Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 42/08.8BEPDL |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 03/28/2019 |
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Relator: | CATARINA ALMEIDA E SOUSA |
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Descritores: | NULIDADE PROCESSUAL; JUNÇÃO DE DOCUMENTOS; NOTIFICAÇÃO PARA ALEGAÇÕES |
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Sumário: | I - Tendo havido junção ao processo de documentos com relevo probatório, os quais relevaram para a especificação da matéria de facto julgada provada, impunha-se que se concedesse às partes a possibilidade de alegarem sobre esta matéria, não só sobre a relevância factual que podem ter os elementos em questão, mas também sobre as ilações jurídicas que daí se podem retirar. II – No caso, os documentos foram juntos pela FP, a pedido do Tribunal, e – não se questiona – têm origem na Impugnante. III - Até aí, tais documentos não constavam dos autos, nem se extraía da alusão aos mesmos a pertinência que lhes veio a ser dada na sentença, na qual esses mesmos elementos foram relevados na fixação dos factos provados, mas sobretudo porque a junção de tais documentos foi decisiva para o Mmo. Juiz dar sem efeito a perícia anteriormente ordenada pelo Tribunal. IV – Não tendo as partes sido notificadas para produzirem alegações, ocorreu no processo uma omissão susceptível de influir no exame e decisão da causa, o que determina a anulação da sentença nos termos do artigo 195.º do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT, e tem como consequência a anulação dos termos processuais subsequentes, segundo o disposto no artigo 98.º, n.º 3, do CPPT. |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
1 – RELATÓRIO Banco .....SA, inconformado com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada que, no âmbito da impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRC do exercício de 2003, veio a julgar a mesma improcedente, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional. Formula, para tanto, as seguintes conclusões: * A Fazenda Pública, ora Recorrida, apresentou contra-alegações que terminou nos termos seguintes (por nós numeradas): 1) Entende o Recorrente que o Tribunal a quo decidiu erradamente sobre as questões por ele colocadas na petição inicial, referindo que não atendeu este aos argumentos que – na sua opinião – lhe dariam razão, tendo decidido contra si. 2) Relativamente às questões colocadas, refere, por um lado, que houve omissão da notificação para alegações por escrito estabelecida no artigo 120º do CPPT, por terem existido elementos de prova juntos aos autos, ordenados pelo Tribunal a quo ao Representante da Fazenda Pública; por outro, entende o Recorrente que o facto de o reforço da provisão para riscos gerais de crédito, no montante de € 1.378.437,98, não traduz, materialmente, um reforço de tais provisões, pelo que não tem relevância fiscal. 3) Quanto à primeira questão, sempre se dirá que os elementos ordenados juntar estavam na posse de ambas as partes, não podendo o Recorrente furtar-se a este entendimento, por várias vezes os invocar em sede de petição inicial da impugnação judicial e, anteriormente a esta, em termos de exercício do direito de audição prévia relativamente ao projecto de Relatório da Inspecção Tributária, da reclamação graciosa e do recurso hierárquico que apresentou, não podendo ignorar que os conhecia (e detinha, inclusivamente) – para tanto, basta conferir os documentos juntos com a petição inicial. 4) Não eram, desta forma, elementos novos ou produção de prova que não conhecia anteriormente ou que viesse supervenientemente a ser junta por ser ignorada a sua existência anterior, pelo que não padece a sentença de nenhum vício de omissão de notificação para alegações por escrito que redunde numa nulidade, pois os elementos juntos apenas vieram confirmar o conhecimento do Tribunal a quo, até porque as questões que a recorrente invoca agora não diferem dos esclarecimentos prestados na petição inicial. 5) Em termos da segunda questão, refere o recorrente que o reforço da provisão para riscos gerais de crédito no montante de € 1.378.437,98, não traduz materialmente um reforço de tais provisões, já que esse montante foi concomitantemente objeto de transferência contabilística para contas de provisões para risco específico de crédito, promovendo o efetivo reforço destas últimas nos termos previstos no aviso 3/95 do Banco de Portugal, concluindo que este não contribuiu para influenciar o resultado fiscal do exercício de 2003, reconduzindo os valores em causa a uma simples operação contabilística. 