação da exigência de que em sede de requerimento probatório apresentado na petição inicial, se impunha ao Requerente o ónus de alegar e demonstrar que não tinha sido possível deduzi-lo, em sede procedimento, ou a superveniência do(s) facto(s) ou do conhecimento(s) do mesmo(s), o que não fez.

Claudica, pois, atento o entendimento da doutrina supra citada, à qual se adere e da qual resulta, em suma, que o arguido, independentemente da conduta adotada no procedimento administrativo, preserva o seu direito de impugnação contenciosa da decisão disciplinar, garantido constitucionalmente e que não pode ser limitado senão quando estiver em causa a aplicação de critérios de conveniência e oportunidade da atuação administrativa.(6)

Acresce que «(…) a intervenção procedimental do autor, ainda que sob a forma de audiência contraditória, não preclude o direito de desfazer ou destruir o resultado probatório que a Administração extraiu dos meios de prova produzidos no procedimento. Como é evidente, só o poderá exercer através da via de tutela jurisdicional, na medida em que a intervenção de um terceiro imparcial na resolução do litígio confere as garantias de protecção exigidas pela Constituição. Assiste, assim, ao autor o poder de apresentar novos elementos probatórios de sinal oposto à prova bastante em que se baseou o acto impugnado, repetir a produção da prova procedimental relativamente aos pontos de facto que não foram suficientemente demonstrados, e questionar a apreciação e valoração que Administração fez das provas procedimentais. Só assim se consegue dar plena efectividade à tutela jurisdicional dos direitos dos administrados atingidos por uma actuação ilegal.»(7)

Quando, na verdade, o tribunal a quo decidiu quanto a este aspeto, que «(…) o ónus de densificar a essencialidade das omissões alegadamente ocorridas no procedimento disciplinar impende sobre o A., cabendo-lhe, alegar e demonstrar em que medida tais omissões relevariam na apreciação e valoração dos factos essenciais cuja prática lhe foi imputada, com base nos quais foi punido, ónus que não cumpriu.(…) considerando a entidade com competência disciplinar que foram feitas todas as diligências necessárias e tidas por suficientes para deduzir a acusação, que foi dada a possibilidade ao A., enquanto Arguido, de requerer outras diligências, o que o mesmo não fez, era necessário que o A. tivesse densificado a essencialidade das omissões que diz terem existido (…) »(negrito e sublinhados nossos).

Ora, tendo o tribunal a quo indeferido o requerimento de prova formulado pelo Requerente, ora Recorrente, decisão essa a que se seguiu a decisão de antecipação do juízo da causa principal, que em si comporta a constatação de que os autos contem já tudo o que é necessário para a decisão da causa, não pode depois indeferir a pretensão, ou parte dela, por falta de densificação ou demonstração de factos, por parte do Requerente, ora Recorrente, quando, como , em nosso entender, sucede no caso em apreço, da parte deste, não foi apenas invocada a omissão de diligências em termos vagos e abstratos, pois requereu o seu depoimento de parte, identificando sobre que factos deporia, sendo que, em relação a pelo menos dois deles - art.°s 97.°[“(…) dos factos dados como provados resulta que a situação que o Autor se viu envolvido tinha por um lado ele sozinho e por outro lado um grupo de cidadãos] e art.° 100.°[“Resulta também que o mesmo ficou surpreso com atuação da testemunha N........, pelo que é legítimo o seu comportamento de defesa”] - são invocadas situações muito concretas, de defesa do arguido e que, como tal, devidamente ponderadas, desde que provadas, poderiam ter influência na decisão disciplinar aplicada, designadamente na concreta medida da mesma – considerando que, em concreto, lhe foram aplicados 188 dias de suspensão.

Pelo que claudica também o entendimento seguido na sentença recorrida de que «(…) o A. foi punido disciplinarmente pela utilização indevida da arma de fogo que lhe tinha sido atribuída, tendo admitido que manuseou a arma no momento dos factos. Tal basta para constituir uma sensação de perigo para outras pessoas presentes, dado que tal sentimento de perigo é gerado pela simples exibição e manuseamento da arma, irrelevando para o efeito se a arma se encontra municiada ou não. (…) o A. alega ter sido alvo de agressões mas não apresentou queixa-crime pretendendo, ainda assim, que tais alegadas agressões relevem, sem explicar como e com que fundamento.»

Acresce que também foi requerida a audição de uma testemunha – não se demonstrando violado o disposto no art. 78.º, n.º 4 do CPTA e podendo sempre o juiz a quo solicitar que o requerente indique sobre que matéria pretende seja inquirida a testemunha arrolada.

Em face do que, imperioso se torna revogar a sentença recorrida, na parte em que, mantendo o ato impugnado, considerou que o Requerente, ora Recorrente, ao ter alegado a nulidade do procedimento disciplinar contra si instaurado, por omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade, não alegou nem demonstrou em que medida tais omissões relevariam na apreciação e valoração dos factos essenciais, atendendo ao requerimento probatório que efetuou nos presentes autos.

Deverão, pois, os autos baixar à 1.ª instância a fim de ser produzida a prova requerida, se a tal nada mais obstar.

III. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

- Manter o efeito meramente devolutivo ao presente recurso ao abrigo do art. 121.º, n.º 2 do CPTA (cfr. art. 13.º, n.º 2, da Lei n.º 118/2019, de 17.09), tal como fixado por despacho do tribunal a quo.

- Conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida; e

- Ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância a fim de ser produzida a prova requerida pelo Requerente, ora Recorrente, se a tal nada mais obstar.


Custas pelo Recorrido na presente instância.

Lisboa, 27.02.2020


Dora Lucas Neto

Pedro Nuno Figueiredo;

Ana Cristina Lameira

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(1).in Comentário ao Regime Disciplinar dos Trabalhadores em Funções Públicas, 2.ª edição, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2018, pgs. 103.
(2).in Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas. 1.ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2014, pgs. 592-593;

(3).In Procedimento Disciplinar, 4.ª edição, Editora Rei dos Livros, Lisboa, 2002, pg. 284

(4).Mário Aroso de Almeida, COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVO, Comentário ao art. 90.º, 4.ª edição, Almedina, 2017, pgs. 730-731
(5).Cfr. ac. STA de 19.03.1987, Rec. 023248.

(6).Mário Aroso de Almeida, COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVO, Comentário ao art. 90.º, 4.ª edição, Almedina, 2017, pgs. 730-731
(7).Ac. TCA Norte, P. 00102/06.0BEBRG, de 27.05.2010.