6) Parece preferir olvidar o Recorrente, no entanto, o regime jurídico estabelecido na Lei nº30-G/2000, de 29 de dezembro, que veio proibir a constituição de provisões por riscos gerais de crédito, estabelecendo um regime transitório para os exercícios de 2001 e 2002, transitoriedade essa que já não abrange o exercício em discussão nos autos, pelo que existiu uma violação objetiva deste regime jurídico, que redundou numa não sujeição a tributação do valor vertido – e proibido por Lei – na referida conta. Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas., Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser considerado totalmente improcedente, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!» * A Exma. Magistrada do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. * Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão. * Objecto do recurso- Questões a apreciar e decidir: As questões suscitadas pela Recorrente e delimitadas pela alegação de recurso e respectivas conclusões [nos termos dos artigos 5º, 608º e 635 todos do CPC “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT] são as seguintes: (i) - saber se a sentença deve ser reformada quanto a custas; (ii) - saber se a sentença recorrida se encontra afectada por nulidade processual nos termos previstos no artigo 195º, nº 1 do CPC, decorrente da falta de notificação às partes para apresentarem alegações escritas (artigo 120º do CPPT); (iii) - saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto e em erro de julgamento de direito, por errada interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis à situação dos autos e, consequentemente, ao ter concluído pela improcedência da impugnação. * 2 - FUNDAMENTAÇÃO 2.1. De facto É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:
1) O Banco ……, S.A., foi objeto de uma ação inspetiva, desenvolvida a coberto das Ordens de Serviço n.º OI200600... e OI200600..., a qual teve como objeto o IRC dos períodos de 2003 e 2004 (cfr. doc. n.º 6, apresentado com a petição inicial, a fls. 97 do suporte físico do processo). 2) Em 2 de outubro de 2006, a Direção de Serviços de Inspeção Tributária elaborou o relatório de inspeção, na qual se propôs a correção, de natureza aritmética, à matéria tributável do exercício de 2003, do Banco……., S.A., no valor de € 5.555.883,78, com fundamento no seguinte: “(…) III.1.Exercício de 2003 (…) III.1.1.1.2.Provisões III.1.1.1.2.1. Provisão para riscos gerais de crédito - € 1.378.437,98 (alínea d) do n.º 1 do art. 34º, do CIRC) Constatou-se, através da análise ao mapa de provisões modelo 30, ao mapa dos níveis mínimos de provisões, bem como dos respectivos mapas auxiliares e dos balancete à data de 31/12/03, que o sujeito passivo procedeu, no exercício de 2003, ao reforço da provisão para riscos gerais de crédito, no montante de € 1.378.437,98, contabilizado na conta 7990 – “Provisões do exercício – Para riscos gerais de crédito”. No entanto, de acordo com a alínea d) do n.º 1 do art. 34º, do CIRC, com a redacção dada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29/12, com efeitos a partir do exercício de 2003, a provisão para riscos gerais de crédito não é fiscalmente dedutível, pelo que a sua constituição ou reforço do exercício terá que ser acrescida ao lucro tributável. Deste modo, dado o banco ter considerado como custo do exercício o reforço desta provisão e não ter procedido ao seu acréscimo ao lucro tributável, nos termos da legislação atrás mencionada, procedeu-se à sua correcção ao lucro tributável no montante de € 1.378.437,98. (…)”(cfr. doc. n.º 6, apresentado com a petição inicial, a fls. 101 e 109 do suporte físico do processo). 3) Em 9 de outubro de 2006, a Administração Tributária efetuou a liquidação n.º 2006 8310037..., relativo ao exercício de 2003, pelo qual resultou o valor a pagar, pelo Banco……., S.A., de € 1.386.554,92 (cfr. doc. n.º 1, apresentado com a petição inicial, a fls. 36 do suporte físico do processo). 4) Em 12 de março de 2007, o Banco……, S.A., apresentou reclamação graciosa contra o ato de liquidação n.º 2006 8310037... (cfr. doc. n.º 2, apresentado com a petição inicial, a fls. 39 a 52 do suporte físico do processo). 5) Em 12 de outubro de 2007, o Banco….., S.A., apresentou recurso hierárquico contra o ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa expressa em 4) (cfr. doc. n.º 4, apresentado com a petição inicial, a fls. 61 a 81 do suporte físico do processo). 6) O Banco……., S.A., preencheu a declaração modelo 30, de IRC, do exercício de 2003, relativo a provisão para créditos de cobrança duvidosa e provisões por depreciação de títulos de investimento, nos termos seguintes: (“texto integral no original; imagem”) (cfr. fls. 622 do suporte físico do processo). 7) De acordo com as notas explicativas constantes do mapa de provisões referenciado em 6), foram feitas as seguintes observações: (“texto integral no original; imagem”) (cfr. fls. 622 verso do suporte físico do processo). 8) O Banco…., S.A., preencheu a declaração modelo 30, de IRC, do exercício de 2003, relativo a provisão para riscos gerais de créditos, nos termos seguintes: (“texto integral no original; imagem”) (cfr. fls. 623 do suporte físico do processo).9) De acordo com as notas explicativas constantes do mapa de provisões referenciado em 8), foram feitas as seguintes observações: (“texto integral no original; imagem”) (cfr. fls. 623 verso do suporte físico do processo).10) De acordo com o escrito denominado de “movimento de provisões – Aviso nº 3/95”, reportado a dezembro de 2003, o Banco….., S.A., fez constar, no ponto 9, relativo aos riscos gerais de crédito, o seguinte: (“texto integral no original; imagem”) (cfr. fls. 635 do suporte físico do processo).* Da instrução da causa inexistem factos não provados.* O Tribunal fundou a sua convicção a partir da análise aos documentos constantes do suporte físico do processo, nos termos especificados.* 2.2. De direito Expostas as questões que foram postas à apreciação deste Tribunal, importa entrar na análise do presente recurso jurisdicional. A título de questão prévia (i), a Recorrente, na conclusão B), requer “a reforma da decisão proferida quanto a custas, solicitando a delimitação da sua condenação em custas à parte correspondente ao decaimento no âmbito da presente impugnação judicial, atendendo ao prévio «julgamento de procedência da [presente] impugnação judicial na parte em que se refere à correção respeitante ao ato de infidelidade do colaborador da ora Recorrida [no valor de €€ 4.177.445,80], (requerimento que, não obstante dirigido ao Tribunal a quo, deverá, de acordo com o disposto no n.° 3 do artigo 616.° do CPC, ser feito nas presentes alegações)”. Vejamos. Dispõe o artigo 616º do CPC que: 1 - A parte pode requerer, no tribunal que proferiu a sentença, a sua reforma quanto a custas e multa, sem prejuízo do disposto no n.º 3. 2 - Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz: a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos; b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida. 3 - Cabendo recurso da decisão que condene em custas ou multa, o requerimento previsto no n.º 1 é feito na alegação. Por seu turno, dispõe o artigo 617º do CPC o seguinte: 1 - Se a questão da nulidade da sentença ou da sua reforma for suscitada no âmbito de recurso dela interposto, compete ao juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso, não cabendo recurso da decisão de indeferimento. 2 - Se o juiz suprir a nulidade ou reformar a sentença, considera-se o despacho proferido como complemento e parte integrante desta, ficando o recurso interposto a ter como objeto a nova decisão. 3 - No caso previsto no número anterior, pode o recorrente, no prazo de 10 dias, desistir do recurso interposto, alargar ou restringir o respetivo âmbito, em conformidade com a alteração sofrida pela sentença, podendo o recorrido responder a tal alteração, no mesmo prazo. 4 - Se o recorrente, por ter obtido o suprimento pretendido, desistir do recurso, pode o recorrido, no mesmo prazo, requerer a subida dos autos para decidir da admissibilidade da alteração introduzida na sentença, assumindo, a partir desse momento, a posição de recorrente. 5 - Omitindo o juiz o despacho previsto no n.º 1, pode o relator, se o entender indispensável, mandar baixar o processo para que seja proferido; se não puder ser apreciado o objeto do recurso e houver que conhecer da questão da nulidade ou da reforma, compete ao juiz, após a baixa dos autos, apreciar as nulidades invocadas ou o pedido de reforma formulado, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o previsto no n.º 6. 6 - Arguida perante o juiz que proferiu a sentença alguma nulidade, nos termos da primeira parte do n.º 4 do artigo 615.º, ou deduzido pedido de reforma da sentença, por dela não caber recurso ordinário, o juiz profere decisão definitiva sobre a questão suscitada; porém, no caso a que se refere o n.º 2 do artigo anterior, a parte prejudicada com a alteração da decisão pode recorrer, mesmo que a causa esteja compreendida na alçada do tribunal, não suspendendo o recurso a exequibilidade da sentença. Constata-se que a ora Recorrente requereu, tempestiva e adequadamente, a reforma da sentença quanto a custas. Fê-lo, como se vê, no prazo de recurso e na própria alegação. Contrariando o disposto no nº 1 do artigo 617º do CPC, o Mmo. Juiz a quo não se pronunciou sofre a referida reforma, tendo o recurso subido ao Tribunal ad quem. Isto mesmo resultará mais claro adiante. * Vejamos, então, passando de imediato à apreciação da questão previamente autonomizada em (ii) supra, a saber: saber se a sentença recorrida se encontra afectada por nulidade processual nos termos previstos no artigo 195º, nº 1 do CPC, decorrente da falta de notificação às partes para apresentarem alegações escritas, nos termos do artigo 120º do CPPT. Está em causa, portanto, uma eventual nulidade secundária, anterior à sentença e traduzida, segundo a Recorrente, na omissão pelo tribunal recorrido da notificação das partes para produção de alegações escritas, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 120º do CPPT, o que configura uma nulidade processual de acordo com o artigo 195º, nº 1 do CPC. Vejamos. As nulidades processuais “são quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder - embora não de modo expresso - uma invalidade mais ou menos extensa de actos processuais” - cf. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1956, pag.176. Segundo o artigo 114º do CPPT, “não conhecendo logo do pedido, o juiz ordena as diligências de produção de prova necessárias, as quais são produzidas no respectivo tribunal”. Por seu turno, prescreve o artigo 120º do CPPT que “finda a produção da prova, ordenar-se-á a notificação dos interessados para alegarem por escrito no prazo fixado pelo juiz, que não será superior a 30 dias”. Apresentadas as alegações ou findo o respectivo prazo e antes de proferida a sentença, será dada vista dos autos ao Ministério Público (artigo 121º, nº 1 do CPPT). Ora, da análise dos autos resulta que: - por acórdão proferido pelo STA, foi mantida a anulação de uma das correcções que estiveram na base do acto tributário de liquidação adicional contestado, ordenando-se, quanto ao mais, a anulação parcial da sentença e a ampliação da matéria de facto para conhecimento de outro dos montantes corrigidos; - seguidamente, o Mmo. Juiz do TAF de Ponta Delgada proferiu despacho do qual consta, além do mais, que “a matéria a dar resolução nestes autos e que vem alegada e concretizada nos artigos 41º a 65º da petição inicial (nomeadamente o disposto no artigo 58º), carecem de prova pericial”; - a Impugnante, concordando com a pertinência da perícia, formulou, por referência à matéria alegada, 10 quesitos; - em 21/09/17, foi determinada perícia singular, fixados os quesitos e nomeado o Senhor Perito; - em 23/09/17, o Mmo. Juiz ordenou a notificação da RFP a fim de juntar aos autos os seguintes documentos: “o mapa de provisões modelo 30, o mapa de níveis mínimos de provisões e respectivos mapas auxiliares, bem como o balancete da impugnante à data de 31/12/2003” e, ainda, as declarações Mod. 22, de 2002 e 2003. - considerando a importância para a perícia dos documentos cuja junção havia sido ordenada, o Mmo. Juiz proferiu despacho determinando, além do mais, que o Senhor Perito aguardasse “novas indicações do Tribunal, não devendo, para já, dar início à diligência”; - em Outubro de 2017, o RFP juntou aos autos os seguintes elementos: o mapa de provisões modelo 30, o mapa de níveis mínimos de provisões e respectivos mapas auxiliares, balancete da impugnante à data de 31/12/2003 e, ainda, as declarações Mod. 22 de 2002, 2003 e 2004; - foi ordenada a notificação de tais elementos à parte contrária; - seguidamente, foi proferido despacho dando sem efeito a perícia antes ordenada, por se ter entendido que os documentos juntos pela FP eram “base suficiente para responder às questões submetidas ao Tribunal”; disto se deu conhecimento ao Senhor Perito; - de imediato, foi proferida a sentença objecto dos presentes autos. Portanto, após a junção dos documentos pela FP e proferido o despacho dando sem efeito a perícia antes ordenada, a Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal Ponta Delgada proferiu a sentença que agora se encontra sob recurso, sem que tenha ordenado a notificação das partes (Impugnante e FP) para produzirem alegações escritas, nos termos previstos no artigo 120º do CPPT. E a questão que, assim, se coloca é a de saber se ao omitir tal notificação, o tribunal recorrido praticou a nulidade processual que vem invocada pela Recorrente. Vimos já que, a FP, e também o Ministério Público, entendem que tal omissão, no caso, não releva enquanto nulidade processual. Em síntese, defendem que os documentos juntos pela FP não eram elementos novos ou prova que a Recorrente não conhecesse, pelo contrário; assim, salienta a EMMP, “a obrigatoriedade do cumprimento do artigo 120º do CPPT só será de observar no caso de ter sido produzida prova desconhecida da outra parte, circunstância que no caso em apreço não se verificou pois ocorreu a junção de documentos a que já se aludira e indicara no RIT o respectivo conteúdo”. Ainda que este Tribunal perceba a pertinência e o alcance do entendimento, quer da FP, quer da EMMP, em face da origem dos documentos juntos, e admitindo-se que a situação em análise, numa primeira abordagem, possa não ser inequívoca, entendemos, porém, que, no caso, atentas as concretas especificidades do mesmo, assiste razão à Recorrente. Vejamos, então, recuperando o teor do acórdão do STA, de 17/05/17, proferido no processo nº 302/17, no qual se pode ler o seguinte: “Como ficou dito no referido acórdão do Pleno, que passamos a citar (Permitindo-nos apenas introduzir as alterações requeridas pelo vigência do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 36/2013, de 12 de Agosto, e, bem assim, por razões de ordem prática, passar as notas que no original estavam em rodapé para o texto, onde serão entre parêntesis rectos.), «tendo havido junção ao processo de documentos com relevo probatório […], os quais relevaram para a especificação da matéria de facto julgada provada, impunha-se que se concedesse às partes a possibilidade de alegarem sobre esta matéria, não só sobre a relevância factual que podem ter os elementos em questão, mas também sobre as ilações jurídicas que daí se podem retirar. É que, por um lado, não vemos razões legais para limitar as alegações aos casos de produção de prova testemunhal. Mas, por outro lado […] o facto de cada uma das partes ter tido oportunidade de se pronunciar sobre os documentos apresentados pela parte contrária, não dispensa as alegações, designadamente porque, enquanto o prazo legal para as partes se pronunciarem sobre documentos apresentados pela parte contrária é o prazo geral de 10 dias [art. 149.º, nº 1, do CPC, aplicável por força do disposto no art. 2.º, alínea e), do CPPT], o prazo para alegações é fixado pelo juiz, podendo estender-se até 30 dias, nos termos do transcrito art. 120.º. Também nos acórdãos desta Secção do STA, de 11/3/2009 e de 28/3/2012, respectivamente, nos procs. n.º 01032/08 e n.º 062/12, ficou consignado que «a junção do processo administrativo impõe que, em regra, se tenha de passar à fase das alegações, não podendo haver conhecimento imediato do pedido, sob pena de violação do princípio do contraditório e da igualdade dos meios processuais ao dispor das partes (artigos 3.º, n.º 3, do CPC e 98.º da LGT)». E o Cons. Jorge Lopes de Sousa igualmente salienta que «No caso de se estar perante uma situação em que deva ocorrer o conhecimento imediato, designadamente se forem juntos documentos pelas partes após a contestação, não pode dispensar-se a notificação das partes para alegações, a fim de se poderem pronunciar sobre a relevância desses documentos para a decisão da causa. Mesmo que, na sequência da junção de documentos por cada uma das partes, a parte contrária tenha sido notificada da junção e se tenha pronunciado, não pode dispensar-se a notificação das partes para alegações …». (2) [(2) Ob. cit., volume II, p. 298 (nota 8 ao art. 120.º)] Aliás, o mesmo autor também acrescenta (3) [(3) Ibidem, nota 3 ao art. 113.º, p. 249] que, nos casos em que o representante da Fazenda Pública contestar, sendo obrigatória a junção do processo administrativo, que deverá conter informações oficiais [arts. 111.º, n.º 2, alíneas a) e b), do CPPT], que são um meio de prova (art. 115.º, n.º 2), em regra não poderá haver conhecimento imediato do pedido, tendo de passar-se à fase de alegações, mesmo que não haja outra prova a produzir, por imperativo do princípio do contraditório (art. 3.º, n.º 3, do CPC), pois só assim se torna possível evitar que a administração tributária usufrua de um privilégio probatório especial na instrução do processo e se confere aos princípios do contraditório e da igualdade dos meios processuais uma verdadeira dimensão substantiva (art. 98.º da LGT)». Ora, no caso em análise, e como deixámos evidenciado quando elencámos as diversas ocorrências dos autos, os elementos documentais foram juntos pela FP, a pedido do Tribunal, e – não se questiona – têm origem na Impugnante. A verdade é que, até aí, tais documentos não constavam dos autos, nem se extraía da alusão aos mesmos a pertinência que lhes veio a ser dada na sentença, na qual esses mesmos elementos foram relevados na fixação dos factos provados (como resulta da leitura da sentença, maxime da fundamentação do julgamento da matéria de facto - cfr. pontos 6 a 10 dos factos provados), mas sobretudo porque, como evidenciámos, a junção de tais documentos foi decisiva para o Mmo. Juiz dar sem efeito a perícia anteriormente ordenada pelo Tribunal. Com efeito, e como dissemos, foi perante a junção de tais documentos e, certamente, perante as consequentes ilações jurídicas que daí o Tribunal logo retirou, que o Mmo. Juiz a quo veio a considerar que havia “base suficiente para responder às questões submetidas ao Tribunal”, o que fez perder a utilidade da perícia ordenada. Por conseguinte – pressupõe-se – onde antes o Tribunal tinha considerado insuficiente a prova carreada para os autos, com a junção de tais elementos ficou tal insuficiência colmatada. E, com todo o respeito pela opinião contrária, a verdade é que o facto de os documentos juntos serem do conhecimento da Impugnante em nada altera as considerações que fizemos anteriormente, pois – repete-se – nunca os mesmos haviam sido juntos aos autos, nem dos memos havia sido extraído o circunstancialismo fáctico, nem as ilações de direito que posteriormente os mesmos permitiram. Assim, o facto de os elementos de prova (efectivamente utilizados no julgamento da matéria de facto) terem origem na própria Impugnante, não dispensa a necessidade de se conceder às partes a possibilidade de sobre eles alegarem. Consequentemente, concluímos que, no caso sub judice, não tendo as partes sido notificadas para produzirem alegações, ocorreu no processo uma omissão susceptível de influir no exame e decisão da causa, o que determina a anulação da sentença nos termos do artigo 195.º do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT, e tem como consequência a anulação dos termos processuais subsequentes, segundo o disposto no artigo 98.º, n.º 3, do CPPT. Nestes termos, dando provimento ao recurso da sentença, declararemos a nulidade decorrente da omissão da notificação para os efeitos previstos no artigo 120.º do CPPT, com a consequente anulação da sentença recorrida, e ordenaremos que os autos regressem ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, para aí prosseguirem, após o suprimento da nulidade, com a fixação de prazo para alegações e a notificação das partes para esse efeito, seguindo-se os ulteriores termos processuais. Face ao decidido, fica prejudicado o conhecimento das demais questões colocadas neste recurso jurisdicional. * 3 - DECISÃO Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder provimento ao recurso da sentença, declarar a nulidade decorrente da omissão da notificação para os efeitos previstos no artigo 120.º do CPPT, com a consequente anulação da sentença recorrida, ordenando-se que os autos regressem à 1.ª instância, para aí prosseguirem, com o suprimento da nulidade e ulteriores termos processuais. Sem custas. Lisboa, 28/03/19 (Catarina Almeida e Sousa) (Vital Lopes) (Hélia Gameiro) |